Não é neccessário vivermos ao lado de alguém para nos sentirmos ligados a esse alguém mais do que a qualquer outra pessoa...

quinta-feira, 13 de agosto de 2015

Inércias e constatações...

O que é a verdade? Inércia. Uma hipótese que satisfaz, que exige o consumo mínimo de força intelectual.

A noite passada acordei com o teu beijo descias o Douro e eu fui esperar-te ao Tejo vinhas numa barca que não vi passar corri pela margem até à beira do mar até que te vi num castelo de areia cantavas "sou gaivota e fui sereia" ri-me de ti "então porque não voas?" e então tu olhaste depois sorriste abriste a janela e voaste...



Até ao início do século XVII, pensava-se que para manter um corpo em movimento era necessário que uma força atuasse sobre ele. Galileu chamou inércia à tendência que os corpos apresentam para resistirem à mudança do movimento em que se encontram. Alguns anos mais tarde, Newton, com base nas ideias de Galileu, estabelece a Lei da Inércia: "Quando a resultante das forças que atuam sobre um corpo for nula, esse corpo permanecerá em repouso ou em movimento rectilíneo uniforme".


Em torno a mim, em maré cheia,
Soam como ondas a brilhar,
O dia, o tempo, a obra alheia,
O mundo natural a estar.
Mas eu, fechado no meu sonho,
Parado enigma, e, sem querer,
Inutilmente recomponho
Visões do que não pude ser.
(...)
Mas presa à inércia angustiada
De não saber a direcção,
E ficar morto na erma estrada
Que vai da alma ao coração.


O desgosto de não encontrar nada encontro comigo pouco a pouco. Não achei razão nem lógica senão a um cepticismo que nem sequer busca uma lógica para se defender. Em curar-me disto não pensei — porque me havia eu de curar disso. E o que era ser são? Que certeza tinha eu que esse estado de alma deva pertencer à doença? Quem nos afirma que, a ser doença, a doença não era mais desejável, ou mais lógica ou mais (...)do que a saúde? A ser a saúde preferível, porque era eu doente se não por naturalmente o ser, e se naturalmente o era por que ir contra a Natureza, que para algum fim, se fim ela tem, me quereria decerto doente? Nunca encontrei argumentos senão para a inércia. Dia a dia mais e mais se infiltrou em mim a consciência sombria da minha inércia de abdicador. Procurar modos de inércia, apostar-me a fugir a todo o esforço quanto a mim, a toda a responsabilidade social — talhei nessa matéria de (...) a estátua pensada da minha existência.
Deixei leituras, abandonei casuais caprichos de este ou aquele modo estético da vida. Do pouco que lia aprendi a extrair só elementos para o sonho. Do pouco que presenciava, apliquei-me a tirar apenas o que se podia, em reflexo distante e […], prolongar mais dentro de mim. Esforcei-me porque todos os meus pensamentos, todos os capítulos quotidianos da minha experiência me fornecessem apenas sensações. Criei à minha vida uma orientação estética. E orientei essa estética para puramente individual. Fi-la minha apenas.
Apliquei-me depois, no decurso procurado do meu hedonismo interior, a furtar-me às sensibilidades sociais. Lentamente me couracei contra o sentimento do ridículo. Ensinei-me a ser insensível quer para os apelos dos instintos, quer para as solicitações (...)
Reduzi ao mínimo o meu contacto com os outros. Fiz o que pude para perder toda a afeição à vida (...) Do próprio desejo da glória lentamente me despi, como quem cheio de cansaço se despe para repousar.


O sonho é a pior das cocaínas, porque é a mais natural de todas. Assim se insinua nos hábitos com a facilidade que uma das outras não tem, se prova sem se querer, como um veneno dado. Não dói, não descora, não abate – mas a alma que dele usa fica incurável, porque não há maneira de se separar do seu veneno, que é ela mesma.

