Não é neccessário vivermos ao lado de alguém para nos sentirmos ligados a esse alguém mais do que a qualquer outra pessoa...
quarta-feira, 10 de agosto de 2016
Fogo, cinzas e glicínias...
solidão...
não creio como eles crêem,
não vivo como eles vivem,
não amo como eles amam...
morrerei
como eles morrem.
Pergunta- Escrever ajuda a esvaziar a alma?
Resposta - Não sei bem o que seja a alma.
O fogo olímpico...
Entre os homens ela também brilha.
Estou sem tempo de dispor
todo o longo falatório
na lira e em linguagem doce,
pois o tédio vindo incomoda. Que minha dívida para ti
venha correndo, ó rapaz, dentre as mais recentes belezas,
devido ao meu engenho alado.
Não sei identificar o motivo da minha indiferença hostil, relativamente aos jogos olímpicos, mas é coisa antiga.
Vedes um deus desventurado, preso
por cravos de aço que o imobilizam,
detestado por Zeus, seu inimigo,
por haver amado demais os homens!
O que é afinal uma tragédia? [...] Eis o que me parece distingui-la: as forças que se confrontam na tragédia são igualmente legítimas. No melodrama, ou no drama, pelo contrário, somente uma é legítima. [...] Na primeira, cada força é, ao mesmo tempo, boa e má. Nos segundos, uma força representa o bem e outra o mal (por isso, na nossa época, o teatro de propaganda não é senão uma ressurreição do melodrama). Antígona tem razão, mas Creonte não tem menos. Também Prometeu é ao mesmo tempo justo e injusto. E Zeus, que o castiga sem piedade, está no seu direito.
Chove fogo — ouro de barulho estruge...
"Hela-hohô-ô (ô)...Z — zz Sher Rr to go. Shabababulá..
Seria o fogo em minha casa? Corriam risco de arder todos os meus manuscritos, toda a expressão de toda a minha vida? Sempre que esta ideia, antigamente, simplesmente me ocorrera, um pavor enorme me fazia estarrecer. E agora reparei de repente, não sei já se com pasmo se sem pasmo, não sei dizer se com pavor ou não, que me não importaria que ardessem. Que fonte - que fonte secreta mas tão minha - se me havia secado na alma?
Reparei então que tantos anos de cansaço estéril haviam transportado até ao íntimo da minha alma um cansaço estéril e profundo. Eu adormecera, e comigo haviam adormecido todos os privilégios da minha alma - os desejos que sonham alto, as emoções que sonham forte, as angústias que sonham ao invés.
O rei desta nação, não sei porquê, parecia-me, acreditava seguramente, que era uma grande formiga multicolor – e ratos dourados com asas de
prata os fidalgos da sua corte. Só o povo homúnculos ridículos... De resto, todo este mundo da minha imaginação infantil me pululava dentro do sótão num conjunto misterioso – indistinto, difuso, entrecruzado, impossível de destrinçar: era mar onde era também cidade; havia palácios rrais ao mesmo tempo florestas. (...) Ah! a imaginação das crianças... onde achar outra mais bela, mais inquietadora, que melhor saiba frisar o impossível?... Ela é sem dúvida, pelo menos, a mais apta a converter pavor, a refugiar vislumbres. Porque nessa época ondulante da vida é-se apenas fantasia, crédula fantasia. Vem depois o raciocínio, a lucidez, a desconfiança – e tudo se esvai... Só nos resta a certeza – a desilusão sem remédio...
A vida é como um corpo de mulher que se oferece, que quer ser possuído, e que ninguém , por tibieza ou impotência, chega a violar. Tudo se desperdiça, meu amigo. Estendemos as mãos e contentamo-nos em roçar os dedos por um corpo que irá desfolhando e murchando como as flores que nunca chegam a ser colhidas. A nossa preocupação não está em penetrar no âmago da vida, mas sim em fingir que não a desejamos; e, por fim, ficamos como vermes enraivecidos, enrolados no fundo de um poço raivosos de não trepar à superfície.
Não, meu amigo, não devemos condenar os que desafiam as convenções e sabem amar e viver como o soberano instinto lhes ordena.
Mestre Poupa bombeiro, André Juliano e eu formávamos uma trindade falhada. Positivamente, três velhos falhados e tontos.
Há momentos em que vejo isto com uma grande clareza. Mas de nada me vale. Os factos miúdos que me estragaram a vida pegam de novo em mim e arrastam-me. Desviam-me cada vez mais de toda a gente e isolam-me numa apatia da qual não tenho forças para escapar. Serei acaso um cobarde? Talvez. Ao certo, apenas sei que, volta não volta, Antoninha das Dores me vem à memória com uma nitidez atroz. Aparece-me, não recatada e séria como ela sempre foi, mas em fralda de camisa.
