José Saramago

terça-feira, 18 de abril de 2023

Paradoxos...

Joana Bértholo nasceu em Lisboa em 1982, formou-se em Design de Comunicação e tem um doutoramento em Estudos Culturais. Escreve para dança e para teatro.



Eu era uma pessoa simples, urbana, uma planta que insistiu em crescer entre os paralelepípedos do passeio, na rua mais concorrida da metrópole, cujo destino é conhecer a sola dos sapatos de milhares de turistas e transeuntes e respirar violentas concentrações de dióxido de carbono. Eu sabia chamar um táxi, mas não o rebanho; sabia levar uma muda de roupa à lavandaria self-service e trazê-la limpa, mas não sabia levar um cântaro à teta da vaca e trazê-lo cheio. Não sabia atear fogo, construir um abrigo, nem situar-me olhando as estrelas. Não conhecia o significado dos ventos nem descodificava as nuvens, quando antecipam temporal. Os elementos do mundo em meu redor que eu considerava naturais eram indecifráveis.





Sinopse- "Maina Mendes é uma mulher silenciada num mundo de homens e dos homens, que cedo percebe na sua condição imposta uma forma de a metamorfosear a seu favor: do silêncio faz a sua resignada mudez. Publicado em 1969, este é o primeiro romance de Maria Velho da Costa, um livro que mudaria para sempre as letras portuguesas pela sua força inaugural, o seu modo de dizer novo e experimental, embora filho de um legado literário prístino (Maina Mendes bem poderia ser menina e moça levada de casa de seus pais para muito longe), um exemplo máximo desta grande escritora."


Os vidros das janelas estão opacos e desenha-se com a ponta do dedo um arco de correr e o pau de guiá-lo. […] Maina Mendes, cujos dedos põem ainda entre si e o vidro […] os círculos do barco a vapor e depois as lâminas de uma tesoura aberta. […] Maina Mendes desenha a dedo fugas moventes na névoa que da boca seca cai ao vidro. Muitas crianças o fazem […] mas nenhuma com tão pouca alegria e tão quieta ira. […] desenhando no vidro com tal rancor, coisas que […] não são do rapaz oculto na menina sã a desbravar, mas antes de uma fúria de fêmea e atilada.


Depois da mudez é dita por apagada e severa no trato.Os seios despontam-lhe sem pasmo, bem chegados aos braços, sem juntura, e sempre pareceu saber ao que vem e como bem se oculta o sangue nos meses.



isto não é, de todo, uma dissertação elevada, é só uma conversa informal. 
 Mesmo que a autora não o reconhecesse, o leitor atento facilmente surpreende a ligeireza como 
 feminismo é abordado...

 A parte final do livro, escrita em Março de 2020, tem uma visão optimista relativamente ao período pós-pandemia... 

  Não podemos continuar numa civilização que se baseia no materialismo desenfreado, na cobiça e na violência. Este é um momento de reflexão. Que mundo queremos? Julgo que é essa a pergunta mais importante do nosso tempo, a pergunta que todas as mulheres e homens conscientes devem fazer-se… Queremos uma civilização inclusiva e igualitária, sem discriminação de género, raça, classe, idade ou qualquer outra classificação que nos separe. Queremos um mundo amável, onde imperem a paz, a empatia, a decência, a verdade e a compaixão. E, acima de tudo, queremos um mundo alegre. A isso aspiram as bruxas boas. O que desejamos não é uma fantasia, é um projeto; entre todas, podemos conseguir.


Como o título anuncia, Quase todos os poemas é uma compilação de quase quarenta anos de poesia, publicada entre 1982 e 2022. Como a autora afirma, no prefácio,  que esta coletânea é, em certa medida, antológica, uma vez que implica uma seleção. Embora estejam presentes temáticas características da fase subsequente ao 25 de abril (revolução, liberdade, feminismo, erotismo no feminino) , não é poesia panfletária, pois há uma delicadeza e uma sensibilidade que, pessoalmente, me agrada.

Que mulher se revela, se esconde, se insinua, através destes poemas discretos, mas intensos que, por vezes, evoca Eugénio de Andrade? 

Uma mulher apaixonada, mas isenta de romantismo piegas; uma mulher sensual; uma mulher lúcida e sarcástica; uma mulher revoltada,uma rebelde consciente, mas serena, sem amargura. 

 Parafraseando Natália Correia, de quem júlia Lello foi amiga, é uma mulher moderna, mas com alma de monja barroca do século XVII.Uma poetisa que revela a capacidade de encarar o amor de forma inefável, mesmo depois do desgaste da rotina , mesmo depois do adeus. 







 Interessante este romance, baseado numa história real: uma menina para quem o papá é um herói; uma jovem irreverente que sonha como forma de resistência à mãe; uma mulher que se apaixona por Che Guevara e pela revolução cubana...
Talvez o aspeto mais curioso seja a imagem paradoxal de Silva Pais: o papá e o diretor da PIDE...
 


Tolerância do pai  - intransigência da mãe, D. Nita, uma " Mónica", como a protagonista dos Contos Exemplares

Para Annie o papá é um herói, só tarde percebe que o pai admirava Hitler.

Annie sonhava sobretudo como forma de resistência aos sonhos da mãe.

 Vários namorados: Alberto, Stick, Jean Paul ... Casa com Raymond Quendoz, mas, passado um ano, já não sabe porquê. 

 Cartas para Che - " Trouxeste a revolução a Cuba e à minha vida" " Che não fez um filho a Annie, mas fecundou-a com um sonho"Annie só põe de lado os impulsos revolucionários por amor ao papá "Annie Silva Pais, filha de Armanda e Fernando Silva Pais, trocou o marido e uma vida confortável na sombra do Estado Novo pelos ideais da revolução cubana e por amor... Assumiu paixões tão ardentes como o fogo revolucionário e tornou-se tradutora e intérprete, membro de confianç da equipa de Fidel Castro, à qual pertenceu até morrer. Para trás deixou a família e Portugal, onde regressou apenas em 1975, em trabalho e também para interceder pela libertação de seu pai, que nunca deixou de amar. Silva Pais foi o último diretor da PIDE. 

 Que mulher foi Annie? O que a motivou? O que leva uma filha do regime - filha de um dos homens fortes do regime -, casada com um diplomata suíço, a largar tudo e encontrar um propósito como militante da revolução cubana? Mais: o que guardava o seu coração? 

 Ana Cristina Silva combina realidade e ficção num romance tão sedutor como a figura desta mulher. Pesando factos e indícios, oferece-nos um retrato pleno de intimidade - e humanidade - numa irresistível galeria de personagens, de entre as quais sobressai Che Guevara, o grande amor de Annie." Sinopse Wook

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