Não é neccessário vivermos ao lado de alguém para nos sentirmos ligados a esse alguém mais do que a qualquer outra pessoa...

domingo, 28 de setembro de 2014

Montanhas mágicas...



Detesto quando julgo que estou cheia de sono e , pouco depois, ele se esvai como por magia. Morfeu nunca me foi favorável e morfina... nunca experimentei... Dizem que transmite uma paz incomparável: um progressivo deixar de pensar, uma enorme serenidade beatífica que se vai suavemente instalando, invadindo-nos de um repousante torpor...

A minha inteligência tornou-se um coração cheio de pavor, E é com as minhas ideias que tremo, com a minha consciência de mim, Com a substância essencial do meu ser abstrato Que sufoco de incompreensível, Que me esmago de ultratranscendente, E deste medo, desta angústia, deste perigo do ultra-ser, Não se pode fugir, não se pode fugir, não se pode fugir!


Gosto de me pensar lá no alto, sem que nada interrompa o meu encontro comigo. Gosto de me reencontrar...sem mim...Na montanha é fácil, muito mais fácil. Se eu tivesse coragem de lá ficar para sempre ...

A sua imagem não lhe saía do pensamento: era nela que pensava quando de madrugada, já acordado, se entretinha a contemplar o quarto...ou quando, à noitinha, o lusco- fusco se abatia e o quarto ia mergulhando na escuridão...Em todas aquelas horas distribuídas pelos dias era nela que ele pensava...se não revelámos que fora esta a razão pela qual as horas haviam voado tão velozmente durante aquele período, foi simplesmente devido à compreensão pelo desassossego que lhe ia na alma e se imiscuía na felicidade aterrorizadora de tais imagens e visões. Porque era verdadeiro pavor o que ele sentia, misturado com um estado de inquietação, uma esperança que raiava o incerto e incomensurável, o aventuroso até, alegria e apreensão, um temor inefável mas que por vezes comprimia tão bruscamente o coração deste jovem...que o levava a erguer uma mão ao nível desse órgão, enquanto a outra toca a testa como que uma viseira por cima dos olhos. Ao que dizia num sussurro: Oh, meu Deus...
Por detrás da sua fronte, Hans Castorp tomava consciência da liberdade com que a senhora Cauchat, ao voltar-se para ele e sorrir-lhe, desafiava e ignorava as convenções sociais que se interpunham entre dois seres desconhecidos, como se ambos não vivessem em sociedade e nem sequer fosse necessário que falassem um com o outro...e era precisamente isso que o assustava...


Quais as causas do pavor de hans?
O que sente? O não conseguir ocultar dos outros o que sente ? A dúvida sobre o que a senhora cauchat possa sentir?
O pavor de que ela descubra? O pavor de que ela não descubra? O pavor de ser correspondido? O pavor de não ser correspondido?
Estou muito curiosa em saber como vai ser o desenlace deste inebriamento, arrebatamento, delírio, fascínio, doce melancolia sentimental, deleite, inquietação, ansiedade, desassossego, paixão - tudo vocábulos usados pelo narrador - experimentados por hans, relativamente à russa" da mesa dos bons"...

O pavor de se curar, regressar à planície, perder o sorriso e a doce vénia com que a senhora cauchat o cumprimenta?

Mais feliz não poderia ser alguém que, vivendo na planície, houvesse " ofertado o seu coração" , num gesto lícito...a uma patetinha sadia qualquer e tivesse tido a sorte de ser correspondido - não, tão feliz como ele agora se sentia, com o pouco que arrecadara, ninguém poderia ser.

Uma delicadeza cálida envolveu o pescoço de Hans Castorp e, no momento em que ele desfalecendo de prazer e de pavor, pousava as suas mãos sobre a região externa desses braços, no ponto em que a pele granular, revestindo a tricípite, era de uma frescura deliciosa, sentiu nos lábios a húmida sucção do beijo dela.

... o amor não passa de um ardil de sobrevivência; mas é doce fechar os olhos...

Passei toda a noite, sem dormir, vendo, sem espaço, a figura dela, E vendo-a sempre de maneiras diferentes do que a encontro a ela. Faço pensamentos com a recordação do que ela é quando me fala, E em cada pensamento ela varia de acordo com a sua semelhança. Amar é pensar.
E eu quase que me esqueço de sentir só de pensar nela. Não sei bem o que quero, mesmo dela, e eu não penso senão nela. Tenho uma grande distração animada. Quando desejo encontrá-la Quase que prefiro não a encontrar, Para não ter que a deixar depois. Não sei bem o que quero, nem quero saber o que quero. Quero só pensar nela. Não peço nada a ninguém, nem a ela, senão pensar






A imagem do tempo, também ele produz esquecimento, mas fá-lo libertando-nos das nossas obrigações, transpondo-nos para um estado original...
Depressa ou devagar, podes escolher. Simplesmente o tempo não passa, acredita no que te digo, o tempo é coisa que deixou de existir, assim como a vida- tão simples como isto.
Às vezes penso que a doença e a morte não são, na realidade, coisas sérias, antes uma forma de ócio. Vendo bem, a seriedade só existe na vida lá em baixo.


Crear un hogar, hacer de mi novela un hogar para la no-existencia en que necessita hallarse el No-Existente Caballero...
A ti, existas o no, dedico esta obra; eres, por lo menos, lo real de mi espíritu, la Belleza eterna.

Inside my magic mountain we don't have to be with them Inside my magic mountain our hearts are on Inside my magic mountain I don't have to be with them Inside my magic mountain our hearts are on

Tendo-me despido de todos os meus mantos Tendo-me separado de adivinhos mágicos e deuses Para ficar sozinha ante o silêncio Ante o silêncio e o esplendor da tua face...

As palavras são para mim corpos tocáveis, sereias visíveis, sensualidades incorporadas. Talvez porque a sensualidade real não tem para mim interesse de nenhuma espécie - nem sequer mental ou de sonho -, transmudou-se-me o desejo para aquilo que em mim cria ritmos verbais, ou os escuta de outros. (...) Como todos os grandes apaixonados, gosto da delícia da perda de mim, em que o gozo da entrega se sofre inteiramente.

Incapaz de criar, resigno -me a escutar a magia das palavras dos outros... Se a montanha não vai a Maomé, vai Maomé à montanha.



Agora víamos que a outra encosta nem eram bosques,nem planície, mas apenas montanhas e mais montanhas que se elevavam todas em direcção ao céu vermelho. Nada mais tínhamos a esperar nessa vida de silêncio. A laje sob os meus pés começou de repente a vibrar mais sensivelmente... Nós já nem tínhamos a tentação de viver...




Assim que me sinta curada, devo regressar à planície...Mas será que me quero curar? Será que a febre vai desaparecer definitivamente...

Quero ignorado, e calmo Por ignorado, e próprio Por calmo, encher meus dias De não querer mais deles.

Não chorei a morte da minha mãe, mas chorei a de Joachim, personagem da Montanha mágica...Paradoxo?

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