Já a mágoa que consumia mestre Poupa não era de ordem amorosa. Lamentava a toda a hora que tivessem acabado os incêndios grandes e devastadores, como havia antigamente. Vamos lá a perceber tal coisa! Poderá acaso ser este o drama de um chefe de bombeiros ?
Pois era. Quanto a André Juliano as razões do seu desgosto toda a vila as sabe. Com cinquenta anos, e o pai, homem rico, (...)apenas lhe dava vinte e cinco tostões por dia. Vinte e cinco tostões !
Enfim, éramos os três inseparáveis, cada um roendo o seu osso.
Hoje, praticamente, só resto eu. Mestre Poupa morreu num incêndio; um fogo dos bons, como ele gostava. E André Juliano jaz, à espera da morte, no fundo de uma cadeia.
No entanto, estão tão presentes na minha memória que a todo o momento me parece natural ir encontrá-los, ao voltar duma esquina. E posso, sem o mínimo esforço, engendrar uma conversa. Sei e oiço as suas respostas às minhas palavras, vejo as maneiras peculiares de mexerem os lábios, de sorrirem com tristeza, ou de ficarem taciturnos por largos espaços. De tal modo ainda fazem parte da minha vida que, todos os dias, mal acabo de almoçar, saio de casa direitinho ao Café onde nos costumávamos encontrar. Hoje aconteceu atardar-me, interessado na leitura do jornal. Quando dei por mim e olhei para o relógio, ergui-me num salto, e lá vim eu cheio de pressa pelas ruas fora. Cheio de pressa, como se eles estivessem à minha espera...(...)Não faz mal. Seja onde for, eu posso rever a minha desgraça. Sento-me em qualquer parte - em casa ou, aqui, no Café - bebo a minha chícara, faço um cigarro. Logo começo a apertar as mãos até os ossos estalarem. E Antoninha das Dores vem. Vem com o corpo moreno e fresco de jovem, mal coberto pela brancura da camisa. E assim fica horas diante dos meus olhos rasos de água.
E é tudo isto o que eu levo da vida !...
Sinto-me, sem sentir, todo abrasado
No rigoroso fogo que me alenta;
O mal, que me consome, me sustenta;
O bem, que me entretém, me dá cuidado.
Ando sem me mover, falo calado;
O que mais perto vejo, se me ausenta,
E o que estou sem ver, mais me atormenta;
Alegro-me de ver-me atormentado.
Choro no mesmo ponto em que me rio;
No mor risco me anima a confiança;
Do que menos se espera estou mais certo.
Mas se de confiado desconfio,
É porque, entre os receios da mudança,
Ando perdido em mim como em deserto.
Sinopse: "Depois de acordar ao lado do cadáver de Soraya - a mestiça belíssima, estrela televisiva, com quem mantinha uma relação íntima a pretexto de lhe escrever a autobiografia -, o jornalista desempregado Herculano Vermelho entrega-se à polícia e é preso. Não tem memória de nada, nem de que possa ter sido ele a matar a jovem mulher, mas a prisão parece-lhe ser o lugar ideal, o espaço de sossego e de liberdade (sem contas para pagar, sem apresentações regulares no centro de emprego, sem pressões de qualquer espécie), para passar a sua vida em revista, a relação com as mulheres, e escrever a autobiografia da rapariga morta."
Fragmentos:“A memória talvez seja também um vício”; “Se ainda vier a ser capaz de me lembrar de alguma coisa”; “fiapos de memória”; “terra queimada do meu passado”; «escrever é só um artifício para chorar diante de todos sem que ninguém veja.»
Excertos:
Apesar do grande número de experiências que acumulei na vida, nem sempre saudáveis ou amenas, e só muito raramente úteis, nunca me tinha acontecido acordar ao lado de um cadáver. Senti surpresa e espanto, estupefacção, susto, pânico e medo, tudo ao mesmo tempo e sem ordem nenhuma. De modo irracional e irreflectido tentei sacudir Soraya pelos ombros e devolvê-la à vida como se fosse um brinquedo escangalhado. Esbofeteei-a para que acordasse e abracei-lhe o corpo inerte, e só depois de tudo me ocorreu questionar-me sobre o que tinha acontecido e como era possível que estivesse morta, que tivesse morrido assim inesperadamente e sem sentido, criando-me mais um problema que eu não sabia como resolver, e logo naquelas circunstâncias tão esdrúxulas, deixando-me, se calhar, outra vez sem trabalho e sem dinheiro, a braços com a autobiografia inacabada e fantasma de uma celebridade desvanecendo-se e já perdendo a cor, cujo espectro talvez estivesse naquele instante pairando no quarto e observando o meu desatino.
