Este palavrário é o que fica do que nunca serei...
Não é neccessário vivermos ao lado de alguém para nos sentirmos ligados a esse alguém mais do que a qualquer outra pessoa...
quinta-feira, 14 de dezembro de 2017
O amor e o desejo...
Amar es la mayor aceptación,
pero también el mayor asombro.
Quizá no sepamos de qué ante qué,
pero percibimos por fin algo más que lo diferente,
tal vez más diferente todavía.
Y así se pone en crisis
la ambulatoria duplicidad de cuanto existe.
El esfuerzo de ser uno
encuentra su descanso
en el esfuerzo de ser dos.
Y sólo entonces
dos es más que uno.
O quizá
más que ninguno
Un amor más allá del amor
por encima del rito del vínculo,
más allá del juego siniestro
de la soledad y la compañía.
Un amor que no necesite regreso,
pero tampoco partida.
Un amor no sometido
a los fogonazos de ir y de volver,
de estar despiertos o dormidos,
de llamar o callar.
Un amor para estar juntos
o para no estarlo,
pero también para todas las posiciones intermedias.
Un amor como abrir los ojos.
Y quizás también como cerrarlos.
Háblame Que no te oiga Quiéreme Que yo no sepa Cuídame Que no lo vea No me mires, no me escuches Haz de cuenta que no existo Cúrame, Que no sane Vierte en mi Tu indiferencia Cálmame Que en mi se agite El deseo como un fuego Y me muera por besarte Llámame No me…
( Ante sriptum:Um homem que lê, ou que pensa, ou que calcula, pertence à espécie e não ao sexo; nos seus melhores momentos, escapa mesmo ao humano. Mas as minhas amantes pareciam orgulharem-se de pensar somente como mulheres:: o espírito ou a alma, que eu procurava, ainda não era mais do que um perfume. )
E aquele tempo perdido em analisar o que nunca se chegou a passar, a medir os precisos termos de relações que nunca se dariam. Fora um capricho, não do temperamento, mas da simples imaginação. Cada um fora um sonho para o outro, uma espécie de trampolim para saltar dentro de si mesmo de um esquema de emoções para outro esquema de emoções, de uma possibilidade para outra possibilidade.Aquela banalidade de vida é que era a realidade da vida dela; aquela impossibilidade de fazer mais que sonhar é que era a certeza dele. O que ela manifestara para com ele fora apenas um sonho em voz alta, e o que ele manifestara para ela uma possibilidade em voz baixa. As vozes harmonizavam-se pela própria desarmonia.
Passei toda a noite, sem dormir, vendo, sem espaço, a figura dela,
E vendo-a sempre de maneiras diferentes do que a encontro a ela.
Faço pensamentos com a recordação do que ela é quando me fala,
E em cada pensamento ela varia de acordo com a sua semelhança.
Amar é pensar.
E eu quase que me esqueço de sentir só de pensar nela.
Não sei bem o que quero, mesmo dela, e eu não penso senão nela.
Tenho uma grande distração animada.
Quando desejo encontrá-la
Quase que prefiro não a encontrar,
Para não ter que a deixar depois.
Não sei bem o que quero, nem quero saber o que quero.
Quero só pensar nela.
Não peço nada a ninguém, nem a ela, senão pensar.
Mesmo a ausência dela é uma coisa que está comigo.
E eu gosto tanto dela que não sei como a desejar.
Se me tivesses falado de amor, eu ter-te-ia amado...
Sentia-se enlouquecer; teve impressão de que ao inclinarem-se, eles se beijavam, ali, mesmo diante dele... "Preciso de me acalmar; se me mostro rude, ela é capaz, só por vaidade, de o seguir para Belgirate; e lá, ou durante a viagem, o acaso pode provocar uma palavra que dê nome ao que sentem um pelo outro; e depois, num instante, todas as consequências. ( ...) "E aqui mesmo, que sou eu senão o "terzo incommodo"( um terceiro presente, que incomoda)! Que dor para um homem inteligente sentir que está a representar esse papel execrável, e não pode tomar sobre si a decisão de se levantar e ir-se embora."
