Prefiro Ulisses a Aquiles e a Eneias: três símbolos diferentes de heróis, de homens semidivinos( um conceito fascinante definidor dos ideais da antiguidade clássica). Ulisses, não me apetece escrever os epítetos em grego, embora os saiba ainda de cor, era " o dos mil expedientes" e “ o das palavras plenas de sentido”, o seu dom é a força da mente, o poder da persuasão; Aquiles, " o dos pés velozes"(apesar de, paradoxalmente, o seu ponto fraco ser o calcanhar),” o mais valente dos Aqueus”, representa a força física; Eneias é "o piedoso"(Convém, no entanto, recordar que a pietas,o atributo de Eneias, não coincide com o conceito cristão de "piedade"). Eneias será uma tentativa de conciliar , num só homem, os atributos de Ulisses e de Aquiles, um bom exemplo do traço mais peculiar dos romanos: a assimilação criadora da cultura grega. A Eneias, a sensibilidade de vergílio, muito mais poeta do que o inexistente homero, atribuiu a capacidade de se enternecer....e de enternecer leitores. Eneias é o homem corajoso, mas sensível, capaz de amar e até …de chorar. Um herói, um guerreiro, a chorar é uma prova inequívoca da liberdade de vergílio… Durante muito tempo, o seu preferido foi Eneias, pois não perdoava que Ulisses, para resistir ao canto das sereias, tivesse de se amarrar a um mastro do seu navio ( uma fraqueza inaceitável)...Embora,o espírito de missão de Eneias, que leva Dido ao suicídio, também lhe desagradasse. Aquiles nunca teve hipóteses, nem quando surgiu no écran como Brad Pitt… Como e porque transitou afetivamente , ela que é tão dada a fidelidades literárias, de Eneias para Ulisses? Há tantos Ulisses quantos os poetas que,depois de homero,o idealizaram.Na literatura portuguesa,fernando pessoa e sophia de mello breyner são os construtores do "seu" rei de Ítaca: aquele que sem existir me bastou e por não ter vindo foi vindo e me criou.; um símbolo da simbiose entre o agir e o pensar, um ideal de perfeição, da totalidade que o mundo contemporâneo fragmentou, no tempo dividido em que vivemos... Quantas vezes pensou que gostaria de imitar marguerite yourcenar e escrever As Memórias de Ulisses, reinventar, por entre as teias da lenda, o homem real que a literatura mitificou...Como gostaria de o redescobrir por entre os meandros da história e da ficção. Tal não será possível,pois, se se sente com coragem para o "honesto estudo", falta-lhe "engenho e arte":" Ai a dor de ser quase,dor sem fim"... Se houvesse duas helenas,não teria existido guerra de Tróia e o mundo não estaria, eterna e tragicamente, dividido: gregos e trioanos; cristãos e mouros; oeste e leste...os atentados têm uma única causa: só ter existido uma helena... este raciocínio é de uma irracionalidade perfeita, exemplar. Todos somos gregos; todos somos troianos: todos combatemos por uma helena. Quem a merece? menelau,a razão; páris,o amor?Sempre oscilei entre uns e outros, como toda a gente...Há momentos em que o racional é amar; noutros é exatamente o contrário. Qando eusébio morreu, a helena pomo da discórdia, foi um homem vulgar cuja aretê era o virtuosismo de um remate certeiro; herói à força, foi fiel a um clube porque ,tal como a milhares de portugueses, não lhe era dada hipótese de escolher... Nesta contenda, senti-me incondicionalmente grega, não me conseguindo identificar com os que, em nome de uma emoção postiça, reivindicam a bela helena. (Isto está demasiado confuso...) A que propósito estou a falar de gregos e troianos? Mais uma irracionalidade. Os meus estados de inebriamento são, regra geral, desencadeados por palavras... São estados de alma que vivencio através de ficções tornadas realidade...Há frases, ideias, pensamentos, reflexões, estruturas significativas, combinações de sons de uma tal perfeição que ecoam dentro de mim como se fossem melodias harmoniosas, cânticos celestiais, que me inebriam de um modo indizível, transportando-me para paraísos artificias... Um dia , numa das minhas piores turmas de sempre, terei repetido este verso com tal intensidade que se fez um silêncio mágico. Pela primeira vez, existiu cumplicidade intelectual e afetiva: foi um momento inebriante...Nas outras turma houve silêncio, nesta, o silêncio ouviu-se de modo nítido como uma sinfonia. Ofereci-lhes, como prémio, antes do fim da aula, o nessun dorma do jeff beck e... resultou...
A noite abre os seus ângulos de lua
E em todas as paredes te procuro
A noite ergue as suas esquinas azuis
E em todas as esquinas te procuro
A noite abre as suas praças solitárias
E em todas as solidões eu te procuro
Ao longo do rio a noite acende as suas luzes
Roxas verdes azuis.
Eu te procuro.
Admiro-o pela beleza. Admiro-o pela história de vida. Admiro-o pela serenidade. Admiro-o pela sensibilidade. Amo o homem que foi, lamento não amar, no mesmo grau, o poeta que é...Gosto muito de alguns poemas, mas não os amo,... A sua alma era preciosa demais; o seu sentir de uma tal espiritualidade que as palavras não foram suficientes...Registo alguns dos meus favoritos. Porquê? Tengo miedo a perder la maravilla de tus ojos de estatua...
Oye, hijo mío, el silencio. Es un silencio ondulado, un silencio, donde resbalan valles y ecos y que inclina las frentes hacia el suelo A las cinco de la tarde. Eran las cinco en punto de la tarde.
Amor de mis entrañas, viva muerte, en vano espero tu palabra escrita y pienso, con la flor que se marchita, que si vivo sin mí quiero perderte. El aire es inmortal. La piedra inerte ni conoce la sombra ni la evita. Corazón interior no necesita la miel helada que la luna vierte.
Pero yo te sufrí. Rasgué mis venas, tigre y paloma, sobre tu cintura en duelo de mordiscos y azucenas. Llena pues de palabras mi locura o déjame vivir en mi serena noche del alma para siempre oscura.
No te conoce nadie. No. Pero yo te canto.
Yo canto para luego tu perfil y tu gracia.
La madurez insigne de tu conocimiento.
Tu apetencia de muerte y el gusto de su boca.
La tristeza que tuvo tu valiente alegría.
Ni tú ni yo estamos en disposición de encontrarnos. Tú... por lo que ya sabes. ¡Yo la he querido tanto! Sigue esa veredita. En las manos tengo los agujeros de los clavos. ¿No ves cómo me estoy desangrando? No mires nunca atrás, vete despacio y reza como yo a San Cayetano, que ni tú ni yo estamos en disposición de encontrarnos.
