I can't kick the habit
Just to feed your fast ballooning head
Listen to your hear
É em geral com o nosso ser reduzido ao mínimo que nós vivemos, a maioria das nossas faculdades adormecidas, porque repousam no hábito, que sabe o que cumpre fazer e não necessita delas.
No solitário, a reclusão, ainda que absoluta e até ao fim da vida, tem muitas vezes por princípio um amor desregrado da multidão e tanto mais forte do que qualquer outro sentimento, que ele, não podendo obter, quando sai, a admiração da porteira, dos transeuntes, do cocheiro ali estacionado, prefere jamais ser visto e renunciar por isso a toda e qualquer actividade que o obrigue a sair para a rua.
Sabia agora que amava Albertine; mas ,infelizmente, não tinha a preocupação de lho fazer saber(...) o amor não é uma realidade exterior, mas apenas um prazer subjectivo. E esse prazer , sentia que Albertine tanto mais faria para o alimentar quanto mais ignorasse que eu o sentia.(...)
Nós modificamos incansavelmente à nossa volta o lugar onde moramos; e, à medida que o hábito nos dispensa de sentir, suprimimos os elementos nocivos de cor, de dimensão e de cheiro que objectivavam o nosso mal-estar.(...) Ora, eis que tornava a abrir os olhos para o meu quarto, mas desta vez daquele ponto de vista egoísta que é o do amor. Em vez de um lugar de transição...o meu quarto voltava a ser para mim real e querido , renovava-se porque contemplava e apreciava cada um dos seus móveis com os olhos de Albertine.(...) Eu julgava que o amor que tinha por Albertine não se baseava na esperança de posse física. No entanto... a minha curiosidade intelectual pelo que ela pensava acerca deste ou daquele assunto não sobreviveu à crença de que poderia beijá-la. Os meus sonhos abandonaram-na mal deixaram de ser alimentados pela esperança de uma posse de que os julgara independentes.
El carro de heno muestra el infierno de los vicios, denuncia el gusto por las riquezas terrestres tan efímeras, lo que anuncia las vanidades de los siglos siguientes.
«El mundo es un carro de heno, del cual cada uno toma lo que puede».
Estou num dia em que me pesa, como uma entrada no cárcere, a monotonia de tudo. A monotonia de tudo não é, porém, senão a monotonia de mim.
É que a minha razão sabia que o hábito...modifica a inclinação dos corações. É certo que as novas amizades por lugares e pessoas têm por detrás o esquecimento das antigas; mas ,justamente, a minha razão pensava que eu podia encarar sem terror a perspectiva de uma vida em que estivesse para sempre separado de seres cuja lembrança perderia , e era como uma espécie de consolação que oferecia ao meu coração uma promessa de esquecimento que, pelo contrário, só mais enlouquecia o seu desespero. Não que o nosso coração não deva sentir os efeitos analgésicos do hábito; mas até então continuará a sofrer. E o temor de um futuro do qual nos serão arrebatados a vista e a convivência daqueles que amamos , dos quais retiramos a nossa mais cara alegria, esse temor, longe de dissipar-se,aumenta, se à dor da tal privação pensamos que irá juntar-se o que actualmente nos parece mais cruel ainda: não a sentir como uma dor, ficar-lhe indiferente; porque então o nosso eu estaria mudado(…) seria, pois, uma verdadeira morte de nós mesmos…
É claro que esta amizade havia de desaparecer, e outra havia de tomar o seu lugar ( e então a morte, e depois uma nova vida, sob o nome de Hábito, a sua dupla tarefa; mas até ao seu aniquilamento, ela sofreria todas as noites, e, sobretudo naquela primeira noite, posta na presença de um futuro já realizado onde não havia mais lugar para ela, revoltava-se , torturava-me como o grito das suas lamentações de cada vez que os meus olhares, não podendo desviar-se do que os feria, tentavam poisar no tecto inacessível.
Sim, é claro,
O Universo é negro, sobretudo de noite.
Mas eu sou como toda a gente,
Não tenha eu dores de dentes nem calos e as outras dores passam.
Com as outras dores fazem-se versos.
Com as que doem, grita-se.
A constituição íntima da poesia
Ajuda muito...
(Como analgésico serve para as dores da alma, que são fracas...)
Deixem-me dormir.
