Não é neccessário vivermos ao lado de alguém para nos sentirmos ligados a esse alguém mais do que a qualquer outra pessoa...

sexta-feira, 1 de setembro de 2017

Dádivas...

Franz Kafka: uma dádiva: “Precisamos de livros que nos afetem como um desastre, que nos angustiem profundamente, como a morte de alguém que amamos mais do que a nós mesmos, como ser banido para florestas distantes de todos, como um suicídio. Um livro tem de ser o machado para o mar congelado dentro de nós.”

A dádiva de ter acesso à informação...
O título da novela de Kafka tem vindo a ser traduzido, de forma sistemática, por La Métamorphose / (The) Metamorphosis nas línguas francesa e inglesa, tendo as primeiras versões portuguesas adotado esta variante, quer por terem sido traduzidas a partir destas línguas, quer por influência das mesmas. " Na edição que se apresenta aqui, porém, optei pelo título A Transformação por três razões: a variante «transformação» corresponde rigorosamente ao original alemão «Verwandlung»; a variante portuguesa «metamorfose» possui, por sua vez, correspondência em alemão que é «Metamorphose» (...)"
"A expressão «metamorfose», como se sabe, é uma expressão técnica que designa a transformação que certos animais sofrem — na forma e na estrutura — durante o seu desenvolvimento, desde o nascimento até à idade adulta. É uma «metamorfose» lenta, faseada e previsível, ao contrário do que acontece com Gregor Samsa, que, segundo o narrador, após ter acordado de «sonhos inquietos», se viu na sua cama transformado de uma forma radical e completamente imprevisível «num monstruoso inseto». É de salientar ainda que a «transformação» de Gregor Samsa pouco ou nada tem a ver quer com as «metamorfoses» mitológicas, quer com as dos contos de fadas. A descrição quase naturalista do ambiente que rodeia Gregor Samsa não indicia nenhuma possibilidade de uma transformação tão radical quanto aquela de que é acometido o protagonista. Pelo contrário, constitui uma espécie de «contrafação do esquema das metamorfoses ovidianas e dos contos de fadas», pois, ao contrário destas, na novela de Kafka não é dada a Gregor nenhuma hipótese de redenção, isto é de uma
«transformação regressiva». O seu fim acaba por ser a morte, deixando «o corpo completamente raso e seco», portanto um escaravelho ressequido do qual a mulher da limpeza se desembaraça facilmente." Álvaro Gonçalves



Certa manhã,ao acordar após sonos agitados, Gregor Samsa viu-se na sua cama, metamorfoseado num inseto monstruoso. Estava deitado sobre o dorso, tão duro que parecia revestido de metal, e, ao levantar um pouco a cabeça, divisou o arredondado ventre castanho dividido em duros segmentos arqueados, sobre o qual a colcha dificilmente mantinha a posição e estava a ponto de escorregar. Comparadas com o resto do corpo, as inúmeras pernas, que eram miseravelmente finas, agitavam-se desesperadamente diante de seus olhos.
Que me aconteceu? - pensou. Não era um sonho. O quarto, um vulgar quarto humano, apenas bastante acanhado, ali estava, como de costume, entre as quatro paredes que lhe eram familiares.


Mais tarde, quando se acostumou um pouco mais à situação - é claro que nunca poderia acostumar-se inteiramente -, fazia por vezes uma observação que revelava uma certa simpatia, ou que como tal podia ser interpretada. - Bom, hoje ele gostou do jantar - disse enquanto Gregor tinha consumido boa parte da comida; quando ele não comia, o que ia acontecendo com frequência cada vez maior, dizia, quase com tristeza: - Hoje tornou a deixar tudo.

Como ninguém se aventurava a retirá-la, a maçã manteve-se cravada no corpo de Gregor como recordação visível da agressão, que lhe causara um grave ferimento, afetando-o havia mais de um mês. A ferida parecia ter feito que o próprio pai se lembrasse de que Gregor era um membro da família, apesar do seu desgraçado e repelente aspeto atual, não devendo ser tratado como inimigo;pelo contrário, o dever familiar impunha que esquecessem o desgosto e tudo suportassem com paciência.

Naquela família assoberbada de trabalho e exausta, havia lá alguém que tivesse tempo para se preocupar com Gregor mais do que o estritamente necessário! As despesas da casa eram cada vez mais reduzidas. A criada fora despedida; uma grande empregada ossuda vinha de manhã e à tarde para os trabalhos mais pesados, encarregando-se a mãe de Gregor de tudo o resto,incluindo a dura tarefa de bordar. Tinham-se visto até na obrigação de vender as jóias da família, que a mãe e a irmã costumavam orgulhosamente pôr para as festas e cerimónias, conforme Gregor descobriu uma noite, ouvindo-os discutir o preço por que haviam conseguido vendê-las. Mas o que mais lamentava era o facto de não poderem deixar a casa, que era demasiado grande para as necessidades atuais, pois não conseguiam imaginar meio algum de deslocar Gregor.