La noche no quiere venir para que tú no vengas ni yo pueda ir. Pero yo iré aunque un sol de alacranes me coma la sien. Pero tú vendrás con la lengua quemada por la lluvia de sal. El día no quiere venir para que tú no vengas ni yo pueda ir. Pero yo iré entregando a los sapos mi mordido clavel. Pero tú vendrás por las turbias cloacas de la oscuridad. Ni la noche ni el día quieren venir para que por ti muera y tú mueras por mí.
Nadie comprendía el perfume de la oscura magnolia de tu vientre. Nadie sabía que martirizabas un colibrí de amor entre los dientes. Mil caballitos persas se dormían en la plaza con luna de tu frente, mientras que yo enlazaba cuatro noches tu cintura, enemiga de la nieve.(...) Siempre, siempre: jardín de mi agonía, tu cuerpo fugitivo para siempre, la sangre de tus venas en mi boca, tu boca ya sin luz para mi muerte.
Tú querías que yo te dijera el secreto de la primavera. Y yo soy para el secreto lo mismo que es el abeto. Árbol cuyos mil deditos señalan mil caminitos. Nunca te diré, amor mío, por qué corre lento el río. Pero pondré en mi voz estancada el cielo ceniza de tu mirada. ¡Dame vueltas, morenita! Ten cuidado con mis hojitas. Dame más vueltas alrededor, jugando a la noria del amor. ¡Ay! No puedo decirte, aunque quisiera, el secreto de la primavera.
Federico , José Antonio e ...
Say what you need to say Say what you need to, Say what you need to say...
Apesar da oposição ideológica, josé antónio primo de rivera e federico garcia lorca partilharam amizade, cumplicidade intelectual e gostos literários, numa ambiência epocal que implicava viver no limite entre o espontâneo e premeditado...
José antónio admirava federico,considerando que ele poderia vir a ser o poeta da Falange. Federico considerava josé antónio muito simpático: um homem forte, viril, determinado, com rosto de menino bom. Defendia que a sua atitude,apesar de muito contestada e contestável, era nobre e digna, não havendo um único republicano, por mais fanático que fosse ,que, intimamente, não o considerasse assim.
Lorca foi vítima de vinganças pessoais e do radicalismo dos sectores mais reacionários de granada... Três meses depois também josé antónio seria fuzilado no pátio da prisão de alicante.
Está claro que lo que se debatía en los campos de batalla no era el triunfo de la legalidad, la democracia, el sentido común o la inteligencia.
Lorca e josé antónio viveram com intensidade e generosidade, seduziam e cativavam todos os que os conheceram, morreram muito jovens, vítimas do ódio e da incompreensão , tendo sido transformados em mitos cristalizados ao serviço de ideologias antagónicas. Sem o saberem, ou talvez conscientes disso, cada vez que lorca e jose antonio partilhavam whisky no casablanca, leituras poéticas, tertúlias ou passeios inconfessáveis no chevrolet amarelo, estavam a construir uma nova espanha.
Federico, ¿no crees que con tus monos azules y nuestras camisas azules se podría hacer una España mejor?
Há, sem dúvida, amizades tão incómodas que a memória histórica considera prudente olvidar...
Mas o ídolo esbobeteado continua a ser ídolo ...Quero acreditar que adriano tem razão. Tem de ter. Quero que tenha.
Musas...
Se eu fosse artista, quem seria a minha musa?
I want to tell you My head is filled with things to say When you're here All those words they seem to slip away
Foi nesse tempo o tempo:
Longas tardes conversas demoradas
No extático fervor adolescente
Das grandes descobertas deslumbradas
Versos dança música pintura
Um mundo vivo em canto e em figura
Que a vida inteira ficará comigo
Agradecendo a graça do ter sido
Assim pudesse o tempo regressar
Recomeçarmos sempre como o mar
Morreu marianne, a musa de cohen...
Now so long, Marianne, it's time that we began to laugh and cry and cry and laugh about it all again.Oh so long, Marianne, it's time that we began .
Bem, Marianne, chegámos a este ponto em que somos tão velhos que os nossos corpos se desfazem; penso que te seguirei muito em breve. Quero que saibas que estou tão próximo de ti que, se estenderes a tua mão, creio que conseguirás tocar a minha. Sabes que sempre te amei pela tua beleza e sabedoria, mas não preciso de alongar-me, porque já sabes tudo isso. Quero apenas desejar-te boa viagem. Adeus, velha amiga. Com todo o amor, encontrar-te-ei pelo caminho.
Sempre não pode ser muito tempo, porque sempre é todo o tempo.
Os antigos invocavam as Musas.
Nós invocamo-nos a nós mesmos.
Não sei se as Musas apareciam —
Seria sem dúvida conforme o invocado e a invocação. —
Mas sei que nós não aparecemos.
Quantas vezes me tenho debruçado
Sobre o poço que me suponho
E balido «Ah!» para ouvir um eco,
E não tenho ouvido mais que o visto —
O vago alvor escuro com que a água resplandece
Lá na inutilidade do fundo...
Nenhum eco para mim...
Só vagamente uma cara,
Que deve ser a minha, por não poder ser de outro.
É uma coisa quase invisível,
Excepto como luminosamente vejo
Lá no fundo...
No silêncio e na luz falsa do fundo...
Que Musa!.
Destina-se esta secção à crítica dos maus livros e especialmente à crítica daqueles maus livros que toda a gente considera bons. O livro, consagrado por qualidades que não tem, do homem consagrado por qualidades com que outros o pintaram; o livro daquele que, tendo criado fama, se deitou a fingir que dormia; o livro do que entrou no palácio das Musas pela janela ou colheu a maçã da sabedoria com o auxílio dum escadote — tudo isto se pesará na Balança de Minerva.
Il y aura peut-être quelqu'idiot qui pourra penser que cette satire est indécente er qu elle est immorale. Ce serait le propre d'un idiot de penser ainsi; car les plus grands hommes de science ont aujourd'hui reconnu et constaté ce fait, que les idiots pensent bêtement, et qu'ils font de sottes choses. Dans cette satire il y a de la grossièreté énorme, três consciemment voulue. La littérature (...) des onanistes moraux, des gens sans sens moral, des (...) de la littérature augmente. La loi du (...) ne peut rien faire. II n'y a pas de mot - on le prévoit - pour classifier la bassesse et la lâcheté de ces crimes ordurières et bourgeoises. Un écrivain écrit pour l'humanité, pour ses semblables (?), pour Celui qui fait de la corruption, de la volupté (c'est leur mot favori), de la pornographie (...); celui qui jette au visage de l'humanité l'ordure de sa bassesse d'âme, (...) est un irresponsable, c’est un idiot moral à qui on devrait enlever le droit de voter, de prendre part aux choses publiques (...), même de disposer de leur propre avoir. Je hais la prostitution des rues, mais je sais que pire est celle des cervaux. La société veut faire (...) le progrès, et c'est triste que les dégénérés viennent mettre (...) Honte à celui qui trouvera cette satire amusante. Honi soit qui en rira!