Cansamo-nos de tudo, excepto de compreender. O sentido da frase é por vezes difícil de atingir. Cansamo-nos de pensar para chegar a uma conclusão, porque quanto mais se pensa, mais se analise, mais se distingue, menos se chega a uma conclusão.
Caímos então naquele estado de inércia em que o mais que queremos é compreender bem o que é exposto — uma atitude estética, pois que queremos compreender sem nos interessar, sem que nos importe que o compreendido seja ou não verdadeiro, sem que vejamos mais no que compreendemos senão a forma exacta como foi exposto, a posição de beleza racional que tem para nós.Cansamo-nos de pensar, de ter opiniões nossas, de querer pensar para agir. Não nos cansamos, porém, de ter, ainda que transitoriamente, as opiniões alheias, para o único fim de sentir o seu influxo e não seguir o seu impulso.


Desejaria construir um código de inércia para os superiores nas sociedades modernas. A sociedade governar-se-ia espontaneamente e a si própria, se não contivesse gente de sensibilidade e de inteligência. Acreditem que é a única coisa que a prejudica. As sociedades primitivas tinham uma feliz existência mais ou menos assim. Pena é que a expulsão dos superiores da sociedade resultaria em eles morrerem, porque não sabem trabalhar. E talvez morressem de tédio, por não haver espaços de estupidez entre eles.


As pessoas gostam de usar palavras que não são de ninguém. Todos os dias há milhões de sentimentos, de desejos, de opiniões expressas com palavras forasteiras. Quantas vezes serão os sentimentos a adequar-se às palavras, e não o contrário? Seremos tão parecidos que não precisemos de encontrar as palavras que nos sirvam?

Os artistas têm muitos nomes para diferentes azuis, os esquimós têm muitas palavras para diferentes tipos de gelo, os apaixonados deveriam ter também muitas palavras para 'amor': o amor da manhã, o amor do fim, o amor do passado, o amor possível. todos deveríamos ter diferentes palavras para 'eu': o eu que eu sinto, o eu que tu vês, o eu que não sou.



O hábito avilta até os atos mais belos e sagrados do homem. O beijo, se se torna um gesto usual, não passa de troca de saliva: o amor evacuação de um líquido incomodativo. A mesma oração, reduzida a algaraviada mecância, em vez de hino do coração, converte-se em ginástica de memória e dos lábios. O hábito nasce de um pecado - a inércia - e ajuda a propagação e perpetuidade de todos os pecados. Por inércia, prefere-se repetir os atos dos outros, em vez de procurar, com o esforço do pensamento, os melhores. Por inércia, costumam repetir-se os maus actos, porque são infinitamente mais comuns e visíveis, e não nos queremos cansar a procurar os heróicos, muito mais raros e penosos. Por inércia, imitamos os outros maus atos, porque estão mais conformes com a enfermidade da natureza vulnerada: poupamos o trabalho de a modificar e vencer. Por inércia, persistimos nos atos limitados, os quais se tornam tanto menos cansativos quanto mais se repetem.
Com esta convergência de preguiças, formam-se e consolidam-se os hábitos - quase todos, pela força das coisas, pecaminosos. O hábito não cria as culpas, mas radica-se tanto que as torna quase inextirpáveis. É um pecado que conduz à incurabilidade de quase todos os pecados. A conversão a Deus não passa de um esquartejamento violento de maus hábitos. As vitórias mais elevadas do poder espiritual são insurreições contra o hábito. A poesia é um recalcitrar perene na queda na visão usual, de manter a virgindade estúpida do sempre novo; a filosofia é a efração repetida de vez em quando das formas das antigas experiências para descortinar a fluidez subterrânea de ser sempre diferente; a santidade é a libertação da baixeza dos hábitos cómodos e comuns para ascender ao sempre novo milagre do amor. E com este triunfo sobre o usual, poetas, filósofos e santos são considerados loucos pelas multidões dos autómatos empedernidos na baixeza dos hábitos.


