O Bestiário ou Livro das Bestas assume-se como uma obra singular no âmbito da literatura da Idade Média. Em primeiro lugar, por nele se descreverem várias espécies animais, sejam elas existentes ou não. Em segundo lugar, por subordinar essa descrição a uma interpretação de cariz simbólico e alegórico. Em terceiro lugar, ao integrar iluminuras que se cruzam com o texto escrito, estabelecendo com ele um diálogo permanente. Por fim, porque se constitui como uma obra literária que se circunscreveu à época medieval que o viu nascer e morrer.
O Bestiário organiza-se em torno de pequenas narrativas que descrevem várias espécies animais, com propósitos morais e didácticos. Neste sentido, cada uma dessas narrativas é composta por duas partes distintas: uma parte descritiva de sentido literal (a descrição, proprietas ou naturas) e a sua moralização e interpretação teológica de sentido simbólico-alegórico (também designada como moralização, moralitas ou figuras).
Sinopse: Animais invisíveis, como o tigre do conto que dá título ao volume, que se desloca a seu bel-prazer pelos quartos de uma casa, obrigando a família que ali vive a mil cuidados e precauções a fim de evitar encontros indesejados; animais imaginários, como as mancúspias que anunciam as fases da Cefaleia; animais que despontam do nada, como os coelhinhos da Carta a uma rapariga em Paris; ou outros ainda subjugados ao poder de feitiçarias arcaicas que ganham novas formas e sentidos em Circe, todos eles compõem este bestiário fantástico de Julio Cortázar, no qual a descrição realista de atmosferas familiares faz luz sobre a vida secreta de uma sociedade povoada por tensões misteriosas e irracionais.
Tive que fechar a porta do corredor. Ocuparam a parte do fundo. Ela deixou cair o tricô e olhou-me com os seus graves olhos cansados.
– Tem a certeza?
Confirmei.
– Então – disse ela apanhando as agulhas – vamos ter que viver deste lado. (...)
– Ocuparam esta parte – disse Irene.
[…] –Teve tempo de trazer alguma coisa? – perguntei inutilmente.
– Não, nada.
Estávamos com a roupa do corpo. Lembrei-me dos quinze mil pesos no armário do meu quarto. Agora era tarde.
Pensei uma coisa curiosa. Há três dias que não sei nada da longínqua. Talvez agora não lhe batam mais, ou quem sabe conseguiu um abrigo. Mandar-lhe um telegrama, um par de meias… Pensei uma coisa estranha. Eu chegava à cidade terrível e era de tarde, uma tarde esverdeada e aquosa como nunca são as tardes se a gente não as ajuda pensando-as.
Nuno Matos Valente recolheu e Natacha Costa Pereira ilustrou cerca de 40 criaturas que “habitam” o nosso território, produzindo o “Bestiário Tradicional Português”, o trabalho de pesquisa de criaturas míticas tradicionais mais completo alguma vez publicado no nosso país, sobre criaturas fantásticas dos nossos contos, lendas e restante imaginário popular.
Dirigido a pais e filhos, este Bestiário Ilustrado contém informações detalhadas sobre os hábitos e características de cada criatura genuinamente portuguesa, de acordo com extensa recolha oral e com referências nas obras de Leite de Vasconcelos, Consiglieri Pedroso, Alexandre Herculano, Júlio Dinis, Teófilo Braga, entre outros.
Metades...
Uma apresentação promissora:"Um dicionário aberto de uma alma que se refugia na (des)esperança e na purificação do passar dos dias, na redenção do amor proibido e incompreensível..."
Um bom presságio:Quase unanimidade dos críticos em considerá-lo o pior romance do autor...
Não ler, pensei, era como fechar os olhos, fechar os ouvidos, perder sentidos. As pessoas que não liam não tinham sentidos. Andavam como sem ver, sem ouvir, sem falar. Não sabiam sequer o sabor das batatas. Só os livros explicavam tudo. As pessoas que não leem apagam-se no mapa de deus.
Deus não seria para aqui chamado,mas,num país católico, talvez venda bem..
Todo o romance é atravessado pela presença de deus... Não é o deus de nenhuma das religiões monoteístas, mas uma estranha combinação entre animismo e as ideias de Espinosa. É o deus silencioso que vive nas coisas, que só fala através da poesia:o homem é apenas a “carne do poema”, um ser sempre à espera do fim, na desolação da sua existência...