O meu desejo é fugir. Fugir ao que conheço, fugir ao que é meu, fugir ao que amo. Desejo partir - não para as índias impossíveis, ou para as grandes ilhas ao Sul de tudo, mas para o lugar qualquer - aldeia ou ermo - que tenha em si o não ser este lugar. Quero não ver mais estes rostos, estes hábitos e estes dias. Quero repousar, alheio, do meu fingimento orgânico. Quero sentir o sono chegar como vida, e não como repouso. Uma cabana à beira-mar, uma caverna, até, no socalco rugoso de uma serra, me pode dar isto. Infelizmente, só a minha vontade mo não pode dar.(...)Eu mesmo, que acabo de dizer que desejaria a cabana ou caverna onde estivesse livre da monotonia de tudo, que é a de mim, ousaria eu partir para essa cabana ou caverna, sabendo, por conhecimento, que, pois que a monotonia é de mim, a haveria sempre de ter comigo? Eu mesmo, que sufoco onde estou e porque estou, onde respiraria melhor se a doença é dos meus pulmões e não das coisas que me cercam? Eu mesmo, que anseio alto pelo sol puro e os campos livres, pelo mar visível e o horizonte inteiro, quem me diz que não estranharia a cama, ou a comida, ou não ter que descer os oito lanços de escada até à rua, ou não entrar na tabacaria da esquina, ou não trocar os bons-dias com o barbeiro ocioso?
Sou capaz, a sós comigo, de idear quantos ditos de espírito, respostas rápidas ao que ninguém disse, fulgurações de uma sociabilidade inteligente com pessoa nenhuma; mas tudo isso se me some se estou perante um outrem físico, perco a inteligência, deixo de poder dizer, e, no fim de uns quartos de hora, sinto apenas sono. Sim, falar com gente dá-me vontade de dormir. Só os meus amigos espectrais e imaginados, só as minhas conversas decorrentes em sonho, têm uma verdadeira realidade e um justo relevo, e neles o espírito é presente como uma imagem num espelho.
Pesa-me, aliás, toda a ideia de ser forçado a um contacto com outrem. Um simples convite para jantar com um amigo me produz uma angústia difícil de definir. A ideia de uma obrigação social qualquer — ir a um enterro, tratar junto de alguém de uma coisa do escritório, ir esperar à estação uma pessoa qualquer, conhecida ou desconhecida —, só essa ideia me estorva os pensamentos de um dia, e às vezes é desde a mesma véspera que me preocupo, e durmo mal, e o caso real, quando se dá, é absolutamente insignificante, não justifica nada; e o caso repete-se e eu não aprendo nunca a aprender.
«Os meus hábitos são da solidão, que não dos homens»; não sei se foi Rousseau, se Senancour, o que disse isto. Mas foi qualquer espírito da minha espécie — não poderei talvez dizer da minha raça.
Não soube nunca o que sentia. Quando me falavam de tal ou tal emoção e a descreviam, sempre senti que descreviam qualquer coisa da m[inha] alma, mas, depois, pensando, duvidei sempre. O que me sinto ser, nunca sei se o sou realmente, ou se julgo que o sou apenas.
Sim, amor discreto ...
O mistério da vida dói-nos e apavora-nos de muitos modos. Umas vezes vem sobre nós como um fantasma sem forma, e a alma treme com o pior dos medos — a da incarnação disforme do Não-ser. Outras vezes está atrás de nós, visível só quando nos não voltamos para ver, e é a verdade toda no seu horror profundíssimo de a desconhecermos. Mas este horror que hoje me anula é menos nobre e mais roedor. É uma vontade de não querer ter pensamento, um desejo de nunca ter sido nada, um desespero consciente de todas as células do corpo e da alma. E o sentimento súbito de se estar enclausurado numa cela infinita. Para onde pensar em fugir, se só a cela é tudo?
Quando nos iremos, ah quando iremos de aqui?
Quando, do meio destes amigos que não conheço,
Do meio destas maneiras de compreender que não compreendo,
Do meio destas vontades involuntariamente
Tão contrárias à minha, tão contrárias a mim?
Que eu sou daqueles que sofrem sem sofrimento,
Que têm realidade na alma,
Que não são mitos, são a realidade
Que não têm alegria do corpo ou da alma, daqueles
Que vivem pedindo esmola com a vontade de perdê-la...
Eu quero partir, como quem exemplarmente parte.
Para que hei-de estar onde estou se é só onde estou?
Para que hei-de ser sempre eu se eu não posso ser quem sou,
Mas isto tudo é como uma realidade longínqua
Daqueles que não partiram ou daqueles
Cujo lar é nenhum e de memória
Quando, navio [...], deixaremos o lar que não temos?
Será que o meu hábito de me colocar na alma dos outros, me leva a ver-me como os outros me vêem, ou me veriam se em mim reparassem? Sim. E uma vez eu perceba como eles sentiriam o meu respeito se me conhecessem, é como se eles o sentissem na verdade, o estivessem sentindo, e sentindo-o, exprimindo-o naquele momento. Conviver com os outros é uma tortura para mim. E eu tenho os outros em mim. Mesmo longe deles sou forçado ao seu convívio. Sozinho, multidões me cercam. Não tenho para onde fugir a não ser que fuja de mim.

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