Não é neccessário vivermos ao lado de alguém para nos sentirmos ligados a esse alguém mais do que a qualquer outra pessoa...
sexta-feira, 28 de outubro de 2016
Estilhaços, abdicações e esoterismos...
No one is waiting For me to fail My will could sail yeah It's such a waste to be wasted In the first place I want to taste the taste of Being face to face with common grace To meditate on the warmest dream And when I walk alone I listen To our secret theme Your solar eyes are like Nothing I have ever seen Somebody close That can see right through I'd take a fall and you know That I'do anything I will for you (...) Long to be with Someone to tell I love your smell...
Tomara poder desempenhar-me, sem hesitações nem ansiedades, deste mandato subjectivo cuja execução por demorada ou imperfeita me tortura e dormir descansadamente, fosse onde fosse, plátano ou cedro que me cobrisse, levando na alma como uma parcela do mundo, entre uma saudade e uma aspiração, a consciência de um dever cumprido.
Mas dia a dia o que vejo me aponta novos deveres, novas responsabilidades da minha inteligência para com o meu senso moral.(...) Hora a hora a expressão me falha. Hora a hora a vontade fraqueja. Hora a hora sinto avançar sobre mim o tempo. Hora a hora me conheço, mãos inúteis e olhar amargurado, levando para a terra fria uma alma que não soube contar, um coração já apodrecido, morto já e na estagnação da aspiração indefinida, inutilizada. Nem choro. Como chorar? (...) Não falemos mais. As coisas que se amam, os sentimentos que se afagam guardam-se, com a chave daquilo a que chamamos «pudor», no cofre do coração. A eloquência profana-os. A arte, revelando-os, torna-os pequenos e vis. O próprio olhar não os deve revelar. Sabeis decerto que o maior amor não é aquele que a palavra suave puramente exprime. Nem é aquele que o olhar diz, nem aquele que a mão comunica tocando levemente noutra mão. É aquele que quando dois seres estão juntos, não se olhando nem tocando, os envolve como uma nuvem. Esse amor não se deve dizer nem revelar. Não se pode falar dele.
Precisava de libertar, de qualquer maneira, o sentimento que me asfixiava. Para pôr à vista o que ele tinha no ventre, eu queria despedaçar o belo manequim que por toda a parte eu apresentava.
Há na verdade esforços e convicções que nunca compreendi...a frivolidade da própria seriedade se me patenteava e eu continuava apenas a representar o meu papel o melhor que podia.
Vaga, no azul amplo solta, Vai uma nuvem errando. O meu passado não volta. Não é o que estou chorando. O que choro é diferente. Entra mais na alma da alma. Mas como, no céu sem gente, A nuvem flutua calma, E isto lembra uma tristeza E a lembrança é que entristece, Dou à saudade a riqueza De emoção que a hora tece. Mas, em verdade, o que chora Na minha amarga ansiedade Mais alto que a nuvem mora, Está para além da saudade. Não sei o que é nem consinto À alma que o saiba bem Visto da dor com que minto Dor que a minha alma tem.
As minhas ansiedades caem Por uma escada abaixo Os meus desejos balouçam-se Em meio de um jardim vertical. Na Múmia a posição é absolutamente exacta. Música longínqua, Música excessivamente longínqua, Para que a Vida passe E colher esqueça aos gestos.
Serás quem eu quiser. Farei de ti um ornamento da minha emoção posta onde quero, e como quero, dentro de mim...
A criança sabe que a boneca não é real, e trata-a como real até chorá-la e se desgostar quando se parte. A arte da criança é a de irrealizar. Bendita essa idade errada da vida, quando se nega a vida por não haver sexo, quando se nega a realidade por brincar, tomando por reais a coisas que o não são! Lancei-vos, rindo, esta ideia ao ar e vede como ao vê-la distante de mim de repente vejo o que de horrorosa ela é (Quem sabe se ela não contém a verdade?) E ela cai e quebra-se-me aos pés, em pó de horror e estilhaços de angústia...Acordo para saber que existo...Um grande tédio incerto gorgoleja erradamente fresco ao ouvido, pelas cascatas, cortiçada abaixo, lá ao fundo estúpido do jardim.
