Não é neccessário vivermos ao lado de alguém para nos sentirmos ligados a esse alguém mais do que a qualquer outra pessoa...

quinta-feira, 17 de novembro de 2016

Cidadelas...

Sentir tristeza é o menos - Um olhar melancólico até fica bem...
Sentir angústia, náusea por existir- Bem, isso até é interessante...
Sentir revolta, vontade de mandar tudo e todos à ..... - Isso é o modernismo no seu melhor.
Agora, ser ridículo?

Há dias em que tudo o que vejo me parece pleno de significados: mensagens que me seria difícil comunicar a outros, definir, traduzir por palavras, mas que precisamente por isso se me apresentam como decisivas. São anúncios ou presságios que me dizem respeito a mim mesmo e ao mundo ao mesmo tempo: e de mim, não os acontecimentos exteriores da existência, mas o que acontece cá dentro, no fundo; e do mundo não um facto singular qualquer mas o modo de ser geral de tudo. Compreendem pois a minha dificuldade em falar disto...



I told you to be patient I told you to be fine I told you to be balanced I told you to be kind...

Encontrei adjetivos esdrúxulos que me definem, de modo mais-que-perfeito: crédula,ingénua,maníaca...

Imaginar é tudo, desde que não tenda para o agir. Ninguém pode ser rei do mundo senão em sonho. E cada um de nós, se deveras se conhece, quer ser rei do mundo.Não ser, pensando, é o trono. Não querer, desejando, é a coroa. Temos o que abdicamos, porque o conservamos, sonhando, intacto eternamente à luz do sol que não há, ou da lua que não pode haver...

Nowhere-É curioso,nunca tinha pensado nisso, a formação da palavra é exatamente a mesma que a do vocábulo utopia. Lembrei-me do meu neologismo favorito: utopiar...


And from the first time that she really done me Oooh, she done me, she done me good I gues nobody ever really done me
Ooh, she done me, she done me good Don't let me down, don't let me down..
.

"Petite Plaisance"- assim chamou à sua casa - não tem comparação com as vivendas vizinhas...que parecem ter sido construídas para servir de cenário a algum romance de Fitzgerald ou de Henry James.(...)Pouco depois da guerra,quando Marguerite Yourcenar e Grace Fricck, a sua tradutora, descobriram esta região antiga, afastada da América ruidosa, ainda se ia a cavalo de uma aldeia para outra, no meio da neve.(...) Não há televisão,somente um radio com pouco uso,achas que crepitam na lareira; uma calma que apenas Zoé,um podengo muito maluco, se permite quebrar com os seus latidos. Ali, só se pode levar uma existência voluntariamente reduzida ao luxo do essencial,em que a reflexão acontece por si própria, seguindo o ritmo da natureza e das estações. Esta paz conquistada e dominada lê-se nos olhos azis, no olhar celta de Margurite Yourcenar, que nos fita com uma sabedoria vinda de muito longe. Tudo lhe interessa, mas os seres e os acontecimentos surgem-lhe numa ordem( ou numa desordmque os ultrapassa.(...) Com ela há poucas hesitações: é um cérebro seguro, que poderia ser o de um filósofo.

Não sou compatível com o esplendor... Mas o contraste não me esmaga — liberta-me; e a ironia que há nele é sangue meu. O que devera humilhar-me é a minha bandeira, que desfraldo; e o riso com que deveria rir de mim, é um clarim com que saúdo e gero uma alvorada em que me faço. A glória nocturna de ser grande não sendo nada! A majestade sombria de esplendor desconhecido... E sinto, de repente, o sublime do monge no ermo, do eremita no retiro(...) E na mesa do meu quarto sou menos reles, empregado e anónimo, escrevo palavras como a salvação da alma e douro-me do poente impossível de montes altos vastos e longínquos da […] estranha recebida por anel de renúncia em meu dedo evangélico, jóia parada do meu desdém estático.
Desfraldando ao conjunto fictício dos céus estrelados O esplendor do sentido nenhum da vida...