Ultimamente, Gregor quase não comia. Só quando passava por acaso junto da comida que lhe tinham posto abocanhava um pedaço, à guisa de distração, conservando-o na boca durante coisa de uma hora, após o que normalmente acabava por cuspi-lo.Inicialmente pensara que era o desagrado pelo estado do quarto que lhe tirara o apetite. Depressa se habituou às diversas mudanças que se haviam registado no quarto. A família adquirira o hábito de atirar para o seu quarto tudo o que não cabia noutro sítio e presentemente havia lá uma série delas, pois um dos quartos tinha sido alugado a três hóspedes.

- Temos que nos ver livres dele - repetiu Grete, explicitamente, ao pai, já que a mãe tossia tanto que não podia ouvi uma palavra. - Ele ainda será a causa da sua morte, estou mesmo a ver. Quando se tem de trabalhar tanto como todos nós, não se pode suportar,ainda por cima, este tormento constante em casa. Pelo menos, eu já não aguento mais. - E pôs-se a soluçar tão dolorosamente que as lágrimas caíam no rosto da mãe, a qual as enxugava mecanicamente.

- E agora?, perguntou Gregor a si mesmo, relanceando os olhos pela escuridão. Não tardou em descobrir que não podia mexer as pernas. Isto não o surpreendeu, pois o que achava pouco natural era que alguma vez tivesse sido capaz de se aguentar-se em cima daquelas frágeis perninhas. Tirando isso, sentia-se relativamente bem. É certo que lhe doía o corpo todo, mas parecia-lhe que a dor estava a diminuir e que em breve desapareceria. A maçã podre e a zona inflamada do dorso em torno dela quase não o incomodavam.Pensou na família com ternura e amor. A sua decisão de partir era, se possível, ainda mais firme do que a da irmã. Deixou-se ficar naquele estado de vaga e calma meditação até o relógio da torre bater as três da manhã. Uma vez mais, os primeiros alvores do mundo que havia para além da janela penetraram-lhe a consciência. Depois, a cabeça pendeu-lhe inevitavelmente para o chão e de suas narinas saiu um último e débil suspiro.

Venham só ver isto: ele morreu! Está para ali estendido, morto! (...)- Muito bem - disse o Senhor Samsa -, louvado seja Deus.

- Bem - replicou a criada, rindo de tal maneira que não conseguiu prosseguir imediatamente -, era só isto: não é preciso preocuparem-se com a maneira de se verem livres daquilo aqui no quarto ao lado. Eu já tratei de tudo. -O Senhor Samsa e Grete curvaram-se novamente sobre as cartas, parecendo preocupados. Percebendo que ela estava ansiosa por começar a delatar todos os pormenores, o Senhor Samsa interrompeu-a com um gesto decisivo. Não lhe sendo permitido contar a história, a mulher lembrou-se da pressa que tinha e, obviamente ressentida, atirou-lhes um - Bom dia a todos - disse e girou desabridamente nos calcanhares, afastando-se no meio de um assustador bater de portas.

. Enquanto conversavam sobre estes assuntos, o Senhor e a Senhora Samsa notaram, de súbito, quase ao mesmo tempo, a crescente vivacidade de Grete, de que, apesar de todos os desgostos dos últimos tempos, que a haviam tornado pálida, se tinha transformado
numa bonita e esbelta menina.O reconhecimento desta transformação tranquilizou-os e, quase inconscientemente, trocaram olhares de aprovação total, concluindo que se aproximava a altura de lhe arranjar um bom marido. E quando, terminado o passeio, a filha se pôs de pé antes deles, distendendo o corpo jovem, sentiram, com isso, que aqueles novos sonhos e suas esperançosas intenções haviam de ser realizados.


A morte de gregor foi uma dádiva...Todos gostamos de ver desaparecer quem nos recorda que podemos acordar metamorfoseados...

Não sei se é amor que tens, ou amor que finges,
O que me dás. Dás-mo. Tanto me basta.
Já que o não sou por tempo,
Seja eu jovem por erro.
Pouco os deuses nos dão, e o pouco é falso.
Porém, se o dão, falso que seja, a dádiva
É verdadeira. Aceito,
Cerro olhos: é bastante.
Que mais quero?


Breve o inverno virá com sua branca
Nudez vestir os campos.
As lareiras serão as nossas pátrias
E os contos que contarmos
Assentados ao pé do seu calor
Valerão as canções
Com que outrora entre as verdes ervas rijas
Dizíamos ao sol
O ave atque vale triste e alegre,
Solenes e carpindo.
Por ora o outono está connosco ainda.
Se ele nos não agrada
A memória do estio cotejemos
Com a esperança hiemal.
E entre essas dádivas memoradas
Como um rio passemos.



Eu dei à humanidade o livro mais profundo que ela possui, o meu Zaratustra...


A grandeza do homem consiste em que ele é uma ponte e não um fim; o que nos pode agradar no homem é ele ser transição e queda.

A vontade é impotente perante o que está para trás dela. Não poder destruir o tempo, nem a avidez transbordante do tempo, é a angústia mais solitária da vontade.


Aquele era frio nas suas relações e exigente nas suas escolhas. Mas de um só golpe e para sempre estragou a sua companhia. A isso se chama casamento.

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