But I can't relate To the never-ending games That you play
Assim , sem europa, sem sonhos, a olhar o futuro de um passado em que uma quimera me tocou...Aqui, onde o mar se acabou e a terra espera.
Resolvi ler livro de adulto. Não penso nas minhas fantasias fantasiosas e, já que não consigo concluir nada sobre mim, vou tentar compreender a europa.
O historiador lamenta a deriva capitalista desenfreada das direitas de agora e a agenda «narcisista» das novas esquerdas, e defende o regresso a um sentido de «bem-comum» e «interesse público» que, segundo diz, só pode ser assegurado pelo Estado.
Ai Portugal...
São a Espanha e Portugal países latinos?
Em primeiro lugar, cumpre advertir um leitor incauto que a expressão "raça latina" ou "países latinos" não tem sombra de base sociológica a que se apegue. Não há, na enorme diversidade de factores sociais incluída nos povos a que se convencionou chamar "latinos" traço comum, que não seja uma certa semelhança linguística — semelhança essa porém que resulta, não de uma fundamental e espontânea semelhança íntima de características raciais, mas de uma comum origem linguística nos restos degenerados do Império Romano.
As nações a que se chama latinas têm de comum os característicos das nações meridionais, mas esses característicos pertencem também a povos como o grego e o turco, a gentes como os árabes e os índios — longe de toda a conexão, propriamente tal — e linguística nenhuma — com essa morta civilização latina que serve aqui de nome.
Mas a comum origem da língua não basta para se afirmar uma fundamental semelhança de intuitos e fórmulas raciais.
Qual o sentido possível da expressão "povos latinos"? A que povos se pode dar esse nome? Evidentemente apenas àqueles que são herdeiros, não só da língua, mas do próprio espírito do Império Romano. Esses, e não outros, têm direito a ser considerados latinos, por pouco que a expressão em geral signifique.
Chegou-se ao absurdo de chamar latinos aos povos simplesmente reveladores de qualidades características dos povos do Sul, de climas quentes, suaves, estimuladores da inércia e da paixão. Como se o Império Romano — tão disciplinado e seco de emoções e paixões — se pudesse prestar a uma comparação dessas!
Só a França e a Itália são povos latinos, no sentido possível sociológico da palavra. A Itália é directamente herdeira da tradição clássica. A França, pelo seu génio peculiar de raça, predominantemente de lucidez e brilho, é a natural herdeira da parte lógica, simplificadora, um pouco superficial das gentes romanas.
Nada há de menos latino que um português. Somos muito mais helénicos - capazes, como os Gregos, só de obter a proporção fora da lei, na liberdade, na ânsia, livres da pressão do Estado e da Sociedade. Não é uma blague geográfica o ficarem Lisboa e Atenas quase na mesma latitude.
Portugal ...
1843
Fazem ideia do que é o café do Cartaxo? Não fazem. Se não viajam, se não saem, se não vêem mundo esta gente de Lisboa! E passam a sua vida entre o Chiado, a Rua do Ouro e o Teatro de S. Carlos, como hão-de alargar a esfera de seus conhecimentos, desenvolver o espírito, chegar à altura do século?(...)Viajar?...qual viajar!até à Cova da Piedade,quando muito...Pois ficareis alfacinhas para sempre,cuidando que todas as praças do mundo são como a do Terreiro do Paço,todas as ruas como a rua Augusta, todos os cafés como o do Marrare.
1872
Nós estamos num estado comparável, correlativo à Grécia: mesma pobreza, mesma indignidade política, mesmo abaixamento dos caracteres, mesma ladroagem pública, mesma agiotagem, mesma decadência de espírito, mesma administração grotesca de desleixo e de confusão. Nos livros estrangeiros, nas revistas, quando se quer falar de um país católico e que pela sua decadência progressiva poderá vir a ser riscado do mapa – citam-se a Grécia e Portugal.
