Não é neccessário vivermos ao lado de alguém para nos sentirmos ligados a esse alguém mais do que a qualquer outra pessoa...

domingo, 3 de setembro de 2017

Ódios...

Cultivo o ódio à acção como uma flor de estufa. Gabo-me para comigo da minha clarividência da vida.´

Odeio o vulgo profano, e mantenho-o longe; guardai um silêncio sagrado: como sacerdote das musas para virgens e rapazes odes nunca antes ouvidas canto. Os temíveis reis dominam o seu povo, Júpiter governa esses mesmos reis,ele, glorioso no triunfo sobre os Gigantes, com sua sobrancelha tudo fazendo mover. Pode até ser que um homem nos sulcos suas árvores disponha mais vastamente que outro; que um candidato, de sangue mais nobre, até ao Campo desça, adversário de um outro melhor no carácter e na reputação; que outro homem um maior séquito tenha de clientes; a Necessidade contudo, com imparcial lei, a sorte dos grados e dos humildes tira: a vasta urna agita o nome de todos. Àquele sobre cujo ímpio pescoço pende a nua espada, não mais os sicilianos festins doces sabores lhe requintarão, nem o canto das aves e da cítara lhe trará o sono.O suave sono não despreza as humildes casas dos homens do campo, nem as umbrosas margens de um rio, nem Tempe agitada pelos Zéfiros. Quem mais do que o suficiente não deseja, não o inquieta o revolto mar, nem o feroz ataque do poente Arcturo, nem os Cabritos quando surgem, nem as vinhas pelo granizo zurzidas, nem a traiçoeira quinta, quando a árvore se queixa ora das águas, ora das estrelas que queimam os campos, ora dos iníquos invernos. Sentem os peixes que o mar se aperta quando à água enormes pedras são lançadas; para aqui repetidamente arremessa o empreiteiro com seus escravos o formigão, e o senhor farto de terra: mas o Medo e as Ameaças escalam por onde o patrão trepa, e a negra Inquietude a sua posição na trirreme de bronze não abandona, postando-se atrás do cavaleiro. Mas se nem o mármore frígio, nem as vestes de púrpura,
brilhando mais que uma estrela, nem a vinha de Falemo e a costa de Aquémenes podem valer aquele que sofre, porque hei-de erigir, em novo e sublime estilo, um átrio com invejandas portas? Porque hei-de trocar o meu vale sabino por mais laboriosas riquezas?


Escrevi uma carta de recomendação para um aluno que vai estudar para Londres...Entreguei a carta e pensei, fugazmente, que talvez nunca mais o volte a ver. É o terrível de ser professor: estamos sempre a ser abandonados. Quanto mais seres conhecemos maior é o tamanho da solidão. Para onde vão os afetos perdidos? Julgo que se transformam em fantasmas. Ficam num limbo indefinido , não existem, mas pairam, assombram-nos a existência. Vi gratidão no olhar dele. Nada mais. Não gosto de inspirar gratidão...Odeio gratidão e qualquer forma de agradecimento.

Ódio à sobriedade: É necessário estar sempre bêbado. Tudo se reduz a isso; eis o único problema. Para não sentirdes o fardo horrível do Tempo, que vos abate e vos faz pender para a terra, é preciso que vos embriagueis sem cessar. Mas – de quê? De vinho, de poesia ou de virtude, como achardes melhor. Contanto que vos embriagueis. E, se algumas vezes, nos degraus de um palácio, na verde relva de um fosso, na desolada solidão do vosso quarto, despertardes, com a embriaguez já atenuada ou desaparecida, perguntai ao vento, à vaga, à estrela, ao pássaro, ao relógio, a tudo o que foge, a tudo o que geme, a tudo o que rola, a tudo o que canta, a tudo o que fala, perguntai-lhes que horas são; e o vento, e a vaga, e a estrela, e o pássaro, e o relógio, hão de vos responder: - É a hora da embriaguez! Para não serdes os martirizados escravos do Tempo, embriagai-vos; embriagai-vos sem tréguas! De vinho, de poesia ou de virtude, como achardes melhor.