O destino que nos oprime é a inércia do nosso espírito. Através do alargamento e formação da nossa atividade transmutamo-nos, nós próprios, em Destino. Tudo parece fluir para nós vindo do exterior, porque nós não fluímos para o exterior. Somos negativos, apenas, porque o queremos - quanto mais positivos nos tornarmos, mais negativo será o mundo à nossa volta - até que, por fim, já não haverá negação e nós seremos tudo em tudo.(...) Se o nosso corpo, em si mesmo, não é senão um centro de acção comum dos nossos sentidos - se nós possuímos o domínio dos nossos sentidos - se os podemos fazer agir à vontade - se os podemos centrar em comunidade, então não depende senão de nós o darmos a nós próprios o corpo que queremos. Sim, se os nossos sentidos não são senão modificações do órgão pensante - do elemento absoluto - então poderemos, também, pela dominação deste elemento, modificar e dirigir, como nos agradar, os nossos sentidos.



Where we gonna go I'm gassed up, I'm ready to go Grab your jacket, Let's hit the road We can't wait any longer, Let's go...

Dedicar-se a medir o tempo...a contabilizar, portanto, o tempo individual e particular, era coisa que só lembrava aos principiantes e às visitas de curta duração. Os veteranos, esses, preferiam cultivar a ausência de medida e a eternidade despreocupada, o dia, esse dia que era sempre o mesmo.

Será possível narrar o tempo, o tempo em si e por si, o tempo como tal? Claro que não, isso seria uma perfeita loucura! Era como se um louco mantivesse uma única nota musical, ou um só acorde, ao longo de uma hora e quisesse convencer-nos de que se tratava de música.

Tratemos o tempo pelo menos com a honra que a natureza da nossa história permite!...É um sonho inebriante o que vivemos, sem ópio nem haxixe, e a hora chegará em que seremos condenados pelo censor moral, não obstante ser nossa determinação combater a alienação doentia com toda a lucidez da razão e o rigor da lógica.


E tudo o que via era sombrio e inquietante e sabia que nome lhe podia dar: a vida sem tempo, a vida sem preocupação e sem esperança,a vida desregrada em estagnação,a vida morta.

Um romance que não é sobre o tempo , mas que reflete sobre o tempo... gosta de se atormentar com a passagem do tempo, com o tempo que resta , com o tempo que perdeu, com o tempo que nunca viverá, com o tempo que tem, com o que não tem...Gosta de ler frases bem escritas sobre o tempo, mesmo que isso a faça sofrer.Gosta de manipular o tempo:

Marinheiro de regresso com seu barco posto a fundo, às vezes quase me esqueço que foi verdade este mundo. (Ou talvez fosse mentira...)Regresso devagar ao teu sorriso como quem volta a casa...


Se a alma é sádia, senhora de si, severa e comedida, o espírito será igualmente grave e sóbrio; quando a alma é viciosa, o espírito também degenera. Não vês tu que, se a alma é débil, as pessoas arrastam o corpo e só a custo se movem? Que, se a alma é efeminada, até no modo de andar se nota essa moleza? Que, se ela é, pelo contrário, ardente e forte, a marcha se torna acelerada? Que ainda, no estado de loucura, ou de cólera (que, aliás, é um estado semelhante à loucura) o movimento do corpo se torna caótico, descontrolado, sem sentido definido ?

Quem goza apenas do presente não sabe dar o correto valor aos benefícios da existência; quer o futuro quer o passado nos podem proporcionar satisfação, o primeiro pela expectativa, o segundo pela recordação; só que, enquanto um é incerto e pode não se realizar, o outro nunca pode deixar de ter acontecido. Que loucura é esta que nos faz não dar importância ao que temos de mais certo?


Procede deste modo, caro Lucílio: reclama o direito de dispores de ti, concentra e aproveita todo o tempo que até agora te era roubado, te era subtraído, que te fugia das mãos. Convence-te de que as coisas são tal como as descrevo: uma parte do tempo é-nos tomada, outra parte vai-se sem darmos por isso, outra deixamo-la escapar. Mas o pior de tudo é o tempo desperdiçado por negligência. Se bem reparares, durante grande parte da vida agimos mal, durante a maior parte não agimos nada, durante toda a vida agimos inutilmente.


A vida é longa quando é plena; E torna-se plena quando a alma recuperou a posse de seu próprio bem e transferiu para si o dominio de si mesmo.
Sentir solidão não é estar só, é estar vazio.