193?
Se... quisermos resumir num síndroma o mal superior português, diremos que esse mal consiste no provincianismo. O facto é triste, mas não nos é peculiar. De igual doença enfermam muitos outros países, que se consideram civilizantes com orgulho e erro.
O provincianismo consiste em pertencer a uma civilização sem tomar parte no desenvolvimento superior dela - em segui-la pois mimeticamente, com uma subordinação inconsciente e feliz. O síndroma provinciano compreende, pelo menos, três sintomas flagrantes: o entusiasmo e admiração pelos grandes meios e pelas grandes cidades; o entusiasmo e admiração pelo progresso e pela modernidade; e, na esfera mental superior, a incapacidade de ironia. É na incapacidade de ironia que reside o traço mais fundo do provincianismo mental.
1968
Costumo dizer, por piada, que Portugal não se salva, enquanto todos os portugueses não forem obrigados, por lei, a fazer um estágio no estrangeiro, mas proibidos de se encontrarem uns com os outros. Esta proibição é da maior importância, para impedi-los de assarem colectivamente sardinhas, cozerem bacalhau com fervor nacionalista, ou trocarem, sofregamente, as últimas novidades do Chiado.
ó Portugal, se fosses só três sílabas de plástico, que era mais barato!(...)
Portugal: questão que eu tenho comigo mesmo,golpe até ao osso, fome sem entretém,perdigueiro marrado e sem narizes, sem perdizes,rocim engraxado,feira cabisbaixa,meu remorso,meu remorso de todos nós..
Ai eu...
Diziam os argonautas que navegar é preciso, mas que viver não é preciso. Argonautas, nós, da sensibilidade doentia, digamos que sentir é preciso, mas que não é preciso viver.
Ânsia infinda
De reaver o direito à sensação,
Que é humano em mim e que esquecido tinha;
Ânsia de vã paixão que muito parte
Do (...) desesperado sofrimento;
Ânsia de sentir (...)
Ah, nem no sonho, forte pensamento,
Me deixas, seco e argumentador.
É necessário pois não pensar mais.
Mas não; não pode ser, a abdicação.
Mas o quê — abdicar do pensamento
Em proveito da mera sensação?
Pensar, ainda assim, é agir. Só no devaneio absoluto, onde nada de activo intervém, onde por fim até a nossa consciência de nós mesmos se atola num lodo — só aí, nesse morno e húmido não-ser, a abdicação da acção competentemente se atinge. Não querer compreender, não analisar... Ver-se como à natureza; olhar para as suas impressões como para um campo — a sabedoria é isto.
Entre o asceta e o homem vulgar não reconheço, na esfera da dignidade da alma, uso intermédio ou médio termo. Quem usa que use, quem abdica que abdique. Use com a brutalidade do uso; abdique com a absoluteza da abdicação. Abdique sem lágrimas, sem consolações de si mesmo, senhor ao menos da força de saber abdicar. Despreze-se, sim, mas com dignidade.
Amar é maçador, mas é talvez preferível a não amar. O sonho, porém, substitui tudo. (...) Posso amar sem me recusarem ou me traírem, ou me aborrecerem. Posso mudar de amada e ela será sempre a mesma. E se quiser que me traia e se me esquive, tenho às ordens que isso me aconteça, e sempre como eu quero, sempre como eu o gozo. Em sonho posso viver as maiores angústias, as maiores torturas, as maiores vitórias. Posso viver tudo isso tal como se fora da vida: depende apenas do meu poder em tornar o sono vívido, nítido, real. Isso exige estudo e paciência interior.
A flor que és, não a que dás, eu quero.