Mas a sensibilidade do nosso Ricardo Reis é estrondosamente reumática. Faz festas à Musa, olhando para outro lado, pensando sei lá em quê. Não pesquisemos. E, aliás, nas festas de Ricardo Reis não há foguetes, porque a ode alcaica foi sempre uma pessoa sossegada. Nesta agitação interior da sensibilidade portuguesa, figuramos no texto nós dois, Caeiro e eu; o Fernando Pessoa é uma nota à margem, e o Ricardo Reis uma nota falsa. Da filosofia íntima de Ricardo Reis conclui-se que ele não espera nada da vida senão vinho e morte. É simples mas um pouco frio, pois não aquecemos o vinho, como os romanos. Este contemplar calmo e quase afectivo da esperança da mortalidade absoluta tem qualquer coisa de já morto. Um ente vivo deve ao menos revoltar-se por ter que morrer, a não ser que julgue que não morre. Mas o Ricardo Reis trata a mortalidade como se fosse a imortalidade e tem uma fé simples e confiante em coisa nenhuma. Os faquirs concentravam-se fitando um ponto qualquer sem importância; mas não se poderiam concentrar se fitassem o espaço despido. O Ricardo Reis consegue este faquirismo da sensibilidade: fita o Nada, sorri, e pede vinho. De vez em quando vira-se para o outro lado e pede que o coroem de rosas. Nos intervalos vira-se para o terceiro lado e diz «Chloe». Esta Chloe, que às vezes descamba em Lydia, é pranteada na ode do Livro 1 com um adjectivo no masculino.
Bem sei que em Caeiro há a mesma indiferença para com a morte. Mas Caeiro encara a morte como uma criança que ouviu falar dela; Ricardo Reis como um velho que a tem à porta. Nem um nem outro acredita na imortalidade, mas Caeiro não acredita porque não pensa, e Ricardo Reis não acredita porque não acredita em nada. Por isso a leitura de Caeiro, com mortalidade e tudo, anima e estimula como o sol e o céu, que também não acreditam na imortalidade, e pela mesma razão de Caeiro; e a leitura de Ricardo Reis desanima e desconsola - a ponto de chegar a estorvar, com um estrangulamento do nosso pobre coração, a verdadeira alegria estética que nos causa. Aquilo é belo como um belo cemitério. Admiramos e saímos logo. Quanto mais belo mais nos aflige. Por baixo, por contraste com a própria beleza, sente-se, como uma presença carnal às avessas, a realidade imaginável do Nada.
Este texto de campos, a satirizar a(s) musa(s) de reis é delicioso, verdadeiramente delicioso. Há muitos, muitos anos, fui musa inspiradora de um pianista...Gostei.
Gosto de mitos: dos que existem e dos que invento...
Tolkien: 1892-1973
Pessoa: 1888-1935
Mensagem -1934
O senhor dos anéis - 1954
O mytho é o nada que é tudo.
O mesmo sol que abre os céus
É um mytho brilhante e mudo -
O corpo morto de Deus,
Vivo e desnudo.
O mito é a única forma possível de expressar certas verdades transcendentes.
Será que Tolkien conheceu os versos de Pessoa?
Que eu saiba nunca ninguém fez o confronto entre estes dois homens que consideraram que só o mito nos permite surpreender a verdade escondida na realidade que nos é dado conhecer...
Tolkien e Pessoa foram incompreendidos porque o pensamento dominante considerava o mito algo que, intrinsecamente, se conhece como não verdadeiro...
Curiosamente, a religiosidade implícita na Mensagem também existe em O senhor dos anéis: Benedictus Dominus Deus noster qui dedit nobis signum / Sou cristão( o que se pode deduzir das minhas histórias) e católico romano.
Ambas as obras despertam a animosidade dos intelectuais, na época em que são publicadas;ambos os autores têm verdadeira paixão pelas palavras e pela língua; ambos transitam de homens para mitos...
Conheço, quase de cor, a Mensagem, nunca li O senhor dos anéis. Prometo que vou tentar...O interesse pelo homem vai levar-me até à obra...
O tempora,o mores...
(Deixei de saber o significado das palavras: mito, lenda,ícone vai tudo a eito. Hoje todo o nada é mito...)
«O mito é o nada que é tudo. /Este que aqui aportou,Foi por não ser existindo. Sem existir nos bastou.Por não ter vindo foi vindo E nos criou.»
Ser sem existir é a única forma de existência...inexistir é condição essencial da mitificação...
Guarda o segredo do meu amor.Que nem por sombras possam suspeitar Que todos os poemas que escrevi Os soubeste primeiro.Que fiz da tua imagem A imagem do mundo. E que nunca te vi ao natural Musa irreal..
( Que citação descontextualizada... Será?)
Bem podiam ter ficado pela ideia de milagre e apelidarem de santos todos os que fazem chorar multidões...ou, mal por mal, sempre tolerava or melh o epíteto quimera...
s.f. 1. Mit. Monstro fabuloso. Monstro mitológico com cabeça de leão, corpo de cabra e cauda de serpente. 2. Fig. Fantasia; produto da imaginação. 3. Zool. Peixe da ordem dos holocéfalos, que vive em águas profundas em todos os mares; pouco comum (compr.: 1 m).
Uma das palavras mais belas da língua portuguesa ser reduzida a isto...Devia ser proibido.Como pode haver quem respeite o dicionário?
Mitos do portugal que temos...
Será que não haverá algures um cantinho de mundo onde me possa exilar?
Fado e futebol. Que mais é preciso?
Assumo que este texto me desmerece, mas a irritação não é musa inspiradora...
Ulisses sem outra Ítaca além da interior...
Yo soy el dios poderoso
En el aire y en la tierra
Y en el ancho mar undoso
Y en cuanto el abismo encierra.
Nunca conocí qué es miedo,
Todo cuanto quiero puedo
Aunque quiera lo imposible,
Y en todo lo que es posible
Mando, quito, pongo y vedo.
Esfinges...
É certo que queremos a verdade: porque não antes a inverdade? E a incerteza? Até mesmo a ignorância? - O problema do valor da verdade interpôs-se à nossa frente - ou teremos sido nós a interpormo-nos à frente do problema? Qual de nós é aqui Édipo? Qual de nós esfinge?
A esfinge egípcia é uma criatura mítica representada como um leão estendido — animal com associações solares sagradas — com uma cabeça humana, usualmente a de um faraó. É um símbolo de poder...