Agi sempre para dentro... Nunca toquei na vida... Sempre que esboçava um gesto, acabava-o em sonho, heroicamente... Uma espada pesa mais que a ideia de uma espada... Comandei grandes exércitos — venci grandes batalhas, gozei grandes derrotas — tudo dentro de mim...Gostava de passear sozinho pelas alamedas e pelos grandes corredores e de comandar as árvores e desafiar os retratos das paredes...No grande corredor sombrio que há ao fundo do palácio passeei com a minha noiva muitas vezes... Eu nunca tive noiva real... Nunca soube como se amava... Apenas soube como se sonhava amar... Gostava de ver a minha face reflectida porque podia sonhar que era a face de outra criatura — porque era de formas femininas, que era de minha amada que era a minha face reflectida... Quantas vezes a minha boca, tocou na minha boca nesse espelho!... Quantas vezes apertei uma das mãos com a outra, quantas adorei meus cabelos com a minha mão alheada para que parecesse dela ao tocar-me. Não sou eu que te estou dizendo isto... É o resto de mim que está falando.
"Poema do Desamor" Desmama-te desanca-te desbunda-te
Não se pode morar nos olhos de um gato
Beija embainha grunhe geme
Não se pode morar nos olhos de um gato
Serve-te serve sorve lambe trinca
Não se pode morar nos olhos de um gato
Queixa-te coxa-te desnalga-te desalma-te
Não se pode morar nos olhos de um gato
Arfa arqueja moleja aleija
Não se pode morar nos olhos de um gato
Ferra marca dispara enodoa
Não se pode morar nos olhos de um gato
Faz festa protesta desembesta
Não se pode morar nos olhos de um gato
Arranha arrepanha apanha espanca
Não se pode morar nos olhos de um gato
Que bem sabe o amor constante Que me aparelha contigo.
Teu só sossego aqui contigo ausente
Na casa que te veste à justa de paredes,
Tenho-te em móveis, nos perfumes, na semente
Dos cuidados que deixas ao partir,
A doce estância toda povoada
Dos mínimos sinais, dos sapatos de plinto
Que te elevam, Terpsícore ou Mnemósine,
Como uma estátua fiel ao labirinto.
Aqui, androceu da flor, o cálice abre aromas,
Farmácia chamo à tua colecção de vidros
Onde, à margem de planos e de somas,
Tenho remédio para os meus alvidros.
O chá é forte e adstringente,
O leite grosso sabe à ordenha,
E até nos quadros vive gente
À espera que a dona venha.
Porque tudo nos tectos é coroa,
No chão as traînes, os passinhos salpicados
Como o vento ainda longe de Lisboa
Escolheu a gaivota do balanço
Que no cais engolfado melhor voa:
Um vácuo, enfim, que o não será — tão logo
Chegues no ar medido e a aço propulso:
Por isso um pouco de fogo
Bate sanguíneo em meu pulso,
Pois o amor de quem espera
É uma graça a vencer.
Uma casa sem hera
É como gente sem viver.
A vontade é impotente perante o que está para trás dela. Não poder destruir o tempo, nem a avidez transbordante do tempo, é a angústia mais solitária da vontade. Assim falou Zaratustra...
"O verdadeiro amor deve ser criar uma obra artística em conjunto...O problema é que, quando o amor acaba, a capacidade criativa se esvai. O que é o amor platónico? É um ideal de totalidade. Encontrar a metade que nos pertence, o ser que nos completa, é um ideal praticamente inatingível..."
“Na verdade, Erixímaco, disse Aristófanes, (...) é preciso primeiro aprenderdes a natureza humana e as suas vicissitudes. Com efeito, a nossa natureza outrora não era a mesma que a de agora, mas diferente. Em primeiro lugar, três eram os géneros da humanidade, não dois como agora, o masculino e o feminino, mas também havia a mais um terceiro, comum a estes dois, do qual resta agora um nome, desaparecida a coisa; andrógino era então um género distinto, tanto na forma como no nome comum aos dois, ao masculino e ao feminino, enquanto agora nada mais é que um nome posto em desonra. Depois, inteiriça era a forma de cada homem, com o dorso redondo, os flancos
em círculo; quatro mãos ele tinha, e as pernas o mesmo tanto das mãos, dois rostos sobre um pescoço torneado, semelhantes em tudo; mas a cabeça sobre os dois rostos opostos um ao outro era uma só, e quatro orelhas, dois sexos, e tudo o mais como desses exemplos se poderia supor.(...) Eis por que eram três os géneros, e tal a sua constituição, porque o masculino de início era descendente do sol, o feminino da terra, e o que tinha de ambos era da lua, pois também a lua tem de ambos; e eram assim circulares, tanto eles próprios como a sua locomoção, por terem semelhantes genitores. Eram por conseguinte de uma força e de um vigor terríveis, e uma grande presunção eles tinham; mas voltaram-se contra os deuses (...) Zeus então e os demais deuses puseram-se a deliberar sobre o que se devia fazer com eles, e embaraçavam-se; não podiam matá-los e, após fulminá-los como aos gigantes, fazer desaparecer-lhes a raça - pois as honras e os templos que lhes vinham dos homens desapareceriam — nem permitir-lhes que continuassem na impiedade. Depois de laboriosa reflexão, diz Zeus: “Acho que tenho um meio de fazer com que os homens possam existir, mas parem com a intemperança, tornados mais fracos. Agora com efeito, continuou, eu os cortarei a cada um em dois, e ao mesmo tempo eles serão mais fracos e também mais úteis para nós, pelo fato de se terem tomado mais numerosos; e andarão eretos, sobre duas pernas. Se ainda pensarem em arrogância e não quiserem acomodar-se, de novo, disse ele, eu os cortarei em dois, e assim sobre uma só perna eles andarão, saltitando.”