Já não me importo Até com o que amo ou creio amar. Sou um navio que chegou a um porto E cujo movimento é ali estar. Nada me resta Do que quis ou achei. Cheguei da festa Como fui para lá ou ainda irei Indiferente A quem sou ou suponho que mal sou...
Deixem-me o sono! Sei que é já manhã.
Mas se tão tarde o sono veio,
Quero, desperto, inda sentir a vã
Sensação do seu vago enleio.
Quero, desperto, não me recusar
A estar dormindo ainda,
E, entre a noção irreal de aqui estar,
Ver essa noção finda.
Quero que me não neguem quem não sou
Nem que, debruçado eu
Da varanda por sobre onde não estou,
Nem sequer veja o céu.
Não sei quem foi a mulher que Caeiro amou. (...) Há coisas que [a] alma se recusa a não ignorar. Bem sei que ninguém é obrigado a corresponder ao amor, e que os grandes poetas não têm nada com ser grandes amados.
Aprende a desligar as ideias de voluptuosidade e de prazer. Aprende a gozar em tudo, não o que ele é, mas as ideias e os sonhos que provoca. Porque nada é o que é: os sonhos sempre são os sonhos. Para isso precisas não tocar em nada. Se tocares o teu sonho morrerá, o objecto tocado ocupará a tua sensação. Ver e ouvir são as únicas coisas nobres que a vida contém. Os outros sentidos são plebeus e carnais. A única aristocracia é nunca tocar. Não se aproximar — eis o que é fidalgo.
Conformar-se é submeter-se e vencer é conformar-se, ser vencido. Por isso toda a vitória é uma grosseria. Os vencedores perdem sempre todas as qualidades de desalento com o presente que os levaram à luta que lhes deu a vitória. Ficam satisfeitos, e satisfeito só pode estar aquele que se conforma, que não tem a mentalidade do vencedor. Vence só quem nunca consegue. Só é forte quem desanima sempre. O melhor e o mais púrpura é abdicar. O império supremo é o do Imperador que abdica de toda a vida normal, dos outros homens, em quem o cuidado da supremacia não pesa como um fardo de jóias.
ABDICAÇÃO
Eu sou um rei
Que voluntariamente abandonei
O meu trono de sonhos e cansaços.
Minha espada, pesada a braços lassos,
Em mãos viris e calmas entreguei;
E meu ceptro e coroa, — eu os deixei
Na antecâmara, feitos em pedaços.
Minha cota de malha, tão inútil
Minhas esporas, de um tinir tão fútil,
Deixei-as pela fria escadaria.
Despi a realeza, corpo e alma,
E regressei à noite antiga e calma
Como a paisagem ao morrer do dia.
Monte Abiegno ou Monte de Abeto é um termo místico. Os documentos rosacrucianos aparecem frequentemente expedidos de uma montanha com este nome. Tem relação com os montes Meru, Mariah, Olimpo, Sião ou Herman, Sinai e outros montes sagrados, que antigamente eram lugares de iniciação, de revelações e de cultos.
Na sombra do Monte Abiegno Repousei de meditar. Vi no alto o alto Castelo Onde sonhei de chegar.(...) Está no alto, sem caminho Senão o que há por achar. Na sombra do Monte Abiegno Meu sonho é de o encontrar. Mas por ora estou dormindo, Porque é sono o não saber.Olho o Castelo de longe, Mas não olho o meu querer. Da sombra do Monte Abiegno Que me virá desprender?
Do vale à montanha, Da montanha ao monte,Cavalo de sombra,Cavaleiro monge,Por casas,por prados,Por quinta e por fonte, Caminhais aliados. Do vale à montanha, Da montanha ao monte,Cavalo de sombra, Cavaleiro monge,Por penhascos pretos,Atrás e defronte, Caminhais secretos. Do vale à montanha, Da montanha ao monte, Cavalo de sombra, Cavaleiro monge, Por plainos desertos Sem ter horizontes, Caminhais libertos. Do vale à montanha, Da montanha ao monte, Cavalo de sombra, Cavaleiro monge, Por ínvios caminhos, Por rios sem ponte, Caminhais sozinhos. Do vale à montanha, Da montanha ao monte Cavalo de sombra,Cavaleiro monge, Por quanto é sem fim, Sem ninguém que o conte, Caminhais em mim.