A Grande Esfinge do Egipto sonha por este papel dentro...Escrevo - e ela aparece-me através da minha mão transparente E ao canto do papel erguem-se as pirâmides...Escrevo - perturbo-me de ver o bico da minha pena Ser o perfil do rei Quéops ...De repente paro... Escureceu tudo... Caio por um abismo feito de tempo...Estou soterrado sob as pirâmides a escrever versos à luz clara deste candeeiro E todo o Egipto me esmaga de alto através dos traços que faço com a pena... Ouço a Esfinge rir por dentro O som da minha pena a correr no papel...Atravessa o eu não poder vê-la uma mão enorme,Varre tudo para o canto do teto que fica por detrás de mim,E sobre o papel onde escrevo, entre ele e a pena que escreve Jaz o cadáver do rei Quéops, olhando-me com olhos muito abertos, E entre os nossos olhares que se cruzam corre o Nilo E uma alegria de barcos embandeirados erra Numa diagonal difusa Entre mim e o que eu penso... Funerais do rei Quéops em ouro velho e Mim! ..
Na tradição grega, a esfinge tem pernas de leão, asas de pássaro e o rosto de uma mulher. É um símbolo da impiedade e da traição...
Acordo-te de uma sonolência
de esfinge. Quem és? pergunto, em
que deserto procuraste o amor, e
que oásis se desfez nos teus
dedos, quando o tocaste?
Não penses no inverno
inexorável; e guarda o pássaro
de algures na gaiola da tua
alma, para que o seu canto
te alegre nas noites mais frias.
Todo en ti me conturba y todo en ti me engaña,
Todo en ti me es adverso, tu sonrisa me daña
como un hechizo, y en tu plática divina
por un campo de flores la falacia camina
fríamente cual una ponzoñosa alimaña.
Prefiro a esfinge grega, mesmo correndo o risco de ser estrangulada...
Sempre me atraiu,sem conseguir explicar porquê, este quadro de Khnopff. Já nem me recordo da primeira vez que o vi, em reprodução numa história de arte, mas fiquei presa a ele como uma condenação... Há coisas estranhas.
(To Marcel Schwob in friendship and in admiration)
Hidras ...
Ouvi contar que outrora, quando a Pérsia
Tinha não sei qual guerra,
Quando a invasão ardia na cidade
E as mulheres gritavam,
Dois jogadores de xadrez jogavam
O seu jogo contínuo
Quero ignorado, e calmo
Por ignorado, e próprio
Por calmo, encher meus dias
De não querer mais deles.
Louco, sim, louco, porque quis grandeza
Qual a Sorte a não dá.
Não coube em mim minha certeza;
Por isso onde o areal está
Ficou meu ser que houve, não o que há.
Mesmo que o jogo seja apenas sonho E não haja parceiro...O parceiro, apesar de inexistente, derrota-me sempre...
Ouvi contar que outrora...
Depois da conversa, sentíamo-nos tão contentes como se nos tivéssemos presenteado a nós mesmos. Esse estado de comunicação contínua chegou a tal exaltação que, no dia em que nada tínhamos a nos confiar, procurávamos, com alguma aflição, um assunto. Só que o assunto havia de ser grave, pois em qualquer um não caberia a veemência de uma sinceridade pela primeira vez experimentada...
Sereias...
Seres que encantam ,seduzem, desde homero, garrett, até kafka ou blanchot. Apeteceu-me revisitar textos há tanto tempo esquecidos...
Às Sereias, que todos os homens, que delas se aproximam, enfeitiçam,chegarás em primeiro lugar. Quem delas se acercar, insciente, e a voz ouvir das Sereias,ao lado desse homem nunca a mulher e os filhos estarão para se regozijarem com o seu regresso; mas as Sereias o enfeitiçam com seu límpido canto,sentadas num prado, e à sua volta estão amontoadas ossadas de homens decompostos e suas peles marcescentes.Prossegue caminho, pondo nos ouvidos dos companheiros cera doce, para que nenhum deles as oiça.Mas se tu próprio quiseres ouvir o canto, deixa que, na nau veloz, te amarrem as mãos e os pés enquanto estás de pé contra o mastro; e que as cordas sejam atadas ao mastro, para que te possas deleitar com a voz das duas Sereias. E se a eles ordenares que te libertem,então que te amarrem com mais cordas ainda.
Pescador da barca bela,Onde vais pescar com ela,Que é tão bela,Ó pescador?
Não vês que a última estrela No céu nublado se vela?Colhe a vela,Ó pescador!
Deita o lanço com cautela,Que a sereia canta bela...Mas cautela,Ó pescador!
Não se enrede a rede nela,Que perdido é remo e vela Só de vê-la,Ó pescador!
Pescador da barca bela,Inda é tempo, foge dela,Foge dela,Ó pescador!
A fim de se proteger das Sereias, Ulisses tapou seus ouvidos com cera e pediu para ser amarrado com correntes ao mastro do navio. Naturalmente, qualquer viajante antes dele teria feito o mesmo, exceto aqueles que foram por elas encantados, mesmo a grande distância; mas era do conhecimento do mundo todo que essas coisas de nada adiantavam. O canto das Sereias podia penetrar qualquer material, e a resistência daqueles a quem elas seduzem seria quebrada por coisas mais fortes do que fortes amarras, mais fortes do que correntes e mastros. Mas Ulisses não pensava nisso, embora provavelmente tenha ouvido falar nisso tudo. Ele confiava cegamente no punhado de cera e nas correntes, numa inocente conclusão a respeito do seu pequeno estratagema montado para o encontro com as Sereias. Dessa vez, as Sereias tinham uma arma ainda mais fatal do que seu canto, ou seja, seu silêncio. E, embora se admita que uma coisa como essa nunca tenha acontecido, ainda seria admissível que alguém pudesse ter escapado do seu canto; mas do seu silêncio, certamente nunca. Contra a sensação de ter triunfado sobre elas apenas com a sua própria força interna e a consequente exaltação que tudo derruba antes disso, nenhum poder terreno consegue resistir.
E, quando Ulisses se aproximou delas, o poderoso canto não se fez ouvir, fosse porque elas pensaram que aquele inimigo poderia ser vencido apenas com o seu silêncio, fosse devido ao olhar de felicidade de Ulisses, que pensava apenas na cera e nas correntes, fazendo com que elas se esquecessem de cantar.
Mas Ulisses, se assim se pode dizer, não escutou o silêncio; ele pensou que elas estivessem cantar e que só ele não as escutava. Por um breve momento, ele viu seus pescoços subirem e descerem, as suas respirações arfarem,os seus olhos cheios de lágrimas, os lábios semi-abertos, mas acreditou que aqueles eram acompanhamentos para as canções que morriam, não ouvidas, ao seu redor. Logo, no entanto, tudo desapareceu da sua frente; enquanto ele mantinha os olhos fixos ao longe, as Sereias literalmente desapareceram diante de sua determinação e, no momento exato em que elas estavam mais próximo dele, ele nada mais percebia.
