Não é neccessário vivermos ao lado de alguém para nos sentirmos ligados a esse alguém mais do que a qualquer outra pessoa...

segunda-feira, 4 de abril de 2022

Sombras...


Juan Nepomuceno Carlos Pérez Rulfo Vizcaíno
 (1917 — 1986), filho de uma família de fazendeiros, perdeu a fortuna, devido à Revolução Mexicana. Trabalhou em vários serviços com engenheiros e antropólogos, o que lhe permitiu conhecer o México profundo. Em 1962 passou a trabalhar no Instituto Nacional Indígena , onde foi editor de publicações. Rulfo conseguia expressar o universal através particular, não conta uma história sobre um "pueblito" mexicano, é antes uma digressão das condições universalmente compartilhadas pelo ser humano. Escritor perfecionista, que se consagrou como autor do realismo mágico, escrevia, re-escrevia e destruía os seus manuscritos. Talvez nunca tivesse publicado nada, se não fosse um amigo ter insistido na publicação.

Vim a Comala porque me disseram que cá vivia meu pai, um tal Pedro Páramo. Disse-mo minha mãe, e eu prometi-lhe que viria vê-lo quando ela morresse. Apertei-lhe as mãos em sinal de que o faria, pois ela estava a morrer e eu estava disposto a prometer-lhe tudo. “Não deixes de o ir visitar – recomendou-me. – Chama-se assim e assim. Tenho a certeza de que vai gostar de te conhecer.” Então não tive outro remédio Senão dizer-lhe que o faria, e de tanto lho dizer, continuei a repeti-lo mesmo depois de ter conseguido libertar as minhas mãos das suas mãos mortas.
 


  Depois nós dois íamos tão próximos que nossos ombros quase se tocavam. — Eu também sou filho de Pedro Páramo- disse-me.


Minha mãe sempre foi avessa a deixar-se fotografar. Dizia que os retratos eram coisa de bruxedo.


E é que a alegria cansa. Por isso não fiquei surpreso que tenha terminado.

 Nada pode durar tanto tempo, não há memória tão intensa quanto possível que não apague. 

 Estou a começar a pagar. É melhor começar cedo, terminar em breve. 

 Sempre que eu entendo menos. Eu gostaria de voltar para onde eu vim. 

 Os velhos dormiam pouco, quase nunca. Às vezes, mal dormimos; Mas ainda pensamos. 

 Todo suspiro é como um sopro de vida do qual a pessoa se livra. 

 Lembrei-me do que minha mãe havia me dito: «Lá você me ouvirá melhor. Eu estarei mais perto de você. Você encontrará a voz das minhas lembranças mais próxima do que a da minha morte, se a morte já teve uma voz.» 

 A madrugada, a manhã, o meio-dia e a noite, sempre iguais: mas com a diferença do ar. Onde o ar muda a cor das coisas: onde a vida é ventilada como se fosse um murmúrio; como se fosse um puro murmúrio da vida. 

 Eu sou um homem pobre disposto a humilhar-se . Enquanto sente vontade de o fazer. 

 Vivemos numa terra onde tudo acontece, graças à providência, mas tudo acontece com acidez.  Estamos condenados a isso.

 Eu vi as gotas de raios caírem, sempre que eu respirava, suspirava e toda vez que pensava, pensava em você, Susana. 

 Nenhum daqueles que ainda vivem está na graça de Deus. Ninguém pode erguer os olhos para o céu sem se sentir sujo de vergonha.

Uma novela em que as personagens são sombras e o tempo faz marcha atrás...


"A minha ideia era esta, escrever um romance que tivesse como imagem central o próprio Portugal, um tempo antes do 25 de Abril e um tempo depois."

 A história desenvolve-se entre os 45 anos anteriores e os 45 anos posteriores, sendo protagonizada por duas personagens principais: um pai que percorre todo o tempo anterior ao 25 de Abril e uma filha, que vai percorrer os 45 anos posteriores. 

Na verdade, quando se refere a Portugal como personagem, Álvaro Laborinho Lúcio diz que poderia antes ter dito que a personagem era "o 25 de Abril,  tal como aconteceu na sua projeção para trás e para a frente". 

 "A Catarina quando diz 'eu sou filha da revolução' tem muito a ver com a procura de identidade do próprio país no pós-25 de Abril, isto é, o que é hoje Portugal e quem somos nós hoje".

Uma estratégia narrativa muito discutível, mas  uma análise delicada e lúcida de figuras do Portugal que fomos e do que temos sido...

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