O paganismo helénico tem duas feições: a exotérica, que é a do mito popular e admite os deuses, objectivista, patente, consoante o são todas as manifestações populares, e, sobretudo, todas as manifestações do espírito grego; e a esotérica, que o heleno aprendia apenas nos mistérios, a parte oculta do paganismo, ligada intimamente — mais mesmo que a parte aparente e normal — aos velhos cultos e sacerdócios do Egipto e do Oriente indefinido.
Em Pitágoras emerge, afirma-se em Platão, este esoterismo pagão. Porque emerge? Porque o espírito da filosofia pagã começou da limitação objectivista. Desceu às cavernas das iniciações. Abriu portas insuspeitas no mistério da alma humana.
O adoecimento do espírito objectivo. O sincretismo helénico, o carácter sintético do paganismo devia complicar-se . Tendo começado por admitir todos os deuses, devia, interiorizando-se, acabar por admitir todas as ideias de deuses. Assim, (...), no seu paganismo fundamental, o cristianismo é um paganismo de três dimensões, não só externo mas também interno; não só admissor dos deuses de todas as crenças, mas aperfeiçoador de todas as crenças. É isto o paganismo superior.(...)Na sua essência, o cristianismo é um paganismo esotérico. Na sua desvirtuação, o cristianismo é um judaísmo degenerado, na sua forma exterior católica, o cristianismo é um império romano subjugado.
Pactos com o diabo.Mas...quem é o diabo?
Eu não sou o que pensam. ... Sou o Deus da Imaginação, perdido porque não crio. É por mim que, quando criança, sonhaste aqueles sonhos que são brinquedos; é por mim que, quando mulher já, tiveste a abraçar-te de noite os príncipes e os dominadores que dormem no fundo desses sonhos. Sou o Espírito que cria sem criar, cuja voz é um fumo, e cuja alma é um erro. Deus criou-me para que eu o imitasse de noite. Ele é o Sol, eu sou a Lua. Minha luz paira sobre tudo quanto é fútil ou findo, fogo-fátuo, margens de rio, pântanos e sombras.
( De acordo com relatos orais, as origens da personagem “Fausto” remontam a um certo erudito Georgius ou Johann que, supostamente, terá vivido na Alemanha, entre os anos de 1470 e 1540.)
Tragédia filosófica absoluta é o Fausto de Goethe, em que por um lado a insatisfação na ciência, por outro a vivacidade da vida mundana e dos prazeres terrenos, constituem uma tal amplitude de conteúdo como nenhum outro poeta dramático ousou abarcar até então numa única obra.
Nas vagas da vida, vendavais de acção,
Me vês subir, descer,
Tecer fios neste pano!
Nascer e morrer,
Eterno oceano,
Alternando a trama,
A vida uma chama,
E sentado ao tear vibrante do Tempo
Teço à divindade o seu manto vivo.
Tudo o que deve morrer não é senão reflexo
Tudo o que é imperfeito encontra aqui a perfeição
Tudo o que é mistério aqui encontra a luz
A Mulher em todos nós mostra-nos o nosso caminho.
Mas a Alquimia de Fausto foca outro aspecto. Na câmara gótica onde Fausto passou toda uma vida em busca do conhecimento e de onde saiu na companhia de Mefistófeles, o seu fâmulo, Wagner, sem qualquer auxílio demoníaco, prosseguiu os estudos e conseguiu criar um Homúnculo. Com esta figura Goethe mostra que é dentro de nós que se encontra a via que conduz à iluminação espiritual, mas que para a seguir é necessário aceitar-se a componente feminina do nosso ser, a famosa anima de Jung. É muito significativo o facto de Fausto estar inconsciente ou ausente em todas as cenas em que aparece o Homúnculo; é o desprezo pelo seu lado feminino e a sua opção pela via diabólica que lhe levanta todas as dificuldades, mas que no final o seu humanitarismo permitiu-lhe vencer...