Logo que o disse pôs-se a contar os homens em dois(...) E sempre que morria uma das metades e a outra ficava, a que ficava procurava outra e com ela se enlaçava, quer se encontrasse com a metade do todo que era mulher - o que agora chamamos mulher — quer com a de um homem; e assim iam-se destruindo. Tomado de compaixão, Zeus consegue outro expediente, e muda-lhes o sexo para a frente - pois até então eles tinham-no para fora, e geravam e reproduziam-se não um no outro, mas na terra, como as cigarras; pondo assim o sexo na frente deles fez com que através dele se processasse a geração um no outro, o macho na fêmea, pelo seguinte, para que no enlace, se fosse um homem a encontrar uma mulher, que ao mesmo tempo gerassem e se fosse constituindo a raça, mas se fosse um homem com um homem, que pelo menos houvesse saciedade no seu convívio e pudessem repousar, voltar ao trabalho e ocupar-se do resto da vida.
E então de há tanto tempo que o amor de um pelo outro está implantado nos homens, restaurador da nossa antiga natureza, na sua tentativa de fazer um só de dois e de curar a natureza humana. Cada um de nós portanto é uma téssera complementar de um homem, porque cortado como os linguados, de um só em dois; e procura então cada um o seu próprio complemento. Por conseguinte, todos os homens que
são um corte do tipo comum, o que então se chamava andrógino, gostam de mulheres, e a maioria dos adultérios provém deste tipo, assim como também todas as mulheres que gostam de homens e são adúlteras, é deste tipo que provêm. Todas as mulheres que são o corte de uma mulher não dirige muito a sua atenção aos homens, mas antes estão voltadas para as mulheres... E todos os que são corte de um macho perseguem o macho, e enquanto são crianças, como cortículos do macho, gostam dos homens e se comprazem em deitar-se com os homens e com eles se enlaçar, e são estes os melhores meninos e adolescentes, os de natural
mais corajoso. Dizem alguns, é verdade, que eles são despudorados, mas estão mentindo; pois não é por despudor que fazem isso, mas por audácia, coragem e masculinidade, porque acolhem o que lhes é semelhante. Uma prova disso é que, uma vez amadurecidos, são os únicos que chegam a ser homens para a política, os que são desse tipo. E quando se tornam homens, são os jovens que eles amam, e a casamentos e procriação naturalmente eles não lhes dão atenção, embora por lei a isso sejam forçados, mas se contentam em passar a
vida um com o outro, solteiros. Assim é que, em geral, tal tipo torna-se amante e amigo do amante, porque está sempre acolhendo o que lhe é aparentado. Quando então se encontra com aquele mesmo que é a sua própria metade, tanto o amante do jovem como qualquer outro, então extraordinárias são as emoções que sentem, de amizade, intimidade e amor, a ponto de não quererem por assim dizer separar-se um do outro nem por um pequeno momento.(...) O motivo disso é que nossa antiga natureza era assim e nós éramos um todo; é portanto ao desejo e procura do todo que se dá o nome de amor. Anteriormente, como estou dizendo, nós éramos um só, e agora é que, por causa da nossa injustiça, fomos separados pelo deus, e como o foram os árcades pelos lacedemónios; é de temer então, se não formos moderados para com os deuses, que de novo sejamos fendidos em dois, e perambulemos tais quais os que nas estelas estão talhados de
perfil, serrados na linha do nariz, como os ossos que se fendem.(...)"
