“livro do desassossego de Almeida Prado”
Deixamos algo de nós para trás ao deixarmos um lugar, permanecemos lá apesar de termos partido.
E há coisas em nós que só reencontramos lá voltando.
Viajamos ao encontro de nós ao irmos a um lugar onde vivemos uma parte da vida, por muito breve que tenha ela sido.
Agora o único homem que estava no bar além dele pagava a conta e saía. Com uma pressa súbita que nem ele próprio compreendeu, Gregorius também pagou e seguiu o homem. Era um homem idoso que puxava de uma perna e parava de vez em quando para descansar. Gregorius seguiu -o mantendo uma grande distância até o Bairro Alto, até ele desaparecer atrás da porta de uma casa estreita e sórdida. Uma luz acendeu-se no primeiro andar, a cortina se abriu-se e o homem estava na janela aberta, um cigarro na boca. A partir da escuridão protetora de uma porta, Gregorius olhou para dentro do apartamento iluminado. Um sofá com estofados de um tecido de ‘gobelin’ gasto. Duas poltronas que não combinavam. Uma cristaleira com louça e pequenas figuras de porcelana. Um crucifixo na parede. Nem um único livro. Como era ser esse homem?
Depois que o homem fechou a janela e puxou a cortina, Gregorius saiu do recuo. Ele perdera o rumo e entrou na primeira viela que descia. Nunca seguira ninguém daquela maneira, pensando em como seria viver aquela vida estranha em vez da própria. Era uma forma totalmente nova de curiosidade que despertara dentro dele, ela combinava com aquela nova forma de lucidez que ele experimentara na viagem de comboio e com a qual desembarcara na Gare de Lyon em Paris, ontem, ou quando quer que tivesse acontecido.
De vez em quando, ele parava e olhava para a frente.
Os textos antigos, os seus textos antigos eles também estavam plenos de personagens que viviam uma vida. Ler os textos e compreendê-los também sempre significara ler aquelas vidas e compreendê-las. Porquê, então, agora tudo era tão novo quando ele lidava com o português nobre e aquele homem aleijado? Inseguro, ele caminhou pelos paralelepípedos húmidos da rua íngreme e respirou aliviado ao reconhecer a avenida da Liberdade.
"Há um tipo de tristeza que vem de saber demais, de ver o mundo como ele realmente é. É a tristeza de entender que a vida não é uma grande aventura, mas uma série de pequenos momentos insignificantes, que o amor não é um conto de fadas, mas uma emoção frágil e passageira, que a felicidade não é um estado permanente, mas um vislumbre raro e fugaz de algo que nunca poderemos segurar em cima. E nesse entendimento, há uma profunda solidão, um sentimento de ser separado do mundo, das outras pessoas, de si mesmo. "
Virgínia Woolf
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