Mas elas - mais cativantes do que nunca - esticaram seus pescoços e viraram-se, deixando os seus cabelos flutuar ao vento, e livremente estirando os dedos sobre as rochas. Elas não tinham mais qualquer vontade de atrair; tudo o que queriam era reter o maior tempo possível o brilho que emanava dos grandes olhos de Ulisses.
Se as Sereias possuíssem consciência, teriam sido destruídas naquele momento. Mas elas permaneceram como sempre foram; tudo o que aconteceu foi que Ulisses lhes escapou.
Uma adenda ao descrito foi também legado às gerações seguintes. Ulisses, segundo se diz, era tão astucioso, era de tal argúcia que nem mesmo os deuses do destino conseguiam furar sua armadura. Talvez ele tenha realmente percebido, embora o entendimento humano fique aquém de tal profundidade, que as Sereias estavam em silêncio e as tenha enfrentado, usando o pretexto, anteriormente mencionado, simplesmente como uma espécie de escudo.
As sereias possuem uma arma ainda mais terrível do que o canto: o silêncio.Fiquei fascinada a primeira vez que li esta afirmação. Este pequeno conto de kafka fez-me repensar ulisses...
De que natureza era o canto das Sereias? Em que consistia seu defeito? Por que esse defeito o tornava tão poderoso? Alguns responderam: era um canto inumano - um ruído natural,sem dúvida (existem outros?), mas à margem da natureza, de qualquer modo estranho ao homem, muito baixo e despertando, nele, o prazer extremo de cair, que não pode ser satisfeito nas condições normais da vida. Mas, dizem outros, mais estranho era o encantamento:ele apenas reproduzia o canto habitual dos homens, e porque as Sereias, que eram apenas animais, lindas em razão do reflexo da beleza feminina, podiam cantar como cantam os homens,tornavam o canto tão insólito que faziam nascer, naquele que o ouvia, a suspeita da inumanidade de todo canto humano. Teria sido então por desespero que morreram os homens apaixonados pelo seu próprio canto? Por um desespero muito próximo do deslumbramento. Havia algo de maravilhoso naquele canto real, canto comum, secreto, canto simples e quotidiano, que os fazia reconhecer de repente, cantado irrealmente por potências estranhas e, por assim dizer,imaginárias, o canto do abismo que, uma vez ouvido, abria em cada fala uma voragem e convidava fortemente a nela desaparecer...
E em todas as paredes te procuro
A noite ergue as suas esquinas azuis
E em todas as esquinas te procuro
A noite abre as suas praças solitárias
E em todas as solidões eu te procuro
Ao longo do rio a noite acende as suas luzes
Roxas verdes azuis.
Eu te procuro.
Admiro-o pela beleza. Admiro-o pela história de vida. Admiro-o pela serenidade. Admiro-o pela sensibilidade. Amo o homem que foi, lamento não amar, no mesmo grau, o poeta que é...Gosto muito de alguns poemas, mas não os amo,... A sua alma era preciosa demais; o seu sentir de uma tal espiritualidade que as palavras não foram suficientes...Registo alguns dos meus favoritos. Porquê? Tengo miedo a perder la maravilla de tus ojos de estatua...
Oye, hijo mío, el silencio. Es un silencio ondulado, un silencio, donde resbalan valles y ecos y que inclina las frentes hacia el suelo A las cinco de la tarde. Eran las cinco en punto de la tarde.
Amor de mis entrañas, viva muerte, en vano espero tu palabra escrita y pienso, con la flor que se marchita, que si vivo sin mí quiero perderte. El aire es inmortal. La piedra inerte ni conoce la sombra ni la evita. Corazón interior no necesita la miel helada que la luna vierte.
Pero yo te sufrí. Rasgué mis venas, tigre y paloma, sobre tu cintura en duelo de mordiscos y azucenas. Llena pues de palabras mi locura o déjame vivir en mi serena noche del alma para siempre oscura.
No te conoce nadie. No. Pero yo te canto.
Yo canto para luego tu perfil y tu gracia.
La madurez insigne de tu conocimiento.
Tu apetencia de muerte y el gusto de su boca.
La tristeza que tuvo tu valiente alegría.
Ni tú ni yo estamos en disposición de encontrarnos. Tú... por lo que ya sabes. ¡Yo la he querido tanto! Sigue esa veredita. En las manos tengo los agujeros de los clavos. ¿No ves cómo me estoy desangrando? No mires nunca atrás, vete despacio y reza como yo a San Cayetano, que ni tú ni yo estamos en disposición de encontrarnos.
La noche no quiere venir para que tú no vengas ni yo pueda ir. Pero yo iré aunque un sol de alacranes me coma la sien. Pero tú vendrás con la lengua quemada por la lluvia de sal. El día no quiere venir para que tú no vengas ni yo pueda ir. Pero yo iré entregando a los sapos mi mordido clavel. Pero tú vendrás por las turbias cloacas de la oscuridad. Ni la noche ni el día quieren venir para que por ti muera y tú mueras por mí.
Nadie comprendía el perfume de la oscura magnolia de tu vientre. Nadie sabía que martirizabas un colibrí de amor entre los dientes. Mil caballitos persas se dormían en la plaza con luna de tu frente, mientras que yo enlazaba cuatro noches tu cintura, enemiga de la nieve.(...) Siempre, siempre: jardín de mi agonía, tu cuerpo fugitivo para siempre, la sangre de tus venas en mi boca, tu boca ya sin luz para mi muerte.
Tú querías que yo te dijera el secreto de la primavera. Y yo soy para el secreto lo mismo que es el abeto. Árbol cuyos mil deditos señalan mil caminitos. Nunca te diré, amor mío, por qué corre lento el río. Pero pondré en mi voz estancada el cielo ceniza de tu mirada. ¡Dame vueltas, morenita! Ten cuidado con mis hojitas. Dame más vueltas alrededor, jugando a la noria del amor. ¡Ay! No puedo decirte, aunque quisiera, el secreto de la primavera.
Federico , José Antonio e ...
Say what you need to say Say what you need to, Say what you need to say...
Apesar da oposição ideológica, josé antónio primo de rivera e federico garcia lorca partilharam amizade, cumplicidade intelectual e gostos literários, numa ambiência epocal que implicava viver no limite entre o espontâneo e premeditado...
José antónio admirava federico,considerando que ele poderia vir a ser o poeta da Falange. Federico considerava josé antónio muito simpático: um homem forte, viril, determinado, com rosto de menino bom. Defendia que a sua atitude,apesar de muito contestada e contestável, era nobre e digna, não havendo um único republicano, por mais fanático que fosse ,que, intimamente, não o considerasse assim.
Lorca foi vítima de vinganças pessoais e do radicalismo dos sectores mais reacionários de granada... Três meses depois também josé antónio seria fuzilado no pátio da prisão de alicante.
Está claro que lo que se debatía en los campos de batalla no era el triunfo de la legalidad, la democracia, el sentido común o la inteligencia.
