Viver e morrer...
Por vezes, interrogo-me: o que faço eu aqui? O que continuo a fazer aqui??
O dia dois de julho ficou gravado, para sempre, na minha memória. Sofri a morte de sophia de um modo tão intenso que, na escola, me davam, ironicamente, os sentimentos. Que gentinha menor: além da incontornável e obrigatória voz do sangue, não conhecem outras vozes, outros afetos, outras carências...
Quando eu morrer voltarei para buscar Os instantes que não vivi junto do mar. Não consigo ter a crença de sophia, mas, no dia 2 de junho, gosto de ir para junto do mar à procura de instantes...
Dei-te a solidão do dia inteiro./ Na praia deserta, brincando com a areia, / No silêncio que apenas quebrava a maré cheia / A gritar o seu eterno insulto, / Longamente esperei que o teu vulto / Rompesse o nevoeiro.
Apesar das ruínas e da morte,
Onde sempre acabou cada ilusão,
A força dos meus sonhos é tão forte,
Que de tudo renasce a exaltação
E nunca as minhas mãos ficam vazias.
Mesmo que eu morra o poema encontrará Uma praia onde quebrar as suas ondas E entre quatro paredes densas De funda e devorada solidão Alguém seu próprio ser confundirá com o poema do tempo
Quando o meu corpo apodrecer e eu for morta
Continuará o jardim, o céu e o mar,
E como hoje igualmente hão-de bailar
As quatro estações à minha porta.
Outros em Abril passarão no pomar
Em que eu tantas vezes passei,
Haverá longos poentes sobre o mar,
Outros amarão as coisas que eu amei.
Olhei para dentro de mim e vi-me no momento em que recebi a notícia da morte de sophia, a minha poetisa ( ou poeta, como ela teria preferido). Soltaram-se-me as lágrimas, mas não chorei... Foram lágrimas incontroláveis que os olhos não conseguiam reter... Viveria, na época, um momento muito frágil? Talvez. Não recordo nada: só as lágrimas que se me impunham , vindas não sei de onde, apesar de não estar a chorar...
Esperança e desespero de alimento
Me servem neste dia em que te espero
E já não sei se quero ou se não quero
Tão longe de razões é meu tormento.
Mas como usar amor de entendimento?
Daquilo que te peço desespero
Ainda que mo dês - pois o que eu quero
Ninguém o dá senão por um momento.
Mas como és belo, amor, de não durares,
De ser tão breve e fundo o teu engano,
E de eu te possuir sem tu te dares.
Amor perfeito dado a um ser humano:
Também morre o florir de mil pomares
E se quebram as ondas no oceano
Os três conceitos instintivos que o homem tem perante a morte, conceitos simultâneos e diferentes: (1) o de morrer é horroroso, uma espécie de estar inconsciente conscientemente, de ser enterrado vivo; (2) o de morrer é acabar, deixar isto tudo, a tudo indiferente (ir fazer tijolo, na frase completa na negação popular); (3) o de que morrer é nada, episódio numa vida maior, no impulso orgânico que, em seu sentir‑se, transcende o poder sentir‑se acabar. Daqui deriva uma complicação moral no homem, ou, antes, a formação nele de morais diferentes, unificadas apenas, num duplo impulso de repulsa pela morte e inconsciência do ideal, pela predominância centralizadora do instinto.
A vida é o dia de hoje,
a vida é ai que mal soa,
a vida é sombra que foge,
a vida é nuvem que voa;
a vida é sonho tão leve
que se desfaz como a neve
e como o fumo se esvai:
A vida dura um momento,
mais leve que o pensamento,
a vida leva-a o vento,
a vida é folha que cai!
A vida é flor na corrente,
a vida é sopro suave,
a vida é estrela cadente,
voa mais leve que a ave:
Nuvem que o vento nos ares,
onda que o vento nos mares
uma após outra lançou,
a vida – pena caída
da asa de ave ferida -
de vale em vale impelida,
a vida o vento a levou!