Embora o romance passasse bem sem ele, este deus de espinosa é aceitável e parece-me bem enquadrado: "Acredito no Deus de Epinosa, que se revela por si mesmo na harmonia de tudo o que existe." ,dizia einstein, quando interpelado sobre a existência de deus.
Éramos gémeas.Crianças espelho.Tudo em meu redor se dividiu por metade com a morte.Começaram a dizer as irmãs mortas. A mais morta e a menos morta...As pessoas olhavam-me sem saber se viraria santa ou demónio. Os santos aparecem,os demónios assombram.
Um bom começo: Sou só metade de um ser, há sentimentos que desconheço em absoluto... Se nem sei o que é uma irmã, como saberei o que é perder uma gémea? Mas conheço a sensação de que me falta metade, por isso me identifico com a narradora...Fiquei a pensar na distinção entre santos e demónios...
Estava sempre à espera de um sinal. Confiava que ela teria maneira de me falar. Éramos partes do mesmo todo.
Quando for grande quero ser longe... Eu respondia: ninguém é longe. As pessoas são sempre perto de alguma coisa e perto delas mesmas: eu acho que quero ser professora.
"Olá, eu sou a maria. Já sou muito, muito crescida, mas gostava de ser tua amiga. Queres conversar comigo?"
Animalidades...
E havia calor, mas sedução não. (Que ridículas certas palavras em certos contextos.)
Três cabides: um para pendurar o casaco, outro para pendurar uma corda já com o nó de enforcado. Outro cabide ainda: o chapéu. Não podes ter o conhecimento integral das coisas.
Um mundo com inúmeros sentidos, repleto de incongruências,mas formatado,de modo a pseudonormalizar,padronizar, tudo o que possa parecer diferente.Um mundo alicerçado num sustentáculo indestrutível: homens domesticados e acéfalos...
No zócalo, um maluco que estava rodeado de fumos disse-me que tinha uma marca que ia do centro da testa até cada uma das pernas: uma marca que começava lá em cima num ponto único e se dividia depois... Era uma marca invisível, um caminho invisível: primeiro um sítio maldito que partia do centro da testa, mas depois a tinta maldita ia-se diluindo em traço. E de um traço único passava a dois traços, um para cada uma das pernas, traços cada vez mais finos, menos malditos, mais fracos, e chegavam os dois traços aos pés já quase sem forças, sem maldição, sem raiva...
Estranha simbiose de tradição,beleza,amor,desejo, morte,crueldade e absurdo...
...avanço na queda como alguém que julgasse que pode acelerar esse movimento, não te apresses, os rápidos, os lentos, todos caem à mesma velocidade, eis o que me ensinaram, podes ser campeão de cem metros, podes nãoo ter capacidade para mexer um pé, estás de cadeira de rodas e cais mais rápido do que o atleta, eis como são as coisas e como a queda substitui deus nos pormenores, eis que a queda nivela, meu querido...
...um traço é uma parede se antes a dor te disser que um traço é uma parede. E É assim o cÃo aprende. E a memória guardou com tal força a violência do choque eléctrico que mesmo esfomeado o cão não tem coragem para sair do quadrado. E a perversão continua: há muitos dias que o cão não come e agora põem o alimento e a água uns centímetros no exterior do quadrado: isso não se faz, claro, isso é maldade má, mas as experiências são assim e assim se construiu o progresso, tira da ciência a perversidade e a ciência volta às carroças guiadas por cavalo, por isso avancemos...
Todos os animais são iguais, mas alguns são mais iguais do que outros.No bem e no mal, na saúde e na doença, até que a morte nos separe...
Ninguém pagina animais. Mas vê isto. Imagina que queres transformar um jardim zoológico num livro e fazes de cada animal uma página, que marcas, por exemplo, na pata. Aquele macaco é a página seis: vê a pata. E aquela girafa é a página 36: vê a pata.
Mas há animais que não têm patas e terás que lhes paginar o crânio: utiliza um ferro forte que não se apague com o pó ou outras ninharias: é importante não perderes o número de nenhuma página, porque a literatura é mais importante para os homens que qualquer animal. Faz do zoológico uma biblioteca: quantos livros existem aqui?






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