Lorca e josé antónio viveram com intensidade e generosidade, seduziam e cativavam todos os que os conheceram, morreram muito jovens, vítimas do ódio e da incompreensão , tendo sido transformados em mitos cristalizados ao serviço de ideologias antagónicas. Sem o saberem, ou talvez conscientes disso, cada vez que lorca e jose antonio partilhavam whisky no casablanca, leituras poéticas, tertúlias ou passeios inconfessáveis no chevrolet amarelo, estavam a construir uma nova espanha.
Federico, ¿no crees que con tus monos azules y nuestras camisas azules se podría hacer una España mejor?
Há, sem dúvida, amizades tão incómodas que a memória histórica considera prudente olvidar...
Mas o ídolo esbobeteado continua a ser ídolo ...Quero acreditar que adriano tem razão. Tem de ter. Quero que tenha.
Musas...
Se eu fosse artista, quem seria a minha musa?
I want to tell you My head is filled with things to say When you're here All those words they seem to slip away
Foi nesse tempo o tempo:
Longas tardes conversas demoradas
No extático fervor adolescente
Das grandes descobertas deslumbradas
Versos dança música pintura
Um mundo vivo em canto e em figura
Que a vida inteira ficará comigo
Agradecendo a graça do ter sido
Assim pudesse o tempo regressar
Recomeçarmos sempre como o mar
Morreu marianne, a musa de cohen...
Now so long, Marianne, it's time that we began to laugh and cry and cry and laugh about it all again.Oh so long, Marianne, it's time that we began .
Bem, Marianne, chegámos a este ponto em que somos tão velhos que os nossos corpos se desfazem; penso que te seguirei muito em breve. Quero que saibas que estou tão próximo de ti que, se estenderes a tua mão, creio que conseguirás tocar a minha. Sabes que sempre te amei pela tua beleza e sabedoria, mas não preciso de alongar-me, porque já sabes tudo isso. Quero apenas desejar-te boa viagem. Adeus, velha amiga. Com todo o amor, encontrar-te-ei pelo caminho.
Sempre não pode ser muito tempo, porque sempre é todo o tempo.
Os antigos invocavam as Musas.
Nós invocamo-nos a nós mesmos.
Não sei se as Musas apareciam —
Seria sem dúvida conforme o invocado e a invocação. —
Mas sei que nós não aparecemos.
Quantas vezes me tenho debruçado
Sobre o poço que me suponho
E balido «Ah!» para ouvir um eco,
E não tenho ouvido mais que o visto —
O vago alvor escuro com que a água resplandece
Lá na inutilidade do fundo...
Nenhum eco para mim...
Só vagamente uma cara,
Que deve ser a minha, por não poder ser de outro.
É uma coisa quase invisível,
Excepto como luminosamente vejo
Lá no fundo...
No silêncio e na luz falsa do fundo...
Que Musa!.
Destina-se esta secção à crítica dos maus livros e especialmente à crítica daqueles maus livros que toda a gente considera bons. O livro, consagrado por qualidades que não tem, do homem consagrado por qualidades com que outros o pintaram; o livro daquele que, tendo criado fama, se deitou a fingir que dormia; o livro do que entrou no palácio das Musas pela janela ou colheu a maçã da sabedoria com o auxílio dum escadote — tudo isto se pesará na Balança de Minerva.
Il y aura peut-être quelqu'idiot qui pourra penser que cette satire est indécente er qu elle est immorale. Ce serait le propre d'un idiot de penser ainsi; car les plus grands hommes de science ont aujourd'hui reconnu et constaté ce fait, que les idiots pensent bêtement, et qu'ils font de sottes choses. Dans cette satire il y a de la grossièreté énorme, três consciemment voulue. La littérature (...) des onanistes moraux, des gens sans sens moral, des (...) de la littérature augmente. La loi du (...) ne peut rien faire. II n'y a pas de mot - on le prévoit - pour classifier la bassesse et la lâcheté de ces crimes ordurières et bourgeoises. Un écrivain écrit pour l'humanité, pour ses semblables (?), pour Celui qui fait de la corruption, de la volupté (c'est leur mot favori), de la pornographie (...); celui qui jette au visage de l'humanité l'ordure de sa bassesse d'âme, (...) est un irresponsable, c’est un idiot moral à qui on devrait enlever le droit de voter, de prendre part aux choses publiques (...), même de disposer de leur propre avoir. Je hais la prostitution des rues, mais je sais que pire est celle des cervaux. La société veut faire (...) le progrès, et c'est triste que les dégénérés viennent mettre (...) Honte à celui qui trouvera cette satire amusante. Honi soit qui en rira!
Mas a sensibilidade do nosso Ricardo Reis é estrondosamente reumática. Faz festas à Musa, olhando para outro lado, pensando sei lá em quê. Não pesquisemos. E, aliás, nas festas de Ricardo Reis não há foguetes, porque a ode alcaica foi sempre uma pessoa sossegada. Nesta agitação interior da sensibilidade portuguesa, figuramos no texto nós dois, Caeiro e eu; o Fernando Pessoa é uma nota à margem, e o Ricardo Reis uma nota falsa. Da filosofia íntima de Ricardo Reis conclui-se que ele não espera nada da vida senão vinho e morte. É simples mas um pouco frio, pois não aquecemos o vinho, como os romanos. Este contemplar calmo e quase afectivo da esperança da mortalidade absoluta tem qualquer coisa de já morto. Um ente vivo deve ao menos revoltar-se por ter que morrer, a não ser que julgue que não morre. Mas o Ricardo Reis trata a mortalidade como se fosse a imortalidade e tem uma fé simples e confiante em coisa nenhuma. Os faquirs concentravam-se fitando um ponto qualquer sem importância; mas não se poderiam concentrar se fitassem o espaço despido. O Ricardo Reis consegue este faquirismo da sensibilidade: fita o Nada, sorri, e pede vinho. De vez em quando vira-se para o outro lado e pede que o coroem de rosas. Nos intervalos vira-se para o terceiro lado e diz «Chloe». Esta Chloe, que às vezes descamba em Lydia, é pranteada na ode do Livro 1 com um adjectivo no masculino.
Bem sei que em Caeiro há a mesma indiferença para com a morte. Mas Caeiro encara a morte como uma criança que ouviu falar dela; Ricardo Reis como um velho que a tem à porta. Nem um nem outro acredita na imortalidade, mas Caeiro não acredita porque não pensa, e Ricardo Reis não acredita porque não acredita em nada. Por isso a leitura de Caeiro, com mortalidade e tudo, anima e estimula como o sol e o céu, que também não acreditam na imortalidade, e pela mesma razão de Caeiro; e a leitura de Ricardo Reis desanima e desconsola - a ponto de chegar a estorvar, com um estrangulamento do nosso pobre coração, a verdadeira alegria estética que nos causa. Aquilo é belo como um belo cemitério. Admiramos e saímos logo. Quanto mais belo mais nos aflige. Por baixo, por contraste com a própria beleza, sente-se, como uma presença carnal às avessas, a realidade imaginável do Nada.