Não tenho palavras para o futuro, mesmo o passado, do nosso esforço. Esse esforço (e o Destino) e não elas criará, se o criar, esse futuro. Por isso as minhas últimas palavras não são proféticas, mas exortativas. (…) Não nos deixemos, porém, arrastar pela compreensão de quanto o nosso espírito se não conforma com a nossa época. É justo que nos isolemos, porque o que podemos dar a este mundo, ele não o quer; nem ele nos pode dar aquilo que, se pedíssemos, lhe pediríamos. (…) Não passemos, porém, além deste ponto. Isolando-nos, por uma higiene do espírito, dos homens e dos cuidados do nosso tempo, cuidemos bem em que não tomemos o isolamento em si por um bem, nem, dentro do nosso espírito ponhamos, entre nós e a humanidade, aquela fronteira que é forçoso que tracemos entre nós e a humanidade presente. Que o nosso isolamento seja doloroso, para que seja nobre…

Está aqui o Dr. Manson, Edward! O nosso novo assistente. Vem cumprimentar-te.
Quando Andrew entrou no aposento, um quarto de dormir comprido, de cortinas completamente corridas e com um pequeno fogo a arder na lareira, Edward Page virou-se lentamente no leito, parecendo fazer com isso um grande esforço. Era um homem grande, ossudo, de sessenta anos talvez, com feições gastas e olhos luminosos mas cansados. Em todo o seu rosto liam-se sofrimento e uma espécie de aborrecimento. E mais ainda. Incidindo sobre o travesseiro, a luz do candeeiro de azeite revelava um lado do rosto imobilizado e sem expressão. O lado esquerdo estava igualmente paralítico e a mão esquerda, que caía sobre a colcha, estava contraída em forma de funil. Observando esses sinais de um ataque grave e nada recente, Andrew sentiu-se tomado de súbito desalento. Estabeleceu-se um silêncio constrangedor.
- Faço votos para que goste disto aqui. - Observou afinal o Dr. Page, falando arrastadamente e com dificuldade, tartamudeando um pouco as palavras. - Espero também que não ache a clínica demasiadamente trabalhosa. O senhor é muito jovem.


Sou o que sou? O que sou eu?
O homem que entrou na sala era incrivelmente parecido comigo. Mas sou eu! Foi isto que pensei antes de mais nada. (…) olha bem, na verdade ai está o que tu deverias ter sido, deverias ter entrado assim por aquela porta, ter aqueles gestos, olhar assim o Outro, o Tu sentado neste aposento!
Antes de pousar a cabeça no cepo, fiquei muito surpreendido por ver errar uma forma humana entre as árvores, como se tivesse asas: era eu, tinha barba e avançava sem ruído, sem tocar com os pés no chão. (…)O Mestre encontrava-se na mansão e esperava-me no rés-do-chão. Só então percebi que era ele quem eu vislumbrara por entre as árvores do jardim.
os homens teriam sido criados aos pares? Tinham sido evocados casos muito extremos: gémeos que a própria mãe confundia, sósias assombrados quando se descobriam mutuamente, mas incapazes de se separarem a seguir, como que enfeitiçados, bandidos fazendo-se passar por inocentes.
Sentia que a nossa semelhança surpreendente o perturbava mais ainda do que a mim, e essa perturbação envaidecia-me. Nesse tempo, eu tinha a impressão de que essa semelhança era um mistério que o Mestre jamais procuraria decifrar e que me enchia de uma estranha coragem: por vezes, pensava que essa semelhança me protegeria, por si só, de todos os perigos enquanto o Mestre fosse vivo.
O que queria era conhecer as ideias dos «outros», das pessoas como eu (…). O que teriam pensado «os outros» no seu lugar?(...)e quando o Mestre me perguntou, como se se tratasse de uma questão muito banal: «Porque é que eu sou eu?», quis subitamente encorajá-lo e respondi-lhe.(...) tal como o homem pode ver ao espelho a sua aparência exterior, deve poder observar pela reflexão o interior do seu espírito.
Dois seres convivem durante anos, criando um relacionamento doentio de amor-ódio: não se toleram , mas não vivem um sem o outro. Dependem um do outro para perceber o funcionamento do “Eu”. A proximidade entre o escravo e o Mestre é tanta e as semelhanças físicas tão flagrantes que questionam a sua própria identidade e interrogam-se se cada um deles não estará a viver a vida do outro. Este doentio jogo de espelho confere uma interessante tridimensionalidade às personagens…

Acreditar que um ser participa de uma vida desconhecida na qual o seu amor nos faria penetrar é, de tudo o que o amor exige para nascer, o mais importante e o que o faz menosprezar tudo o resto.

