Não é neccessário vivermos ao lado de alguém para nos sentirmos ligados a esse alguém mais do que a qualquer outra pessoa...

terça-feira, 9 de agosto de 2016

Alma e mãos...

If I had to lose a mile If I had to touch feelings I would lose my soul The way I do. I can't see the end of me My whole expanse I cannot see I formulate infinity And store it deep inside me...



Ó tocadora de harpa, se eu beijasse Teu gesto, sem beijar as tuas mãos!, E, beijando-o, descesse pelos desvãos Do sonho, até que enfim eu o encontrasse Tornado Puro Gesto, gesto-face (...) Não poder eu prendê-lo, fazer mais Que vê-lo e que perdê-lo!... E o sonho é o resto...

Põe-me as mãos nos ombros... Beija-me na fronte... Minha vida é escombros, A minha alma insonte.

Gosto tanto do adjetivo insonte... é bonito, muito bonito. É daquelas palavras que gosto de guardar só para mim...

( Eliminei, com a minha própria mão - inábil, estúpida, incompetente - a publicação " mãos", o contraponto da que hoje quero iniciar sobre a "alma". Depois de uma fúria incontrolável, até me apeteceu decepar a mão que tal fez, vivi o desespero de uma alma saturada por tutoriais sobre " como recuperar publicações excluídas", até que consegui encontrar um salvador...Recuperei as mãos, mas será que encontro a alma? )

Acho que, na maioria dos casos, quando uma pessoa se ri, se torna nojento olharmos para ela. Manifesta-se no riso das pessoas, na maioria das vezes, qualquer coisa de grosseiro que humilha a quem ri, embora essa pessoa quase nunca saiba que efeito o seu riso provoca. Tal como não sabe (ninguém sabe, aliás) a cara que faz quando dorme. Há quem mantenha no sono uma cara inteligente, mas outros há que, embora inteligentes, fazem uma cara tão estúpida a dormir que se torna ridícula. Não sei por que tal acontece, apenas quero salientar que a pessoa que ri, tal como a pessoa que dorme, não sabe a cara que faz. De uma maneira geral, há muitíssimas pessoas que não sabem rir. Aliás, isso não é coisa que se aprenda: é um dom, não se pode aperfeiçoar o riso. A não ser que nos reeduquemos interiormente, que nos desenvolvamos para melhor e que superemos os maus instintos do nosso carácter: então também o riso poderá possivelmente mudar para melhor. A pessoa manifesta no riso aquilo que é, é possível conhecermos num instante todos os seus segredos.
Mesmo o riso incontestavelmente inteligente é, às vezes, abominável. O riso exige em primeiro lugar sinceridade, mas onde está a sinceridade das pessoas? O riso exige a ausência de maldade, mas as pessoas, na maioria dos casos, riem com maldade. Um riso sincero e sem maldade é uma pura alegria, mas, nos tempos que correm, onde está a alegria? E poderão as pessoas ser alegres?
A alegria é um dos mais reveladores traços humanos, basta a alegria para revelar as pessoas dos pés à cabeça. Por vezes não há meio de percebermos o carácter de uma pessoa, mas basta ela rir para lhe conhecermos o feitio como às palmas das nossas mãos. Só as pessoas desenvolvidas do modo mais elevado e feliz sabem ser contagiosamente alegres, de uma maneira irresistível e benévola. Não falo de desenvolvimento intelectual, mas de carácter, do homem como um todo. Portanto: para compreender uma pessoa e conhecer-lhe a alma não presteis atenção à sua maneira de se calar, ou de falar, ou de chorar, ou de se emocionar com as ideias mais nobres, olhai antes para ela quando se ri. Ri-se bem - é boa pessoa. (...) Apenas entendo que o riso é a mais certeira prova da alma. Olhai para uma criança: só as crianças sabem rir com perfeição, por isso são fascinantes. É abominável a criança que chora, mas a que ri alegremente é um raio do paraíso, é o futuro do homem quando ele, finalmente, se tornar tão puro e ingénuo como uma criança.