Este texto de campos, a satirizar a(s) musa(s) de reis é delicioso, verdadeiramente delicioso. Há muitos, muitos anos, fui musa inspiradora de um pianista...Gostei.
Gosto de mitos: dos que existem e dos que invento...
Tolkien: 1892-1973
Pessoa: 1888-1935
Mensagem -1934
O senhor dos anéis - 1954
O mytho é o nada que é tudo.
O mesmo sol que abre os céus
É um mytho brilhante e mudo -
O corpo morto de Deus,
Vivo e desnudo.
O mito é a única forma possível de expressar certas verdades transcendentes.
Será que Tolkien conheceu os versos de Pessoa?
Que eu saiba nunca ninguém fez o confronto entre estes dois homens que consideraram que só o mito nos permite surpreender a verdade escondida na realidade que nos é dado conhecer...
Tolkien e Pessoa foram incompreendidos porque o pensamento dominante considerava o mito algo que, intrinsecamente, se conhece como não verdadeiro...
Curiosamente, a religiosidade implícita na Mensagem também existe em O senhor dos anéis: Benedictus Dominus Deus noster qui dedit nobis signum / Sou cristão( o que se pode deduzir das minhas histórias) e católico romano.
Ambas as obras despertam a animosidade dos intelectuais, na época em que são publicadas;ambos os autores têm verdadeira paixão pelas palavras e pela língua; ambos transitam de homens para mitos...
Conheço, quase de cor, a Mensagem, nunca li O senhor dos anéis. Prometo que vou tentar...O interesse pelo homem vai levar-me até à obra...
O tempora,o mores...
(Deixei de saber o significado das palavras: mito, lenda,ícone vai tudo a eito. Hoje todo o nada é mito...)
«O mito é o nada que é tudo. /Este que aqui aportou,Foi por não ser existindo. Sem existir nos bastou.Por não ter vindo foi vindo E nos criou.»
Ser sem existir é a única forma de existência...inexistir é condição essencial da mitificação...
Guarda o segredo do meu amor.Que nem por sombras possam suspeitar Que todos os poemas que escrevi Os soubeste primeiro.Que fiz da tua imagem A imagem do mundo. E que nunca te vi ao natural Musa irreal..
( Que citação descontextualizada... Será?)
Bem podiam ter ficado pela ideia de milagre e apelidarem de santos todos os que fazem chorar multidões...ou, mal por mal, sempre tolerava or melh o epíteto quimera...
s.f. 1. Mit. Monstro fabuloso. Monstro mitológico com cabeça de leão, corpo de cabra e cauda de serpente. 2. Fig. Fantasia; produto da imaginação. 3. Zool. Peixe da ordem dos holocéfalos, que vive em águas profundas em todos os mares; pouco comum (compr.: 1 m).
Uma das palavras mais belas da língua portuguesa ser reduzida a isto...Devia ser proibido.Como pode haver quem respeite o dicionário?
Mitos do portugal que temos...
Será que não haverá algures um cantinho de mundo onde me possa exilar?
Fado e futebol. Que mais é preciso?
Assumo que este texto me desmerece, mas a irritação não é musa inspiradora...
Ulisses sem outra Ítaca além da interior...
Yo soy el dios poderoso
En el aire y en la tierra
Y en el ancho mar undoso
Y en cuanto el abismo encierra.
Nunca conocí qué es miedo,
Todo cuanto quiero puedo
Aunque quiera lo imposible,
Y en todo lo que es posible
Mando, quito, pongo y vedo.
Esfinges...
É certo que queremos a verdade: porque não antes a inverdade? E a incerteza? Até mesmo a ignorância? - O problema do valor da verdade interpôs-se à nossa frente - ou teremos sido nós a interpormo-nos à frente do problema? Qual de nós é aqui Édipo? Qual de nós esfinge?
A esfinge egípcia é uma criatura mítica representada como um leão estendido — animal com associações solares sagradas — com uma cabeça humana, usualmente a de um faraó. É um símbolo de poder...
A Grande Esfinge do Egipto sonha por este papel dentro...Escrevo - e ela aparece-me através da minha mão transparente E ao canto do papel erguem-se as pirâmides...Escrevo - perturbo-me de ver o bico da minha pena Ser o perfil do rei Quéops ...De repente paro... Escureceu tudo... Caio por um abismo feito de tempo...Estou soterrado sob as pirâmides a escrever versos à luz clara deste candeeiro E todo o Egipto me esmaga de alto através dos traços que faço com a pena... Ouço a Esfinge rir por dentro O som da minha pena a correr no papel...Atravessa o eu não poder vê-la uma mão enorme,Varre tudo para o canto do teto que fica por detrás de mim,E sobre o papel onde escrevo, entre ele e a pena que escreve Jaz o cadáver do rei Quéops, olhando-me com olhos muito abertos, E entre os nossos olhares que se cruzam corre o Nilo E uma alegria de barcos embandeirados erra Numa diagonal difusa Entre mim e o que eu penso... Funerais do rei Quéops em ouro velho e Mim! ..
Na tradição grega, a esfinge tem pernas de leão, asas de pássaro e o rosto de uma mulher. É um símbolo da impiedade e da traição...
Acordo-te de uma sonolência
de esfinge. Quem és? pergunto, em
que deserto procuraste o amor, e
que oásis se desfez nos teus
dedos, quando o tocaste?
Não penses no inverno
inexorável; e guarda o pássaro
de algures na gaiola da tua
alma, para que o seu canto
te alegre nas noites mais frias.
Todo en ti me conturba y todo en ti me engaña,
Todo en ti me es adverso, tu sonrisa me daña
como un hechizo, y en tu plática divina
por un campo de flores la falacia camina
fríamente cual una ponzoñosa alimaña.
Prefiro a esfinge grega, mesmo correndo o risco de ser estrangulada...
Sempre me atraiu,sem conseguir explicar porquê, este quadro de Khnopff. Já nem me recordo da primeira vez que o vi, em reprodução numa história de arte, mas fiquei presa a ele como uma condenação... Há coisas estranhas.
(To Marcel Schwob in friendship and in admiration)
Hidras ...
Ouvi contar que outrora, quando a Pérsia
Tinha não sei qual guerra,
Quando a invasão ardia na cidade
E as mulheres gritavam,
Dois jogadores de xadrez jogavam
O seu jogo contínuo
Quero ignorado, e calmo
Por ignorado, e próprio
Por calmo, encher meus dias
De não querer mais deles.
Louco, sim, louco, porque quis grandeza
Qual a Sorte a não dá.
