Não é neccessário vivermos ao lado de alguém para nos sentirmos ligados a esse alguém mais do que a qualquer outra pessoa...

sábado, 25 de junho de 2016

(Des)adaptações e (Des)orientações...

The day after you stole my heart Everything I touched told me it would be better shared with you And now you're hiding in my soup And this book reveals your face And you're splashing in my eyelids As the concentration continually breaks I did request the mark you cast Didn't heal as fast I hear your voice in silences Will the teasing of the fire be followed by the thud...



Não há dúvida de que poucas pessoas compreendem o carácter puramente subjectivo do fenómeno amor, e a espécie de criação que é de uma pessoa suplementar ,distinta da que usa o mesmo nome na sociedade, e cujos elementos são na sua maioria retirados de nós mesmos.Por isso há poucas pessoas que achem naturais as proporções enormes que para nós acaba por tomar um ser que não é o mesmo que elas vêem.

O trabalho de causalidade que acabou por produzir quase todos os efeitos possíveis ,e por consequência também os que menos se tinham julgado sê-lo ,tal trabalho é por vezes lento, e tornado ainda mais lento pelo nosso desejo - que ao procurar acelerá-lo o entrava - , pela nossa própria existência, e só se consuma quando deixamos de desejar, e às vezes de viver.

Como tudo parecia perfeito! Conjugo sempre, no passado, os momentos de prazer. Só é possível uma "felicidade póstuma"...

As verdades que pareciam mais verdades,se lhes dás muitas voltas,se as observas de perto, são só meias verdades ou deixam de o ser. E as verdades que sempre foram mentiras?

A desadaptação , mais do que um enorme vazio, desencadeia uma espécie de desorientação. Veio-me, de repente, a imagem de um cão abandonado que teima em percorrer, mecanicamente, o caminho para casa, esquecido de que já não tem casa.

Se tudo fosse mau a nossa adaptação a esse tudo — não faria dele amanhã um tudo bom, um absoluto bom.

Desde que a vida psíquica se acentue, a adaptação começa a incluir o elemento de adaptação ao meio como oposto. Que espécie de adaptação é essa?É uma adaptação que envolve alteração consciente do meio. Já há aqui, pois, um novo fenómeno; a adaptação do meio ao indivíduo, não do indivíduo ao meio. Ao passo que no orgânico, onde o meio é concebido como necessário, a adaptação é toda ao meio. O organismo altera‑se, move‑se, age, para se pôr de acordo com as condições do meio que lhe sejam úteis. Mesmo processos aparentemente complicados, aparentemente envolvedores de alteração do meio, como nas abelhas, nas formigas, nos castores, são meros aperfeiçoamentos de adaptação seguindo a noção do meio como necessário. Há alteração do meio apenas no sentido do meio, como há alteração do indivíduo no sentido do indivíduo. Mas o homem que se veste por causa do frio altera‑se em relação ao meio, não no sentido do seu organismo (o que seria se neles crescesse pêlo) mas noutro sentido, empregando o próprio meio externo para se vestir.No estado psíquico inferior ao homem há alteração do meio, mas no sentido do meio. Eis a diferença fundamental.A adaptação do psíquico ao físico parte, é claro, do fenómeno fundamental relacionante do físico e do psíquico, a saber, a oposição entre os dois. Para a vida psíquica e física, o exterior é o oposto.

Tamanho silêncio não anuncia nada de bom...Logo saberemos se ela esconde,no coração animoso, algum fatal desígnio; porque...em tal silêncio, adivinho algo de funesto.

Ele não tem o direito de me coagir a abandonar os meus! Querida, como sempre fui por ele, com ele repousarei no túmulo…com alguém a quem amava; e o meu crime será louvado, pois o tempo que terei para agradar aos mortos, é bem mais longo do que o consagrado aos vivos.

Pois bem: pensa agora que chegaste a um momento crucial do teu destino...Não te indignes contra quem já teve o seu fim.Que proeza é essa de matar quem já está morto?