Eu não gosto nem sei rir. Não gosto porque não sei ou não sei porque não gosto? A única maneira de teres sensações novas é construíres-te uma alma nova.
A alma humana é vítima tão inevitável da dor que sofre a dor da surpresa dolorosa, mesmo com o que devia esperar...

A alma, ao contrário do que tu supões, a alma é exterior: envolve e impregna o corpo como um fluido envolve a matéria. Em certos homens a alma chega a ser visível, a atmosfera que os rodeia toma cor. Há seres cuja alma é uma contínua exalação: arrastam-na como um cometa ao oiro esparralhado da cauda - imensa, dorida, frenética. Há-os cuja alma é de uma sensibilidade extrema: sentem em si todo o universo. Daí também simpatias e antipatias súbitas quando duas almas se tocam, mesmo antes da matéria comunicar. O amor não é senão a impregnação desses fluidos, formando uma só alma, como o ódio é a repulsão dessa névoa sensível.

Como a vida esplêndida é aborrecida e inútil! Não se passa nada, não se passa nada. Todos os dias dizemos as mesmas palavras, cumprimentamos com o mesmo sorriso e fazemos as mesmas mesuras. Petrificam-se os hábitos lentamente acumulados. O tempo mói: mói a ambição e o fel e torna as figuras grotescas.

(…) e aquele tempo perdido em analisar o que nunca se chegou a passar, a medir os precisos termos de relações que nunca se dariam. Fora um capricho, não do temperamento, mas da simples imaginação. Cada um fora um sonho para o outro, uma espécie de trampolim para saltar dentro de si mesmo de um esquema de emoções para outro esquema de emoções, de uma possibilidade para outra possibilidade. Aquela banalidade de vida é que era a realidade da vida dela; aquela impossibilidade de fazer mais que sonhar é que era a certeza dele. O que ela manifestara para com ele fora apenas um sonho em voz alta, e o que ele manifestara para ela uma possibilidade em voz baixa. As vozes harmonizavam-se pela própria desarmonia.
(...) Amamos em parte com o instinto sexual, em parte com a atracção emotiva, mas também, e em grande parte, com vários versos de vários poetas, certos quadros, memórias de trechos musicais, e abundantes citações de romancistas. (...) E aquele elemento de banalidade, de estupidez mesmo, que oferece obstáculo permanente à própria imaginação, e prende curtos os animais do íntimo desejo, à porta de casa das coisas que se não revelam? E aquele amor a um conforto da superfície da alma? E aquele uso do mesmo homem, aceite como uma maçada sossegada e, por usual, cómoda - o marido parte da vida como o arranjo da cozinha, o passajar de roupa ou o tratar das crianças?...


Há entre alma e alma um abismo. Saber
Que me está vendo uma alma em (...), nudez
E acto de amor!
Não a nudez da estátua,
Mas a nudez viva, cheia de olhar-me
Até que me apavoro de pensá-lo.
Nem tenho gestos para saber amar,
Nem alma para tirar ao mero-oco
Pensar aqueles gestos, o horror
Que vem de eles saberem a mistério.


Uma saudade de coisas idas, de grandes passados da alma, talvez porque em reencarnações antigas, olhos nossos, no corpo físico, houvesse visto, este luar sobre florestas longínquas, quando selvática ainda, a alma infanta talvez pressentia, por uma memória em Deus ao contrário, no futuro das suas reencarnações, esta lua retrospectiva. E assim essas duas luas davam mãos de sombra por sobre a minha cabeça abatida.

Este não-sei-quê obriga-nos, uma vez mais, a usar aqui a palavra "alma".(...) entre tudo o que é próprio desta palavra " alma", o que mais ressalta é o facto de a gente nova a não conseguir pronunciar sem se rir.( ...) dizer simplesmente "a minha alma " é coisa que ninguém faz. É uma palavra típica de pessoas mais velhas, e isso só se pode explicar se aceitarmos que no decurso da vida há qualquer coisa que se torna cada vez mais sensível, e para a qual precisamos urgentemente de um nome, mas não o encontramos; até que passamos a usar, com alguma relutância, aquele que antes desprezávamos.

Este texto de musil será uma explicação possível para o facto de eu , não acreditando na alma, tanto utilizar a palavra. Desde sempre o fiz, o que significa que já sou velha há muito tempo. Acho que sempre o fui...

