Não é neccessário vivermos ao lado de alguém para nos sentirmos ligados a esse alguém mais do que a qualquer outra pessoa...

quinta-feira, 5 de novembro de 2015

Valsas e cansaços...



Internada num hospital psiquiátrico, Zelda Sayre, que jamais se conformou em ser apenas a mulher de F. Scott Fitzgerald, escreve para se justificar, para se compreender, numa tentativa de superar o abismo em que mergulhara: uma depressão que a conduziu a perturbações mentais. Morre, tragicamente, num incêndio no hospital em que estava internada...O sucesso literário com que tanto sonhou ficará documentado no romance Esta valsa é minha, e, sobretudo, nas cartas em que narra a sua experiência da loucura...

A menina não fora preenchida com nenhuma interpretação de si mesma, pois tinha nascido tão tarde na vida dos seus pais que a humanidade já se havia dissociado da consciência íntima destes últimos e a infância se tornara mais um conceito do que a criança real. Ela quer que lhe digam como é, sendo jovem demais para saber que não se parece absolutamente com nada e que vai completar o seu esqueleto com o que dela se desprender, como um general talvez possa reconstituir uma batalha seguindo os avanços e os recuos de suas forças com alfinetes de cores brilhantes. Ela não sabe que qualquer esforço que fizer se transformará nela mesma. Foi muito mais tarde que a criança, Alabama, chegou a compreender que os ossos do pai só podiam indicar suas limitações...

Alabama nunca conseguia identificar o que despertava as suas manhãs, quando ficava deitada a olhar à sua volta, consciente da ausência de expressão que cobria o seu rosto como um tapete de casa de banho molhado. Mobilizava-se. Olhos vivos de delicado animal selvagem preso numa armadilha espiavam, num convite cético, para fora da rede tensa das suas feições; o cabelo amarelo-limão escorria pelas costas. Vestia-se para a escola com gestos amplos, inclinando-se para a frente a fim de observar os movimentos do seu corpo. O sino da escola, no meio das transpirações silenciosas do Sul, soava apático como o ruído de uma boia nos vastos silenciadores do mar.

Nunca era possível afirmar que ele a escutava, embora parecesse estar sempre a querer ouvir alguma coisa — talvez a serenata de elfos que desejava, ou algum fantástico indício sobrenatural sobre a sua posição social no sistema solar.
— E eu quero um tomate recheado, batatas gratinadas, uma espiga de milho, bolinhos e sorvete de chocolate — interrompeu Alabama com impaciência.
— Meu Deus!… Então vamos fazer o Ballet das horas, Alabama. Eu vou usar malha de arlequim e tu terás uma saia de tarlatana e um chapéu de três pontas. Consegues criar uma dança em três semanas?
— Claro. Sei uns passos do carnaval do ano passado. Vai ser assim, entende? — Alabama fez os dedos caminharem um sobre o outro num modo inextricável. Pressionando um dedo com firmeza sobre a mesa para marcar o lugar, ela desenrolou as mãos e começou de novo: — … E a parte seguinte é assim… E termina com um br… rr… rr… up! — explicou. Com olhares duvidosos, Randolph e Dixie observavam a
criança.
— É muito bonito — comentou Dixie hesitante, levada pelo entusiasmo da irmã.


Este romance desencadeia uma espécie de crispação em Fitzgerald que motiva o aparecimento de Terna é a noite: Nicole é, obviamente, Zelda.É difícil para alguém mentalmente doente sentir pena de uma pessoa sã; Nicole tem pena de Dick; Zelda ,de F..

Take this waltz, take this waltz...



Escrito em 1997, descreve o acidente vascular cerebral, sofrido pelo autor no ano anterior. Tudo é absolutamente dramático, até o estilo nu, cru, despojado, chocante pela simplicidade com que se descreve a doença. Por ironia do destino, o AVC bloqueara-lhe a área cerebral da escrita, assim como da oralidade e da memória. Afastando-se de si mesmo, JCP narra-nos todo o seu drama como se de outro se tratasse. O doente vagueava pelos corredores do hospital como quem procura a sua própria pessoa, perdida algures, vítima de um coágulo de sangue. Era a sua identidade que ele procurava; era o drama de se ter perdido a ele próprio.