A prudência é, em muito, a base da felicidade...As palavras de altivez, ditadas pelo orgulho,acarretam,para os orgulhosos, os mais rudes golpes.Com os anos se aprende a ser prudente.

Há algo de ameaçador num silêncio muito prolongado, mas a maior tragédia é saber.Embora, muitas vezes, o saber seja possível exatamente através do silêncio... Não o disse o corifeu, mas digo-o eu. Édipo o confirmará...

Não me indigno porque a indignação é para os fortes; não me resigno, porque a resignação é para os nobres; não me calo, porque o silêncio é para os grandes. E eu não sou forte, nem nobre, nem grande. Sofro e sonho. Queixo-me porque sou fraco e, porque sou artista, entretenho-me a tecer musicais as minhas queixas e a arranjar meus sonhos conforme me parece melhor à minha ideia de os achar belos. Só lamento o não ser criança, para que pudesse crer nos meus sonhos, o não ser doido para que pudesse afastar da alma de todos os que me cercam...

É inútil prolongar a conversa de todo este silêncio.(...) Entre nós não houve Senão os olhares de uma só vontade de dizer. E continuávamos a conversa silenciosa, Interrompida apenas pelo desejo olhado de falar... Sim, é inútil, Mas tudo, até a vida dos campos é igualmente inútil Há coisas que são difíceis de dizer... Este problema, por exemplo. Como é que podemos chegar a discutir isso? ... Caiu a cinza do teu cigarro no teu casaco preto — Ia advertir-te, mas para isso era preciso falar... Entreolhámo-nos de novo, como transeuntes cruzados.E o pecado mútuo que não cometemos Assomou ao mesmo tempo ao fundo dos dois olhares.



Nas ruas, há gemidos, cantos fúnebres, lamentos. Mas chora o quê a nossa cidade? Que esperais?

Como é terrível conhecer, quando o conhecimento não favorece quem o possui!

Porque há-de um homem temer,se está sujeito à lei do acaso e em nada lhe é possível uma presciência clara? Melhor é viver à deriva,como cada um puder.

Que me assista o destino e eu conserve a inestimável pureza em todos os meus actos e palavras.


A desadaptação ao meio assume três formas, que verificamos darem-se no nosso tempo. A primeira é a desadaptação total, e, portanto, a reacção integral contra as influências novas que, no momento, representam o espírito e a tendência da civilização. A segunda é a falsa adaptação — isto é, a persistência do velho espírito julgando, por assumir as aparências do novo, que lhe vestiu o próprio corpo, e não só os trajes. A terceira é a adaptação incompleta, cujo nome basta para a definir.