It’s just a matter of time a figure of speech that springs to mind throughout the day. As the minutes go by, a second thought, a moment lost, time ticks away and everything changes, forever never lasts, no such thing as always, it’s all too soon the past (…)

Põe a tua mão
Sobre o meu cabelo...
Tudo é ilusão.
Sonhar é sabê-lo.




Longanimidade - Característica ou qualidade de quem tem grandeza de ânimo; de quem aceita, de modo firme e corajoso, as adversidades a favor de outrem; generoso; bondoso. Paciência para suportar as ofensas dos outros ou os próprios sofrimentos; generosidade, magnanimidade.
A longanimidade é uma caricatura cristã do ideal grego da kalokagathia...
Kalokagathia - Excelência, tanto no plano físico como no plano moral. Beleza e bondade são os atributos que o homem deve procurar realizar. O ideal de harmonia expressa-se através de uma bondade indissoluvelmente ligada à beleza, bondade resultante de um firme e equilibrado domínio de si e beleza que representa exteriormente a serena ordem interior da alma. Por isso a educação grega é a busca de uma perfeita euritmia. O homem forma-se segundo o princípio de um crescente domínio de si, pela libertação relativamente aos seus instintos, desejos e paixões, que devem ficar submetidos à razão.
- Que entendes tu por governar-se a si próprio?
- (...) ser temperante, ter autodomínio, comandar em si próprio os prazeres e as paixões.


γνῶθι σεαυτόν, Conhece-te a ti mesmo. Esta máxima de sócrates nunca a convenceu, mas hoje não está com paciência para divagações pseudofilosóficas... Sente uma tristeza vaga e indefinida,mas intensa, traduzida por sentimento de dor moral, inibidor das funções motoras e psicomotoras = melancolia, abatimento, desânimo, esmorecimento, languidez, misantropia, prostração ... Afinal, para nos conhecermos,basta ir ao dicionário.

Em todas as ruas te encontro em todas as ruas te perco conheço tão bem o teu corpo sonhei tanto a tua figura que é de olhos fechados que eu ando a limitar a tua altura e bebo a água e sorvo o ar que te atravessou a cintura tanto tão perto tão real
que o meu corpo se transfigura e toca o seu próprio elemento num corpo que já não é seu num rio que desapareceu onde um braço teu me procura Em todas as ruas te encontro em todas as ruas te perco



Take me to church I'll worship like a dog at the shrine of your lies I'll tell you my sins so you can sharpen your knife Offer me my deathless death Good God, let me give you my life...

Não sei se isto é amor. Procuro o teu olhar, Se alguma dor me fere, em busca de um abrigo; E apesar disso, crê! nunca pensei num lar Onde fosses feliz, e eu feliz contigo. Por ti nunca chorei nenhum ideal desfeito. E nunca te escrevi nenhuns versos românticos. Nem depois de acordar te procurei no leito ...Se é amar-te não sei. Não sei se te idealizo A tua cor sadia, o teu sorriso terno... Mas sinto-me sorrir de ver esse sorriso Que me penetra bem, como este sol de Inverno. Passo contigo a tarde e sempre sem receio Da luz crepuscular, que enerva, que provoca. Não me lembrei jamais de te beijar na boca. Eu não sei se é amor. Será talvez começo... Eu não sei que mudança a minha alma pressente... Amor não sei se o é, mas sei que te estremeço, Que adoecia talvez de te saber doente.

What could I say I was far away You just walked away and I just watched you What could I say...

Come as you are, as you were As I want you to be, as a friend As a friend, as an old enemy...


... fui lendo, até ao fim, trémulo, confuso: depois rompi em lágrimas, felizes, como nenhuma felicidade real me fará chorar, como nenhuma tristeza da vida me fará imitar. Aquele movimento hierático da nossa clara língua majestosa, aquele exprimir das ideias nas palavras inevitáveis, correr de água porque há declive, aquele assombro vocálico em que os sons são cores ideais - tudo isso me toldou de instinto... E, disse, chorei: hoje, relembrando, ainda choro.... é a saudade da emoção daquele momento, a mágoa de não poder já ler pela primeira vez aquela grande certeza sinfónica.

