George Orwell escrevia compulsivamente diários e listas; enchia cadernos e cadernos com as ideias que lhe iam ocorrendo, e neles fazia esboços de poemas...além de copiar e colar informações que retirava de jornais, receitas, dicas de jardinagem. Fez listas de pessoas...Durante muitos anos coleccionou panfletos ...Também anotava cuidadosamente os pagamentos que recebia dos seus escritos. Embora normalmente não se preocupasse em preservar manuscritos das suas obras,não há dúvida que fez questão de preservar os seus diários. Sobreviveram onze.
Choveu um pouco na noite passada.Tempo quente,não fiz nada para além de mondar,cortar cardos, etc. 9 ovos. Pelos vistos,o governo está a considerar subir a pensão de velhice,sem dúvida a pensar nas eleições gerais. Ao anoitecer vi uma garça voar sobre Baker Street...Suponho que seja possível que a guerra...tenda a aumentar o número de pássaros no coração da cidade....A imprensa alemã está a atacar o governo de Pétain,não se sabendo ao certo o motivo...Sei que os pequenos partidos dissidentes de esquerda são habitualmente alvo de mentiras,tanto da direita como da esquerda oficial...Demasiada chuva para ir à pesca.Dia horrível...O quintal parece um cenário de guerra,está tudo caído e salpicado de lama.À tarde tentei pescar...Só apanhei uma truta pequena. 5 ovos.
Sempre tem algo em comum com um génio: é pouco, muito pouco, mas...ela também redige muitas listas...
Alegrias banais: receber encomenda da fnac /wook ...Com ansiedade, folheia um livro, folheia outro, como uma barata tonta, sob o olhar intrigado da gata, que detesta agitações inusitadas a perturbar o seu remanso..." Pára de acariciar os livros!!" Parece dizer-lhe, indignada , a rebolar-se em cima da mesa, de pescocinho esticado e olhar lânguido, a implorar festas. Uma mão nos livros, outra na gata... Tem de ser assim, caso contrário , dominado por ímpeto vingativo, o seu adorado felino mostra a sua raça, atira-lhe com os livros todos ao chão e tenta mordiscá-los, com ar desafiador... Gosta dela, mesmo assim. Gosta dela por ser assim: insubmissa, defensora dos seus direitos e dos seus afetos. A sua antítese...
Tristezas banais: sentir-se transparente...
A grandeza de Camus consiste em ter unido uma ética inflexível a uma inexaurível capacidade de felicidade, de viver a fundo a vida, como um baile popular ou um dia de sol à beira-mar, até na sua tragicidade enfrentada sem rebuço, recusando qualquer moral que reprima a alegria e o desejo. Camus tem um sagrado, um religioso respeito pela existência o impede de qualquer transcendência, metafísica ou política, que pretenda sacrificá-la a fins superiores.(claudio magris)
Quem pode ser no mundo tão quieto,ou quem terá tão livre o pensamento,quem tão experimentado e tão discreto,tão fora, enfim, de humano entendimento que, ou com público efeito, ou com secreto,lhe não revolva e espante o sentimento,deixando-lhe o juízo quase incerto,ver e notar do mundo o desconcerto?
Pego no copo vazio que enche o tempo e invento que há luz.
I want you so much But I hate your guts
Tanto de meu estado me acho incerto,Que em vivo ardor tremendo estou de frio;Sem causa, justamente choro e rio,O mundo todo abarco e nada aperto. //É tudo quanto sinto, um desconcerto;Da alma um fogo me sai, da vista um rio;Agora espero, agora desconfio,Agora desvario, agora acerto...Se me pergunta alguém por que assim ando,Respondo que não sei; porém suspeito Que só porque vos vi...
Há chorar com lágrimas, chorar sem lágrimas e chorar com riso: chorar com lágrimas é sinal de dor moderada; chorar sem lágrimas é sinal de maior dor; e chorar com riso é sinal de dor suma e excessiva.
Deve chamar-se tristeza Isto que não sei que seja Que me inquieta sem surpresa, Saudade que não deseja.
Depois do dia vem noite,
Depois da noite vem dia
E depois de ter saudades
Vêm as saudades que havia.