Frades... Frades... Eu não gosto e frades... No ponto de vista artístico porém o frade faz muita falta. Nas cidades, aquela figuras graves e sérias com os seus hábitos talares, quase todos pitorescos e alguns elegantes, atravessando as multidões de macacos e bonecas de casaquinha esguia e chapelinho de alcatruz que distinguem a peralvilha raça europeia — cortavam a monotonia do ridículo e davam fisionomia à população.(...) O que não sabem nem podem fazer os agiotas barões que os substituíram. É muito mais poético o frade que o barão. O frade era, até certo ponto, o Dom Quixote da sociedade velha. O barão é, em quase todos os pontos, o Sancho Pança da sociedade nova. Menos na graça... Porque o barão é o mais desgracioso e estúpido animal da criação. O barão é uma variedade monstruosa engendrada na burra de Balaão, pela parte essencialmente judaica e usurária de sua natureza, em coito danado com o urso Martinho do Jardim das Plantas, pela parte franquinótica sordidamente revolucionária de seu caráter. O barão é pois usurariamente revolucionário, e revolucionarimente usurário... O barão mordeu no frade, devorou-o ... e escouceou-nos a nós depois. Como havemos agora de matar o barão?

... ó geração de vapor e de pó de pedra, macadamizai estradas, fazei caminhos de ferro, construí passarolas de Ícaro, para andar a qual mais depressa, essas horas contadas de uma vida toda material, massuda e grossa como tendes feito esta(...) Andai, ganha-pães, andai : reduzi tudo a cifras, todas as considerações deste mundo a equações de interesse corporal, comprai, vendei, agiotai...


Com a alma atormentada pela impotência do ódio que nos nascera da contemplação dessa horrorosa maioria traidora que ora no parlamento é para o rigoroso sociólogo apta e completamente representativa da monarquia portuguesa, lucubrávamos com impaciência o esboço mental de um artigo, onde, a par da frase enraivecida e áspera, a psicologia explicativa não fizesse falta.
Os panfletos partidários têm geralmente valor, seja qual for a circunstância de momento e de carácter em que foram escritos, quando sejam escritos da oposição. Por isso, sem deixar de seguir um critério imparcial e rigorosamente psicológico, detivemo-nos na leitura das trinta e duas páginas subordinadas ao título que acima foi. Era o que queríamos. Aquele panfleto, cujo autor não sabemos, nem, realmente, nos importa saber, basta-nos como ponto de partida fácil para as deduções de natureza sociológica e sociologicamente psicológica que nos propúnhamos fazer neste artigo. Neste artigo — especializámos, porque no livro sobre a significação sociológica do que actualmente se passa e modernamente se tem passado em Portugal, que preparamos, o problema tem de ser mais fria e analisadamente resolvido.
O progressismo representativo da monarquia constitucional. O caminho que o progressismo seguiu é o que ela seguiu, Analisando um, analisaremos o outro caso. Ladrões natos, liquidando em traidores comprados e espontâneos de uma inconsciência e (...) que apavoram, os progressistas, aptamente representados pelo seu chefe, o Bandalho Máximo, simbolizam a Monarquia
.

(…) Bandidos da pior espécie (muitas vezes, pessoalmente, bons rapazes e bons amigos – porque estas contradições, que aliás o não são, existem na vida), gatunos com seu quanto de ideal verdadeiro, anarquistas-natos com grandes patriotismos íntimos – de tudo isto vimos na açorda falsa que se seguiu à implantação do regimen a que, por contraste com a monarquia que o precedera, se decidiu chamar República. A monarquia havia abusado das ditaduras; os republicanos passaram a legislar em ditadura, fazendo em ditadura as suas leis mais importantes, e nunca as submetendo a cortes constituintes, ou a qualquer espécie de cortes. A lei do divórcio, as leis de família, a lei de separação da Igreja do Estado – todas foram decretos ditatoriais, todas permanecem hoje, e ainda, decretos ditatoriais. A monarquia havia desperdiçado, estúpida e imoralmente, os dinheiros públicos. O país, disse Dias Ferreira, era governado por quadrilhas de ladrões. E a república que veio multiplicou por qualquer coisa – concedamos generosamente que foi só por dois (e basta) – os escândalos financeiros da monarquia.

Os nossos políticos não são gente. Nenhum deles mostra ter tido na sua vida uma daquelas crises espirituais donde se emerge talvez ferido para sempre, mas psiquicamente homem, personalidade espiritual. São ateus pela mesma razão que o é um burro ou uma árvore. São portugueses porque, desgraça nossa, nasceram adentro da nossa fronteira, oriundos de gente que secularmente assim tinha feito.