Acabara-se a vida gloriosa, mas também a raiva e os sobressaltos. ... Era preciso viver no desconforto.
O que há em mim é sobretudo cansaço Não disto nem daquilo,Nem sequer de tudo ou de nada: Cansaço assim mesmo, ele mesmo, Cansaço.A subtileza das sensações inúteis,As paixões violentas por coisa nenhuma,Os amores intensos por o suposto alguém.

Mas, em certos casos,continuar, somente continuar, eis o que é sobre-humano. Aproveitar o tempo! Ah, deixem-me não aproveitar nada! Nem tempo, nem ser, nem memórias de tempo ou de ser!...

No fim de contas,é isto mesmo o que eu sou, refugiado num deserto de pedras,de brumas e de águas pútridas, profeta vazio para tempos medíocres... Hoje quero só sossego. Até amaria o lar, desde que o não tivesse.Chego a ter sono de vontade de ter sossego. Não exageremos!Tenho efetivamente sono, sem explicação...

Ah!,meu amigo, sabe o que é uma criatura solitária, errando através das grandes cidades?... Se em certa altura Tivesse voltado para a esquerda em vez de para a direita; Se em certo momento Tivesse dito sim em vez de não, ou não em vez de sim; Se em certa conversa Tivesse tido as frases que só agora, no meio-sono, elaboro — Se tudo isso tivesse sido assim, Seria outro hoje, e talvez o universo inteiro Seria insensivelmente levado a ser outro também.

When I said what I said I didn't mean anything. Talk to me in your own language, please.


Cumpre-me agora dizer que espécie de homem sou.
Não importa o meu nome, nem quaisquer outros pormenores externos que me digam respeito. É acerca do meu carácter que se impõe dizer algo.
Toda a constituição do meu espírito é de hesitação e dúvida. Para mim, nada é nem pode ser positivo; todas as coisas oscilam em torno de mim, e eu com elas, incerto para mim próprio. Tudo para mim é incoerência e mutação. Tudo é mistério, e tudo é prenhe de significado. Todas as coisas são «desconhecidas», símbolos do Desconhecido. O resultado é horror, mistério, um medo por demais inteligente.
Pelas minhas tendências naturais, pelas circunstâncias que rodearam o alvor da minha vida, pela influência dos estudos feitos sob o seu impulso (estas mesmas tendências) — por tudo isto o meu carácter é do género interior, autocêntrico, mudo, não auto-suficiente mas perdido em si próprio. Toda a minha vida tem sido de passividade e sonho. Todo o meu carácter consiste no ódio, no horror da e na incapacidade que impregna tudo aquilo que sou, física e mentalmente, para actos decisivos, para pensamentos definidos. Jamais tive uma decisão nascida do auto-domínio, jamais traí externamente uma vontade consciente. Os meus escritos, todos eles ficaram por acabar; sempre se interpunham novos pensamentos, extraordinárias, inexpulsáveis associações de ideias cujo termo era o infinito. Não posso evitar o ódio que os meus pensamentos têm a acabar seja o que for; uma coisa simples suscita dez mil pensamentos, e destes dez mil pensamentos brotam dez mil inter-associacões, e não tenho força de vontade para os eliminar ou deter, nem para os reunir num só pensamento central em que se percam os pormenores sem importância mas a eles associados. Perpassam dentro de mim; não são pensamentos meus, mas sim pensamentos que passam através de mim. Não pondero, sonho; não estou inspirado, deliro. Sei pintar mas nunca pintei, sei compor música, mas nunca compus. Estranhas concepções em três artes, belos voos de imaginação acariciam-me o cérebro; mas deixo-os ali dormitar até que morrem, pois falta-me poder para lhes dar corpo, para os converter em coisas do mundo externo.
O meu carácter é tal que detesto o começo e o fim das coisas, pois são pontos definidos. Aflige-me a ideia de se encontrar uma solução para os mais altos, mais nobres, problemas da ciência, da filosofia; a ideia que algo possa ser determinado por Deus ou pelo mundo enche-me de horror. Que as coisas mais momentosas se concretizem, que um dia os homens venham todos a ser felizes, que se encontre uma solução para os males da sociedade, mesmo na sua concepção — enfurece-me. E, contudo, não sou mau nem cruel; sou louco, e isso duma forma difícil de conceber.
Embora tenha sido leitor voraz e ardente, não me lembro de qualquer livro que haja lido, em tal grau eram as minhas leituras estados do meu próprio espírito, sonhos meus — mais, provocações de sonhos. A minha própria recordação de acontecimentos, de coisas externas, é vaga, mais do que incoerente. Estremeço ao pensar quão pouco resta no meu espírito do que foi a minha vida passada. Eu, um homem convicto de que hoje é um sonho, sou menos do que uma coisa de hoje.