Ouve-se a declamar este poema ,numa festa do colégio...O modo suspirado como entoava o último verso ainda ecoa dentro de si e provoca-lhe um sorriso...
Dia após dia a mesma vida é a mesma. O que decorre, Lídia, No que nós somos como em que não somos Igualmente decorre. Colhido, o fruto deperece; e cai Nunca sendo colhido. Igual é o fado, quer o procuremos, Quer o esperemos. Sorte Hoje, Destino sempre, e nesta ou nessa Forma alheio e invencível.
A Incapacidade de suportar a vida sozinho não implica incapacidade de viver, pelo contrário; até é improvável que eu saiba viver com alguém, mas sozinho não consigo aguentar o assalto da minha própria vida, as exigências da minha pessoa, os ataques do tempo e da idade, a vaga pressão do desejo de escrever, a insónia, a proximidade da loucura — não consigo aguentar isto só. Tenho de estar só muito tempo. O que consegui fazer foi apenas o resultado de estar só. Odeio tudo o que não se relacione com a literatura, as conversas aborrecem-me (mesmo quando são sobre literatura), fazer visitas aborrece-me, as mágoas e as alegrias das pessoas da minha família aborrecem-me até ao fundo da alma. As conversas, a importância, a seriedade, a verdade de tudo o que penso.
Ela não existe, não está, apenas é ...Paira num espaço sem tempo e num tempo sem espaço. Há muito que deixou de viver no mundo dos outros...
E não basta então a mulher que amamos, nem os filhos- os que nos vão sobreviver no tempo –e é preciso sair, e não basta sair para a rua e correr, é preciso sair dos ossos, fugir ao obrigatório, à casa ,encontrar dentro dos bolsos o bocado de uma carta, um mapa, fragmento que possa reconstruir o caminho para a casa da infância, onde Deus era chocolate e o resolvíamos, assim, de uma vez, porque o comíamos, Porque mais tarde crescemos e ganhamos dinheiro, família, e alguns outros assuntos, mas perdemos qualquer coisa de que é impossível falar, de que não sabemos falar. E é por tudo isso ,e por quase tudo o que faltou dizer, é por isso que é bom, por vezes, suspender a noite e o coração,/e obrigar o cérebro à paragem surpreendente. É por isso que é bom, por vezes, ocuparmos o corpo no acto de sentar, e pedir, então, à arte, à literatura, ao teatro, que nos salve, por enquanto, antes de morrermos.
Nunca busquei viver a minha vida A minha vida viveu-se sem que eu quisesse ou não quisesse. Só quis ver como se não tivesse alma Só quis ver como se fosse eterno.
Há uma certa fraqueza, uma falha em mim que é suficientemente clara e distinta mas difícil de descrever: é uma mistura de timidez, reserva, verbosidade, tibieza; pretendo com isto caracterizar qualquer coisa de específico, um grupo de fraquezas que sob um certo aspeto constituem uma única fraqueza claramente definida … Esta fraqueza impede-me de enlouquecer, eu cultivo-a; com medo da loucura, sacrifico toda a ascensão que eu poderia fazer e perderei de certeza o negócio, porque não é possível fazerem-se negócios nesta esfera. A menos que a sonolência não se misture e, com o seu trabalho diurno e noturno, não quebre todos os obstáculos e não prepare o caminho. Mas nesse caso serei apanhado pela loucura — porque para se fazer uma ascensão é preciso querer-se e eu não queria.
Ouvir é compreender, não quero ouvir mais nada; ler é compreender, não quero ler mais nada; falar é compreender, não quero falar mais nada...Ver é compreender, não quero ver mais nada. Tudo o que penso, tudo o que amo, tudo o que sou incomoda, incomoda , incomoda...Sou um estorvo... Acabo de formular a teoria definitiva da existência: ser é incomodar...morrer é deixar de incomodar.
Quando atingimos o limite da aceitabilidade do que andamos (ou não andamos...) cá a fazer, devíamos poder meter férias, licença sem vencimento, baixa – um desses mecanismos que nos livram do trabalho … Viver é chato, chato, chato: não é filosófico; não é erudito; não é literário, mas é verdade.
