Não é neccessário vivermos ao lado de alguém para nos sentirmos ligados a esse alguém mais do que a qualquer outra pessoa...

quarta-feira, 1 de abril de 2020

Vulgaridades...




BACK TO THE OLD HOUSE
Boy meets girl na biblioteca. Os teus olhos eram
tão cúmplices, dir-se-ia que tínhamos escrito juntos
todos esses livros. Uma única tarde podia levar-nos
longe demais para os barcos, era fácil esquecer
que lá fora havia apenas uma cidade pequena
com o inverno nos vidros.

Os livros permanecem onde os abandonámos
mas o tempo baralhou as pistas que nos guiavam
nesse labirinto. Lembrar-me de ti significa
medir uma distância dentro de mim próprio.
Serve isto para dizer o quanto nos afastámos da casa velha
onde era costume estar perto de ti dias inteiros.






"Eu son Balbino. Un rapaz da aldea. Coma quen di, un ninguén. E ademais, pobre."

Así comeza o libro "Memorias dun neno labrego, publicado por Xosé Neira Vilas na Arxentina o 5 de xaneiro de 1961. É considerada a obra máis editada da literatura galega con perto dun millón de exemplares vendidos, 36 edicións, premiado coa Medalla de Ouro de Galiza e traducido a castelán, alemán, asturiano, catalán, éuscaro, portugués, inglés, esperanto, ruso, chinés, xaponés, italiano, checo, búlgaro, maia, braile e francés.

Tamén foi adaptado ao teatro por Cándido Pazó

"Energia e Ética", de Gonçalo M.Tavares, um poema que poderia parecer vulgar, mas não o é...

Sei isto: a minha energia está canalizada
Para a palavra fazer, gosto da ideia da construção
E o que dela existe nos movimentos normais.
Agrada-me a palavra engenharia e o que ela
Representa: não saias de um sítio sem deixares algo
Atrás de ti
. Dirijo-me apenas às coisas que me excitam
Positivamente e me levam a fazer outras coisas, dirijo-me
Às pessoas de que gosto, nunca às de que não gosto;

Sempre me pareceu insensato que se pare,
Nem que por um momento, de admirar, há
Sempre actos e coisas que nos ajudam
neste cálculo infernal da distância entre o dia de hoje
e a nossa morte. E qualquer pessoa dar um passo que seja
em direcção ao que não aprecia, para insultar, ou derrubar,
parece-me brutal perda de tempo, uma falha grave
no órgão de admirar o mundo
(deves combater uma ou duas vezes na vida,
se combateres duzentas vezes
é porque os combates são fracos).
Não sei pois como viver. O que li e vi
Serve-me apenas para ser mais lúcido, não
Para ser melhor pessoa.
Adquiri esta regra (ou nasci com ela):
- e é talvez uma moral -
mover-me apenas em direcção ao que gosto.
Se o prédio alto, escuro, feio
me impede de ver o sol, não fico a insultá-lo, não
moverei um dedo para o deitar abaixo:
contorno sim os edifícios necessários
até chegar ao espaço de onde possa receber aquilo que
quero. Se chegar lá de noite, montarei acampamento



Histórias"vulgares"...

Corria o ano de 1666, ano da grande peste e do grande incêndio de Londres. Neste ano muita gente achava que o mundo ia acabar, por causa do fatídico número 666. O escritor libanês Amin Maalouf escreveu um belo livro sobre o assunto: "O Périplo de Baldassare".
A 2 de Fevereiro de 1666, João Carvalho de Gouveia, "médico dos frades de Alcobaça", vinha denunciar à Inquisição a Gaspar Reis de Brito, homem muito rico e poderoso na terra, com ascendência judaica. Gaspar tentara entrar para a Confraria da Misericórida, mas não fora aceite por causa da sua ascendência. Furioso, ameaçou que Alcobaça iria ver "uma coisa grande".
Azar. A Igreja da Misericóridia ardeu completamente. O documento diz ainda que foi Gaspar Reis quem pagou as pinturas retábulo, após a reconstrução.
Mesmo assim, Gaspar nunca foi incomodado. No entanto, não satisfeito, teve a infeliz ideia de matar a sua própria mulher à facada, e quando isso aconteceu ela gritou: "Cão, foste tu que deitaste fogo à Misericórida". Os vizinhos ouviram e o caso chegou ao Santo Ofício.
Encontrei este documento há mais de quinze anos nos arquivos da Inquisição de Lisboa. Cientificamente não me serve para nada. Mas não interessa. Eu adoro estes pequenos farrapos do tempo.
António Ribeiro

Um problema vulgar: a imperfeição das traduções...

Call me Ishmael. Some years ago - never mind how long precisely - having little or no money in my purse, and nothing particular to interest me on shore, I thought I would sail about a little and see the watery part of the world. It is a way I have of driving off the spleen, and regulating the circulation.


Chamem-me Ismael. Há alguns anos - não importa precisá-lo —, tendo pouco ou nenhum dinheiro no bolso, e nada de especial que me prendesse à terra firme, pensei em embarcar e ver o mundo das águas. É a maneira que tenho de afugentar o fastio e de regular a circulação.

Outras traduções...

Chamem-me simplesmente Ismael. Aqui há uns anos não me peçam para ser mais preciso —, tendo-me dado conta de que o meu porta-moedas estava quase vazio, decidi voltar a navegar, ou seja, aventurar-me de novo pelas vastas planícies líquidas do Mundo. Achei que nada haveria de melhor para desopilar, quer dizer, para vencer a tristeza e regularizar a circulação sanguínea.

