Não é neccessário vivermos ao lado de alguém para nos sentirmos ligados a esse alguém mais do que a qualquer outra pessoa...

domingo, 17 de julho de 2022

TempoS e MorteS...


    Sete ensaios sobre livros, a profissão de alfarrabista e de crítico literário, com considerações políticas e recordações autobiográficas.

  No primeiro ensaio, que dá o título ao livro, o autor, perante alguém que lhe diz que os livros são caros, decide fazer algumas contas para comparar gastos entre livros e outras leituras e em álcool/tabaco... 
    Em Memórias de um Livreiro, recorda a época em que trabalhou num alfarrabista, fazendo considerações o tipo de pessoas que frequentavam a loja, os seus hábitos e os livros que liam. Em seguida, Confissões de um Crítico Literário é uma dissertação sobre o trabalho do crítico literário e da sua obrigatoriedade em escrever recensões elogiosas sobre livros que não lhe agradam. A Prevenção da Literatura, o ensaio mais político, reflete sobre a liberdade de imprensa, associada à possibilidade de ter opiniões contrárias, tecendo considerações sobre a influência nefasta do totalitarismo na literatura.  Um, Dois, Esquerda ou Direita – O Meu País e Assim Morrem os Pobres são relatos de momentos da vida do autor. Por fim, Ah, Ledos, Ledos Dias consiste numa memória dos tempos passados no colégio interno de St. Cyprian’s, com reflexões sobre as diferenças de tratamento a que foi sujeito, a neglicência de saúde de higiene, e as dificuldades que teve em perceber que não era ele que estava errado, fazendo muitas considerações sobre a importância da educação no desenvolvimento do adulto.
    
... nunca fui muito de ler ou escrever. Contudo, aqui estou eu esta manhã, diante de um volumoso caderno, a tentar redigir as minhas memórias.(...) eu, Hayri Irdal, sempre defendi a sinceridade absoluta. Que sentido faz sequer escrever se não podemos dizer honestamente o que queremos?














"Tudo o que sabemos sobre o tempo pode estar errado." Mário Rufino 

"O tempo existe inteiramente no presente, na nossa mente, como memória (passado) e como antecipação (futuro). 

As 3000 páginas de Em Busca do Tempo Perdido são excelente exemplo oriundo da literatura. Proust demonstra que a linearidade é falsa. As memórias são organizadas por acontecimentos, obedecendo a um “granulado” em detrimento de um conceito rectilíneo."

 "Não existe um tempo único. Existem legiões de tempos, um para cada ponto do espaço. Se há mais do que um, qual deles é o verdadeiro, o normativo? Segundo o autor, não há um mais verdadeiro do que o outro. Há vários tempos marcados por relógios reais e diferentes. Essa multiplicidade de tempos e a relação entre eles são o objecto de estudo da Física. No século XIX e XX, a Física começou a defender que não existe diferença entre passado e futuro, entre causa e efeito. É uma questão de focagem e desfocagem." Além da influência da massa e da ausência de linearidade, há a questão de velocidade. As experiências e as ideias de Einstein são bem conhecidas. O cientista alemão compreendeu que o tempo também é desacelerado pela velocidade. Um relógio dentro de um avião atrasa em relação a um relógio que fica em terra; ou seja, um relógio em movimento marca menos segundos. O tempo é contraído.

 Assim sendo, o “tempo próprio” não depende apenas de onde se está, da proximidade ou não de massas, mas também da velocidade em que se move. É mais do que elástico; simplesmente não passa com a mesma velocidade em todo o lado. Lembremo-nos de Alice e do Coelho Branco:
     “Por quanto tempo é para sempre?”, pergunta Alice.
     “Às vezes, apenas um segundo.”, responde o coelho. 
 A realidade de Alice é diferente por o tempo ser diferente. A visão sobre o tempo espelha-se na linguagem, no verbo, espelho de uma realidade fundamentada em ideias sobre a regência temporal. Alice vive num mundo diferente porque o tempo é visto de forma diferente. A perda de unicidade, direcção, independência, presente e continuidade não põe em causa, segundo Rovelli, o mundo ser uma rede de acontecimentos, não uma rede de Rovelli, com ajuda das palavras de Horácio, nunca esquece o leitor, nem abandona a pedagogia, quando desmonta a nossa intuição. É uma das razões para o livro resultar tão bem: o leitor faz parte da comunicação. Não é esquecido. Outra das razões é a constante presença da literatura nas explicações de Rovelli. Principalmente a capacidade de contar histórias. Rovelli conta-nos uma história sobre a História do Tempo. Ao longo da sua narrativa não tem pudor em confessar que “não sabemos como o tempo realmente funciona. A natureza do tempo talvez seja o maior.” 

 “A Ordem Tempo” demonstra que as nossas ideias sobre o mundo estão ou podem estar erradas. Finda a leitura, as intuições do leitor deixam de ser as mesmas. O abalo gera incredulidade e impõe a necessidade de adequar o pensamento a uma nova gramática."

        Geralmente pensamos o tempo como algo simples, fundamental, que passa uniformemente, indiferente a tudo, do passado para o futuro, medido pelos relógios. No decorrer do tempo, temos uma sucessão ordenada dos eventos do universo: passados, presentes, futuros; o passado está dado; o futuro, aberto… Pois bem, tudo isso se revelou falso. 

       A Terra é uma grande massa e desacelera o tempo perto dela. Mais no vale e menos na montanha, porque a montanha está um pouco mais distante da Terra. Por isso o amigo do vale envelhece menos.

    Muitas vezes dizemos que as causas precedem os efeitos, mas na gramática elementar das coisas não existe distinção entre «causa» e «efeito». Existem regularidades, representadas por aquilo a que chamamos leis físicas, que ligam eventos a tempos diferentes, regularidades simétricas entre futuro e passado. 


      A diferença entre coisas e eventos é que as coisas permanecem no tempo. Os eventos têm duração limitada. Um protótipo de uma «coisa» é uma pedra: podemos perguntar-nos onde estará amanhã. Um beijo, por sua vez, é um «evento». Não faz sentido perguntar para onde foi o beijo amanhã. O mundo é feito de redes de beijos, não de pedras. 

      «Este livro tão breve, uma das maiores obras-primas do espírito humano, tem sido, desde a sua publicação, um motivo de controvérsia para a crítica: trata-se de uma obra sobre a morte ou de uma obra que nega a morte?» António Lobo Antunes

    O próprio facto da morte de um amigo despertou, como sempre, em todos os que souberam da noticia, um sentimento de alegria: não fui eu; foi ele que morreu. 

  Chorou como uma criança. Chorou por causa do seu enorme enfraquecimento, e terrível abandono em que a família o deixava e pela crueldade e ausência de Deus. 

  Aquilo que mais o atormentava era a mentira, aquela mentira que por qualquer razão era aceite por todos, segundo a qual ele estava apenas doente e não estava a morrer… 

  A história de vida de Ivan Ilitch foi das mais simples, das mais comuns e portanto das mais terríveis. 

  E se na verdade toda minha vida tiver sido errada?

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