Apetece-lhe desaparecer, desintegrar-se e subir numa nuvem. Não, não quer morrer! Apetece-lhe despedir-se de si, deixar-se e ir, só corpo, só matéria, para o raio que a parta. Será um bom destino para uma não viagem: o raio que a parta. Na vida tudo a existiu. Nunca nada se materializou: não havia sonhos, não havia desejos, só um vazio preenchido por construções mentais, representações de momentos de felicidade que nunca chegaram a ser concretizados. Porque teria de ser assim? Porque nunca conseguiu viver como os outros? Porque nunca conseguiu, a não ser por breves momentos, ter uma vida, feliz ou infeliz, mas real, feita de acontecimentos que aconteceram? Está cansada deste eu, da loucura e do nada. Subitamente, não é capaz de aceitar a sua própria loucura e o nada deixou de ser um nada nada, para se transformar num nada que, momentânea e ilusoriamente, julgou poder ser tudo. Uma ilusão que a tornou numa espécie de marioneta, manipulada por um ser invisível que, paradoxalmente, não imagina, nem deseja, o papel de manipulador. Sente-se como personagem secundária de um romance que nunca foi escrito. Se, ao menos, fosse a protagonista...
I can't see the end of me My whole expanse I cannot see I formulate infinity And store it deep inside me I formulate infinity And store it deep inside me...
Valer ou não valer a pena...
Acontece-me às vezes, e sempre que acontece é quase de repente, surgir-me no meio das sensações um cansaço tão terrível da vida que não há sequer hipótese de acto com que dominá-lo. Para o remediar o suicídio parece incerto, a morte, mesmo suposta a inconsciência, ainda pouco. É um cansaço que ambiciona, não o deixar de existir — o que pode ser ou pode não ser possível —, mas uma coisa muito mais horrorosa e profunda, o deixar de sequer ter existido, o que não há maneira de poder ser.
Existe apenas um único problema filosófico realmente sério: o suicídio. Julgar se a vida vale ou não a pena ser vivida significa responder à questão fundamental da filosofia.
Antes de deixar a vida por vontade própria e livre, com a minha mente lúcida, imponho-me última obrigação; dar um carinhoso agradecimento a este maravilhoso país que é o Brasil, que me propiciou, a mim e ao meu trabalho,uma tão gentil e hospitaleira guarida. A cada dia aprendi a amar este país mais e mais e em parte alguma poderia eu reconstruir a minha vida, agora que o mundo de minha língua está perdido e o meu lar espiritual, a Europa, autodestruído. Depois dos 60 anos são necessárias forças incomuns para começar tudo de novo. Aquelas que possuo foram exauridas nestes longos anos de desamparadas peregrinações. Assim... achei melhor concluir uma vida na qual o labor intelectual foi a mais pura alegria e a liberdade pessoal o mais precioso bem sobre a Terra. Saúdo todos os meus amigos. Que lhes seja dado ver a aurora desta longa noite.
Eu, demasiadamente impaciente, vou-me antes.
Stefan zweig achou que não valia a pena...
O impulso suicida resultará,talvez, de não se conseguir imaginar sísifo feliz... É o culminar de um cansaço insuperável, resultante de uma luta entre um crer e um descrer que se eterniza, sugando a alma, corroendo-a, como se se ingerisse diariamente uma pequena dose de um veneno letal.
O mundo, assim como está, não é suportável. Por conseguinte, preciso da lua ou da felicidade, ou da imortalidade, de qualquer coisa que seja loucura, talvez, mas que não pertença a este mundo.
Mal sei como conduzir-me na vida Com este mal-estar a fazer-me pregas na alma! Se ao menos endoidecesse deveras! Mas não: é este estar entre, Este quase,Este poder ser que...Isto.Um internado num manicómio é, ao menos, alguém, Eu sou um internado num manicómio sem manicómio. Estou doido a frio, Estou lúcido e louco, Estou alheio a tudo e igual a todos: Estou dormindo desperto com sonhos que são loucura Porque não são sonhos.Estou assim...