Horror! Não sei ser inconsciente E tenho para tudo, do que é bom À inconsciência, o pensamento aberto, Tornando-o impossível. O amor causa-me horror é abandono, Intimidade (...) E eu tenho do alto orgulho a timidez E sinto horror a abrir o ser a alguém, A confiar n'alguém. Horror eu sinto A que prescrute alguém, ou levemente Ou não, quaisquer recantos do meu ser. Abandonar-me em braços nus e belos (Inda que deles o amor viesse) No conceber de tudo me horroriza; Seria violar meu ser profundo(...)
Foi um momento o em que pousaste sobre o meu braço, num movimento mais de cansaço que pensamento, a tua mão e a retiraste. Senti ou não? Não sei. Mas lembro e sinto ainda qualquer memória fixa e corpórea onde pousaste a mão que teve qualquer sentido incompreendido. Mas tão de leve!... Tudo isto é nada, mas numa estrada como é a vida há muita coisa incompreendida... Sei eu se quando a tua mão senti pousando sobre o meu braço, e um pouco, um pouco,no coração,não houve um ritmo novo no espaço? Como se tu, sem o querer, em mim tocasses para dizer qualquer mistério, súbito e etéreo, que nem soubesses que tinha ser.Assim a brisa nos ramos diz, sem o saber, uma imprecisa coisa feliz.
Tombés de la cime du ciel, des flots de soleil rebondissent brutalement sur la campagne autour de nous. Tout se tait devant ce fracas et le Lubéron, là bas, n'est qu'un énorme bloc de silence que j'écoute sans répit.Je tends l'oreille, on court vers moi dans le lointain, des amis invisibles m'appellent, ma joie grandit, la même qu'il y a des années.De nouveau, une énigme heureuse m'aide à tout comprendre.Où est l'absurdité du monde ?Est-ce ce resplendissement ou le souvenir de son absence ?Avec tant de soleil dans la mémoire, comment ai-je pu parier sur le non-sens ?On s'en étonne, autour de moi ; je m'en étonne aussi, parfois. Je pourrais répondre, et me répondre, que le soleil justement m'y aidait et que sa lumière, à force d'épaisseur, coagule l'univers et ses formes dans un éblouissement obscur.Mais cela peut se dire autrement et je voudrais, devant cette clarté blanche et noire qui, pour moi, a toujours été celle de la vérité, m'expliquer simplement sur cette absurdité que je connais trop pour supporter qu'on en disserte sans nuances. Parler d'elle, au demeurant, nous mènera de nouveau au soleil.Nul homme ne peut dire ce qu'il est.Mais il arrive qu'il puisse dire ce qu'il n’est pas.Celui qui cherche encore, on veut qu'il ait conclu.Millevoix lui annoncent déjà ce qu'il a trouvé et pourtant, il le sait, ce n'est pas cela.Cherchez et laissez dire ?Bien sûr.
Sorrow found me when I was young And the silence speaks so much louder that words, Of promises broken.... Shallow sorrows and shallow loves live on. The loves and sorrows that are great are destroyed by their own plenitude.
Prends ce présent que j'ai toujours gardé, même si à vingt ans je ne l'avais jamais donné..
Ninguém me pode impedir de tocar nos objetos que me pertencem- o toque é uma manifestação de propriedade... Se ela te pode tocar,é tua proprietária? Pertences-lhe? ( Objetos , o GMT está a falar de objetos..) Num sentido ôntico, todos somos um objeto. Temos um novo tema; ser ou não ser objeto...
Foi por não ser existindo. Sem existir nos bastou. Por não ter vindo foi vindo e nos criou. Não sei bem porquê, mas esta sequência é de uma beleza que me espiritualiza. Faz-me acreditar que talvez a alma exista...que há uma parte de nós que não é pensamento ou razão, sentimento ou emoção, é qualquer outra coisa inefável...Não choro num sentido físico : são lágrimas interiores, choro sem chorar ...
Chove tanto, tanto. A minha alma é húmida de ouvi-lo. ... A minha carne é líquida e aquosa em torno à minha sensação dela. Um frio desassossegado põe mãos gélidas em torno ao meu pobre coração. As horas cinzentas (...) alongam-se, emplaniciam-se no tempo; os momentos arrastam-se... Como chove.
