Não é neccessário vivermos ao lado de alguém para nos sentirmos ligados a esse alguém mais do que a qualquer outra pessoa...

segunda-feira, 28 de fevereiro de 2022

Infernos...

 Será que um homem, com vocação para " eterno marido", pode amar , com sinceridade, alguém que a sua infiel mulher amou?

Que solidão transforma um homem num eterno marido? Que conflitos íntimos o fazem sentir essa necessidade? 

Mas será que ele me amava ontem, quando ficou a falar de amor e me disse: ‘vamos acertar as contas’? Sim, ele  amava -me com maldade, e esse é o amor mais forte…


É possível amar e odiar a mesma pessoa?

O monstro mais monstruoso é um monstro com sentimentos nobres; eu sei disso por experiência própria, Pável Pávlovitch! Para o monstro, a natureza não é mãe carinhosa, mas sim madrasta. A natureza cria monstros, mas não para ter pena, e sim para dar cabo deles… e com razão. Hoje em dia, abraços e lágrimas de perdão não saem barato nem para pessoas decentes, quanto mais para gente como eu e você, Pável Pávlovitch!



Facas na solidão, Sete pequenos canivetes, Facasseisseis

Eu só penso num homemsolitário que não consigo descrever.
Eu só consigo pensar num homem solitário que não consigo descrever. Eu só penso.Nada mais importa quando se constrói a personagem

Envelheço. Morro, em cada dia definho um pouco mais . Metido entre estas paredes de gritos, rebusco um passado que não percebo, que não domino, um passado que me escapa por entre os dedos, anos e anos de hiatos, será que vivi, será que algum dia me senti vivo ao ponto de querer bater com a porta no ontem e de olhá-lo de soslaio e com desprezo? As muletas pesam cada vez mais, as muletas que me rebocam generosamente de uma tristeza a outra, eu, o homem das quatro pernas, o aleijado que afia os cornos na ombreira da porta do quarto onde a tua mãe se escarrapacha com os pretos, eu a olhar pela fechadura, agarrado às muletas,(...) e eu lembro-me de que não sou homem, de que sou um bicho assexuado e não consigo deixar de espreitar, a tua mãe a rugir e eu com o olho cravado na fechadura.
 

  Tu já os viste nos seus redutos de três assoalhadas, uma família a fingir família, parentesco e afeto, cada um deles mergulhado no lago umbilical da indiferença.

De forma geral, os homens não sabem o que é amor, é um sentimento que lhes é totalmente estranho. Conhecem o desejo, o desejo sexual em estado bruto e a competição entre machos; e depois, muito mais tarde, já casados, chegam, chegavam antigamente, a sentir um certo reconhecimento pela companheira quando ela lhes tinha dado filhos, tinha mantido bem a casa e era boa cozinheira e boa amante - então chegavam a ter prazer por dormirem na mesma cama. Não era talvez o que as mulheres desejavam, talvez houvesse aí um mal-entendido, mas era um sentimento que podia ser muito forte - e mesmo quando eles sentiam uma excitação, aliás cada vez mais fraca, por esta ou aquela mulher, já não conseguiam literalmente viver sem a mulher e, se acontecia ela morrer, eles desatavam a beber e acabavam rapidamente, em geral uns meses bastavam. Os filhos, esses, representavam a transmissão de uma condição, de regras e de um património. Era evidentemente o que acontecia nas classes feudais, mas igualmente com os comerciantes, camponeses, artesãos, de forma geral com todos os grupos da sociedade. Hoje, nada disso existe. As pessoas são assalariadas, locatárias, não têm nada para deixar aos filhos. Não têm nada para lhes ensinar, nem sequer sabem o que eles poderão vir a fazer; as regras que conheceram não serão de todo aplicáveis a eles, porque eles viverão num mundo completamente diferente. Aceitar a ideologia da mudança permanente significa aceitar que a vida de um homem está reduzida estritamente à sua existência individual e que as gerações passadas e futuras não têm, aos seus olhos, nenhuma importância. É assim que nós vivemos, e ter um filho, hoje, para um homem, já não faz qualquer sentido. O caso das mulheres é diferente, porque elas continuam a sentir a necessidade de terem um ser que amem – o que não é, nem nunca foi, o caso dos homens. É um disparate acreditar que os homens também têm necessidade de acarinhar e de brincar com os filhos, de lhes fazer festinhas. Por mais que no-lo digam, é um disparate. Depois de nos termos divorciado e de o quadro familiar se ter desfeito, as relações com os filhos perdem o sentido. Um filho é uma armadilha que se fechou, é o inimigo que temos de continuar a manter e que vai acabar por nos enterrar.

 

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