Memória, Memória Descritiva e, daí, Memória duma Desmemória poderia chamar-se a este relato se o rigor científico me tolerasse um título de metáfora tão esguia e o gosto da escrita o não rejeitasse por exibicionismo fácil. Todavia, culpa minha, foi na memória ou na tragédia da memória que, com maior ou menor erro, concentrei o acidente vascular cerebral que acabo de redigir. Se esse enfocamento é aceitável do ponto de vista neurológico não sei, mas foi a experiência sofrida que mo ditou na interpretação forçosamente diletante em que a tentei descrever.

Inacreditável. Eu, o Outro de mim, em viagem de passos perdidos e a interrogar-me se não estaria a caminhar para a loucura. E o caso é que, desconcertante ou não, a pergunta aconteceu. E para maior surpresa, não esqueci. Loucura, caminho para a loucura, a questão chegou-me com uma insistência passageira mas no estado em que me encontrava o que seria para mim a loucura? Como é que eu, impessoal tão a esmo, me tinha lembrado de tal coisa a propósito dum letreiro? Pensando-a a esta distância, admito que essa perturbação se possa dever a um eco da minha identidade do passado: ao enfrentar aquele letreiro como uma provocação de leitura e de escrita era o ex-autor de livros que estremecia(...)



Au troisième temps de la valse nous valsons enfin tous les trois Au troisième temps de la valse Il y a toi, y a l´amour et y a moi Et Paris qui bat la mesure Paris qui mesure notre émoi Et Paris qui bat la mesure Laisse enfin éclater sa joie Lalala la lalala..


Ah, onde estou ou onde passo, ou onde não estou nem passo, A banalidade devorante das caras de toda a gente! Ah, a angústia insuportável de gente! O cansaço inconvertível de ver e ouvir!

Uma tristeza de crepúsculo, feita de cansaços e de renúncias falsas, um tédio de sentir qualquer coisa, uma dor como de um soluço parado ou de uma verdade obtida. Desenrola-se-me na alma desatenta esta paisagem de abdicações - áleas de gestos abandonados, canteiros altos de sonhos nem sequer bem sonhados, inconsequências, como muros de buxo dividindo caminhos vazios, suposições, como velhos tanques sem repuxo vivo, tudo se emaranha e se visualiza pobre no desalinho triste das minhas sensações confusas.


A liberdade, sim, a liberdade! A verdadeira liberdade! Pensar sem desejos nem convicções. Ser dono de si mesmo sem influência de romances! Existir sem Freud nem aeroplanos, Sem cabarets, nem na alma, sem velocidades, nem no cansaço! A liberdade do vagar, do pensamento são, do amor às coisas naturais A liberdade de amar a moral que é preciso dar à vida!
Que vida que tem sido a minha! Quanto tempo de espera no apeadeiro! Quanto viver pintado em impresso da vida! Ah, tenho uma sede sã. Dêem-me a liberdade, Dêem-ma no púcaro velho de ao pé do pote Da casa do campo da minha velha infância... Eu bebia e ele chiava, Eu era fresco e ele era fresco, E como eu não tinha nada que me ralasse, era livre. Que é do púcaro e da inocência? Que é de quem eu deveria ter sido? E salvo este desejo de liberdade e de bem e de ar, que é de mim?


Ah as horas indecisas em que a minha vida parece de um outro...As horas do crepúsculo no terraço dos cafés cosmopolitas! Na hora de olhos húmidos em que se acendem as luzes E o cansaço sabe vagamente a uma febre passada.

Estou cansado da inteligência.Pensar faz mal às emoções. Uma grande reacção aparece. Chora-se de repente, e todas as tias mortas fazem chá de novo Na casa antiga da quinta velha. Pára. meu coração! Sossega, minha esperança factícia!...Meu fim antes do princípio! Estou cansado da inteligência. Se ao menos com ela se percebesse qualquer coisa! .

Lista de espera.