A sua loucura sempre conseguiu gerir os seus próprios limites, conseguiam conviver tranquilamente: ela, a loucura e o nada. Subitamente, nem ela é capaz de aceitar a sua própria loucura e o nada deixou de ser um nada nada, para se transformar num nada que, momentânea e ilusoriamente, julgou poder ser tudo. É estranho, sente-se ponto de chegada e ponto de partida de emoções que não existem, existindo, e ela, que só estava habituada a sentir o nada, não sabe o que fazer, perdida numa encruzilhada,intuindo que qualquer caminho termina num abismo.Tem medo, muito medo. Medo de um abismo que a atrai perigosamente...
Shana ofmbio,
Geo enfinter ounos blas lico fream, maria kai eu kai Ela n liamgo te, nur m shanam semul...
Deci gopar allsem...
Toama m gopa thies wormun. Witer misau me? nsci, buse nohic lttar , latar. soap worver s sen wriscri hehic ...
mopyt bjum juit blaster bono , siten rdi irim pugun as ... blablablabla...
Blaspää, shana ofmbio. Blaspää. Tchanvale, tchanvale...m
PS -Liglu aeter seepa du seevid...
A vida prática sempre me pareceu o menos cómodo dos suicídios. Agir foi sempre para mim a condenação violenta do sonho injustamente condenado. Ter influência no mundo exterior, alterar coisas, transpor entes, influir em gente — tudo isto pareceu-me sempre de uma substância mais nebulosa que a dos meus devaneios. A futilidade imanente de todas as formas da acção foi, desde a minha infância, uma das medidas mais queridas do meu desapego até de mim. Agir é reagir contra si próprio. Influenciar é sair de casa. Sempre meditei como era absurdo que, onde a realidade substancial é uma série de sensações, houvesse coisas tão complicadamente simples como comércios, indústrias, relações sociais e familiares, tão desoladoramente incompreensíveis perante a atitude interior da alma para com a ideia de verdade.
Paguei o bilhete. Cumpri o dever. Sou vulgar.E tudo isto são coisas que nem o suicídio cura.
Meu querido Amigo. A menos de um milagre, na próxima segunda-feira..., o seu Mário de Sá-Carneiro tomará uma forte dose de estricnina e desaparecerá deste mundo. É assim tal e qual – mas custa-me tanto escrever esta carta pelo ridículo que sempre encontrei nas «cartas de despedida»... Não vale a pena lastimar-me, meu querido Fernando: afinal tenho o que quero:o que tanto sempre quis – e eu, em verdade, já não fazia nada por aqui... Já dera o que tinha a dar. Eu não me mato por coisa nenhuma: eu mato-me porque me coloquei pelas circunstâncias –ou melhor: fui colocado por elas, numa áurea temeridade – numa situação para a qual, a meus olhos, não há outra saída. Antes assim. É a única maneira de fazer o que devo fazer.
Sá - carneiro também achou que não valia a pena...
Não venhas sentar-te à minha frente, nem a meu lado; Não venhas falar, nem sorrir. Estou cansado de tudo, estou cansado E quero só dormir. Dormir até acordado, sonhando Ou até sem sonhar, Mas envolto num vago abandono brando A não ter que pensar. Nunca soube querer, nunca soube sentir, até Pensar não foi certo em mim. Deitei fora entre ortigas o que era a minha fé, Escrevi numa página em branco, «Fim». As princesas incógnitas ficaram desconhecidas , Os tronos prometidos não tiveram carpinteiro Acumulei em mim um milhão difuso de vidas, Mas nunca encontrei parceiro. Por isso, se vieres, não te sentes a meu lado, nem fales, Só quero dormir, uma morte que seja Uma coisa que me não rale nem com que tu te rales — Que ninguém deseja nem não deseja. Pus o meu Deus no prego. Embrulhei em papel pardo As esperanças e ambições que tive, E hoje sou apenas um suicídio tardo, Um desejo de dormir que ainda vive. Mas dormir a valer, sem dignificação nenhuma, Como um barco abandonado, Que naufraga sozinho entre as trevas e a bruma Sem se lhe saber o passado. E o comandante do navio que segue deveras Entrevê na distância do mar O fim do último representante das galeras, Que não sabia nadar.
