As mulheres têm servido há séculos como espelhos, com poderes mágicos e deliciosos de refletir a figura do homem com o dobro do tamanho natural. Sem esse poder, provavelmente, a terra ainda seria pântanos e selvas. As glórias de todas as nossas guerras seriam desconhecidas.
Seja qual for o seu uso nas sociedades civilizadas, os espelhos são essenciais para todas as ações violentas e heroicas. É por isso que tanto Napoleão quanto Mussolini insistiam tão enfaticamente na inferioridade das mulheres, pois, se elas não fossem inferiores, eles deixariam de crescer. Isso explica, em parte, a necessidade que as mulheres representam para os homens. E serve para explicar como eles ficam incomodados com as críticas delas; como é impossível para elas dizerem que tal livro é ruim, tal quadro é medíocre, ou o que quer que seja, sem infligir muito mais tormento e despertar muito mais raiva do que um homem teria causado ao fazer a mesma crítica. Pois se ela resolver falar a verdade, a figura no espelho diminuirá. Como ele continuará a fazer julgamentos, civilizar nativos, criar leis, escrever livros, vestir-se bem e discursar em banquetes, a menos que consiga ver a si mesmo no café da manhã e no jantar com pelo menos o dobro do tamanho que realmente tem?
É de se imaginar que ela seja da maior importância; na prática ela é completamente insignificante. Ela permeia a poesia de capa a capa; está sempre presente na história. Domina a vida de reis e conquistadores na ficção; na vida real, era escrava de qualquer garoto cujos pais lhe enfiassem um anel no dedo. Algumas palavras mais inspiradas, alguns pensamentos mais profundos da literatura vieram de seus lábios; na vida real, ela pouco conseguia ler, mal conseguia soletrar e era propriedade do marido. A PRINCESA RATTAZZI (1813-1883), como era designada, foi publicista, romancista, poetisa, autora também de textos dramáticos e tradutora, mas não entrou certamente para a galeria dos autores literários de grande, médio ou pequeno relevo. Todavia, em 1879 escreveu este livro, que desencadeou uma verdadeira tempestade em Portugal, na qual intervieram, entre muitos outros, Camilo Castelo Branco, Antero de Quental e Ramalho Ortigão. Espelho da sociedade portuguesa do século XIX, nele ainda hoje se reflete arrebatadamente o país."
É de se imaginar que ela seja da maior importância; na prática ela é completamente insignificante. Ela permeia a poesia de capa a capa; está sempre presente na história. Domina a vida de reis e conquistadores na ficção; na vida real, era escrava de qualquer garoto cujos pais lhe enfiassem um anel no dedo. Algumas palavras mais inspiradas, alguns pensamentos mais profundos da literatura vieram de seus lábios; na vida real, ela pouco conseguia ler, mal conseguia soletrar e era propriedade do marido. A PRINCESA RATTAZZI (1813-1883), como era designada, foi publicista, romancista, poetisa, autora também de textos dramáticos e tradutora, mas não entrou certamente para a galeria dos autores literários de grande, médio ou pequeno relevo. Todavia, em 1879 escreveu este livro, que desencadeou uma verdadeira tempestade em Portugal, na qual intervieram, entre muitos outros, Camilo Castelo Branco, Antero de Quental e Ramalho Ortigão. Espelho da sociedade portuguesa do século XIX, nele ainda hoje se reflete arrebatadamente o país."
Uma fogueira de vaidades para queimar Maria Rattazzi
Escrevi-o inspirada pela poesia radiosa e bela de Sintra, pela austera grandeza de Alcobaça; é filho da minha simpatia por um povo que amava e admirava, a quem me prendem um sem número de relações afetuosas e gratas(...) os meus detractores não irão espancar a tradução do livro que resistiu ao fogo das suas labaredas(...) ?« Non raggionam di lor ma sguarda e passa!»
Prefácio da edição portuguesa, Março de 1880, Maria Rattazzi
Os favoritos, devorando os recursos do Estado e da nação, apossavam-se de todos os empregos civis e militares de alguma importância e favoreciam com eles os seus protegidos, servindo-se dos dinheiros públicos para orientar o seu próprio luxo e alimentar uma legião de parasitas, coartando e e entibiando o desenvolvimento do país.
Foi esse o tempo em que os cortesãos alcançavam sem a menor dificuldade para os seus afilhados de baixa estirpe, as comendas de todas as ordens do reino recusadas a mais de um servidor experiente; em que o povo era esmagado por pesadíssimos impostos e em que Lisboa tremia de medo ao menor gesto do intendente de polícia, Pina Manique.
Prefácio da edição portuguesa, Março de 1880, Maria Rattazzi
Os favoritos, devorando os recursos do Estado e da nação, apossavam-se de todos os empregos civis e militares de alguma importância e favoreciam com eles os seus protegidos, servindo-se dos dinheiros públicos para orientar o seu próprio luxo e alimentar uma legião de parasitas, coartando e e entibiando o desenvolvimento do país.
Foi esse o tempo em que os cortesãos alcançavam sem a menor dificuldade para os seus afilhados de baixa estirpe, as comendas de todas as ordens do reino recusadas a mais de um servidor experiente; em que o povo era esmagado por pesadíssimos impostos e em que Lisboa tremia de medo ao menor gesto do intendente de polícia, Pina Manique.
De todos os livros e relatos que se escreveram sobre o nosso país, o texto
de Maria Rattazzi - Portugal de Relance -é o principal candidato ao estatuto de
mais polémico. "Prémio" a que não será alheio o tom, a displicência,
o à-vontade e a irreverência com que a princesa tratou um tema tão caro aos
portugueses, a sua própria pátria. Não é que o volume fosse apenas pródigo em
falsidades - como o próprio título original parecia indiciar, um vol d'oiseau
sobre Portugal - mas o que lá estava impresso provocou uma verdadeira fogueira
de vaidades, com repercussão raramente vista no nosso meio cultural.
A reacção negativa com que foi recebida a prosa da visitante ultrapassou em
muito a habitual hospitalidade que é costume verificar-se no confronto com os
regulares contributos dos estrangeiros que nos visitam. Neste caso, não
existiram opiniões favoráveis, nem defensores para uma dama cujo comportamento
era tido como bem leviano. Se a senhora não foi vítima de uma cena de
pancadaria só se deve a um mínimo de pudor por parte dos homens (e até
mulheres!) de oitocentos que tiveram vontade de exercer uma reparação pouco
intelectual.
Contra a autora levantaram-se tantos protestos e antipatias que ela nem
teve coragem de dedicar o trabalho a alguém. "A quem hei-de
dedicá-lo?", perguntava no prefácio... E, respondia "Oferecê-lo, como
homenagem afectuosa, a qualquer dos meus amigos, seria falta de generosidade,
equivaleria a condenar um inocente aos transes afrontosos de uma vendetta
implacável". Por isso, decide oferecer "aos meus inimigos" a
"humilde dedicatória". Inimigos não lhe faltariam após a primeira
impressão em português - e uma segunda foi exigida pouco tempo depois. Edições
que se sucederam à original publicada em francês, da casa editora de A.
Degorcet-Cadeau sob o título atrás referido e com um subtítulo Portugais et
Portugaises, numa capa onde se lia como autora duas palavras: Princesa Rattazzi.




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