Mas não há ninguém que lhes possa dar prestígio. Se eles conseguissem erguer do túmulo Nuno Álvares, o Infante D. Henrique e Afonso de Albuquerque, e os conseguissem inscrever no Centro da Rua Ivens, o que resultaria era um grande desprestígio para esses vultos da nossa história. Moralmente já nada salva aquela caranguejola de patifes. Oxalá, moral ou fisicamente, haja alguma coisa que salve isto! (…) Mas não é verdade que é duro chegar-se a este ponto? Não é verdade que dói e envergonha um português ver que a este ponto se chega?

A oportunidade é como o dinheiro, que, aliás, não é mais que uma oportunidade. Para quem age, a oportunidade é um episódio da vontade, e a vontade não me interessa. Para quem, como eu, não age, a oportunidade é o canto da falta de sereias. Tem que ser desprezado com volúpia, arrumado alto para nenhum uso. Ter ocasião de... Nesse campo se disporá a estátua da renúncia.
Ó largos campos ao sol, o espectador, por quem só sois vivos, contempla-vos da sombra. O álcool das grandes palavras e das largas frases que como ondas erguem a respiração do seu ritmo e se desfazem sorrindo, na ironia das cobras da espuma, na magnificência triste das penumbras.


Eu, quando era pequeno, punha muitas vezes os soldados de chumbo de pernas para o ar... E há argumento algum, com jeitos lógicos para convencer, que me prove que os soldados reais não devem andar de cabeça para baixo? A criança não dá mais valor ao ouro do que ao vidro. E na verdade, o ouro vale mais? — A criança acha obscuramente absurdos as paixões, as raivas, os receios que vê esculpidos em gestos adultos. E não são na verdade absurdos e vãos todos os nossos receios, e todos os nossos ódios, e todos os nossos amores? Ó divina e absurda intuição infantil! Visão verdade das coisas, que nós vestimos de convenções no mais nu vê-las, que nos embrumamos de ideias nossas no mais directo olhá-las! (...)Lancei-vos, rindo, esta ideia ao ar e vede como ao vê-la distante de mim de repente vejo o que de horrorosa ela é (Quem sabe se ela não contém a verdade?) E ela cai e quebra-se-me aos pés, em pó de horror e estilhaços de angústia... Acordo para saber que existo... Um grande tédio incerto gorgoleja erradamente fresco ao ouvido, pelas cascatas, cortiçada abaixo, lá ao fundo estúpido do jardim.

Mónica é uma pessoa tão extraordinária que consegue simultaneamente: ser boa mãe de família, ser chiquíssima, ser dirigente da Liga Internacional das Mulheres Inúteis, ajudar o marido nos negócios, fazer ginástica todas as manhãs, ser pontual, ter imensos amigos, dar muitos jantares, ir a muitos jantares, não fumar, não envelhecer, gostar de toda a gente, toda a gente gostar dela, dizer bem de toda a gente, toda a gente dizer bem dela, coleccionar colheres do século XVII, jogar golfe, deitar-se tarde, levantar-se cedo, comer iogurte, fazer ioga, gostar de pintura abstracta, ser sócia de todas as sociedades musicais, estar sempre divertida, ser um belo exemplo de virtudes, ter muito sucesso e ser muito séria.(...) Por trás de tudo isto há um trabalho severo e sem tréguas e uma disciplina rigorosa e constante. Pode-se dizer que Mónica trabalha de sol a sol.(...) Todos os seus vestidos são bem escolhidos e todos os seus amigos são úteis.
Como um instrumento de precisão, ela mede o grau de utilidade de todas as situações e de todas as pessoas. E como um cavalo bem ensinado, ela salta sem tocar os obstáculos e limpa todos os percursos. Por isso tudo lhe corre bem, até os desgostos. Os jantares de Mónica também correm sempre muito bem. Cada lugar é um emprego de capital. A comida é óptima e na conversa toda a gente está sempre de acordo, porque Mónica nunca convida pessoas que possam ter opiniões inoportunas. Ela põe a sua inteligência ao serviço da estupidez. Ou, mais exatamente: a sua inteligência é feita da estupidez dos outros. Esta é a forma de inteligência que garante o domínio. Por isso o reino de Mónica é sólido e grande. Ela é íntima de mandarins e de banqueiros e é também íntima de manicuras, caixeiros e cabeleireiros. Quando ela chega a um cabeleireiro ou a uma loja, fala sempre com a voz num tom mais elevado para que todos compreendam que ela chegou. E precipitam-se manicuras e caixeiros. A chegada de Mónica é, em toda a parte, sempre um sucesso. Quando ela está na praia, o próprio Sol se enerva…

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