Não é neccessário vivermos ao lado de alguém para nos sentirmos ligados a esse alguém mais do que a qualquer outra pessoa...

segunda-feira, 2 de novembro de 2015

Gritos, surdina e sussurros...

Apetece gritar, mas ninguém grita.
Apetece fugir, mas ninguém foge.
Um fantasma limita
Todo o futuro a este dia de hoje.


Se ao menos esta dor servisse
se ela batesse nas paredes
abrisse portas
falasse
se ela cantasse e despenteasse os cabelos

se ao menos esta dor se visse
se ela saltasse fora da garganta como um grito
caísse da janela fizesse barulho
morresse
se ao menos esta dor sangrasse



Dei-te os dias, as horas e os minutos
Destes anos de vida que passaram;
Nos meus versos ficaram
Imagens que são máscaras anónimas
Do teu rosto proibido;
A fome insatisfeita que senti
Era de ti,
Fome do instinto que não foi ouvido.

Agora retrocedo, leio os versos,
Conto as desilusões no rol do coração,
Recordo o pesadelo dos desejos,
Olho o deserto humano desolado,
E pergunto porquê, por que razão
Nas dunas do teu peito o vento passa
Sem tropeçar na graça
Do mais leve sinal da minha mão...


Ingmar Bergman afirmou que a origem do filme Gritos e Sussurros reside numa imagem que, durante meses, o perseguiu sem cessar e que, continuada e obstinadamente, via por toda a parte: três mulheres, todas vestidas de branco,falam ,umas com as outras, em surdina, movendo-se numa sala toda encarnada. Muitas obras complexas partiram de imagens tão simples como esta. Tudo se organiza,afinal, à volta de qualquer coisa que não se explica...



Perante a grandeza, é forçoso calarmo-nos. O silêncio é a única resposta possível, humana e nossa, ao som do violoncelo de Bach e à lágrima que corre dos olhos fechados de Harriet Andersson.

Em torno a nós poderão as outras almas erguerem-se os seus bairros sujos e pobres; marquemos nitidamente onde o nosso acaba e começa, e que desde a frontaria dos prédios até às alcovas das nossas timidezes, tudo seja fidalgo e sereno, esculpido numa sobriedade ou surdina de exibição. Saber encontrar a cada sensação o modo sereno de ela se realizar. Fazer o amor resumir-se apenas a uma sombra de ser sonho de amor, pálido e trémulo intervalo entre os cimos de duas pequenas ondas onde o luar bate. Tornar o desejo uma coisa inútil e inofensiva, no como que sorriso delicado da alma a sós consigo própria; fazer dela uma coisa que nunca pense em realizar-se nem em dizer-se. Ao ódio adormecê-lo como a uma serpente prisioneira, e dizer ao medo que dos seus gestos guarde apenas a agonia no olhar, e no olhar da nossa alma, única atitude compatível com ser eestética... Saber desejar em surdina...


Depois de quando deixei de pensar em depois
Minha vida tornou-se mais calma —
Isto é, menos vida.
Passei a ser o meu acompanhamento em surdina.



Apenas as palavras quebram o silêncio, todos os outros sons cessaram.
Se eu estivesse silencioso, não ouviria nada. Mas se eu me mantivesse silencioso, os outros sons recomeçariam, aqueles a que as palavras me tornaram surdo, ou que realmente cessaram. Mas estou silencioso, por vezes acontece, não, nunca, nem um segundo. Também choro sem interrupção. É um fluxo incessante de palavras e lágrimas. Sem pausa para reflexão. Mas falo mais baixo, cada ano um pouco mais baixo. Talvez. Também mais lentamente, cada ano um pouco mais lentamente. Talvez. É-me difícil avaliar. Se assim fosse, as pausas seriam mais longas, entre as palavras, as frases, as sílabas, as lágrimas, confundo-as, palavras e lágrimas, as minhas palavras são as minhas lágrimas, os meus olhos a minha boca. E eu deveria ouvir, em cada pequena pausa, se é o silêncio que eu digo quando digo que apenas as palavras o quebram. Mas nada disso, não é assim que acontece, é sempre o mesmo murmúrio, fluindo ininterruptamente, como uma única palavra infindável e, por isso, sem significado, porque é o fim que confere o significado às palavras.


De que serve? O que é que tem que servir?
Pálido esboço leve
Do sol de Inverno sobre meu leito a sorrir...
Vago sussurro breve.


Os linguistas chamam a este fenómeno o Efeito de Lombard, assim designado por causa de Lombard,que concluiu ,no início do século XX,que os falantes aumentam o seu esforço vocal,num ambiente ruidoso,para lutarem contra a degradação da inteligibilidade das suas mensagens.Quando vários falantes exibem este reflexo em simultâneo tornam-se,como é óbvio, eles próprios a fonte de ruído desse mesmo ambiente,agravando gradualmente a sua intensidade.Para o indivíduo que,neste momento,está com a cara praticamente encostada ao peito da rapariga de blusa vermelha,tentando aproximar o ouvido direito da boca dela(...) "Lado" ou "lago"? " É um verdadeiro inferno" ou " o derradeiro inverno"?( ...) Estão a conversar,ou melhor, "ela" está a conversar,há já uns dez minutos e, por mais que ele se esforce,não consegue descobrir qual o tema da conversa.

Há palavras que causam muitos equívocos aos surdos, como por exemplo,... "beijo" e "queijo"... Pedir um beijo ou um queijo pode ser uma confusão embaraçosamente constrangedora ...

Vem do fundo do mundo
Vem do horizonte mudo, confuso do mundo,
Sussurro surdo, escuro, murmúrio
De uma cavalgada que dura, que dura furiosa no ouvido,
Inúmera cavalgada vem...
Todo o horizonte está cheio por dentro de um grito absurdo
Helahôhô...Helahôhô.


Medito, então, em uma modorra de físico, que se parece com volúpia apenas como o sussurro de vento lembra vozes, na eterna insaciabilidade dos meus desejos vagos, na perene instabilidade das minhas ânsias impossíveis. Sofro, principalmente, do mal de poder sofrer. Falta-me qualquer coisa que não desejo e sofro por isso não ser propriamente sofrer...

Quão breve tempo é a mais longa vida
E a juventude nela! Ah! Cloé, Cloé,
Se não amo, nem bebo,
Nem sem querer não penso,
Pesa-me a lei inimplorável, dói-me
A hora invita, o tempo que não cessa,
E aos ouvidos me sobe
Dos juncos o ruído
Na oculta margem onde os lírios frios
Da ínfera leiva crescem, e a corrente
Não sabe onde é o dia,
Sussurro gemebundo.


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