Não é neccessário vivermos ao lado de alguém para nos sentirmos ligados a esse alguém mais do que a qualquer outra pessoa...

sábado, 6 de abril de 2019

Burgueses...


ULTIMATUM, de Álvaro de Campos
Mandado de despejo aos mandarins da Europa! Fora.
Fora tu , Anatole France , Epicuro de farmacopeia homeopática, tenia-Jaurès do Ancien Régime, salada de Renan-Flaubert em loiça do século dezassete, falsificada!
Fora tu, Maurice Barrès, feminista da Acção, Châteaubriand de paredes nuas, alcoviteiro de palco da pátria de cartaz, bolor da Lorena, algibebe dos mortos dos outros, vestindo do seu comércio !
Fora tu, Bourget das almas, lamparineiro das partículas alheias, psicólogo de tampa de brasão, reles snob plebeu, sublinhando a régua de lascas os mandamentos da lei da Igreja!
Fora tu, mercadoria Kipling, homem-prático do verso, imperialista das sucatas, épico para Majuba e Colenso, Empire-Day do calão das fardas, tramp-steamer da baixa imortalidade !
Fora ! Fora !
Fora tu, George Bernard Shaw, vegeteriano do paradoxo, charlatão da sinceridade, tumor frio do ibsenismo, arranjista da intelectualidade inesperada, Kilkenny-Cat de ti próprio, Irish Melody calvinista com letra da Origem das Espécies!
Fora tu, H. G. Wells, ideativo de gesso, saca-rolhas de papelão para a garrafa da Complexidade !
Fora tu, G. K. Chesterton, cristianismo para uso de prestidigitadores, barril de cerveja ao pé do altar, adiposidade da dialéctica cockney com o horror ao sabão influindo na limpeza dos raciocínios !
Fora tu, Yeats da céltica bruma à roda de poste sem indicações, saco de podres que veio à praia do naufrágio do simbolismo inglês!
Fora ! Fora !
Fora tu, Rapagnetta-Annunzio, banalidade em caracteres gregos, «D. Juan em Patmos» (solo de trombone)!
E tu, Maeterlinck, fogão do Mistério apagado!
E tu, Loti, sopa salgada, fria!
E finalmente tu, Rostand-tand-tand-tand-tand-tand-tand-tand!
Fora! Fora! Fora!
E se houver outros que faltem, procurem-nos aí para um canto!
Tirem isso tudo da minha frente!
Fora com isso tudo! Fora!


Les bourgeois c'est comme les cochons Plus ça devient vieux plus ça devient bête...




Um marido enganado pela mulher defunta; um casal num jantar de amigos, elas amigas íntimas dele; um recém-viúvo percorrendo a lista das suas conquistas mais assíduas, dois homens de meia-idade recordam, no luxo das suas casas, os tempos de jovens revolucionários; doutores, engenheiros, administradores em tensão, todos numa certa vivenda, banco de grandes investimentos; uma enfermaria de hospital; cortejo e exéquias; engates de esquina; os filhos dos outros; traições e uma vingança sórdida... Enfim, o retrato irónico da sociedade portuguesa

"Cafarnaum, hissopadas, argueirices, ventrudo, tasquinhar, cambulhada, perlenga, gaifonas, vezos, ancho, hausto, rifoneiro... A enumeração é longa, mas ilustrativa do léxico variegado a que Mário de Carvalho recorre nos seus romances, nos seus contos, nas 11 histórias curtas deste Burgueses Somos Nós Todos ou Ainda Menos. É uma continuada festa da língua portuguesa, feita de homenagens a antiquíssimos cultores do idioma, escritores de outros tempos, nem sempre assim tão distantes. Um arco-íris também semântico que ganha significado acrescido numa época em que a palavra portuguesa mais usada é... “coisa”. Em Mário de Carvalho nada se generaliza nem se empobrece. A cada coisa o seu verbo, substantivo ou adjetivo – individual e único."- Luís Ricardo Duarte

- Ainda me sinto pouco à vontade no papel de viúvo. Nunca tinha experimentado - respondi eu.
- É o cinismo do costume, Rogério? - Lábio e cenho empertigados, olhar de lado, pronta a despiques. Daqueles que acabam em rendição.
- Não estou preparado para a viuvez. Não me é habitual. É tudo.
Ela hesitou entre o desconfiado e o maternal. Ganhou o maternal, que ia tomando, pouco a pouco, um travo sedutor. Falou, falou, falou… De vez em quando, sem interromper a desenvoltura, erguia os olhos e passava a língua pelo lábido superior. Incomodava-me ouvir a falecida refigurada por aquela memória e por aquela imaginação. Percebia-se que não era íntimas e que o abstracto exercício de bendizer se poderia aplicar ao lado apresentável de quem quer que fosse.
Interrompi-a de súbito:
- Você não está arrependida?
- De quê?


Finisterra: a precisão e a ambiguidade..

Finisterra (em galego e oficialmente Fisterra ) é um município de Espanha, na província da Corunha, comunidade autónoma da Galiza. O seu nome deriva da expressão latina finis terrae, isto é "fim da terra". O cabo Finisterra, que se estende a sul-sudoeste da vila, situada cerca de 100 km a oeste de Santiago de Compostela, é considerado por muitos o verdadeiro fim do Caminho de Santiago, havendo muitos peregrinos que após visitarem Santiago e a sua catedral, continuam a peregrinação até ao extremo do cabo.

O cabo Finisterra é popularmente tido como o ponto mais ocidental da Espanha. Diz-se que, antes da viagem de Colombo, em 1492, era considerado como o ponto extremo do mundo conhecido, algo muito estranho pois tal distinção devia ser antes atribuída ao cabo Touriñán, também na Galiza, e mais ainda ao cabo da Roca, já em território português, verdadeiramente o ponto mais ocidental da Europa continental, facto que é referido no Canto III de Os Lusíadas.


" Finisterra (1978), proposto como romance, é antes uma alegoria ficcionalmente articulada que pode ser lida na perspetiva de uma espécie de cartografia imaginária do autor, constituindo assim a melhor introdução ou o melhor comentário à sua obra." Herberto Helder

Casa na Duna está na origem de Finisterra, até pelo "tema" comum: a decadência de uma casa e de uma família da burguesia rural.

Carlos de Oliveira fez uma aposta ( falhada?) no neorrealismo... Este romance é o último, um fim que se pretenderia um início, um fronteira com a obra literior.


«De vez em quando a insónia vibra com a
nitidez dos sinos, dos cristais. E então, das duas
uma: partem-se ou não se partem as cordas tensas
da sua harpa insuportável.
No segundo caso, o homem que não dorme
pensa: "o melhor é voltar-me para o lado esquerdo
e assim, deslocando todo o peso do sangue sobre a metade mais gasta do meu corpo, esmagar o coração".»



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