— Há três estados mentais distintos, se bem que se confundam nas fronteiras, como tudo. Há o estado mental anormal mas não louco, e há o estado mental de loucura.
O que é o estado mental normal? É aquele em que há um equilíbrio dos elementos mentais, uma harmonia entre eles, de sorte que os actos do indivíduo se não distinguem dos actos da generalidade dos indivíduos, em tipo, pelo menos, senão em qualidade. É evidente que os elementos mentais variam em grau de homem para homem, e não há elementos mentais igualmente desenvolvidos no mesmo homem. Se assim é, em que consiste a chamada normalidade, ou seja o equilíbrio entre esses elementos, necessariamente mais acentuados uns do que os outros? Como nasce harmonia da desigualdade? Do facto, evidentemente, de que essa desigualdade é limitada, e de que nenhum elemento é a tal ponto deficiente ou excedente, em relação aos outros, que perturbe a harmonia. E o que é perturbar a harmonia? E essa deficiência ou excedência de tal modo se manifestar que estorve a actividade de outros elementos. Quando, por exemplo, o instinto de ganância está a tal ponto desenvolvido que estorva a acção do senso moral ou social, ou concomitantemente, o instinto oral ou social é a tal ponto atrofiado que não inibe o senso de ganância, há uma ruptura de equilíbrio, e o indivíduo, em que isto se passa, é um anormal.
Suponhamos, porém, que o elemento mental emergente, ou por excedência ou por deficiência, é excessivamente emergente. Em vez de estorvar este ou aquele outro elemento mental na sua acção, estorvará mais do que um, e assim, no progresso da escala da anormalidade, a emergência desse elemento irá invadindo o espírito inteiro. Esta invasão do espírito inteiro, por um elemento mental excessivamente deprimido ou exaltado, é o que se chama a loucura. Assim como entre certos estados de anormalidade não há distinção muito fácil, assim entre os estados graves de anormalidade e os estados primitivos da loucura não é, também, fácil a distinção. Ora a invasão do espírito inteiro, pela deficiência ou excedência de um elemento, revela-se de uma de três maneiras diferentes: pela depressão mental, como na idiotia e na demência; pela confusão mental, como nas loucuras cujo distintivo é o delírio ou a perturbação geral do espírito; e pela viciação central do espírito, como na chamada loucura lúcida ou paranóia.
»A loucura caracteriza-se, essencialmente, pela perda da adaptação mental ao que chamamos a realidade, ou seja pela incapacidade de distinguir entre os fenómenos subjectivos. A loucura é sonhar acordado sem dar por isso.
»No homem normal, os motivos da acção são normais e as maneiras de executar são normais também. O homem normal é vulgar nos seus motivos e acção e banal na maneira de os executar. No homem anormal, mas não louco, ou os motivos são anormais e a execução é normal, ou os motivos são normais e a execução é anormal. No homem normal há uma adaptação entre o motivo e a execução; no anormal há uma desadaptação; no louco há uma adaptação falsa. No homem normal, os motivos da acção são normais e os processos normais também; há uma adaptação de uns a outros. No homem anormal mas não louco, os motivos são anormais e os processos correspondentemente anormais; há a mesma adaptação entre uns e outros. No louco esta adaptação cessa; e, quer os motivos sejam normais ou anormais, e os processos normais ou anormais, ou temos um motivo normal com um processo anormal, ou temos um motivo anormal com um processo normal, ou temos um motivo anormal com um processo anormal, também, mas não ajustado a esse motivo.
»Vou dar um exemplo onde isto lhe surgirá claro. Um indivíduo vai por uma rua fora, e um outro, ao passar, pisa-lhe um pé. O homem normal sente a dor, protesta e irrita-se mais ou menos, conforme o seu temperamento particular, mas a sua irritação não excede um certo limite. O homem anormal — se a sua anormalidade é dessa ordem, bem entendido —, irrita-se violentamente e ou descompõe o pisador com uma excessividade que o caso não justifica, ou até, e sem mais, se atira ao ofendente. Aqui a anormalidade consiste no excesso de irritação sentido, mas, admitido esse excesso de irritação, a violência está perfeitamente de acordo com ele, porque o homem normal, se tivesse sentido esse excesso de irritação, agiria do mesmo modo. Suponhamos, porém, que o indivíduo pisado se irrita, cala a sua irritação, fixa o indivíduo que o pisou, e segue meditando naquilo, chegando por fim a construir dentro de si uma longa história em que o transeunte casual é emissário de determinados inimigos seus que o encarregam de lhe pisar o pé para lhe escangalhar o dia ou para o molestar Aqui a reacção ao estímulo exterior está inteiramente fora de conformidade com o estímulo.
Estou-me referindo, é claro, a um tipo especial de loucura. O pisado pode ser louco e reagir simplesmente como um homem normal, ou como o homem simplesmente anormal; é que a sua loucura não é de espécie a reagir loucamente num caso destes.
