Vivi sem te ver,quase sem te conhecer, e tu já eras tão meu como agora.Eu, que estou sempre a temer a desgraça, não tenho medo de te perder. Tu podes esquecer-me, abandonar-me, deixar-me, mas serás sempre meu e só meu. Eu inventei-te, meu amor. És muito mais do que o meu amante; és a minha criação. É por isso que me pertences, mesmo que não queiras.
Ada sentiu-se perturbada pelo medo, e por um ciúme físico que não tinha sentido até então.
«Perdi-o e reencontrei-o. Talvez um dia...« / Mas não . O sacrifício tinha de ser completo. Tinha de se esforçar para vencer aquele desejo obstinado de felicidade, aquela fé absurda e incompreensível que acalentava no seu íntimo de que, na realidade, Harry lhe estava destinado.
Apesar de tudo, agradecia a Deus: tinha conservado a sua capacidade infantil das alucinções, das miragens que se tornavam mais autênticas, mais reais do que a verdade(...) Nesse lento trabalho , inexorável, involuntário do espírito, estava a sua riqueza. Recriava Harry, reencontrava-o e falava com ele.
Pensar, recordar, ter saudades, chorar até que a grade de ferro da ponte lhe gelasse os dedos e os sentisse doridos e dormentes.
Ficou quase aliviada quando soube que não havia lugar para ela em parte alguma.
De vez em quando, perdia a consciência; então, esquecia-se de que Harry não estava ao seu lado; procurava-o e chamava-o em vão. Imaginacva-se a gritar por ele e a persegui-lo de sala em sala, de rua em rua.
Fui amada. Ainda o sou, sei-o, apesar da distância,apesar da separação.
Então pensou em Harry ... No entanto, Harry estava muito longe, e tinha voltado a ser um sonho.O destino era decerto cruel e incompreensível...
Ada contou pelos dedos, como uma criança que faz a lista dos seus bens: « A pintura, o menino, a coragem. Pode-se viver muito bem com isto.»
A sorrir, repetiu «nós» e pensou que era a primeira vez que podia dizer nós, com toda a certeza, essa palavra tão doce.
«Discutimos
o livro Os Cães e os Lobos, de Irene Némirovsky, e foi unânime que
é uma obra intemporal e universal, bem escrita e que mostra verdadeiramente o
que é um clássico da literatura. A personagem Ada é fascinante e levou-nos até
um tempo e até um espaço distantes na História, mas também nos transportou para
os seus sonhos e devaneios, fazendo-nos viajar em todos os sentidos. A sua
história é comovente, ainda que a esperança final nos faça acreditar que, mesmo
não tendo nada, é sempre possível encontrar um sentido para a vida.» Vanda Balão
« Gaza está em toda a parte, de Alexandra Lucas Coelho, é um livro diferente, pois reúne crónicas, fotos e mapas, cujo objetivo é mostrar os dois lados do conflito entre Israel e a Palestina.
"A autora divide o livro em duas partes: antes de 7 de outubro e depois, mostrando claramente a diferença antes e depois de todas as atrocidades contra o ser humano a que temos assistido impávidos e serenos. Como diz Alexandra Lucas Coelho, tal como se interrogou Primo Levi, um dos sobreviventes do Holocausto, se isto é um homem, o que será (ou em que se transformou) a humanidade? Não há desculpas, não há lados certos ou errados. Há um povo a ser destruído na sua globalidade, há reféns que não sabemos sequer se estão vivos, há um território que não é de ninguém e que é de toda a gente. Há ainda ideias absurdas, como a de transformar Gaza num resort. Há o terrorismo do Hamas. Há o poder e a estupidez de quem lidera os países e o mundo. E há sobretudo uma incapacidade de resolver um problema que não começou no 7 de outubro, mas que se agravou e que se continuará a agravar se nada for feito, alastrando o ódio e a possibilidade de extermínio de civis só porque nasceram no lugar errado e no tempo errado.
Afinal, o que podemos nós fazer? Não sei. Mas ficar calados e quietos não chega. É preciso mostrar ao mundo que ainda somos humanos e que temos a capacidade de nos comover com a situação do outro, mesmo que distante, mesmo que ele pareça diferente ou veja o mundo com outros olhos. É preciso ter voz e lutar todos os dias para que os nossos jovens não herdem um mundo em que o ódio vence o amor e a humanidade. Acima de tudo é um livro sobre Gaza e sobre seres humanos." Vanda Balão


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