A alma só acolhe o que lhe pertence; de certo modo, ela já sabe de antemão tudo aquilo por que vai passar. Os amantes não contam nada de novo uns aos outros, e para eles também não existe reconhecimento. De facto, o amante não reconhece no ser que ama nada a não ser que é transportado por ele, de modo indescritível, para um estado de dinamismo interior. E reconhecer uma pessoa que não ama significa para ele trazer o outro ao amor como uma parede cega sobre a qual cai a luz do Sol. E reconhecer uma coisa inerte não significa identificar os seus atributos uns a seguir aos outros, mas sim que um véu cai ou uma fronteira se abre, e nenhum deles pertence ao mundo da percepção. Também o inanimado, desconhecido como é, mas cheio de confiança, entra no espaço fraterno dos amantes. A natureza e o singular espírito dos amantes olham-se nos olhos, e são as duas direcções de um mesmo agir, um rio que corre em dois sentidos, um fogo que arde em dois extremos.
E então é impossível reconhecer uma pessoa ou uma coisa sem relação connosco próprios, pois o acto de tomar conhecimento toma das coisas qualquer coisa; mantêm a forma, mas parecem desfazer-se em cinzas por dentro, algo delas se evapora, e o que resta é apenas a sua múmia. É por isso também que não existe verdade para os amantes; seria um beco sem saída, um fim, a morte do pensamento que, enquanto estiver vivo, se assemelha à fímbria arfante de uma chama, onde se abraçam a luz e a escuridão. Como pode uma coisa iluminar onde tudo é luz? Para quê a esmola do que é seguro e inequívoco onde tudo é plenitude? E como podemos ainda desejar alguma coisa só para nós, ainda que seja aquilo que amamos, depois da experiência que nos diz que os amantes não se pertencem, mas têm de se dar em oferenda a tudo o que vem ao seu encontro e se oferece aos seus olhares entrelaçados?


A riqueza moral tem estreitas afinidades com a material; (...) não é difícil perceber por que razão isso acontece. É que a moral substitui a alma pela lógica; quando uma alma tem moral, deixam de existir para ela problemas morais, todos são problemas lógicos; pergunta-se se aquilo que quer fazer obedece a este ou àquele mandamento, se a sua intenção deve ser interpretada de uma maneira ou de outra, e coisas semelhantes. Seria como se uma horda caótica de gente se transformasse numa classe de ginástica disciplinada que, a um sinal do monitor, obedecesse às ordens de torção à direita, esticar os braços ou flectir os joelhos. Mas a lógica pressupõe experiências passíveis de repetição; é óbvio que, no momento em que os acontecimentos mudassem num torvelinho em que nada se repete, nunca chegaríamos a poder expressar a profunda intuição de que A é igual a A, ou de que o que é maior não pode ser menor, mas limitar-nos-íamos a sonhar - um estado que qualquer pensador detesta. E o mesmo se pode dizer da moral, pois se não existisse nada que se pudesse repetir, nada nos poderia ser prescrito, e sem poder prescrever nada às pessoas a moral não teria graça nenhuma. Este atributo da repetitividade, próprio da moral e da razão, é ainda mais indissociável do dinheiro; este consiste precisamente nisso e, desde que não sofra desvalorização, divide e classifica todos os prazeres do mundo em pequenos blocos de poder de compra com os quais construímos o que quisermos. É por isso que o dinheiro é moral e racional; e como todos sabemos que o inverso não é verdadeiro, isto é, que todo o homem moral e racional tem dinheiro, daí se deduz que esses atributos residem originalmente no dinheiro, ou pelo menos que o dinheiro é o coroamento de uma existência moral e racional.



Esta reflexão do padre antónio vieira, mesmo tendo sido formulada no século XVII, parece não ser, de facto, resultado de um pensamento processado pela cabeça. Nem como metáfora, a autonomia do entendimento da mão relativamente à cabeça é aceitável...



Com mãos se faz a paz se faz a guerra
Com mãos tudo se faz e se desfaz
Com mãos se faz o poema ─ e são de terra.
Com mãos se faz a guerra ─ e são a paz.