No caso dessa mulher, o que faria uma mulher normal? Procuraria obter a carta por um meio normal; falhando isso, desistiria de a obter e ou confiava que nada resultasse, ou se resignava ao destino que lhe caíra em cima: poderia, até, numa exaltação temporária, fugir ou suicidar-se. Seria um episódio anormal dentro da normalidade, mas a anormalidade viria das circunstâncias, não da pessoa.
»No caso dessa mulher, o que faria uma mulher anormal? Dada a gravidade do caso, agiria de um modo extravagante e anormal, mas consentâneo com a sua perturbação. Em outras palavras, agiria como uma mulher normal, mas excessivamente. Ou fugiria ou se mataria logo, antes mesmo de ver nitidamente o desastre; ou tentaria obter a carta por artes de fascinação e sedução, arranjadas lá como entendesse e sob a pressão da gravidade do assunto; ou roubaria a carta por um golpe de audácia arriscado; ou ministraria qualquer droga ao marido, para lhe tirar as chaves do cofre e roubar a carta. Reagiria como uma pessoa normal, apenas com mais audácia, com mais tensão, ou mais subtileza.
»No caso dessa mulher, o que faria uma mulher louca? No caso da loucura de depressão, não faria nada. No caso da loucura de perturbação, ou endoideceria mais, ou endoideceria de vez, se não estivesse ainda plenamente louca; no caso da loucura lúcida, procuraria ou complicar o assunto por qualquer estratagema absurdo e prolixo, ou procuraria roubar a carta por qualquer estratagema extravagante mas banal. Mas banal, meu caro Guedes: chamo a sua atenção para isso. A manha do louco é complexa, subtil, mas sem originalidade. Isto vê-se bem nas composições literárias dos alienados: são extravagantes de ideias ou de expressão, mas, no fundo, duma grande banalidade. E assim se compreende que deva ser; é nas esferas mentais superiores que se elabora a originalidade, e são precisamente as esferas mentais superiores que são atrasadas pela loucura. Restam as esferas mentais inferiores, cuja actividade é puramente imitativa.
— Mas então, doutor...
— Exactamente... Você vai dizer que o acto desta mulher não está em nenhum dos três casos, que nem é o acto de uma mulher normal, nem de uma mulher anormal, nem de uma mulher louca.
— Exactamente, mas então que diabo...
—Ora é esse mesmo o ponto que eu quis tornar claro — que o acto desta mulher não está conforme com nenhum dos três tipos de mentalidade humana. É anormal num outro sentido — no sentido lógico, e não psicológico, por assim dizer.
Quaresma reacendeu o charuto, enquanto o Guedes não tirava dele a expressão atenta dos olhos.
— Se esta mulher procedeu de uma maneira que se não conforma com nenhum dos três tipos de mentalidade humana, é que está presentemente fora desses três tipos. Quer isto dizer que está em qualquer ponto intermédio entre dois desses tipos. Ora quais são os característicos distintivos do processo que ela empregou para roubar a carta? São, evidentemente, a extravagância desnecessária, e a perfeita habilidade ou manha com que essa extravagância foi posta em prática. A extravagância desnecessária é o característico do acto normal. A habilidade, ou manha, pode ser característico da normalidade ou da loucura. Em ambos os casos, porém, a manha é banal; e aqui a manha foi banal; a extravagância está no processo, pois a habilidade com que ele foi posto em prática não sai da banalidade. Chamo a sua atenção para este facto: a habilidade em levar o marido a sair com ela nesse dia, o aparato todo de pôr a carta em cima da mesa, recomendar cuidado à criada, e tudo o mais, são actos de manha banal; simplesmente se ajustam a um processo anormal fundamental. Mas a manha banal do indivíduo normal e a manha banal do louco diferem num ponto: a manha banal do normal é banal porque o normal usa processos banais, e por isso os põe em prática banalmente; a manha do louco é banal porque a ruína mental lhe não permite o emprego da originalidade. E a manha do louco ajusta-se sempre a processos loucos ou a motivos loucos. Aqui temos, pois, ou uma manha banal juntando-se a um processo anormal, ou uma manha de louco juntando-se a um processo anormal. Ora a manha é um emprego da inteligência, e o emprego da inteligência difere, do homem normal para o louco, em que no louco ela serve apenas para dar expressão à loucura, ao passo que no homem normal ela é não só expressiva mas inibitiva, pois são essas, salvo no louco — onde a inibição acabou —, as duas funções da inteligência. Se, portanto, a manha desta mulher fosse normal, o primeiro resultado seria rejeitar o processo extravagante de roubar a carta, inibir o impulso que sugeria que ela a roubasse assim. Como não foi isto que sucedeu, como a manha foi expressiva e não inibitiva também, verificamos que o acto desta mulher é um acto de uma pessoa que está no ponto intermédio entre a anormalidade e a loucura.
»Ora, meu caro Guedes, não há classe mental intermédia entre a anormalidade e a loucura.
— Bonito! — exclamou o Guedes. — Esse último bocado é que está claríssimo!