Essa imobilidade das coisas que nos rodeiam, acaso é uma qualidade que impomos, com a nossa certeza de que elas são essas coisas, nada mais do que essas coisas, com a imobilidade que toma o nosso pensamento frente a elas. O caso é que, quando eu despertava assim, com o espírito em comoção, para averiguar, sem chegar a obtê-lo, em onde estava, tudo girava em volta de mim, na escuridão: as coisas, os países, os anos...


Tu ne quaesieris — scire nefas — quem mihi, quem tibi finem di dederint, Leuconoe, nec Babylonios temptaris numeros. Ut melius, quidquid erit, pati, seu plures hiemes, seu tribuit Iuppiter ultimam, quae nunc oppositis debilitat pumicibus mare Tyrrhenum: sapias, vina liques, et spatio brevi spem longam reseces. Dum loquimur, fugerit invida aetas: carpe diem, quam minimum credula postero.

Tu não perguntes - é sacrilégio sabê-lo - que fim a mim, a ti, os deuses concederam, Leucónoe, nem ensaies cálculos babilónicos. Como é melhor suportar o que quer que o futuro reserve, quer Júpiter muitos invernos nos conceda, quer um último, este que agora o Tirreno mar quebranta ante os rochedos que se lhe opõem. Sê sensata, decanta o vinho, e faz de uma longa esperança um breve momento. Enquanto falamos, já invejoso terá fugido o tempo: colhe o dia, confiando o menos possível no amanhã.




Antes do mar, da Terra e Céu que os cobre Não tinha mais que um rosto a Natureza: Este era o Caos, massa indigesta, rude E consistente só num peso inerte. Das coisas não bem juntas as discordes, Priscas sementes em montão jaziam; O Sol não dava claridade ao mundo, Nem, crescendo, outra vez se reparavam As pontas de marfim da nova Lua. Não pendias, ó Terra, dentre os ares, Na gravidade tua equilibrada, Nem pelas grandes margens Anfitrite Os espumosos braços dilatava. Ar e pélago e terra estavam mistos: As águas eram, pois, inavegáveis, Os ares, negros, movediça, a terra. Forma nenhuma em nenhum corpo havia E neles uma coisa a outra obstava, Que em cada qual dos embriões enormes Pugnavam frio e quente, húmido e seco, Mole e duro, o que é leve e é pesado.



Há metáforas que são mais reais do que a gente que anda na rua. Há imagens nos recantos de livros que vivem mais nitidamente que muito homem e muita mulher. Há frases literárias que têm uma individualidade absolutamente humana. Passos de parágrafos meus há que me arrefecem de pavor, tão nitidamente gente eu os sinto, tão recortados de encontro aos muros do meu quarto, na noite, na sombra (...) Tenho escrito frases cujo som, lidas alto ou baixo — é impossível ocultar-lhes o som — é absolutamente o de uma coisa que ganhou exterioridade absoluta e alma inteiramente.
Por que exponho eu de vez em quando processos contraditórios e inconciliáveis de sonhar e de aprender a sonhar? Porque, provavelmente, tanto me habituei a sentir o falso como o verdadeiro, o sonhado tão nitidamente como o visto, que perdi a distinção humana, falsa creio, entre a verdade e a mentira.
Basta que eu veja nitidamente, com os olhos ou com os ouvidos, ou com outro sentido qualquer, para que eu sinta que aquilo é real. Pode ser mesmo que eu sinta duas coisas inconjugáveis ao mesmo tempo. Não importa.
Há criaturas que são capazes de sofrer longas horas por não lhes ser possível ser uma figura dum quadro ou dum naipe de baralho de cartas. Há almas sobre quem pesa como uma maldição o não lhes ser possível ser hoje gente da idade média. Aconteceu[-me] deste sofrimento em tempo. Hoje já me não acontece. Requintei para além disso. Mas dói-me, por exemplo, não me poder sonhar dois reis em reinos diversos, pertencentes, por exemplo, a universos com diversas espécies de espaços e de tempos. Não conseguir isso magoa-me verdadeiramente. Sabe-me a passar fome. Poder sonhar o inconcebível visibilizando-o é um dos grandes triunfos que não eu, que sou tão grande, senão raras vezes atinjo. Sim, sonhar que sou por exemplo, simultaneamente, separadamente, inconfusamente, o homem e a mulher dum passeio que um homem e uma mulher dão à beira rio. Ver-me, ao mesmo tempo, com igual nitidez, do mesmo modo, sem mistura, sendo as duas coisas com igual integração nelas, um navio consciente num mar do sul e uma página impressa dum livro antigo. Que absurdo que isto parece! Mas tudo é absurdo, e o sonho ainda é o que o é menos...