Deixei há muito tempo de gostar de gente. Existe um ou outro indivíduo notável, mas, em conjunto, as pessoas são uma massa lamentável. Onde há tirania, são tiranos ou entregam-se à vilania do silêncio e da delação. Onde existe liberdade, ou aquilo a que comummente se chama liberdade, são sempre capazes de se porem de acordo para eleger os tipos mais desaconselháveis e capazes de prejudicarem ou defraudarem quem os escolheu. E depois reconduzem-nos quantas vezes for possível até serem forçados a optar por outro energúmeno qualquer (quando o primeiro já se tenha governado bastante).
Na última campanha eleitoral que acompanhei enquanto jornalista, o misantropo em que me fui transformando sorria interiormente e revoltava-se ao mesmo tempo. Os candidatos dos dois ou três partidos que sempre nos governam rivalizavam na distribuição de sandes de presunto, bonés e porta-chaves. Os eleitores quase se atropelavam para alcançarem as dádivas que os políticos lhes levavam aos bairros sociais, esquecidos de todas as vilanias que os respectivos partidos haviam cometido ao longo de décadas. Os partidos do costume lideravam largamente as sondagens e os estudos de opinião – e um deles acabou por ganhar as eleições sem que eu tivesse conseguido decidir o que execrava mais: os políticos que compravam votos com sandes de presunto ou as pessoas que se vendem e embrutecem por tão pouco.(…) Não gostando de gente, é natural que termine os meus dias amargo – como deviam ser todas as pessoas desiludidas com a espécie que lhes calhou pertencer. Se puder ficar no estabelecimento prisional, tanto melhor. Estou protegido da carneirada e ser-me-á muito menos penoso estar preso do que ter de voltar a comportar-me como os outros indivíduos do mundo, cumprindo as mesma regras cínicas, vivendo de acordo com os mesmos preceitos hipócritas. Não preciso, aqui de ser cortês, educado, polido ou simpático com sujeitos que me repugnam, e posso muito bem ignorar que existem. É como se tivessem sido apagados do mundo. Não os vejo, logo não perco tempo a execrá-los, nem estrago o meu humor com isso.
A consciência não é, afinal, mais do que uma invenção moral, um puro conceito abstracto que qualquer indivíduo habituado a prejudicar o seu semelhante pode perfeitamente dispensar.
Enquanto o estabelecimento prisional sossega, neste espaço ainda mais parado que o tempo morto da reclusão, escrevo e penso naquilo que aqui me trouxe: em todas as frases que não disse à minha filha, nos dias em que não a vi crescer, no silêncio que é o meu mais eficaz refúgio e nas mulheres todas que, calando-me, expulsei da vida - na Sofia e na Soraya, claro, mas também nas outras todas que talvez apenas tivessem necessitado de ouvir a minha voz e de sentir a minha presença para terem a certeza de que estava com elas e não afastando-me já para longe, ausente e concentrado num ponto invisível diante do nariz, à espera de que os problemas se resolvessem por si mesmos, puta que pariu, puta que pariu, puta que pariu, tão distante e alheado da minha própria vida como das pendências domésticas de um vizinho qualquer.
Tinha sido sempre assim: passara a vida a fechar portas, a instalar ferrolhos e a erguer os muros em seu redor. Vendo bem, o suicídio na cadeia constituía o corolário lógico de um percurso e de um modo de vida. Era como uma fuga definitiva, o desaparecimento final, e havia que reconhecer que Herculano tinha conseguido ser consequente.
Sempre pensei, com alguma certeza, que a vida numa prisão talvez não fosse assim tão má, o que me fez identificar com o protagonista deste romance...
Nunca cheguei a conhecer pessoalmente o manuel jorge marmelo, apesar de termos combinado um encontro. Trocámos meia dúzia de e-mails porque os livros dele foram, numa certa época, os mais requisitados na "minha" biblioteca e um grupo de alunas pressionou-me para que eu o contactasse, através da editora.
Sempre achei que ele tinha um nome absolutamente inestético e nada eufónico para um escritor e, talvez, por isso, tornei-o, involuntariamente, ainda pior, chamando-o manuel jorge caramelo...
