E por falar em saudade
Onde anda você?
Sunday morning, praise the dawning It's just a restless feeling by my side Early dawning, Sunday morning It's just the wasted years so close behind Watch out, the world's behind you There's always someone around you who will call It's nothing at all Sunday morning and I'm falling I've got a feeling I don't want to know Early dawning, Sunday morning It's all the streets you crossed, not so long ago...
Esse lugar activo de sensações, a minha alma, passeia às vezes comigo conscientemente pelas ruas nocturnas da cidade, nas horas tedientas em que me sinto um sonho entre sonhos de outra espécie, à luz (...) do gás, pelo ruído transitório dos veículos (...) Ao mesmo tempo que em corpo me embrenho por vielas e subruas, torna-se-me complexa a alma em labirintos de sensação. Tudo quanto de aflitivamente pode dar a noção de irrealidade e de existência fingida, tudo quanto soletra, sem ser ao raciocínio, mas concreta e (...)mente, o quanto é mais do que oco o lugar do universo, desenrola-se-me então objectivamente no espírito apartado. Angustia-me, não sei porquê, essa extensão objectiva de ruas estreitas, e largas, essa consecução (...) de candieiros, árvores, janelas iluminadas e escuras, portões fechados e abertos, vultos heterogeneamente nocturnos que a minha vista curta, no que de maior imprecisão lhes dá, ajuda a tornar subjectivamente monstruosos, incompreensíveis e irreais. Fragmentos verbais de inveja, de luxúria, de trivialidade vão de embate ao meu sentido de ouvir. Sussurrados murmúrios (...) ondulam para a minha consciência.
Pouco a pouco vou perdendo a consciência nítida de que existo coextensamente com isto tudo, de que realmente me movo, ouvindo e pouco vendo, entre sombras que representam entes e lugares onde entes o são. Torna-se-me gradualmente, escuramente, indistintamente incompreensível como é que isto tudo pode ser em face do tempo eterno e do espaço infinito. Passo daqui, por passiva associação de ideias, a pensar nos homens que desse espaço e desse tempo tiveram a consciência analisadora e compreendedoramente perdida. Sente-se-me grotesco a ideia de que entre homens como estes, em noites sem dúvida como esta, em cidades de certo não essencialmente diversas da em que penso, os Platões, os Scotus Erigenas, os Kants, os Hegels como que se esqueceram disto tudo, como que se tornaram diversos desta gente (...). E eram da mesma humanidade, (...). Eu mesmo que passeio aqui com estes pensamentos, com que horrorosa nitidez, ao pensá-los, me sinto distante, alheio, confuso e (…). Acabo a minha solitária peregrinação. Um vasto silêncio, que sons miúdos não alteram no como é sentido, como que me assalta e subjuga. Um cansaço imenso das meras coisas, do simples estar aqui, do (...) encontrar-me deste modo pesa-me do espírito ao corpo (...). Quase que me surpreendo a querer gritar, de afundando-me que me sinto em um oceano de (...) de uma imensidão que nada tem com a infinidade do espaço nem com a eternidade do tempo, nem com qualquer coisa susceptível de medida e nome. Nestes momentos de terror supremamente silencioso não sei o que sou materialmente, o que costumo fazer, o que me é usual querer, sentir e pensar. Sinto-me perdido de mim mesmo, fora do meu alcance. A ânsia moral de lutar, o esforço intelectual para sistematizar e compreender, a irrequieta aspiração artista a produzir uma coisa que ora não compreendo, mas que me lembro de compreender, e a que chamo beleza, tudo isto se me some do instinto do real, tudo isto se me afigura nem digno de ser pensado inútil, vazio e longínquo. Sinto-me apenas um vácuo, uma ilusão de uma alma, um lugar de um ser, uma escuridão de consciência onde estranho insecto (...) procurasse em vão sequer a cálida lembrança de uma luz.
Eis que tento retornar ao tempo perdido e, com esta tentativa de regresso, surge-me a ideia de fazer um retiro...Preciso de estar sozinha, sem contacto, real ou vitual, com o mundo dos outros. Urge-me um local onde ninguém me conheça para poder ser só eu, sem a imagem fabricada que se me entranhou de tal modo que já nem consigo distinguir quem sou, quem quero ser, quem quero aparentar que sou...Quero acabar de ler proust, não sei se ele merece, mas eu mereço com toda a certeza. Não consigo ler esta obra , no meio de espreitadelas constantes no facebook, desconcentrada por telefonemas, reuniões "parlamentares" com jovens que ainda acreditam na espécie humana, ensaios com candidatos a atores que nunca o serão, explicações a alunos que nunca entenderão fernando pessoa nem o processo de escrita de saramago, solicitações, convites (invejáveis para muitos) avarias irritantes de eletrodomésticos... Restam-me as noites de insónia para ser eu, para me concentrar, mas o capricho de só gostar de ler com luz natural inviabiliza esses momentos " in white satin" para a leitura. Consulto a agenda da minha inútil existência e concluo,estranhamente, que não posso, pois tenho compromissos de que seria deselegante e indecoroso desvincular-me...
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