Ode ao corpo de uma mulher
Assim tu és dupla - o teu ser de mulher e Deus
A tua Presença é um ...mistério
A tua carne é espírito para que se olha como os olhos devem fazer
Ao inquirir ao pensamento: o que é ver?
Cada limite é o caminho visível
Para um infinito invisível.
Todo o teu corpo está dado
Nas tuas mãos que retenho
Como, sem sonhar ter-te?...
Porque não dormirei?
O meu corpo é o abysmo entre eu e eu.
Mas, de repente, e com um regresso de pesadello estatelado, desperto do meu romantismo sexual, e córo a sós comigo de fazer com a mente de dentro a mesma coisa que fazem todos os homens.
Amor é o aroma que imagino emanar da tua pele.
Amar é ser cativado por um ser diferente e nunca lhe retirar a liberdade de ficar ou de partir, de ir e de voltar.
Amar é ser descoberto por alguém que nos procura e, sempre que encontra, descobre mais qualquer coisa que o faz desejar continuar a procurar.
Ser amado é sentir que alguém gosta de nós de um modo diferente, saber que se tem um significado diferente, perceber que esse alguém deseja a nossa companhia porque ela é diferente.
"Tu só, tu, puro Amor, com força crua,
Que os corações humanos tanto obriga,
Deste causa à molesta morte sua,
Como se fora pérfida inimiga.
Se dizem, fero Amor, que a sede tua
Nem com lágrimas tristes se mitiga,
]É porque queres, áspero e tirano,
Tuas aras banhar em sangue humano.
— "Ó Ninfa, a mais formosa do Oceano,
Já que minha presença não te agrada,
Que te custava ter-me neste engano,
Ou fosse monte, nuvem, sonho, ou nada?
De longe a Ilha viram fresca e bela,
Que Vénus pelas ondas lha levava
(Bem como o vento leva branca vela)
Para onde a forte armada se enxergava;
Que, por que não passassem, sem que nela
Tomassem porto, como desejava,
Para onde as naus navegam a movia
A Acidália, que tudo enfim podia.
Assim lhe aconselhara a mestra experta;
Que andassem pelos campos espalhadas;
Que, vista dos barões a presa incerta,
Se fizessem primeiro desejadas.
Algumas, que na forma descoberta
Do belo corpo estavam confiadas,
Posta a artificiosa formosura,
Nuas lavar-se deixam na água pura,
Começam de enxergar subitamente
Por entre verdes ramos várias cores,
Cores de quem a vista julga e sente
Que não eram das rosas ou das flores,
Mas da lã fina e seda diferente,
Que mais incita a força dos amores,
De que se vestem as humanas rosas,
Fazendo-se por arte mais formosas.
"Sigamos estas Deusas, e vejamos
Se fantásticas são, se verdadeiras."
Isto dito, velozes mais que gamos,
Se lançam a correr pelas ribeiras.
Fugindo as Ninfas vão por entre os ramos,
Mas, mais industriosas que ligeiras,
Pouco e pouco sorrindo e gritos dando,
Se deixam ir dos galgos alcançando.
Ó que famintos beijos na floresta,
E que mimoso choro que soava!
Que afagos tão suaves, que ira honesta,
Que em risinhos alegres se tornava!
O que mais passam na manhã, e na sesta,
Que Vénus com prazeres inflamava,
Melhor é experimentá-lo que julgá-lo,
Mas julgue-o quem não pode experimentá-lo.
Porque o bosque é tranquilo,
(como se tivesse sido organizado por
um poeta chinês antigo.) Ramos castanhos
recebem o vento incolor com a alegria
da tela que recebe as mais intensas tintas.
Vento tão lento que parece um provérbio natural. Os instantes existem,
mas parecem recuperáveis. Nem o tempo se perde, ali,
onde nenhum ruído da cidade entra.
"Nenhuma descoberta da ciência modifica tão fortemente o rosto de um homem como os momentos de prazer.” (est. 24)
“A única velharia que chegou intacta ao estúpido século XXI é a do amor.” (est. 32)
“Certas mulheres bem treinadas são capazes de acariciar com os seus seios mãos desprevenidas e ingénuas. Quem toca em quem, eis a questão.” (est. 68)
“Fora do trabalho os homens descarregam para o solo a educação (como um peso) e mais leves ficam então preparados para a maldade ou para a diversão. No ócio o rosto desembaraça-se e sozinho ganha um estilo individual; portanto: perigoso.” (est. 70)
“Quando não há líquidos como o vinho, homens e mulheres comportam-se de modo sério, discutem símbolos e não são abandonados pela inteligência e pela necessidade de a exibir.” (est. 71)
Procurou o Espírito na viagem à Índia,
encontrou a matéria que já conhecia.