Uma das minhas atividades de fuga é arrumar papéis. A organização de dossiês é uma capacidade em que me reconheço exímia...Provoca-me uma estranha emoção o discricionário poder que tenho sobre aquelas folhas indefesas,inertes, que, por mais que supliquem,têm um inexorável destino: papelão. Contemplo as folhas ,com carinho, e penso no que me diriam se ganhassem vida. Gosto de personificar objetos, de humanizar animais e plantas e de coisificar pessoas...Gosto de carnavalizar a existência, numa tentativa de tornar tudo mais suportável. É esta capacidade que invejo em kafka, saramago e gmt :como nada do que é, é, tudo pode ser. Julgo que ninguém analisou estes autores, na sua faceta barroca de carnavalização , mascarando a ficção de realidade e as personagens de seres reais...

Maravall da un panorama general de la cosmovisión que el europeo promedio tenía en esa época. El autor comienza por explicar que el barroco es un periodo donde reina la melancolía. Desde los últimos lustros del siglo XVI hasta bien entrado el siglo XVII se podía apreciar un pesimismo casi palpable en la población. Maravall procede, entonces, a explicar algunas de las razones por las cuales esta melancolía general era experimentada por la población: es una época de peste,que no viene sola, sino que se ve acompañada de tremendas hambrunas y de miseria general en Europa. La tragedia de este siglo no sólo se debe a “los achaques políticos, razones de Estado, yerros de ministros [ni a] los fracasos contingentes, sino [a] los trastornos que Europa sufre y al desorden moral de sus culpas.
Si por un lado el Barroco está marcado por la melancolía y la desolación, esto sólo es una parte de él. El otro lado de la dicotomía también se puede apreciar, “El Barroco es también la época de la fiesta y del brillo.” Es entonces el Barroco un periodo de risa y llanto, en el que de manera paradójica la melancolía y la felicidad coexisten con facilidad.


En primer lugar, se encuentra el individuo en combate interno consigo mismo, de donde nacen tantas inquietudes, cuidados y hasta violencias que desde su interior, irrumpen fuera y se proyectan en sus relaciones con el mundo y con los demás hombres.
El hombre del Barroco pelea contra sí mismo, contra sus compatriotas, contra otros europeos, contra el hambre, y la miseria económica. Mas es durante este periodo que el conflicto de hombre contra hombre recibe atención especial como se puede evidenciar en el aforismo latín “homo homini lupos”

A analogia entre século XVII e o fim do século XX, início do XXI, é por demais evidente,sempre o intui, mas a releitura de maravall forneceu-me a solidez teórica de que necessitava. A arrumação de dossiês foi determinante para a consolidação deste projeto: estudar a presença do barroco em saramago e depois em gmt. Presença ou sobrevivência?


A insónia é isso: uma recuperação do horizonte que suspende a continuidade útil do real quotidiano, que puxa as sensações como elásticos e nos precipita no próprio abismo desse horizonte inicial; como se diz em «Na floresta do alheamento», «orlas de mares desconhecidos tocavam, no horizonte de ouvirmos, praias que nunca poderíamos ver, e era-nos a felicidade escutar, até vê-lo em nós, esse mar onde sem dúvida singravam caravelas com outros fins em percorrê-los que não os fins úteis e comandados da Terra». Estamos face a «esta coisa nenhuma da vida universal que está lá fora» e que é «a invisibilidade visível de tudo».

In the darkness before the dawn In the darkness before the dawn Leave a light, a light on Leave a light, a light on

Para não pensar, para não ouvir o pensamento vazio a ecoar dentro de mim, quando tenho insónias, é frequente proceder a arrumações inúteis: organizo por temas os livros em lista de espera, depois opto por uma seriação por ordem alfabética, depois por tamanhos; coloco e recoloco, metodicamente, os objetos de uma gavetinha repleta de insignificâncias; hoje decidi voltar arrumar este arquivo do meu desassossego...

Assónia é o mesmo que insónia:apesar de ser um cemitério de imutabilidades, por vezes, o dicionário surpreende-me. Claro que tinha de me surpreender para me irritar. Julgava que estava a inventar um nome para que as mihas insónias fossem( porque o são...) diferentes das que afetam as pessoas que se limitam a não adormecer e, afinal, a assónia lá está, na letra a, como compete à arrumação escrupulosa que caracteriza a zona das campas rasas... Entretanto, acabei por conhecer o vocábulo agripnia, um tipo de insónia incompleta, compatível com sonos curtos e agitados por sonhos. A minha intuição, ao desejar ter qualquer coisa que não insónias, estava certa: eu tenho agripnias...Durante uma noite agrípnica, estórias, palavras,frases e ideias, muitas ideias, invadiram-me de modo desusado. Foi uma agripnia linguística e filosoficamente muito rica, mas pacificou-me. Ao contrário do que é hábito, não me senti cansada. Nos poucos momentos em que dormi, sonhei, um sonho agitado, exatamente como diz o dicionário.
Gostei,mesmo assim, de sonhar...

Ah, o ópio de ser outra pessoa qualquer!

Antigamente, quando tinha insónias , ia para o quintal e esperava que o guarda noturno passasse na sua rua:" Sem conseguir dormir outra vez, menina?" Julgo que ia para lá , à espera desta pergunta, gostava que alguém reparasse que eu tinha insónias ...Confesso que, na adolescência, considerava ter insónias uma prova da minha intelectualidade, exibindo-as como um troféu: "Eu não sou uma míúda parva que passa as noites a dormir, eu tenho insónias e sou amiga de um guarda noturno..."

A noite é mais sombria um pouco antes do amanhecer.
Agora,por vezes, imagino o rosto, os motivos, de todos os seres que, como eu, estão sem conseguir dormir...Uma amálgama confusa de caras rodeia-me e fico assustada, apavorada...Sempre que os meus pensamentos noturnos se assemelham a alucinações, tenho uma espécie de crise de pânico que, afinal, parece que nem pânico é.

Se os meus pensamentos fossem como as divagações de leopold bloom, não teria crises de pânico...Ou teria??
Gelado de ananás, limão cristalizado, caramelo de nata. Uma rapariga peganhenta de açúcar tirando colheradas de gelado para um irmão cristão.Alguma festa escolar.Mau para as pancinhas. Fabricante de pastilhas e confeites para Sua Majestade,o Rei, Deus, Salvé. O nosso. Sentado no trono a chupar vermelhos rebuçados de jujuba até ficarem brancos.

A criança-mulher à espera do guarda noturno e o gelado de ananás do bloom transportaram- me para o meu outro eu...Outro?

Mas então eu era mais feliz. Ou era eu esse? Ou sou eu agora eu?...O tempo não se pode trazer de volta. É como segurar água com a não. E voltarias atrás? Só para começar. Voltarias? Não és feliz em tua casa? Quer coser-me os botões. Tenho de responder. Escrevo na biblioteca.

Nem sempre o panorama é tão depressivo... Se lhe dá para imaginar como estarão vestidas/ despidas as criaturas insones, até se diverte... Não vá alguém fazer o mesmo com ela, sempre que vem para a sala, arranja-se minimamente: não gosta de ser surpreendida em trajes íntimos...

Não durmo, jazo, cadáver acordado, sentindo, E o meu sentimento é um pensamento vazio. Passam por mim, transtornadas, coisas que me sucederam — Todas aquelas de que me arrependo e me culpo; Passam por mim, transtornadas, coisas que me não sucederam — Todas aquelas de que me arrependo e me culpo; Passam por mim, transtornadas, coisas que não são nada, E até dessas me arrependo, me culpo, e não durmo.
Não tenho força para ter energia para acender um cigarro. Fito a parede fronteira do quarto como se fosse o universo. Lá fora há o silêncio dessa coisa toda. Um grande silêncio apavorante noutra ocasião qualquer, Noutra ocasião qualquer em que eu pudesse sentir. Tenho sono, não durmo, sinto e não sei em que sentir. Sou uma sensação sem pessoa correspondente, Uma abstracção de autoconsciência sem de quê, Salvo o necessário para sentir consciência, Salvo — sei lá salvo o quê… Não durmo. Não durmo. Não durmo. Que grande sono em toda a cabeça e em cima dos olhos e na alma! Que grande sono em tudo excepto no poder dormir!


Ó madrugada, tardas tanto… Vem… Vem, inutilmente, Trazer-me outro dia igual a este, a ser seguido por outra noite igual a esta… Vem trazer-me a alegria dessa esperança triste, Porque sempre és alegre, e sempre trazes esperança, Segundo a velha literatura das sensações. Vem, traz a esperança, vem, traz a esperança. O meu cansaço entra pelo colchão dentro. Doem-me as costas de não estar deitado de lado. Se estivesse deitado de lado doíam-me as costas de estar deitado de lado. Vem, madrugada, chega! Que horas são? Não sei. Não tenho energia para estender uma mão para o relógio, Não tenho energia para nada, para mais nada… Só para estes versos, escritos no dia seguinte.Sim, escritos no dia seguinte. Todos os versos são sempre escritos no dia seguinte. Noite absoluta, sossego absoluto, lá fora...

Se as minhas insónias, no dia seguinte, produzissem versos como estes...

Resolvi imitar uma personagem da rayuela e fui à varanda para ver se existiria alguém acordado. Nem uma luz acesa.Será que há alguém acordado que gostasse de não dormir comigo? Há convites para almoços e jantares, há convites para dormir com, mas ninguém envia um convite do tipo" Quer vir ter insónias comigo??

Quando tenho insónias sou (sinto-me) o ser mais solitário do mundo. Uma solidão irremediável: fico, frente a frente, com os meus medos, frágil , insegura, criança grande que já não se pode refugiar na cama dos pais para afugentar os "papões"...


Não durmo; não posso ler quando acordo de noite, Não posso escrever quando acordo de noite, Não posso pensar quando acordo de noite — Meu Deus, nem posso sonhar quando acordo de noite!

A insónia é isso: uma recuperação do horizonte que suspende a continuidade útil do real quotidiano, que puxa as sensações como elásticos e nos precipita no próprio abismo desse horizonte inicial; como se diz em «Na floresta do alheamento», «orlas de mares desconhecidos tocavam, no horizonte de ouvirmos, praias que nunca poderíamos ver, e era-nos a felicidade escutar, até vê-lo em nós, esse mar onde sem dúvida singravam caravelas com outros fins em percorrê-los que não os fins úteis e comandados da Terra». Estamos face a «esta coisa nenhuma da vida universal que está lá fora» e que é «a invisibilidade visível de tudo».

Mas à medida que a insónia se prolongava, dominando-me por completo...a minha perturbação ia aumentando. Comecei a recitar rimas, e depois poesia...de uma forma quase alheia à minha vontade. Era como se aquela atividade troçasse de mim. Eu própria troçava de mim, enquanto as palavras caíam na absurdidade...Eu não era eu própria. Por esta altura já não era o sono que eu procurava...Só era necessário ceder. Que estranho... E vinha-me à cabeça. Quanto mais eu tentava sacudir o pensamento, mais ele voltava...Eu não podia sequer considerá-lo , mas considerava-o. O pensamento estava ali, a pairar na minha mente... Eu podia fazê-lo não por ciúmes, maldade ou fúria, mas por loucura, uma loucura que podia estar ali ao pé de mim no escuro. E também não de trataria de uma loucura selvática, mas algo que podia ser quase uma tentação. Uma vaga e tentadora e meio indolente sugestão , que parecesse ter estado muito tempo à minha espera.

Mas quantas vezes a insónia é um dom. De repente acordar no meio da noite e ter essa coisa rara: solidão. Quase nenhum ruído... E tomo café com gosto, toda sozinha no mundo. Ninguém me interrompe o nada. É um nada a um tempo vazio e rico... Depois vai amanhecendo. As nuvens clareando sob um sol às vezes pálido como uma lua, às vezes de fogo puro. Vou ao terraço e sou talvez a primeira do dia a ver a espuma branca do mar. O mar é meu, o sol é meu, a terra é minha. E sinto-me feliz por nada, por tudo.