Tratem-me por Ismael. Há alguns anos - não interessa quantos - achando-me com pouco ou nenhum dinheiro na carteira, e sem qualquer interesse particular que me prendesse à terra firme, apeteceu-me voltar a navegar e tornar a ver o mundo das águas. É uma maneira que eu tenho de afugentar o tédio e de normalizar a circulação.

Me chamem de Ismael. Alguns anos atrás – não importa precisamente quantos – tendo pouco ou nenhum dinheiro na bolsa, e nada que me interessasse particularmente em terra firme, decidi navegar um pouco por aí e ver a parte aquosa do mundo. É um jeito que tenho de espantar a melancolia e regular a circulação do sangue.

Uma pergunta aparentemente vulgar e , até, estranha: «Onde é a nossa casa?»

Acho que foi Albert Camus que disse que a questão mais premente do nosso tempo é cada homem descobrir onde é a sua casa. Aparentemente é uma ideia estranha, pois a maior parte de nós não tem que se perguntar para onde deve voltar ao crepúsculo. Dia a dia há uma rota que voltamos a trilhar sem especiais hesitações, entre a fadiga e a esperança, cruzando as paredes do tempo: esse é o caminho para nossa casa. Cada um cumpre, mesmo sem especial reflexão, trajetórias e rituais que são seus: a estrada que escolhe para regressar (sempre a mesma, sempre a mudar…); a forma familiar que tem diariamente de rodar a chave; o modo (mais lento, mais repentino) de abrir para o que ali habita; aquela fração de segundo, absolutamente impressiva, antes da primeira palavra, em que a casa inteira parece que vem ao nosso encontro, ofegante ou em puro repouso.

Que quereria dizer Camus quando escreveu: «cada homem tem de descobrir a sua casa»? Muitas vezes, perante as questões fundamentais e o embaraço de não encontrarmos imediatamente para elas respostas conclusivas, a própria atualidade vem em nosso socorro, mostrando como a vida é sempre mais simples que as deferências e os reenvios com que a abordamos. Por vezes basta ver, apenas. Basta-nos tomar um exemplo, tocar uma única entre os milhões de imagens que processam o presente, acolher a breve chama de uma história para que o longo corredor até ao sentido se ilumine.

Que quereria dizer Camus quando escreveu: «cada homem tem de descobrir a sua casa»? Penso que a frase longa esconde este repto mais essencial: cada pessoa não tem apenas a tarefa de descobrir uma habitação. Cada pessoa tem o irrecusável dever de descobrir-se, vivendo com paixão e sabedoria a construção de si, esse processo que, por definição, está em aberto e que ao longo da existência se vai efetivando. Nós somos a nossa casa. E poder dizer isso, com simplicidade e verdade, equivale a perpetuar aquilo que Albert Camus também escreveu: «no meio de um inverno, finalmente aprendi que havia dentro de mim um verão invencível».



Vidas vulgares...

Casi como ignorando el sabor
De la soledad compartida
Quise hacerte una canción
Para cantar despacito
Como se duerme a los niños

Y ya ves, solo palabras
Sobre notas me han salido
Que al igual que tu y que yo
Ni se importan ni se estorban
Se soportan amistosas
Mas no son una canción

Homens vulgares...

Aos 30, o seu pai aparentava 50; encurvado pelo trabalho, contemplava sem esperança o árido pedaço de terra que sustentava a sua família de um ano para o outro. A sua mãe encarava a vida pacientemente, como se fosse uma longa espera que tivesse de suportar.

A sua mãe estava na sua frente, mas não o via. Os seus olhos estavam apertados com força. Ela respirava pesadamente, o«« rosto contorcido de dor, e os punhos cerrados apertados contra as bochechas. Com assombro, Stoner apercebeu-se c de que ela estava a chorar, com força mas silenciosamente, e com a vergonha e o constrangimento de quem raramente chora.

Mas para William Stoner o futuro era uma certeza nítida é inalterável. Aos seus olhos, não era um fluxo de eventos e mudanças e potencialidade, mas um território virgem só à espera de ser explorado. Via-o como a vasta biblioteca da universidade, para a qual novas alas poderiam ser construídas, à qual livros novos poderiam ser adicionados com alguns dos velhos sendo retirados, enquanto a sua verdadeira natureza permanecia essencialmente inalterada. Imaginava o seu futuro só na instituição com a qual tinha se comprometido e a qual compreendia tão imperfeitamente. Imaginava-se mudando esse futuro, mas via o próprio futuro como o instrumento, e não como o objeto da mudança.


O homem vulgar, antes dirigido, resolveu governar o mundo. Esta resolução de avançar para o primeiro plano social produziu-se nele automaticamente assim que amadureceu o novo tipo de homem que ele representa.

O "menino satisfeito" caracteriza-se por "saber" que certas coisas não podem ser e, no entanto, e por isso mesmo, fingir com os seus atos e palavras a convicção contrária.

Não podia portar-se de outra maneira este tipo de homem nascido num mundo demasiado bem organizado, do qual só percebe as vantagens e não os perigos.(...) o "menino bem" não sente nada que o faça sair da sua têmpera caprichosa, que o incentive a ouvir instâncias exteriores a ele e muito menos que o obrigue a tomar contacto com o fundo inexorável do seu próprio destino.


Sem comentários: