Não é neccessário vivermos ao lado de alguém para nos sentirmos ligados a esse alguém mais do que a qualquer outra pessoa...

quarta-feira, 12 de novembro de 2025

Livros diferentes...

“Só existe um problema filosófico realmente sério: o suicídio. Julgar se a vida vale ou não vale a pena ser vivida é responder à pergunta fundamental da filosofia. O resto, se o mundo tem três dimensões, se o espírito tem nove ou doze categorias, vem depois.” Albert Camus 

 Cinco irmãs suicidam -se, uma a uma, no espaço de um ano: Therese, a intelectual; Mary, a fútil; Bonnie, a asceta; Lux, a libertina; Cecília, a mística... Os jovens rapazes da vizinhança, obsecados pelas misteriosas irmãs, vinte anos mais tarde, tentam reconstituir os acontecimentos... Porque se suicidaram as irmãs?

Toda a gente com quem falámos associou o início da decadência do nosso bairro aos suicídios das meninas Lisbon. Embora a princípio as culpassem de tudo, pouco a pouco, foi-se dando uma transformação e elas passaram a ser vistas não como bodes expiatórios, mas como videntes. Cada vez mais, as pessoas foram-se esquecendo das razões individuais dos suicídios, do stress e das perturbações dos neurotransmissores, e, em vez disso, atribuíram as mortes à capacidade que as raparigas tinham para prever a decadência. As pessoas viram a sua clarividência nos ulmeiros ceifados, na severidade da luz do sol, no declínio progressivo da nossa indústria automóvel. 

  Bonnie terá morrido enquanto estávamos sentados na sala de estar, a sonhar com autoestradas. Mary terá colocado a cabeça no forno pouco depois, ao ouvir o pontapé que Bonnie deu ao baú em que se apoiava. Estavam prontas para se ajudar uma à outra, se fosse caso disso. É possível que Mary ainda estivesse a respirar quando passámos por ela a caminho do andar de baixo, não a vendo por causa de uns sessenta centímetros de escuridão, ou menos, medidos por nós mais tarde. Therese, encharcada em soporíferos empurrados com gin, estaria já morta quando lá entrámos. Lux terá sido a última a ir, cerca de vinte ou trinta minutos depois de termos partido. Fugindo, gritando sem qualquer som, esquecemo-nos de parar na garagem, de onde ainda se ouvia música. Encontraram-na no assento da frente.

Mary fez os mesmos testes que Cecilia, mas o Dr. Hornicker não encontrou quaisquer vestígios de doença psiquiátrica como esquizofrenia ou depressão maníaca.

E, no final, a dor que dilacerava as Lisbon apontava para a simples e racional recusa de aceitarem o mundo que lhes tinha sido  transmitido, com tantos defeitos.

«Foi uma combinação de vários fatores», afirmou o Dr. Hornicker«Na maioria das pessoas , o suicídio é como uma roleta russa. Só uma das câmaras é que tem uma bala. No caso das meninas Lisbon, a arma estava carregada...»

Elas tiveram  o propósito de ficarem sozinhas para todo o sempre, sozinhas no suicídio, que é mais profundo do que a morte, e onde jamais encontraremos as peças para as reconstruir.

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