Cuidarás primeiro em nada respeitar, em nada crer, em nada (...) Guardarás da tua atitude ante o que não respeites, a vontade de respeitar alguma coisa; do teu desgosto ante o que não ames o desejo doloroso de amar alguém; do teu desprezo pela vida guardarás a ideia de que deve ser bom vivê-la e amá-la. E assim terás construído os alicerces do edifício dos teus sonhos.
Repara bem que a obra que te propões fazer é no mais alto de tudo. Sonhar é encontrarmo-nos. Vais ser o Colombo da tua alma. Vais buscar as suas paisagens. Cuida bem pois em que o teu rumo seja certo e não possam errar os teus instrumentos. A arte de sonhar é difícil porque é uma arte de passividade, onde o que é de esforço é na concentração da ausência de esforço. A arte de dormir se a houvesse, deveria ser de qualquer forma parecida com esta. Repara bem: a arte de sonhar não é a arte de orientar os sonhos. Orientar é agir. O sonhador verdadeiro entrega-se a si próprio, deixa-se possuir por si próprio. Foge a todas as provocações materiais. Há no início a tentação de te masturbares. Há a do álcool, a do ópio, a do (...). Tudo isso é esforço e procura. Para seres um bom sonhador, tens de não ser senão sonhador. Ópio e morfina compram-se nas farmácias — como, pensando nisto queres poder sonhar através deles? Masturbação é uma coisa física — como queres tu que (...) Que te sonhes masturbando-te, vá; que em sonhar talvez fumando ópio, recebendo morfina te embriagues da ideia do ópio (...) da morfina dos sonhos — não há senão que elogiar-te por isso: estás no teu papel áureo de sonhador perfeito. Julga-te sempre mais triste e mais infeliz do que és. Isso não faz mal. E mesmo, por ilusão, um pouco escadas para o sonho.



A poesia de Pessoa, enquanto poética confessa e obsessiva da consciência como solidão ontológica, tinha de ser, fatalmente, uma poesia do não-amor. O que ela é de facto, mas em termos tão inabitualmente atrozes que de si mesma se assinala como o lugar de um sofrimento sem nome, de alguma maneira, como puro vazio afectivo, análogo na sua inversão ao que denominamos classicamente sofrimento de amor. Na verdade, esse vazio afectivo é essa espécie de ferida, e toda a poesia de Fernando Pessoa o seu eco inutilmente multiplicado.

Triste de quem vive em casa, Contente com o seu lar,Sem que um sonho, no erguer de asa,Faça até mais rubra a brasa Da lareira a abandonar! Triste de quem é feliz! Vive porque a vida dura. Nada na alma lhe diz Mais que a lição da raiz — Ter por vida a sepultura.

Suponhamos que eu seja uma criatura forte, o que não é verdade. Suponhamos que ao tomar uma resolução eu a mantenha, o que não é verdade. Suponhamos que eu escreva um dia alguma coisa que desnude um pouco a alma humana, o que não é verdade. Suponhamos que eu tenha sempre o rosto sério que vislumbro de repente no espelho ao lavar as mãos, o que não é verdade. Suponhamos que as pessoas que eu amo sejam felizes, o que não é verdade. Suponhamos que eu tenha menos defeitos graves do que tenho, o que não é verdade. Suponhamos que baste uma flor bonita para me deixar iluminada, o que não é verdade. Suponhamos que eu esteja sorrindo logo hoje que não é dia de eu sorrir, o que não é verdade. Suponhamos que entre os meus defeitos haja muitas qualidades, o que não é verdade. Suponhamos que eu nunca minta, o que não é verdade. Suponhamos que um dia eu possa ser outra pessoa e mude de modo de ser, o que não é verdade.



