Não é neccessário vivermos ao lado de alguém para nos sentirmos ligados a esse alguém mais do que a qualquer outra pessoa...

domingo, 25 de fevereiro de 2018

A cidade e a mulher...

As tulipas são demasiado sensíveis; é inverno aqui.
Vê como tudo está branco, silencioso e calmo.
Deitada, isolada e calma vou apercebendo a quietude
enquanto a luz incide naquelas paredes brancas, nesta cama,nestas mãos.
Não sou ninguém; nada tenho a ver com sobressaltos.
Entreguei o meu nome, as minhas roupas de sair às enfermeiras,
a minha história ao anestesista e o meu corpo aos cirurgiões.

Apoiaram-me a cabeça entre as almofadas e a dobra do lençol
como um olho entre duas pálpebras brancas que jamais se fecham.
Estúpida pupila, ela que tem de estar atenta tudo.
As enfermeiras vão e vêm, não perturbam,
passam com as suas toucas brancas como gaivotas voando para terra,
com as mãos sempre ocupadas, todas idênticas,
sendo assim impossível dizer quantas são.

Para elas o meu corpo é um seixo, tratam-no como a água
trata os seixos sobre os quais corre, polindo-os suavemente.
Trazem-me o torpor nas suas agulhas reluzentes,trazem-me o sono...

Antes ninguém me observava, agora sou observada.

" Uma vez amei, julguei que me amariam, Mas não fui amado. Não fui amado pela única grande razão — Porque não tinha que ser. "

Prólogo

Outros haverão de ter / O que houvermos de perder.//Baste a quem baste o que lhe basta / O bastante de lhe bastar!.

Ah! Ninguém entender que ao meu olhar
Tudo tem certo espírito secreto!
Com folhas de saudades um objeto
Deita raízes duras de arrancar!


Eu hoje estou cruel, frenético, exigente;
Nem posso tolerar os livros mais bizarros.
Incrível! Já fumei três maços de cigarros
Consecutivamente.

Dói-me a cabeça. Abafo uns desesperos mudos:
Tanta depravação nos usos, nos costumes!
Amo, insensatamente, os ácidos, os gumes
E os ângulos agudos.


Nas nossas ruas, ao anoitecer,
Há tal soturnidade, há tal melancolia,
Que as sombras, o bulício, o Tejo, a maresia
Despertam-me um desejo absurdo de sofrer.


O teto fundo de oxigénio, de ar,
Estende-se ao comprido, ao meio das trapeiras;
Vêm lágrimas de luz dos astros com olheiras,
Enleva-me a quimera azul de transmigrar.



Fins de semana! Que miséria em bando!
O povo folga, estúpido e grisalho!
E os artistas de oficio iam passando,
Com as férias, ralados do trabalho...



Consente que eu aspire esse perfume raro,
Que exalas da cabeça erguida com fulgor,
Perfume que estonteia um milionário avaro
E faz morrer de febre um louco sonhador.

Ó mantos de veludo esplêndido e sombrio,
Na vossa vastidão posso talvez morrer!
Mas vinde-me aquecer, que eu tenho muito frio
E quero asfixiar-me em ondas de prazer.


Milady, é perigoso contemplá-la,
Quando passa aromática e normal,
Com seu tipo tão nobre e tão de sala,
Com seus gestos de neve e de metal.

Em si tudo me atrai como um tesoiro:
O seu ar pensativo e senhoril,
A sua voz que tem um timbre de oiro
E o seu nevado e lúcido perfil!

Ah! Como me estonteia e me fascina...
E é, na graça distinta do seu porte,
Como a Moda supérflua e feminina,
E tão alta e serena como a Morte!...



E tu que não serás somente minha,
As carícias leitosas do luar,
Recolheste-te, pálida e sozinha,
À gaiola do teu terceiro andar!


Epílogo...

amor grande como um mar sem praias.//A impressão doutros tempos, sempre viva,/ Dá estremeções no meu passado morto...

Se eu não morresse, nunca! E eternamente / Buscasse e conseguisse a perfeição das cousas!

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