José Saramago

segunda-feira, 21 de agosto de 2023

Dor...


Matei a minha mulher. Não foi de propósito, mas é daquelas coisas que, depois de feitas, já não deixam volta a dar

Manel, o homicida, confessa, impassível, o crime acabado de cometer. Este homem, insensível, com uma linguagem limitada a " merda", " foda-se", caralho", de modo redutor e grosseiro, relata todas as emoções, sentimentos e  estados de espírito. É uma das duas vozes narrativas, a outra é Zé, o seu irmão.

Através destas personagens, desfilam perante o leitor uma série de acontecimentos domésticos e familiares que, pela sua escalada de violência, explicam o desenlace que é anunciado, logo na frase de abertura do romance.

Que raões poderão explicar o comportamento de todos os Maneis que envergonham qualquer país civilizado??  Raiva por a mulher não cumprir o serviço militar? . No trabalho obedece, em casa manda? Ciúmes da mãe.?       
 
Reflexões 
Acredita, sinceramente, que a culpa é dela... ela, ela, ela... Ele é uma vítima, só uma vítima.
Será verdade que não se pode deixar de gostar de um irmão?
Em que medida a linguagem é um indicador importante? Confrontar com o filme " viver mal" de João Canijo. O Manel utiliza exatamente o mesmo nível de língua que os clientes do hotel, classe média alta. como explicar? 
 O que vai ser do Manel quando sair da prisão? Que efeito tem a prisão num ser que não consegue sentir culpa? 
 Como se explica a agressividade orientada para um único ser, por parte de um homem que tem capacidade de amor? Manel ama, verdadeiramente, os sobrinhos e a mãe...

O medo está todo dentro de casa. Não sentia medo nenhum do mundo.

    Um tema banal: a violência doméstica;
    O culpado do costume: o padrasto;
    Uma vítima não inocente: a mãe; 
    Uma vítima inocente: a filha;
    Um tio abusador sexual; 

    Um crítico / apresentador de eleição - Gonçalo M. Tavares; 
    Uma cara bonita com apelido bem conhecido...

 Sem qualquer genialidade: nem pelo conteúdo nem pela forma.

 Não consigo entender que quem deprecia Margarida Rebelo Pinto endeuse esta Madalena...
    
    As mãos pousam ao piano. Na brancura do teclado, os dedos se deixam deslizar, potentes cavalos-marinhos de volta à água aonde pertencem. Lançada de cima, a luz do palco o divisa da escuridão, abre cortinas por entre as cortinas. Sob o peso das falanges dele, antes mesmo do ataque inicial, as teclas se curvam em obediência. Silêncio, ainda. No vão oculto do instrumento, mecanismos se alçam rentes às cordas, véspera do bote. A partitura de Funerais, de Franz Liszt, posiciona-se no suporte, amuleto sem qualquer metafísica. Rômulo a mantém ali como gesto de reverência ao compositor; sequer olhará em sua direção, nem mesmo passará as páginas. Conhece de cor cada um desses milhares de alvos circulares, grafados entre as linhas da pauta. Sabe que não pode errar nenhum. Não vai errar.

    O desespero sobe repentino pela garganta, não há fôlego para gritá-lo.(...) Pegam no braço dele,atam-no, aparelhos hospitaleres tomam-no de assalto. Muita dor, prolongada por onde ele deixou de existir. A dor do imenso. Nada. Morrer é isso? Sim, também isso é morrer. Não é a negação definitiva da vida, mas a afirmação totalizante da perda.(...) Ser um só com a dor, tornar-se o fantasma. Aos estertores, ele só consegue nomear aquilo que falta: minha mão, minha mão, minha mão, minha mão. Eu.

Foi pena o romance não ter terminado aqui.. As peripécias que se sucedem são factos que em nada valorizam uma intriga que se desejaria intimista... Não gostei.

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