Via sacra...
Por fim, a Hora chegou. O caminho de Jesus pelas estradas poeirentas da Galileia e da Judeia, ao encontro dos corpos e dos corações atribulados, impelido pela urgência de anunciar o Reino… esse caminho detém-se aqui, hoje. Na colina do Gólgota. Hoje a cruz atravanca a estrada. Jesus não irá mais longe. Impossível ir mais longe! Aqui o amor de Deus obtém a sua medida plena: amor sem medida. Hoje, o amor do Pai, que deseja que todos os homens se salvem por intermédio do Filho, vai até ao extremo, onde deixamos de ter palavras, onde ficamos desorientados, onde a nossa religiosidade é ultrapassada pelo excesso dos desígnios de Deus.E, precisamente sob a mesma cruz, trata-se do nosso mundo, com todas as suas quedas e os seus sofrimentos, os seus apelos e as suas revoltas, tudo aquilo que clama a Deus, hoje, a partir das terras de miséria ou de guerra, nas famílias dilaceradas, nas prisões, nas barcaças sobrecarregadas de migrantes…
Tantas lágrimas, tanta miséria no cálice que o Filho bebe por nós.Tantas lágrimas, tanta miséria que não acabam perdidas no oceano do tempo, mas são recolhidas por Ele, para ser transfiguradas no mistério de um amor em que o mal é consumido.Se o nosso olhar não alcança esta verdade, então continuamos prisioneiros nas redes do sofrimento e da morte. E tornamos vã, para nós, a Paixão de Cristo.
Estação I - Jesus é condenado à morte.
Estação II - Jesus é renegado por Pedro.
Estação III - Jesus e Pilatos.
Estação IV - Jesus, rei da glória.
Estação V - Jesus carrega a cruz.
Estação VI- Jesus e Simão de Cirene.
Estação VII- Jesus e as filhas de Jerusalém.
Estação VIII -Jesus é despojado das suas vestes.
Estação IX -Jesus é crucificado.
Estação X - Jesus é escarnecido na cruz.
Estação XI- Jesus e a sua Mãe.
Estação XII- Jesus morre na cruz.
Estação XIII- Jesus é retirado da cruz.
Estação XIV- Jesus no sepulcro e as mulheres.
Morte...
"Deus meu, Deus meu, porque me desamparaste? "
Febre! Febre! Estou trémulo de febre
E de delírio, e ainda assim é grato
Tudo isto a não sei que se passa
Sem propósito de passar e... não, não, não...
Fiquei fingindo que fujo... Fugirei...
Onde estou? O que foi? que faço aqui?
Arde-me a alma toda, arde-me arde
Como uma cousa que arde.(...)
Maldita a ideia que te faz tocar
No que eu não posso mais sentir, mas posso
Apavorar-me de já ter sentido
E lembrar-me. Não fales mais. Eu vou...
Eu vou não sei onde...Como me treme
Com que debilidade e sentimento
De estar mudado o corpo todo.
Adeus, quisera ter achado em ti
O que em ti não podia ter achado.
Os teus remédios nada valem.
Neste infinito fim que nos alcançou Guardo uma lágrima vinda do fundo Guardo um sorriso virado para o mundo Guardo um sonho que nunca chegou (...) Na praia deserta dos dias que passam Falo ao mar de coisas que vi Falo ao mar do que conheci...No mundo onde tudo parece estar certo Guardo os defeitos que me atam ao chão Guardo muralhas feitas de cartão Guardo um olhar que parecia tão perto Para o país do esquecer o nunca nascido Levo a espada e a armadura de ferro Levo o escudo e o cavalo negro Levo-te a ti... levo-te a ti... levo-te a ti para sempre comigo...Na praia deserta dos dias que passam Falo ao mar de coisas que vi Falo ao mar do que nunca perdi...
Nada começa que não tenha que acabar, tudo o que começa nasce do que acabou.
Ressurreição...
Eu acordei e Jesus ressuscitou. Eu fui à varanda olhar para o céu , porque agora me dedico à observação das nuvens, mas antes apareci à gata e cumpri o ritual dos meus deveres de sua escrava. Jesus, o que fez, antes de subir ao céu?