E tomo café com gosto, toda sozinha no mundo. Ninguém me interrompe o nada. É um nada a um tempo vazio e rico...
Gostaria de ter sido ela a escrever isto.
Não consegue ficar na cama, não faz nada, não lê, não escreve, só consegue andar e pensar, num estado febril, ansioso: anda, pensa,anda, pensa... Não voai para lugar algum, mas caminha; é difícil explicar , de modo lógico, o que pensa...é um pensamento muito ativo, mas vazio de conteúdo. São momentos tendencialmente improfícuos, mas, apesar de tudo, interessantes: parece que consegue pensar o próprio pensamento, uma forma diferente de te pensar...Apesar de tudo, gosta-se... Hoje sentiu a insónia como um dom...Talvez logo à noite volte a ter uma ausência de sono inspirada...

Diz uma lenda que, quando não conseguimos dormir, é porque estamos acordados no sonho de alguém.Será? Esta ideia fez-me sorrir..

You know it's three weeks, I'm going insane You know I'd give you everything I've got for a little peace of mindI'd give you everything I've got for a little peace of mind

O amanhecer serena-me ....

Here comes the sun Here comes the sun And I say It's all righ...
Já há luz natural, posso começar a ler... Logo que amanhece , deixo de sentir que estou com insónias: estou, simplesmente,acordada ,como toda a gente...

Quando será que decido arrumar, de vez, a cabeça e a imaginação? Já tenho uma gaveta plena de vazio, terei de providenciar uma arca , não para a minha obra, mas para a minha vida...

Pior do que ter insónias, talvez seja ter pesadelos...

Dizes que queres expedir e receber cartas verdadeiras,com envelope e selo postal,porque queres experimentar a emoção da espera, o "arrepio" de abrir a caixa do correio sem saber se encontrarás uma carta minha...queres voltar atrás no tempo,que não há poesia em ligar o computador...

Gostei, apesar de tudo, da ideia do "arrepio" , embora não concorde que não haja poesia em ligar o computador. Há dias que é mesmo o único gesto poético que faço...

Apesar de ter lido algo muito leve, demasiado leve, indecorosamente leve, tivve um pesadelo verdadeiramente kafkiano... Não gosto de ter pesadelos( Que afirmação inócua, ninguém gosta...) Passei toda a noite a ser perseguida por um homem, não identificado, que não me deixava partir não sei para onde... Nesse espaço vago e indefinido, em que se desenrolam sonhos , pesadelos e visões, surgiam alunos, passados presentes e futuros, o que me levou a concluir tratar-se de uma visita de estudo. Acordei assustada , pois o homem tinha um ar gelado, frio, ameaçador...
Como delineamos os seres que nos povoam a vida noturna? Existirão de facto? Ter-nos-emos cruzado com eles numa outra dimensão? Serão simplesmente pessoas de que não nos recordamos, mas com quem contactámos sem que nos tenhamos, conscientemente, fixado nelas? Será que temos um registo informal de desconhecidos que , sem saber , conhecemos? Relativamente a isso, só tenho uma certeza: sonhi uma vez com um homem que se sentava ao meu lado no elétrico, causando-me desconforto. Quando acordei, a imagem dele surgiu-me com uma nitidez pouco usual. Vários anos depois, entro num consultório e parecia que estava a ver uma assombração: ele era o dentista.
Há realidades complexas e o pesadelo, até etimologicamente, é um pesadelo. A palavra terá surgido no século XVI e , com pouca convicção, se afirma que tem origem em pesado como o suspeito sufixo elo... Não me convence...
Do latim -ellu-,tem uma a função diminutiva: brocatelo, butelo, carpelo, castelo, chichelo, colunelo, cutelo, doidelo/, escutelo, farelo, flabelo, flagelo, fuselo, labelo, libelo, magrelo, mezanelo, nigelo, ocelo, orbitelo, pinguelo, pontarelo, saltarelo, vitelo; armazelo, cabedelo, campelo, capelo, cerebelo, corvelo, cotovelo, donzelo, lombelo, ourelo. Nada de pesadelo e, além disso, o valor diminutivo, seja de carinho ou pequenez, não se adequa...A ligação semântica a peso afigura-se intuitiva, mas depois há qualquer coisa que me escapa...


Doctor Strange is always changing siz And it's high time Cymbaline It's high time Cymbaline Please wake me

Agosto de 2020
https://soundcloud.com/user-882012374

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