Espera
Cansaço
Espera
Cansaço
Espera
Cansaço
Espera
Cansaço
Espera
Cansaço



Se fosse poeta, compunha um poema com rima emparelhada:cansaço rima com laço e com abraço...
Se fosse prosadora, escrevia um conto:"Era uma vez um cansaço..."
Se fosse professora, ensinava o uso da cedilha...
Se fosse filóloga,explicava a etimologia: o verbo cansar tem origem em campsiare, usado na linguagem náutica com o sentido de “rodear, dobrar uma ponta de terra”, relacionado com o grego kamptein...
Se fosse latinista, diria que, no meu dicionário, a palavra nem existe...
Se fosse cientista, formulava uma teoria: um elemento indiscutível no cansaço é o "aço", uma liga metálica formada essencialmente por ferro e carbono, com percentagens deste último, variando entre 0,008 e 2,11%.
Se fosse filósofa, problematizava "Canso-me, logo existo"...

Um supremíssimo cansaço, Íssimno, íssimo, íssimo, Cansaço...

Sou um funcionário apagado um funcionário triste a minha alma não acompanha a minha mão Débito e Crédito Débito e Créditoa minha alma não dança com os números tento escondê-la envergonhado (...)Sou um funcionário cansado de um dia exemplar...

I'm so tired I don't know what to do I'm so tired my mind is set on you I wonder should I call you but I know what you would do
You wave atYou wave at the sky with wide lovely eyes Waves and waves of love go by... the sky with wide lovely eyes Waves and waves of love go by...

Não, hoje não é o cansaço de álvaro de campos nem o do ramos rosa nem o dos beatles. O de hoje é só seu, nada poético,nada musical, desinspirado, mas msu: um cansaço que a esgota psicologicamente,deixando-a indefesa,exausta, confusa... Ó a ânsia de pairar sem relógio, sem tempo, sem espaço, sem livros, sem nada: só palavras sem matéria, sem imagens, sem pensamento...Ó a ânsia de des-ser...

I don't know what tomorrow will bring…
Quer lá saber de tomorrow, quer lá saber do passado, quer lá saber desta inexistência a que decidiram chamar presente.
A angústia resulta de um tempo sem tempo em que se movimenta... O cansaço no presente nem existe: ele situa-se num ontem que se projeta num amanhã..
.

Estou tão desconstruída que só cpnsegue exprimir o cansaço com palavras alheias...Para dizer isto teria sido preferível não dizer nada, mas gosta de se ouvir: sempre tem a sensação de que ,afinal, existe...

Estou cansado, é claro, Porque, a certa altura, a gente tem que estar cansado.(...)Sou inteligente; eis tudo. Tenho visto muito e entendido muito o que tenho visto, E há um certo prazer até no cansaço que isto nos dá, Que afinal a cabeça sempre serve para qualquer coisa.

Não, não é cansaço... É uma quantidade de desilusão Que se me entranha na espécie de pensar(...) Não, cansaço não é... É eu estar existindo E também o mundo, Com tudo aquilo que contém, Como tudo aquilo que nele se desdobra E afinal é a mesma coisa variada em cópias iguais.

Sossega, coração inútil, sossega! Sossega, porque nada há que esperar, E por isso nada que desesperar também... Adiamos tudo, até que a morte chegue. Adiamos tudo e o entendimento de tudo, Com um cansaço antecipado de tudo, Com uma saudade prognóstica e vazia.

Há um cansaço da inteligência abstracta e é o mais horroroso dos cansaços. Não pesa como o cansaço do corpo nem inquieta como o cansaço pela emoção. É um peso da consciência o mundo, um não poder respirar com a alma.(...) O mistério da vida dói-nos e apavora-nos de muitos modos. Umas vezes vem sobre nós como um fantasma sem forma, e a alma treme com o pior dos medos — a da incarnação disforme do Não-ser. Outras vezes está atrás de nós, visível só quando nos não voltamos para ver, e é a verdade toda no seu horror profundíssimo de a desconhecermos. Mas este horror que hoje me anula é menos nobre e mais roedor. É uma vontade de não querer ter pensamento, um desejo de nunca ter sido nada, um desespero consciente de todas as células do corpo e da alma. E o sentimento súbito de se estar enclausurado numa cela infinita. Para onde pensar em fugir, se só a cela é tudo?


Um remédio caseiro excelente para o cansaço mental é um preparado com alecrim, mel e vinho... Misture os ingredientes e deixe a mistura em repouso durante 4 dias em recipiente escuro.


Tome 1 colher de sopa 3 vezes ao dia: uma em jejum, outra ao meio da tarde e outra antes de ir dormir.

É tão simples...

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