Julgo que foi deste meu lapso que surgiu o nosso efémero contacto virtual, porque ele respondeu-me, em nome pessoal, de imediato, ironizando, de modo inteligente, com o facto de eu ter cometido um "lapso terrível para uma bibliotecária que se preze": trocar o nome do escritor... Se tal situação ocorresse in praesentia , teria sido dramático, assim lá superei a desastrosa troca de modo mais ou menos airoso. Perguntei-lhe se podia dar o contacto às alunas fanáticas, ele acedeu e, sinceramente, já não me recordo qual foi a evolução... Aliás , o nome deste marmelo / caramelo desapareceu completamente da minha memória, até hoje...
Mas a chama, que a vida em nós criou,
Se ainda há vida ainda não é finda.
O frio morto em cinzas a ocultou:
A mão do vento pode erguê-la ainda.
Tudo é vão, como mexer em cinzas, vago como o momento em que ainda não é antemanhã. E a luz brota tão serenamente e perfeitamente nas coisas, doura-as tão de realidade sorridente e triste! Todo o mistério do mundo desce até ante meus olhos se esculpir em banalidade e rua. Ah, como as coisas quotidianas roçam mistérios por nós! Como à superfície, que a luz toca, desta vida complexa de humana, a Hora, sorriso incerto, sobe aos lábios do Mistério! Que moderno que tudo isto soa! E, no fundo tão antigo, tão oculto, tão tendo outro sentido que aquele que luze em tudo isto!
Um vento de sombras sopra cinzas de propósitos mortos sobre o que eu sou de desperto. Cai de um firmamento desconhecido um orvalho morno de tédio. Uma grande angústia inerte manuseia-me a alma por dentro e, incerta, altera-me, como a brisa aos perfis das copas...
E não sei compreender isto que sinto. Dize-me qualquer palavra mais sentida Que essas palavras que, como se as perderas, buscas E encontras cinzas. Quando te vi, amei-te já muito antes. Tornei a achar-te quando te encontrei. Nasci para ti antes de haver o mundo. Não há coisa feliz ou hora alegre Que eu tenha tido pela vida fora, Que não o fosse porque te previa, Porque dormias nela tu futuro, E com essas alegrias e esse prazer
Eu viria depois a amar-te.
Não me emociono nem com o fogo nem com as cinzas, definitivamente, estou a mais...Preciso de férias de mim. Preciso de férias desta vida.
Enquanto o país arde, eu fico " à sombra das raparigas em flor"....
Um desgosto causado por uma pessoa que amamos pode ser amargo(...) Mas quando tal desgosto nasce- como era o caso deste - num momento em que a ventura de ver essa pessoa nos enche inteiramente, a brusca depressão que se produz então na nossa alma até aí ensolarada, firme e calma,determina em nós uma furiosa tempestade contra a qual não sabemos se seremos capazes de lutar até ao fim.(...) Para me tornar a separação menos difícil de concretizar, não a imaginava como definitiva. Mas bem sentia que o iria ser. (...) Todos sabemos,quando deixamos de amar, que o esquecimento, e até a vaga recordação, não causam tantos sofrimentos como o amor infeliz. Era repousante a doçura de tal esquecimento antecipado que, sem o confessar a mim mesmo, eu preferia.
De resto, tal cura de desapego psíquico e de isolamento será cada vez menos penosa por outra razão, que é a de enfraquecer, enquanto não a sara, essa ideia fixa que um amor é.(...)
O sofrimento que experimentamos durante os nossos últimos encontros sobrevive ainda em nós, mas já sonolento.Não temos grande pressa de o renovar, e tanto mais que não vemos bem o que haveríamos de pedir agora.
E como a duração média de vida -a longevidade relativa- é muito maior para a memória das sensações poéticas do que para a dos sofrimentos do coração,tanto tempo depois de se terem desvanecido os desgostos que me afligiam (...), sobreviveram-lhes o prazer que sinto de cada vez que quero ler, numa espécie de relógio solar,os minutos existentes entre o meio -dia e um quarto e a uma hora , no mês de Maio,quando me revejo a conversar com (...),como sob o reflexo de um caramanchão de glicínias.
todas as mãos são de pano empobrecido no aceno infindável ao amigo que parte.nenhuma luz sobressai na amarga tristeza do não retorno que fazer com a ausência que deixaste? ou com o ensurdecedor silêncio da não fala? música profunda que lembra o pânico de não saber para que somos. atrás dos tempos vêm tempos e tempos que para nós nunca virão.como usar destes com o atraso que lhes provoca a tua morte? para lá da luz há um silêncio,ave de rapina com o horizonte cadavérico da nossa condição. somos apenas o pó antecipado que o entusiasmo da tempestade resolveu aglutinar no bicho que transportamos.entre linhas um choro convulso, às vezes de gargalhadas.Ou suprema violação do tempo que tínhamos para nós e nos é raptado pela imposição mesquinha de mentes de igual adjetivação.
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