Para Que Teima Vossa Excelência Em Viver Se Por Quinhentos Escudos Pode Ter Um Lindo Funeral?


Existe um facto evidente que parece absolutamente moral: é que o homem é sempre a presa das suas verdades. Uma vez reconhecidas, não pode libertar-se delas. É preciso pagar esse preço. Um homem que se torna consciente do absurdo fica-lhe ligado para todo o sempre. O homem sem esperança e consciente disso, já não pertence ao futuro. Isso está na ordem natural das coisas. Mas também está na ordem natural das coisas que ele faça esforços para escapar ao universo de que é o criador.

Diante do absurdo, devemo-nos revoltar. A “revolta” é a consciência de nossa condição, mas sem a resignação que deveria acompanhá-la. Aceitar o absurdo é aceitar a morte, mas recusá-lo é aceitar uma vida no precipício, na qual não se pode encontrar o conforto, mas apenas “viver num vertiginoso cume – isso é integridade, o resto é subterfúgio.”



Shameless sea Aimlessly so blue Midnight-moon shines for you...



Nunca voltes ao lugar Onde já foste feliz Por muito que o coração diga Não faças o que ele diz...



Quais folhas criadas pela estação florida da primavera, quando de súbito crescem sob os raios do sol, assim somos nós: por um tempo de nada, nos deleita a flor da juventude, sem conhecermos o mal ou o bem que vêm dos deuses

Não era a minha alma que queria ter. Esta alma já feita, com seu toque de sofrimento e de resignação, sem pureza nem afoiteza. Queria ter uma altura nova. Decidida capaz de tudo ousar. Nunca esta que tanto conheço, compassiva, torturada de trazer por casa. A alma que eu queria e devia ter… Era uma alma asselvajada, impoluta, nova, nova,nova, nova!



Deixa andar Deixa ser Faz bem ao coração Largar o que há em vão Faz bem ao coração...

Há muita coisa a dizer que não sei como dizer. Faltam as palavras. Mas recuso-me a inventar novas: as que existem já devem dizer o que se consegue dizer e o que é proibido. As ilusões e as desilusões. O que é proibido eu adivinho, as ilusões sonho-as...Atrás do pensamento não há palavras: é-se. No mundo do é-se, sou puro êxtase cristalino...


Circunda-te de rosas, ama, bebe e cala. O mais é nada.

Como se cada beijo fora de despedida, Minha Cloe, beijemo-nos, amando.


Quem poluiu, quem rasgou os meus lençóis de linho, nde esperei morrer, meus tão castos lençóis?
Do meu jardim exíguo os altos girassóis Quem foi que os arrancou e lançou no caminho?
(Quem quebrou (que furor cruel e simiesco!) A mesa de eu cear, a tábua tosca de pinho?
E me espalhou a lenha? E me entornou o vinho?- Da minha vinha o vinho acidulado e fresco...




Porque sou o que chega e conta Mentiras que te fazem feliz E tu vibras com histórias De viagens que eu nunca fiz...

Sim, sei bem /Que nunca serei alguém./Sei de sobra /Que nunca terei uma obra./ Sei, enfim,/Que nunca saberei de mim./Sim, mas agora,/Enquanto dura esta hora,//Este luar, estes ramos,/Esta paz em que estamos,/Deixem-me crer/O que nunca poderei ser...

Não sei se é amor que tens, ou amor que finges,/O que me dás. Dás-mo. Tanto me basta.

Cada um cumpre o destino que lhe cumpre /E deseja o destino que deseja; Nem cumpre o que deseja, /Nem deseja o que cumpre. (...) Cumpramos o que somos./Nada mais nos é dado.

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