A morte é a curva da estrada, Morrer é só não ser visto.
A morte chega cedo,
Pois breve é toda vida
O instante é o arremedo
De uma coisa perdida.
O amor foi começado,
O ideal não acabou,
E quem tenha alcançado
Não sabe o que alcançou
Verrà la morte e avrà i tuoi occhi- questa morte che ci accompagna dal mattino alla sera, insonne, sorda, come un vecchio rimorso o un vizio assurdo. I tuoi occhi saranno una vana parola, un grido taciuto, un silenzio. Così li vedi ogni mattina quando su te sola ti pieghi nello specchio. O cara speranza, quel giorno sapremo anche noi che sei la vita e sei il nulla Per tutti la morte ha uno sguardo. Verrà la morte e avrà i tuoi occhi. Sarà come smettere un vizio, come vedere nello specchio riemergere un viso morto, come ascoltare un labbro chiuso. Scenderemo nel gorgo muti.
A tragédia principal da minha vida é, como todas as tragédias, uma ironia do Destino. Repugno a vida real como uma condenação; repugno o sonho como uma libertação ignóbil. Mas vivo o mais sórdido e o mais quotidiano da vida real; e vivo o mais intenso e o mais constante do sonho. Sou como um escravo que se embebeda à sesta — duas misérias em um corpo só. Sim, vejo nitidamente, com a clareza com [que] os relâmpagos da razão destacam do negrume da vida os objectos próximos que no-la formam, o que há de vil, de lasso, de deixado e factício, nesta Rua dos Douradores que me é a vida inteira — Mas vejo também que fugir a isto seria ou dominá-lo ou repudiá-lo, e eu nem o domino, porque o não excedo adentro do real, nem o repudio, porque, sonhe o que sonhe, fico sempre onde estou. E o sonho, a vergonha de fugir para mim, a cobardia de ter como vida aquele lixo da alma que os outros têm só no sono, na figura da morte com que ressonam, na calma com que parecem vegetais progredidos! Não poder ter um gesto nobre que não seja de portas adentro, nem um desejo inútil que não seja deveras inútil! Definiu César toda a figura da ambição quando disse aquelas palavras: «Antes o primeiro na aldeia do que o segundo em Roma!» Eu não sou nada nem na aldeia nem em Roma nenhuma. Ao menos, o merceeiro da esquina é respeitado da Rua da Assunção até à Rua da Vitória; é o César de um quarteirão. Eu superior a ele? Em quê, se o nada não comporta superioridade, nem inferioridade, nem comparação? É César de todo um quarteirão e as mulheres gostam dele condignamente. E assim arrasto a fazer o que não quero, e a sonhar o que não posso ter, a minha vida , absurda como um relógio público parado. Aquela sensibilidade ténue, mas firme, o sonho longo mas consciente que forma no seu conjunto o meu privilégio de penumbra.
Creio que irei morrer. Mas o sentido de morrer não me ocorre, Lembra-me que morrer não deve ter sentido. Isto de viver e morrer são classificações como as das plantas. Que folhas ou que flores tem uma classificação? Que vida tem a vida ou que morte a morte? Tudo são termos nada se define. A única diferença é um contorno, uma paragem, uma cor que destinge, uma (...)...mas o Universo existe mesmo sem o Universo.
Esta verdade capital é falsa só quando é dita.
O que esperar de um romance que começa e acaba com a aglutinação, pretensamente interessante:“Filhusdumagrandíssima”??
― Que porra, quem terá feito isto? ― balbuciou, contendo a náusea.
― Sei lá? ― disse o puto. ― Porque me chateia a mim, que culpa tenho eu? Agradeça por eu ter avisado.
