José Saramago

domingo, 11 de junho de 2023




"Margarida Espantada é sobre família. Sobre irmãos. É sobre violência doméstica e doença mental. É um efeito dominó sobre a dor.

 A literatura é um jogo do avesso. Os bons romances são sempre sobre amor, e os melhores são os que fingem que não são. Não devemos recear livros duros. As histórias que mais nos prendem trazem uma catarse que nos carrega as mágoas, personagens que apresentam as suas semelhanças connosco. 


Gosto da ficção que é número arriscado de circo, com fogo e espadas, que nos faz chegar muito perto da queimadura que não vamos realmente sentir. Mas reconhecemos."

  Rodrigo Guedes de Carvalho



"Ao longo dos tempos, a família tem sido um dos grandes temas e inspirações literárias, centro nevrálgico de poemas, ensaios ou romances. É precisamente a família – e a sua implosão – que está no centro de “Margarida Espantada” , romance de Rodrigo Guedes de Carvalho que, com o sobressalto de um thriller, nos serve uma história sobre irmãos. Uma história que deixa no ar a eterna interrogação sobre o que une e alimenta uma árvore genealógica, um sentimento que estará algures entre a cumplicidade solidária do sangue e a de se fazer parte de um aglomerado de pessoas que não se escolheram – e que, tantas vezes, se vão aturando já sem grande convicção. Uma família alargada, onde cada um trata de carregar as suas cruzes, traumas e memórias: António Carlos, habituado a deixar “sangue fresco por cima de sangue pisado” na mulher Isabel Rita, e que vai mantendo uma relação a céu aberto com as suas amantes, a quem começa também a estender os tentáculos da violência e do abuso; Manuel Afonso e Sara Lúcia, pais tardios, às voltas com os porquês do choro da sua criança; Margarida Rosa, alguém que “decidiu logo em pequena que nada desta vida lhe causaria dano” e que, depois do falecimento dos pais, “esteve a encaixotar o pouco que tem em adulta para regressar à infância”, ficando a tomar conta da casa onde todos viveram os seus primeiros anos – uma casa onde, desde cedo, se pressente uma presença externa; Joana Ofélia, a mais nova dos quatro irmãos, nascida quando já não era esperada, guiada pelos outros como uma presa fácil e que, só em adulta, se reconciliou com o seu nome de batismo; e, por último, António Carlos, ator e em tempos um adolescente “particularmente enérgico e desobediente, caótico e explosivo de pensamentos e ações, um revolucionário à procura de uma causa”, que passou a desprezar e a provocar o pai, o grande e conhecido empresário Carlos Duval. Irmãos que desenvolveram, cada um à sua maneira, “técnicas de sobrevivência ao desemparo”, trocando o lema dos mosqueteiros por um bem mais reservado cada um por si. A história dos irmãos vai sendo contada enquanto, no tempo presente, a inspetora Aida Santos e Paulo Paulino, a jovem promessa da psicologia forense, têm entre mãos o chamado “caso Duval”, um mistério revelado em conta-gotas no qual o leitor irá testar as suas qualidades de detetive amador. Um romance-thriller no qual Rodrigo Guedes de Carvalho não poupa na violência, espremendo a linguagem como quem torce um pano molhado antes de nos atirar com ele à cara, perfurando as muitas camadas de pele até nos chegar ao osso. Pelo caminho, enquanto folheamos o álbum de fotografias e memórias da família Duval, tomamos em mãos o peso da infância, esquivamo-nos como podemos ao horror do mundo e lemos, “numa língua de hieróglifo, incompleta e indecifrável”, a chave para sobreviver à instituição familiar..." Pedro Miguel Silva

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