A Anima opõe-se à persona: o arquétipo de qualquer homem encontra expressão numa personalidade interior feminina. Aparentemente dissociados, animal tem a mesma etimologia que alma. Curiosa trilogia, com afinidades e cumplicidades etimológicas, culturalmente separadas, quase tornadas antagónicas:anima animal, alma...
A anima refere-se às características femininas, reprimidas e inconscientes, da personalidade de um homem. A anima, constituída por ideias, perceções, impulsos, padrões de atividade cerebral, é uma entidade com vida autónoma na estrutura psíquica de um homem. Em todo o homem existe um eu feminino,uma anima; em todo o homem existe um animal.Se recusa a anima, o homem torna-se um animal...
Je vous laisse le choix du mensonge qui vous paraîtra le plus digne d'être la vérité.
La méditation est un vice solitaire, qui creuse dans l'ennui un trou noir que la sottise vient remplir.
L'habitude, une fois formée, enchaîne et délivre.
Il est gênant et fatigant de faire figure de grand homme: ceux qui s'y plaisent font pitié.
La pensée gâte le plaisir et exaspère la peine.
Os leitores de Fausto irão, e devem, estar envolvidos, com estremecimento, em todas as três vertentes do livro: o cenário alemão dentro das suas mais amplas origens universais; a apresentação de uma arte não apenas alemã, mas vital para toda a nossa civilização; a música como uma instância das artes e o estado em que se encontram as artes hoje; e, finalmente, a invocação do demoníaco.
Porém, em última análise, ou melhor, em primeira(...) eu amei -o, com horror, ternura, compadecimento e devota admiração, sem perguntar-me sequer se ele, por pouco que fosse, correspondia aos meus sentimentos.Não, não o fez. No papel em que me transmitiu os esboços de composições e as páginas do diário, encontrados no espólio, expressa-se uma confiança cordialmente objectiva, quase que me sinto induzido a dizer: condescendente, sem dúvida honrosa para mim, confiança na minha escrupulosidade, lealdade e correção. Mas, amar-me? A quem teria amado esse homem? Talvez, em tempos idos, a uma mulher. No fim,possivelmente a uma criança. Um jovem leviano, capaz de conquistar a simpatia de qualquer um, homem de todas as horas, que ele depois despachou — provavelmente por se lhe afeiçoado —, e logo a morte. A quem teria Adrian aberto o coração? A quem teria alguma vez acolhido na sua vida? Tais atitudes não existiam para ele. Aceitava a dedicação de outrem, às vezes, juro, sem percebê-la. A sua indiferença era tão grande que apenas raras vezes se dava conta da companhia em que estava e do que se passava ao seu redor, e o facto de ele quase nunca ter chamado pelo nome nenhum dos seus interlocutores faz-me supor que ele o ignorava, ao passo que estes tinham boas razões para imaginar o contrário. Inclino-me a comparar a sua solidão comum abismo,no qual se aprofundavam, sem ruído nem rasto, os sentimentos que os outros lhe ofereciam. Em torno dele reinava a frieza — e que sensação me invade, ao usar essa palavra, da qualtambém ele se serviu outrora numa ocasião monstruosa! A vida e a experiência podem conferir a determinados vocábulos um acento completamente estranho ao seu sentido comum, e que lhes confere um nimbo de pavor incompreensível para todos os que não os tenham conhecido no seu significado mais horroroso.