― Não é contigo, ó puto ― murmurou Lituma. Só estou a chatear porque parece mentira que haja no mundo gente tão perversa.
O puto deve ter apanhado o maior susto da sua vida nessa manhã, ao passar com as suas cabras por este pedregal e ao topar com semelhante espetáculo. Tinha-se portado como um cidadão exemplar, o puto. Deixou o rebanho a pastar pedras junto ao cadáver e correu para Talara a participar à polícia. Tinha mérito porque Talara estava no mínimo a uma hora a pé dali. Lituma recordou a sua cara suada e a sua voz escandalizada quando se apresentou à porta do Posto:
― Mataram um gajo, além, no caminho para Lobitos. Se quiserem, levo -os, mas agora mesmo. Deixei as cabras soltas e podem roubar-mas.
Mas nunca um amor lhe tinha parecido tão imperioso que valesse a pena arriscar por ele a vida...ou para desafiar por ele o mundo inteiro.Se calhar, a mim não me tocou nascer para sentir o que é o verdadeiro amor...Se calhar por ter passado a vida,de bordel em bordel, com os inconquistáveis, prostitui-se -me o coração e tornei-me incapaz de amar uma mulher...
Parafraseando o nível de língua deste romance, só me ocorre dizer: Porra para este realismo terceiromundista! Apesar de tudo, a história da estranha e inexplicável atração do tenente silva pela anafada d. adriana assume uma interessante eficácia narrativa... Divertiu-me a distinção entre as mulheres gordas-gordas e as gordas-bem constituídas, baseada no processo de apalpação...
Por vezes, interrogo-me: o que faço eu aqui? O que continuo a fazer aqui?
Calmarias e tormentas...
Quem és tu que assim vens pela noite adiante,
Pisando o luar branco dos caminhos,
Sob o rumor das folhas inspiradas?
A tua perfeição nasce do eco dos teus passos,
E a tua presença acorda a plenitude
A que as coisas tinham sido destinadas.
A história da noite é o gesto dos teus braços,
O ardor do vento a tua juventude,
E o teu andar é a beleza das estradas.
És tu a Primavera que eu esperava, A vida multiplicada e brilhante, Em que é pleno e perfeito cada instante!
Mãos Longas de desejo Frescas de abandono Consumidas de espanto Inquietas de tocar e não prender Pelas tuas mãos medi o mundo E na balança pura dos teus ombros Pesei o ouro do Sol e a palidez da Lua.
Sonho. Não sei quem sou neste momento.
Durmo sentindo-me. Na hora calma
Meu pensamento esquece o pensamento,
Minha alma não tem alma...
Estavas-me longe na alma,
Por isso eu não te via...
Presença em mim tão calma,
Que eu a não sentia.
Só quando meu ser te perdeu
Vi que não eras eu...
As ondas quebravam uma a uma. Eu estava só com a areia e com a espuma. Do mar que cantava só para mim.
...e as algas como molhados cabelos empastando o rosto morto das águas. Um som suave de rio largo, uma indecisa frescura aquática, uma saudade audível, oculta, um amarelo morto de movimento. Leves, leves as sombras calmas.
A noite era cheia daquelas pequenas nuvens muito brancas, que se destacam umas das outras. Vista através de uma ou outra delas, a Lua tinha em seu torno um halo azul, castanho e amarelo, com uns tons supostos de verde-vivo. Entre as árvores o céu era dum azul-negro profundíssimo, longínquo, irrevogável. As estrelas viam-se ora através das nuvens, ora, muito longe, mas entre elas. Uma saudade de coisas idas, de grandes passados da alma, talvez porque em reencarnações antigas, olhos nossos, no corpo físico, houvesse visto, este luar sobre florestas longínquas, quando selvática ainda, a alma infanta talvez pressentia, por uma memória em Deus ao contrário, no futuro das suas reencarnações, esta lua retrospectiva. E assim essas duas luas davam mãos de sombra por sobre a minha cabeça abatida.