Relembro o que fiz e o que podia ter feito na vida. Relembro, e uma angústia espalha-se por mim todo como um frio do corpo ou um medo(...) Todos os meus próprios momentos passados pode ser que existam algures, na ilusão do espaço e do tempo, na falsidade do decorrer.
Mas o que eu não fui, o que eu não fiz, o que nem sequer sonhei; O que só agora vejo que deveria ter feito, o que só agora claramente vejo que deveria ter sido — Isso é que é morto para além de todos os deuses, isso — e foi afinal o melhor de mim — é que nem os deuses fazem viver ...
Se em certa altura tivesse voltado para a esquerda em vez de para a direita;se em certo momento tivesse dito sim em vez de não, ou não em vez de sim; se em certa conversa tivesse tido as frases que só agora, no meio-sono, elaboro... O que falhei deveras não tem esperança nenhuma em sistema metafísico nenhum. Pode ser que para outro mundo eu possa levar o que sonhei, Mas poderei eu levar para outro mundo o que me esqueci de sonhar? Esses sim, os sonhos por haver, é que são o cadáver. Enterro-o no meu coração para sempre, para todo o tempo, para todos os universos...
O que é a dor? Gosta, pela sua simplicidade, da resposta do Zezé
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Agora sabia mesmo o que era a dor. Dor não era apanhar de desmaiar. Não era cortar o pé com caco de vidro e levar pontos na farmácia. Dor era aquilo, que doía o coração todinho, que a gente tinha que morrer com ela, sem poder contar para ninguém o segredo. Dor que dava desânimo nos braços, na cabeça, até na vontade de virar a cabeça no travesseiro.
A minha Dor, vesti-a de brocado,
Fi-la cantar um choro em melopeia,
Ergui-lhe um trono de oiro imaculado,
Ajoelhei de mãos postas e adorei-a.
As dores leves exprimem-se; as grandes dores são mudas. Posso partilhar tudo, menos o sofrimento.
A minha vida é tão triste, e eu nem penso em chorá-la; as minhas horas tão falsas, e eu nem sonho o gesto de parti-las. Como não te sonhar? Como não te sonhar?
There is a tongue that we speak in No one else got the meaning But they don't, I have Not everybody understands us...
Speak to me in our tongue When all the words only come out wrong Speak to me in our tongue...
Ah ter toda a minha vida Fixa instavelmente num momento destes, Ter todo o sentido da minha duração sobre a terra Tornado um afastamento dessa costa onde deixei tudo — Amores, irritações, tristezas, cumplicidades, deveres, A angústia irrequieta dos remorsos, A fadiga da inutilidade de tudo, A saciedade até das coisas imaginadas, A náusea, as luzes, As pálpebras pesadas sobre a minha vida perdida...
Assim soubesses tu compreender o teu dever de seres meramente o sonho de um sonhador. Seres apenas o turíbulo da catedral dos devaneios. Talhares os teus gestos nos sonhos, para que fossem apenas janelas abertas para paisagens puras da tua alma. De tal modo arquitectar o teu corpo em arremedos de sonho que não fosse possível ver-te sem pensar n'outra coisa, que lembrasses tudo menos tu própria, que ver-te fosse ouvir música e atravessar, sonâmbulo, grandes paisagens de lagos mortos, vagas florestas silenciosas perdidas no fundo d'outras épocas, onde invisíveis homens diversos vivem sentimentos que não temos. Eu não te quereria para nada senão para te não ter. Queria que, sonhando eu e se tu aparecesses, eu pudesse imaginar-me ainda sonhando — nem te vendo talvez, mas talvez reparando que o luar enchera de (...) os lagos mortos e que ecos de canções ondeavam subitamente na grande floresta inexplícita, perdida em épocas impensáveis. A visão de ti seria o leito onde a minha alma adormecesse, criança doente, para sonhar outra vez com outro céu. Falares? Sim mas que ouvir-te fosse não te ouvir mas ver grandes pontes ao luar ligando as duas margens escuras do rio que vai ter ao mar — ao mar onde as caravelas são novas para sempre.
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