A época que descrevo era para nós, os alemães, uma era de colapso do Estado, de capitulação, de revolta provocada pelo esgotamento, e de impotente abandono às mãos dos estrangeiros. A época na qual escrevo e que tem de me permitir deitar no papel, no meu calmo retiro, estas recordações, traz no ventre terrivelmente intumescido uma catástrofe nacional, em comparação com a qual a derrota precedente se afigura um módico infortúnio e a liquidação sensata de um empreendimento malogrado.
Sempre que a ampulheta for acionada e o tempo tiver sido prefixado, um tempo de dimensões inimagináveis e todavia delimitado, encontramo-nos nos nossos domínios e temos ricas colheitas. Vendemos tempo – digamos, vinte e quatro anos. Pode-se avistar o fim de um lapso tão grande? É adequada essa quantidade de anos? Com ela, a gente pode viver à farta, que nem os velhos imperadores, e espantar o mundo como um magnífico nigromante, através de numerosas obras diabólicas; com ela, um sujeito pode esquecer cada vez mais a lerdice e crescer, sumamente iluminado, acima de si próprio, sem, contudo, se alhear do seu ser, não, sempre é e prossegue sendo ele mesmo; apenas ficará alçado ao seu nível natural pela meia garrafa de champanhe, e terá o direito de saborear, em ébrio narcisismo, todas as delícias de um quase insuportável estro, de modo que, com mais ou menos razão, chegará talvez à convicção de que, desde há milénios, jamais houve tamanho engenho e simplesmente se reputará um deus em certos momentos desenfreados. Como poderá uma criatura dessas preocupar-se com o momento em que se cumpra pensar no fim? No entanto, esse fim pertence-nos; no fim, ele será nosso.
E todavia não se pode negar e nunca se negou que o elemento demoníaco, irracional, ocupa uma parcela inquietante dessa esfera luminosa, que entre ela e o reino dos Ínferos há uma ligação a despertar um leve horror e que, precisamente por isso, os epítetos positivos com os quais tentei qualificá-la, tais como ‘nobre’, ‘humanamente sadio’ e ‘harmonioso’, não querem adaptar-se inteiramente a ela, mesmo que [...] se trate de uma genialidade pura, autêntica, dada ou talvez infligida por Deus, e não de
uma congénere adquirida, ruinosa, de consumpção pecaminosa, doentia de dons naturais, do cumprimento de um atroz contrato de compra e venda.
Parece realmente cínico que, depois do que ocorreu na Europa e o que ainda ameaça ocorrer, dedique tempo e energia intelectual a decifrar os problemas esotéricos da moderna técnica da composição; além disso, as obstinadas discussões do texto, puramente formais, com frequência referem-se diretamente a uma realidade que não se interessa por elas.
O génio é uma forma de energia vital, profundamente conhecedora da doença, abeberada na mesma e criativa através dela.
(A desilusão de Fausto é de três espécies: 1) verifica, no facto de que Maria o ama em parte sem saber porquê e em parte por qualidades que lhe supõe e ele não tem, que o amor é coisa que não se pode querer compreender e entre o qual e ele há um abismo profundíssimo; 2) verifica, na sua incapacidade não só de compreender o amor; como até de o sentir ou, talvez melhor, de se sentir sentindo-o, que esse abismo que existe entre ele e o amor começa por ser um abismo que existe entre ele e ele próprio; 3) verifica (...))
Eis-me aqui!
O que há para mim senão vacuidade
No mundo (...), o que me destinastes?
O vazio? O silêncio? A escuridão?
Desses-me o instinto deles, não a plena
Torturação da luz.
Pulsam-me as veias
Alucinadamente e um terror novo
Obtém-me, o terror de mim mesmo.
O pensamento é enterrado vivo No mundo que o sufoca.
Condenados sem fim ao erro eterno. Porque não será isto a realidade? Porque não há-de ser, fantasma eterno, O abstracto e inúmero velado mundo, Sempre velado e abstracto, a sua própria Unidade uma imprecisão, Um todo indefinido, e mais que um todo Onde a verdade e o erro, pontos fixos, Nada sejam senão um maior erro?
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