Nada agora o faz hesitar; animais bem-comportados
e agarrados por coleiras a árvores ladram
quando ele passa.
Os sapatos avançam, fuma uma cigarro,
entra num café e pede um copo de vinho.
- Desde que se apaixonou por Agilulfo, a desgraçada não tem paz...
- Como é possível?
- É possível quando uma mulher perdeu o desejo por todos os homens existentes, e o único desejo que lhe resta é por um homem que não existe.
(...)Pensar que neste exército há um cavaleiro que não existe! Dá-me medo, confesso-te...E, no entanto, admiro-o. Em tudo o que faz +e perfeito, e inspira masi confiança assim do que se realmente existisse.
Procuro-me dentro de mim e só encontro a tua imagem...
Sabe bem sentir certas esculturas, imaginar-te num daqueles rostos, isolar -te, ilusoriamente, da banalidade a que vais sucumbindo...Optei por um sofrimento sublime...Encaro a felicidade barata com um misto de inveja e comiseração. Será que a felicidade barata teria valido a pena?
Impenso-te porque te quero inexistente.Tu estás, tu és. Ser e estar identificam-se? Até que ponto o acidental do estar penetra a essência do ser? Se estás frequentemente, esse estar incorpora-se de tal modo que já és como estás. É isso que angustia, recear que uma fase, um estar episódico, compreensível e circunstanciado, se revele, afinal, uma característica essencial que se encontrava adormecida e despertou, passando a ser um traço permanente...O estar deixou de coincidir com o ser? O ser passou a identificar-se com o estar? O estar social invadiu o reino mágico do ser individual, destruindo-o... Para sempre? O eu outrou-se no ser plasmado em meia dúzia de retratos estereotipados? Não podemos navegar numa palavra. Não podemos ir embora. Falar é ficar. Se falo é porque ainda não fui. Ainda aqui estou.
O meu desejo de ti é um sentimento em branco: desejo o desejo, mas não a sua concretização material. Gostaria de o sentir fisicamente, mas sem que tivesse de entregar o meu corpo. A ideia de te acariciar e percorrer o teu corpo esguio agrada- me, talvez até me atraia, mas não admito, sequer, a possibilidade de ser a minha mão a fazê-lo. Gostaria de sentir o prazer, fisicamente, através de um outro corpo, mas que, psicologicamente, essa emoção fosse minha...Esta certeza tranquiliza-me, mas não acalma o tumulto interior que me invade sempre a que a tua imagem se insinua e me penetra,lentamente, como um veneno que não mata, mas me debilita e excita, de um modo estranhamente novo.
O não sentir desejo é um subterfúgio do desejo que se sente, mas que não se quer sentir porque, sentindo-o, sem nunca o concretizar, ele passa a ser não um subterfúgio, mas uma utopia que desencadeia uma frustração inaceitável.
É mais do que amizade...
Faço uma pausa para sentir o teu perfume…
É um devaneio delicioso, mais plácido que o amor, menos ardente que a paixão.
Sonho perfumes e maravilhas...
Vejo-te surgir, envolto em cetim,
Estátua burilada pelo meu cinzel,
Alma esculpida pela minha palavra.
Vejo-te surgir como parte de mim...
A tua carne calma
Presente não tem ser,
Os meus desejos são cansaços.
Quem querem ter nos braços
É a ideia de te ter.
As emoções e os desejos são manchas de humanidade que têm de ser tiradas da alma quando ela procura a atitude científica.