— Vai ver que está — respondeu Quaresma, rindo. — Não há classe intermédia entre a anormalidade e a loucura, porque não há ponto fixo entre as duas. O espaço entre as duas é dinâmico e não estático. Estar entre a anormalidade e a loucura, não quer dizer estar entre a anormalidade e a loucura: quer dizer estar passando da anormalidade para a loucura. Este facto, meu caro Guedes, é o último acto racional dessa pobre mulher. Em qualquer caso, a paranóia seria inevitável, mas creio que este incidente da carta a fará eclodir mais cedo. O mais grave do caso é o êxito do roubo.
— Essa é boa! Porquê?
— Porque vai intensificar a exagerada autofilia, que é um dos fenómenos mentais onde a paranóia assenta. Essa mulher está hoje cheia de júbilo do que conseguiu fazer. Sente-se superior a todos na família. A sua tendência para mandar e dominar vai agravar-se de hoje em diante. Essa maior pressão de domínio vai levantar oposições — brandas ou não, mas vai levantá-las. Gradualmente a vida familiar se irá tornando mais difícil; essas oposições e resistências, por brandas que sejam, ir-se-ão acentuando, e sobretudo se irão acentuando para aquela alma concentrada em si mesma. Ela apertará mais a pressão; as resistências aumentarão, por brandas que sempre sejam. Então essa mulher sentirá que tem em seu torno só inimigos. Entrará a pensar o que é que eles lhe quererão fazer. E a paranóia entrará então na fase persecutória. Em outras palavras, a loucura estará declarada.
— É uma felicidade para a família, não haja dúvida! — disse o Sr. Guedes. — O que vale é que a metem num manicómio e pronto.
— Não é tão pronto como você julga. Em primeiro lugar, na paranóia não se dá com a cabeça nas paredes, nem se dizem disparates. O espírito, centralmente viciado, está perfeitamente lúcido na sua superfície; o raciocínio, sobretudo, por onde a maioria dos leigos mede a loucura, estará intacto. Simplesmente, raciocinará sempre sobre dados falsos, provenientes de um estado alucinatório central. Ela irá para um manicómio, sim, depois de exame clínico que se seguirá ao assassínio que ela praticar, ou (oxalá que assim seja) apenas tentar praticar.
— O quê? O doutor prevê que ela tente matar alguém?
— Tenho a certeza absoluta. A força da mentalidade dela, a habilidade real que ela tem são os característicos, não do simples perseguido, mas do perseguido-perseguidor, isto é, do perseguido criminoso. Repare você: o espírito dela continuará lúcido, a manha perfeitamente de saúde. Ora imagine você uma criatura que engendrou este roubo da carta a aplicar essa mesma manha a assassinar alguém.
O Chefe Guedes passou a mão pela testa.
— Caramba! — disse. — É animador. E em quem esse diabo dá o tiro?
— Não dá tiro nenhum. A arma será o veneno.
— A mais simpática de todas... Arre!... E porquê o veneno, ó doutor?
— Você compreende: uma coisa é a mentalidade típica do louco, neste caso a da paranóia, noutra coisa são as qualidades temperamentais da pessoa, independentemente da sua loucura e das qualidades especiais provenientes dessa loucura. Assim como há loucos altos e baixos, louros e morenos, assim há loucos violentos por temperamento, e loucos astutos por temperamento. Evidentemente, que a operação da loucura, sendo em uns e outros idêntica quanto aos resultados gerais, atingirá esses resultados gerais por meios provenientes do temperamento particular de cada louco. Esta mulher tem a mentalidade que acabará na paranóia de perseguido-perseguido. Por esse lado a sua mentalidade levá-la-á ao assassínio, de mais a mais que a sua dureza, a sua frieza, naturais, intensificam a amoralidade desse tipo de loucura. Mas, e à parte isso, ela é por temperamento, não uma expansiva e violenta, como poderia ser, mas uma concentrada e astuta. Este próprio caso da carta no-lo mostrou suficientemente. Quando ela, portanto, chegar ao ponto de loucura necessário para querer matar, para achar necessário matar (lá segundo a mentalidade dela), ela buscará o modo de matar consentâneo com a astúcia e a subtileza, e esse modo é o veneno, que ela obterá com grande facilidade, dada essa mesma astúcia. Acresce que, sendo mulher, tenderia já, por sexo, para as formas de crime características desse sexo, e o veneno, a droga, é a arma que mais facilmente ocorre ao sexo astuto.
— E quem envenenará ela, doutor? O seu raciocínio pode chegar até aí?...
— Não sei bem se chega, Guedes. Mas quero crer que posso ir até aí. Deve envenenar o marido... Creio bem que sendo quase fatal a conclusão de que ela chegará ao assassínio é de concluir que matará o marido. Vejamos bem. É ao marido que ela esta ligada e portanto no marido que ela verá a maior oposição para começar a imaginar inimizades. É libertando-se do marido que ela se sentirá livre. É ao marido a quem ela mais domina e em cuja resistência sentirá mais viva a inimizade suposta. As resistências alheias — da criada, do próprio petiz, de quem quer que mais seja — ela as atribuirá a manobras do marido. Além disso ela não gosta dele. Tudo isso se concentrará num propósito firme que, não tenho dúvida nenhuma, ela executará com uma grande segurança e firmeza. A paranóia não prejudica os movimentos mentais...