Com mãos se rasga o mar. Com mãos se lavra.
Não são de pedra estas casas mas
de mãos. E estão no fruto e na palavra
as mãos que são o canto e são as armas.



Não tenhas nada nas mãos
Nem uma memória na alma,
Que quando te puserem
Nas mãos o óbolo último,
Ao abrirem-te as mãos
Nada te cairá.
Colhe as flores mas larga-as,
Das mãos mal as olhaste.
Senta-te ao sol. Abdica
E sê rei de ti próprio.



Mãos doloridas na guitarra que desgarra dor bizarra Mãos insofridas, mãos plangentes Mãos frementes e impacientes Mãos desoladas e sombrias Desgraçadas, doentias Quando há traição, ciúme e morte E um coração a bater forte (...) Mãos amorosas na guitarra Que desgarra dor bizarra Mãos frementes de desejo Impacientes como um beijo Mãos de fado, de pecado A guitarra a afagar Como um corpo de mulher Para o despir e para o beijar (...) Mãos carinhosas, generosas Que não conhecem o rancor Mãos que o fado compreendem e entendem a sua dor Mãos que não mentem Quando sentem Outras mãos para acarinhar Mãos que brigam, que castigam Mas que sabem perdoar...

é próprio da obra verdadeiramente artística ser uma fonte inesgotável de sugestões...


Gian lorenzo bernini é considerado o melhor escultor do século XVII... Para se avaliar a sua genialidade , basta conhecer O Rapto de Prosérpina, obra esculpida quando gian tinha apenas 23 anos...O pormenor das mãos de plutão a arragar o corpo de prosérpina é insuperável...

Foi possivelmente o último dos génios de valor universal nascido em Itália. Que eu saiba nunca ninguém escreveu a biografia deste homem com um talento talvez superior ao de miguel ângelo...Conheci-o quando visitei, em roma, a galleria borghese. Foi um deslumbramento...

Percorrer a roma de bernini e a de adriano é a única peregrinação sagrada para um não crente...

Não quero mais que uma mão, mão ferida, se possível. Não quero mais que uma mão, inda que passe noites mil sem cama.

Seria um lírio pálido de cal, uma pomba atada ao meu coração, o guarda que na noite do meu trânsito de todo vetaria o acesso à lua.

Não quero mais que essa mão para os diários óleos e a mortalha de minha agonia. Não quero mais que essa mão para da minha morte ter uma asa.

Tudo mais passa. Rubor sem nome mais, astro perpétuo. O demais é o outro; vento triste enquanto as folhas fogem debandadas.


Rosa começou a fazer bonecos muito nova. Diz-se que, quando a mãe a chamava, os escondia no seio, como um tesouro. Com 16 anos, casa-se com um moleiro e dedica-se unicamente aos seus 7 filhos e à vida do moinho. Só depois de enviuvar, já com 68 anos, retoma os seus "bonecos fantasiosos e dramáticos". "Mulher inteligente, ensinou tudo o que sabia à sua neta Júlia Ramalho, filha de um filho que lhe morreu, para que a sua arte não acabasse."

Eu procurei fazer dela uma figura pluridimensional. No fundo, a Rosa Ramalho é a figura do norte português, é a fêmea do Norte de Portugal que vem desde a Idade Média, que se prolonga pelos nossos dias, e que naquela mulher específica de S. Martinho de Galegos, de certa forma, encarnou com uma violência tal que permitiu que se erigisse como uma figura tutelar na nossa neutralidade.

Abria a porta do forno, retirava as telhas e a lama com que a barrara, esperava que se dissipasse aquela névoa. ali estava, pois, diante da assadura, breve magote de fantoches calcinados, como se fora recolhê-los aos depósitos eternos. Lambiam-lhe as farripas do cabelo algumas chamas, que retomavam o ar livre, enfim, uma vez concluída sua função torturadora e aglutinante. Formava-se o Universo dos gestos que executava, conferia o resultado que deles obtinha, com as rugas todas numa crispação. E a paz a tomava, porque não conhecia o parto dos artistas em pecado que, na proximidade de tudo, não sabem adestrar a natureza que têm.