Não coube em mim minha certeza;
Por isso onde o areal está
Ficou meu ser que houve, não o que há.
Mesmo que o jogo seja apenas sonho E não haja parceiro...O parceiro, apesar de inexistente, derrota-me sempre...
Ouvi contar que outrora...
Depois da conversa, sentíamo-nos tão contentes como se nos tivéssemos presenteado a nós mesmos. Esse estado de comunicação contínua chegou a tal exaltação que, no dia em que nada tínhamos a nos confiar, procurávamos, com alguma aflição, um assunto. Só que o assunto havia de ser grave, pois em qualquer um não caberia a veemência de uma sinceridade pela primeira vez experimentada...
Sereias...
Seres que encantam ,seduzem, desde homero, garrett, até kafka ou blanchot. Apeteceu-me revisitar textos há tanto tempo esquecidos...
Às Sereias, que todos os homens, que delas se aproximam, enfeitiçam,chegarás em primeiro lugar. Quem delas se acercar, insciente, e a voz ouvir das Sereias,ao lado desse homem nunca a mulher e os filhos estarão para se regozijarem com o seu regresso; mas as Sereias o enfeitiçam com seu límpido canto,sentadas num prado, e à sua volta estão amontoadas ossadas de homens decompostos e suas peles marcescentes.Prossegue caminho, pondo nos ouvidos dos companheiros cera doce, para que nenhum deles as oiça.Mas se tu próprio quiseres ouvir o canto, deixa que, na nau veloz, te amarrem as mãos e os pés enquanto estás de pé contra o mastro; e que as cordas sejam atadas ao mastro, para que te possas deleitar com a voz das duas Sereias. E se a eles ordenares que te libertem,então que te amarrem com mais cordas ainda.
Pescador da barca bela,Onde vais pescar com ela,Que é tão bela,Ó pescador?
Não vês que a última estrela No céu nublado se vela?Colhe a vela,Ó pescador!
Deita o lanço com cautela,Que a sereia canta bela...Mas cautela,Ó pescador!
Não se enrede a rede nela,Que perdido é remo e vela Só de vê-la,Ó pescador!
Pescador da barca bela,Inda é tempo, foge dela,Foge dela,Ó pescador!
A fim de se proteger das Sereias, Ulisses tapou seus ouvidos com cera e pediu para ser amarrado com correntes ao mastro do navio. Naturalmente, qualquer viajante antes dele teria feito o mesmo, exceto aqueles que foram por elas encantados, mesmo a grande distância; mas era do conhecimento do mundo todo que essas coisas de nada adiantavam. O canto das Sereias podia penetrar qualquer material, e a resistência daqueles a quem elas seduzem seria quebrada por coisas mais fortes do que fortes amarras, mais fortes do que correntes e mastros. Mas Ulisses não pensava nisso, embora provavelmente tenha ouvido falar nisso tudo. Ele confiava cegamente no punhado de cera e nas correntes, numa inocente conclusão a respeito do seu pequeno estratagema montado para o encontro com as Sereias. Dessa vez, as Sereias tinham uma arma ainda mais fatal do que seu canto, ou seja, seu silêncio. E, embora se admita que uma coisa como essa nunca tenha acontecido, ainda seria admissível que alguém pudesse ter escapado do seu canto; mas do seu silêncio, certamente nunca. Contra a sensação de ter triunfado sobre elas apenas com a sua própria força interna e a consequente exaltação que tudo derruba antes disso, nenhum poder terreno consegue resistir.
E, quando Ulisses se aproximou delas, o poderoso canto não se fez ouvir, fosse porque elas pensaram que aquele inimigo poderia ser vencido apenas com o seu silêncio, fosse devido ao olhar de felicidade de Ulisses, que pensava apenas na cera e nas correntes, fazendo com que elas se esquecessem de cantar.
Mas Ulisses, se assim se pode dizer, não escutou o silêncio; ele pensou que elas estivessem cantar e que só ele não as escutava. Por um breve momento, ele viu seus pescoços subirem e descerem, as suas respirações arfarem,os seus olhos cheios de lágrimas, os lábios semi-abertos, mas acreditou que aqueles eram acompanhamentos para as canções que morriam, não ouvidas, ao seu redor. Logo, no entanto, tudo desapareceu da sua frente; enquanto ele mantinha os olhos fixos ao longe, as Sereias literalmente desapareceram diante de sua determinação e, no momento exato em que elas estavam mais próximo dele, ele nada mais percebia.
Mas elas - mais cativantes do que nunca - esticaram seus pescoços e viraram-se, deixando os seus cabelos flutuar ao vento, e livremente estirando os dedos sobre as rochas. Elas não tinham mais qualquer vontade de atrair; tudo o que queriam era reter o maior tempo possível o brilho que emanava dos grandes olhos de Ulisses.
Se as Sereias possuíssem consciência, teriam sido destruídas naquele momento. Mas elas permaneceram como sempre foram; tudo o que aconteceu foi que Ulisses lhes escapou.
Uma adenda ao descrito foi também legado às gerações seguintes. Ulisses, segundo se diz, era tão astucioso, era de tal argúcia que nem mesmo os deuses do destino conseguiam furar sua armadura. Talvez ele tenha realmente percebido, embora o entendimento humano fique aquém de tal profundidade, que as Sereias estavam em silêncio e as tenha enfrentado, usando o pretexto, anteriormente mencionado, simplesmente como uma espécie de escudo.
As sereias possuem uma arma ainda mais terrível do que o canto: o silêncio.Fiquei fascinada a primeira vez que li esta afirmação. Este pequeno conto de kafka fez-me repensar ulisses...
De que natureza era o canto das Sereias? Em que consistia seu defeito? Por que esse defeito o tornava tão poderoso? Alguns responderam: era um canto inumano - um ruído natural,sem dúvida (existem outros?), mas à margem da natureza, de qualquer modo estranho ao homem, muito baixo e despertando, nele, o prazer extremo de cair, que não pode ser satisfeito nas condições normais da vida. Mas, dizem outros, mais estranho era o encantamento:ele apenas reproduzia o canto habitual dos homens, e porque as Sereias, que eram apenas animais, lindas em razão do reflexo da beleza feminina, podiam cantar como cantam os homens,tornavam o canto tão insólito que faziam nascer, naquele que o ouvia, a suspeita da inumanidade de todo canto humano. Teria sido então por desespero que morreram os homens apaixonados pelo seu próprio canto? Por um desespero muito próximo do deslumbramento. Havia algo de maravilhoso naquele canto real, canto comum, secreto, canto simples e quotidiano, que os fazia reconhecer de repente, cantado irrealmente por potências estranhas e, por assim dizer,imaginárias, o canto do abismo que, uma vez ouvido, abria em cada fala uma voragem e convidava fortemente a nela desaparecer...
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