Temos, pois, que a uma certa altura da civilização há de haver uma desadaptação da sensibilidade ao meio, que consiste dos seus estímulos — uma falência portanto. Dá-se isso na nossa época, cuja incapacidade de criar grandes valores deriva dessa desadaptação. A desadaptação não foi grande no primeiro período da nossa civilização, da Renascença ao século XVIII, em que os estímulos da sensibilidade eram sobretudo de ordem cultural, porque esses estímulos, por sua própria natureza, eram de progresso lento, e atingiam a princípio apenas as camadas superiores da sociedade. Acentuou-se a desadaptação no segundo período, que parte da Revolução para o século XIX, e em que os estímulos são já sobretudo políticos, onde a progressão é facilmente maior e o alcance do estímulo muito mais vasto. Cresceu a desadaptação vertiginosamente no período desde meados do século XIX à nossa época, em que o estímulo, sendo as criações da ciência, produz já uma rapidez de desenvolvimento que deixa atrás os progressos da sensibilidade, e, nas aplicações práticas da ciência, atinge toda a sociedade. Assim se chega à enorme desproporção entre o termo presente da progressão geométrica dos estímulos da sensibilidade e o termo correspondente da progressão aritmética da própria sensibilidade.
Daí a desadaptação, a incapacidade criativa da nossa época. Temos, portanto, um dilema: ou morte da civilização, ou adaptação artificial, visto que a natural, a instintiva faliu. Para que a civilização não morra, proclamo, portanto em segundo lugar,A Necessidade da Adaptação Artificial


A loucura chamada afirmar, a doença chamada crer, a infâmia chamada ser feliz — tudo isto cheira a mundo, sabe à triste coisa que é a terra. Sê indiferente. Ama o poente e o amanhecer, porque não há utilidade, nem para ti, em amá-los.(...) O resto é a vida que nos deixa, a chama que morre no nosso olhar, a púrpura gasta antes de a vestirmos, a lua que vela o nosso abandono, as estrelas que estendem o seu silêncio sobre a nossa hora de desengano. Assídua a mágoa estéril e amiga que nos aperta ao peito com amor.(Meu destino é a decadência.)

Não me apetece viver nem morrer. Não haverá qualquer coisa de intermédio??
Sinto um vazio improfícuo, estéril... Vagueio pela vida sem rumo.

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