A lista das suas aparições corporais, após a ressurreição, difere de evangelho para evangelho. É polémica que não me interessa, registo aqui a versão mais generosa: dezoito vezes...
1. Maria Madalena, a pecadora sem pecado.
2. Maria,sua mãe, e a Salomé.
3. Discípulos de Emaús.
4. Pedro.
5. A dez apóstolos (Tomé ausente).
6. Aos onze apóstolos (Tomé presente).
7. A sete apóstolos ,junto ao mar da Galileia.
8. A quinhentos irmãos.
9. Tiago.
10 e 11. Aos apóstolos.
12. Estêvão,quando foi apedrejado.
13,14,15,16,17. Paulo que , pelos vistos, ganha esta competição...
18. João.
A aparição que mais me agrada, por razões estéticas, é a exemplificada neste quadro de tintoretto, Noli me tangere... A pecadora, arrependida, pede a jesus que não lhe toque, porque, pelos vistos, isto do pecado é coisa que se pega. Um ressuscitado recente, tal como um transplantado, corre muitos riscos de infeção e, não vá o diabo tecê-las ...
(Ainda há quem diga que estas crenças não têm fundamento científico...)
Reflexão...
...o seu pensar não foi assim tão claro, o pensamento, afinal de contas, já por outros, ou o mesmo, foi dito, é como um grosso novelo de fio enrolado sobre si mesmo, frouxo nuns pontos, noutros apertado até a sufocação e ao estrangulamento, está aqui, dentro da cabeça, mas é impossível conhecer-lhe a extensão toda, seria preciso desenrolá-lo, estendê-lo, e finalmente medi-lo, mas isto, por mais que se intente, ou finja intentar, parece que não o pode fazer o próprio sem ajudas, alguém tem que vir um dia dizer por onde se deve cortar o cordão que liga o homem ao seu umbigo, atar o pensamento à sua causa.
...sentindo-se a cada momento prestes a abandonar o mundo, como se estivesse suspensa de um fio delgado que fosse seu último pensamento, um puro pensar sem objetos nem palavras, apenas saber que se está pensando, e não poder saber em quê e para que fim.
“Quem és tu, que comigo te pareces, mas a quem não sei reconhecer (...) o certo é que um silêncio como este, quando fixamente olhamos a chama de uma fogueira e calamos, se quisermos traduzi-lo em palavras, não há outras senão aquelas, e dizem tudo.
...o dia de amanhã não se sabe a quem pertence, há quem diga que a Deus, é uma hipótese tão boa como a outra, a de não pertencer a ninguém, e tudo isso, ontem, hoje e amanhã, não serem mais do que diferentes nomes da ilusão.
Por trás do fim
Por trás de nós
Por trás de ti
Estamos só no que o dia quis deixar.
Depois das aparições, jesus teve de ficar prisioneiro no céu. E eu? Serei prisioneira da minha imaginação ou da minha lucidez?
No céu tinha que estar sempre sério
E de vez em quando de se tornar outra vez homem
E subir para a cruz, e estar sempre a morrer
Com uma coroa toda à roda de espinhos
E os pés espetados por um prego com cabeça,
E até com um trapo à roda da cintura
Como os pretos nas ilustrações.
Estou vencido, como se soubesse a verdade.
Estou lúcido, como se estivesse para morrer,
E não tivesse mais irmandade com as coisas
Senão uma despedida, tornando-se esta casa e este lado da rua
A fileira de carruagens de um comboio, e uma partida apitada
De dentro da minha cabeça,
E uma sacudidela dos meus nervos e um ranger de ossos na ida.
Estou hoje perplexo como quem pensou e achou e esqueceu.
Estou hoje dividido entre a lealdade que devo
À Tabacaria do outro lado da rua, como coisa real por fora,
E à sensação de que tudo é sonho, como coisa real por dentro.
Falhei em tudo.
Como não fiz propósito nenhum, talvez tudo fosse nada.
A aprendizagem que me deram,
Desci dela pela janela das traseiras da casa,
Fui até ao campo com grandes propósitos.
Mas lá encontrei só ervas e árvores,
E quando havia gente era igual à outra.
Saio da janela, sento-me numa cadeira. Em que hei-de pensar?
Que sei eu do que serei, eu que não sei o que sou?
Ser o que penso? Mas penso ser tanta coisa!
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