" ...sabe o que é a burguezia?» «Sabe, sim. É a geral sociedade, essa que vive animalmente, isto é, aquella em que os sentimentos animaes é tudo e os espirituaes nada. É uma sociedade de alma animal. Ha tambem bons burguezes, porque a alma animal tambem pode ser altamente virtuosa, mas nunca superior. Ora o tio Chico é uma alma superior. Voila tout».



Les bourgeois c'est comme les cochons Plus ça devient vieux plus ça devient bête Les bourgeois c'est comme les cochons Plus ça devient vieux plus ça devient c...


A burguesia fede , mas tem dinheiro para comprar perfume.

Eu sou uum espirito dramatico e a mnha alma representa sempre uma tragedia em que sou o unico espectador.Contudo,no meio deste luto,eu vou rindo -rindo diabolicamente. Isto não quer dizer que me julgue infeliz-não. Se qualquer quizesse trocar a sua felicidade pela minha desgraça eu não trocava.Os meus destinos só estão bem commigo, ou por elles triumpho ou por elles sou esmagado.


Sobreviventes de uma era extinta,aqui estamos os dois,neste lugar e nesta morada,sem qualquer cenário socioeconómico,despezo do neo-realista eventual que connosco topasse. Chama-se Cocainum Muriaticum. Papi transita agora a uma segunda fase de sensações,as gengivas e a abóbada vão ficando rugosasa e quentes,e se ousar beber um gole de água gelada saber-lhe-á a calor na língua e a frio no esófago.Mas eis que em certos momentos o paladar é de agradável frescura,tanto na boca como nas entranhas(...)Pela sempre msma porta porfechar,vejo-o agora estirado no divâ, um braço descaído a tocar o tapete,a outra mão deposta sobre o peito.(...)E Amadeo esconde-se pela Casa,negado por alguns que o sabem,de lábios em perpétuo selados pela morte.

Papi palmilha o quarto de cá para lá até altas horas,abrindo gavetas,rasgando papéis,derrubando cadeiras.Que persegue este homem? O seu passado ou o de um outro, um texto, um astro que se não fixa? As cigarras misturam o canto ao borbulhar da água da boca do golfiho de pedra.Leio cem vezes a página,sem nela me ater.

Na trama das relações que constituem a história,que o espírito dos seres homologa ou veta mas de que jamais se livra em sua solidão sem paz, somos nós que nos buscamos ou o encontro objectivo se dá?

Será então fiel dos domingos de Robert e Sonia Delaunay,deles retendo a peritagem de diferenciar as multímodas impressões individuais.Perante o seu silêncio,marcham os que se conduzem como se tudo fosse apenas passar a tarde,dizer que sim, cozinhar o trocadilho.O mundanismo dos intelectuais,desamparados em sua arrasante avidez de um inverosímil carinho,pouca curiosidade lhe despertará.
"Para que se serve o esvoaçante pombo da juventude senão para que se dissipe?",perguntaria ainda Modigliani, desferindo murros na cabeça de seus ídolos." Para subir é que serve", era ainda a sua voz.A noite constelava-se ao alto dos quintalecos,a concertina soava muito longe,gritava alguém um hurrah interminável,saudando o tempo dos tempos. De Montparnasse se despediam.

Em 1910, eu encontrava Modigliani muito raramente... Apesar disso, ele escrevera-me durante todo o inverno. No entanto, não me contou que fazia versos. Conforme estou a perceber agora, o que o impressionou mais em mim foi a capacidade de adivinhar pensamentos, ver os sonhos alheios e outras insignificâncias com as quais há muito estavam acostumados aqueles que me conheciam. Ele repetia sempre: "On communique". Com frequência, dizia: "Il n'y a que vous pour réaliser cela"e “Vous êtes en moi comme une hantise.”
Provavelmente, ambos não compreendíamos algo essencial: tudo o que então acontecia era a pré-história da nossa vida: a dele, muito curta, a minha, muito longa. O sopro da arte ainda não reduzira a cinzas, não transformara essas duas existências, aquilo deveria tornar-se uma hora leve, luminosa, antecedendo o amanhecer. Mas o futuro que, como se sabe, projeta a sua sombra muito antes de entrar, já batia na janela, escondia-se atrás dos lampiões, interpunha-se nos sonhos e assustava com a terrível Paris baudelairiana, que se ocultava em alguma parte ao lado. E tudo o que havia de divino em Modigliani somente soltava fagulhas de não sei que treva. Ele não tinha nada de parecido com alguém deste mundo. A sua voz de certo modo conservou -se para sempre na minha memória. Quando eu o conheci, estava na indigência, e não dava para entender do que ele vivia. Como pintor, não tinha nem sombra de aceitação.