Ah, que maravilha o dia amanhecendo...
E o mundo compreendeu E o dia amanheceu Em paz...
A tua carne calma
Presente não tem ser,
Os meus desejos são cansaços.
Quem querem ter nos braços
É a ideia de te ter.
Criemos a força calma. Temo-nos mostrado capazes de a ter em muita coisa. Mostremos que a sabemos ter em todas as coisas.
O êxtase do ar e a palavra do vento povoaram de ti meu pensamento.
Nicole acalmou,sentiu-se rejuvenescida e feliz;os seus pensamentos eram claros como o som de um sino - teve a sensação de estar curada e a percorrer um caminho novo. O seu ego começou a florescer como uma rosa esplêndida à medida que regressava aos labirintos onde vagueara durante anos. Detestava a praia, e todos os sítios onde orbitara em torno de Dick como um planeta em torno do sol... E, como uma criança feliz, ficou à espera que a sua autonomia chegasse completamente...
Manhã que raias sem olhar a mim, Sol que luzes sem querer saber de eu ver-te, É para mim que sois Reais e verdadeiros; Porque é na oposição ao que eu desejo Que sinto real a natureza e a vida. No que me nega sinto Que existe e eu sou pequeno. E nesta consciência torno a grande Como a onda, que as tormentas atiraram Ao alto ar, regressa Pesada a um mar mais fundo.
Ondas de aspiração que vãs morreis Sem mesmo o coração e alma atingir Do vosso sentimento; ondas de pranto, Não vos posso chorar,e em mim subis, Maré imensa rumorosa e surda, Para morrer na praia do limite Que a vida impõe ao Ser; ondas saudosas D'algum mar alto Aonde a praia seja Um sonho inútil, ou d'alguma terra Desconhecida mais que a eterna aura Do eterno sofrimento, e onde formas Dos olhos d'alma não imaginadas Vagam, essências lúcidas e (...) Esquecidas daquilo que chamamos Suspiro, lágrima, desolação; Ondas nas quais não posso visionar, Nem dentro em mim, em sonho, barco ou ilha, Nem esperança transitória, nem Ilusão nada da desilusão...
Para mim, se considero, pestes, tormentas, guerras são produtos da mesma força cega, operando uma vez através de micróbios inconscientes, outra vez através de raios e águas inconscientes, outra vez através de homens inconscientes. Um terramoto e um massacre não têm para mim diferença senão a que há entre assassinar com uma faca e assassinar com um punhal. O monstro imanente nas coisas tanto se serve — para o seu bem ou o seu mal, que, ao que parece, lhe são indiferentes — da deslocação de um pedregulho na altura ou da deslocação do ciúme ou da cobiça num coração. O pedregulho cai, e mata um homem; a cobiça ou o ciúme armam um braço e o braço mata um homem. Assim é o mundo, monturo de forças instintivas, que todavia brilha ao sol com tons palhetados de ouro claro e escuro.
Just like a ship out on the sea.
Em nome da tua ausência Construí com loucura uma grande casa branca E ao longo das paredes te chorei
O que eu queria dizer-te nesta tarde Nada tem de comum com as gaivotas.
Espero sempre por ti o dia inteiro, Quando na praia sobe, de cinza e oiro, O nevoeiro E há em todas as coisas o agoiro De uma fantástica vinda.
Tendo-me despido de todos os meus mantos
Tendo-me separado de adivinhos mágicos e deuses
Para ficar sozinha ante o silêncio
Ante o silêncio e o esplendor da tua face
Mas tu és de todos os ausentes o ausente
Nem o teu ombro me apoia nem a tua mão me toca
O meu coração desce as escadas do tempo em que não moras
E o teu encontro
São planícies e planícies de silêncio
Escura é a noite
Escura e transparente
Mas o teu rosto está para além do tempo opaco
E eu não habito os jardins do teu silêncio
Porque tu és de todos os ausentes o ausente
Este é um poema que gostaria de ter escrito...Um poema? O poema...
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