Era tão pobre que, no jardim de Luxemburgo, ficávamos sempre sentados num banco, e não sobre cadeiras pagas, como era de praxe. Ele não se queixava nunca, nem da pobreza tão evidente, nem da não menos evidente falta de reconhecimento. Somente uma vez, em 1911, ele me disse que, no inverno anterior, estivera tão mal que não podia sequer pensar naquilo que lhe era mais querido. Parecia -me rodeado pelo anel apertado da solidão. Não me lembro de que ele cumprimentasse alguém no jardim de Luxemburgo ou no Quartier Latin, onde todos eram mais ou menos conhecidos entre si. Eu não ouvi dele nome algum de amigo ou conhecido, nenhum nome de pintor, e não o ouvi dizer nenhuma brincadeira. Nunca o vi bêbado, e ele não cheirava a vinho. Pelos vistos, passou a beber mais tarde, mas o haxixe já surgia de algum modo nos seus relatos. Segundo parecia, não tinha companheira. Ele nunca contava histórias sobre paixões anteriores. Comigo ele não falava de nada terrestre. Era cortês, devido à superioridade do seu espírito.

But there’re, somewhere, the simple life and light, Warm, gay and absolutely clear… There, speaks a neighbor through the fences, light, With a sweet girl, and only bees can hear – The gentlest talking of this kind. But here we live – the solemn ones and toilsome – And honor rites of our meetings, sad, When our speech, just as a bud to blossom,Is cut by wind, the cold and mad.But we shall never seek a substitution For this grand city – our woe and prize – The widest rivers’ ever glaring ice, The gloomy gardens, hidden from beams sun’s And the Muse voice’s slim illusion.

Sentia-me sem forças, gelada, mas os meus passos eram leves. Na mão direita tinha a luva da mão esquerda, ao partir. Eram realmente tantos degraus? Eu sabia que eram só três! O outono abraçava os plátanos e murmurava:"Morre comigo!" É o meu destino que me enganasse e me traísse. Eu respondi: "Oh, meu amor! Eu também...Contigo morrerei..." Este é o canto do último encontro. Olhei para a casa escura, Só no meu quarto, amarelo e indiferente, ardia o fogo das velas.



História de Guilhermina Suggia, figura emblemática do século XX, aluna e amante de Pablo Casals e que, ainda hoje, é considerada como a violoncelista portuguesa de maior prestígio.

Insólito, mas inegável, é que a frequência das tertúlias se entremostre com esse ambíguo aspecto, de festejo e de rito funerário, que a muitos, desde sempre, haverá de aterrar. Isso mesmo saberia Guilhermina, em certo subsolo seu, intocado ainda pela usura social. Ao ascender, num princípio de Abril, a escadaria flanqueada por duas ninfas candelárias, a uma outra impressão agudíssima se ajuntaria esta, das tais que um norte decidem, matrimónio de razão, escalada fatal aos cimos do Matterhorn. A toda a volta, por entre a criadagem, andavam grupos de negro, num torvelinho que da profunda distância a alcançava. Tinha Pablo à beira, tentando persuadi-la a que acedesse a tocar, com essa altanaria de quem o patrocínio vai conceder à divulgação de uma habilidade[...]


Põe a tua mão Sobre o meu cabelo... Tudo é ilusão. Sonhar é sabê-lo.

Dá-me a tua mão. Deixa que a minha solidão prolongue mais a tua — para aqui os dois de mãos dadas nas noites estreladas, a ver os fantasmas a dançar na lua. Dá-me a tua mão, companheira, até o Abismo da Ternura Derradeira.

A tua alma procurou-me e eu dei-te a mão...

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