Pronuncia estas palavras com uma voz calma, na qual perpassa um vislumbre de orgulho por ter mudado tanto. Baloiça-se, sobre a caixa em que está sentada, com uma graça extraordinária. Desde que entrei, ainda não se tinha parecido tanto com a Anny de antigamente, de Marselha. Reconquistou-me: voltei a mergulhar no seu estranho universo, para além do ridículo, do preciosismo, da subtileza. Voltei mesmo a encontrar aquela febrezinha que sempre me agitava em presença dela e o mesmo travo amargo no fundo da minha boca. Anny descruza as mãos e liberta o joelho. Cala-se. É um silêncio planeado: como quando, na ópera, o palco fica deserto, durante sete compassos de orquestra, exactamente. Bebe o seu chá. Depois pousa a chávena e fica muito direita, firmando, na beira da caixa, as duas mãos fechadas. De súbito faz aparecer, sobre a outra, a sua soberba cara de Medusa, que eu tanto amava, inchada pelo ódio, tortuosa, envenenada. Não se pode dizer que Anny mude de expressão; muda de cara, como os actores antigos mudavam de máscara: duma só vez. E cada máscara dessas se destina a criar a atmosfera, a dar o tom do que se vai seguir. Aparece e mantém-se sem se modificar, enquanto Anny fala. Depois desliga--se dela e cai. Anny fixa-me, sem parecer ver-me. Vai falar. É de esperar um discurso trágico, guindado à dignidade da máscara, um canto fúnebre. Sai apenas uma frase curtíssima: «Vou sobrevivendo a mim própria.»
A entoação está longe de condizer com a máscara. Não é trágica, é... horrível: exprime um desespero seco, sem lágrimas, sem piedade. Sim, há nela algo de irremediavelmente ressequido. A máscara cai; ela sorri.
«Não estou nada triste. Ao constatá-lo, muitas vezes fiquei surpreendida, mas sem razão: porque havia de estar triste? Antigamente, era acessível a paixões duma grande beleza. Odiei com paixão a minha mãe.E mesmo tu», diz ela num desafio, «amei-te apaixonadamente.»
Fica à espera da réplica. Não digo palavra.
«É claro que tudo isso acabou.»
«Como é que podes saber?»
«Sei. Sei que nunca mais encontrarei coisa nenhuma nem ninguém que me inspire paixão. Sabes? Pôr-se uma pessoa a amar alguém não é tarefa fácil. É preciso ter uma energia, uma generosidade... É preciso uma cegueira... Há até um momento, logo ao princípio, em que se tem de saltar por cima dum precipício: quem reflecte não salta. E eu sei que nunca mais saltarei.»
«Porquê?»
Deita-me um olhar irónico e não responde.
«Agora», diz ela, «vivo rodeada pelas minhas paixões defuntas. Faço o possível por voltar a sentir aquele esplêndido furor que me precipitou dum terceiro andar abaixo, um dia em que a minha mãe me tinha chicoteado.» Acrescenta, sem ligação aparente, com um ar distante:
«É melhor, por outro lado, abster-me de fixar demoradamente os objectos. Olho para eles, para os identificar, mas tenho de desviar logo a vista.»
«Mas porquê?»
«Repugnam-me.»
Mas não parece que...? É certo, em todo o caso, que há semelhanças. Já uma vez, em Londres, sucedeu que pensámos ambos, cada um por seu lado, as mesmas coisas sobre os mesmos assuntos, mais ou menos na mesma altura. Seria tão bom para mim que... Mas o pensamento de Anny embrenha-se por múltiplos desvios; nunca se pode estar certo de o ter compreendido inteiramente. Preciso de saber a verdade.
«Ouve, queria dizer-te uma coisa: sabes que nunca compreendi muito bem o que eram os tais momentos perfeitos; nunca me explicaste.»
«Bem sei. Nunca fizeste o menor esforço. Eras uma estaca, a meu lado.»
«Sim, mas paguei caro por isso.»
«Mereceste bem tudo o que te sucedeu; tinhas muitas culpas; irritavas-me com o teu ar sólido. Parecia que estavas sempre a dizer: cá por mim, eu sou normal; e aplicavas-te a respirar saúde, escorrias saúde moral.»
«Não negas que, mais de cem vezes, te pedi que me explicasses o que era um...»
«Sim, mas em que tom», diz ela encolerizada: «condescendias em informar-te, era o que era. Fazias a pergunta com uma amabilidade discreta, como as senhoras de idade que. na minha infância, me perguntavam a que é que e estava a brincar. No fim de contas», diz ela em ar de meditação, «pergunto a mim própria se não foste tu quem mais odiei.»
Faz um esforço para se dominar; consegue-o e sorri de faces ainda enrubescidas. Está muito bela.
«Vou então explicar-te de que se trata. Já sou suficientemente velha para falar sem cólera, às boas velhotas como tu, das brincadeiras da minha infância. Anda, fala. Que é que queres saber?» «O que eram os momentos perfeitos.»
«Já me ouviste falar das situações privilegiadas, não é verdade?»
«Não creio.»
«Já, sim», diz ela com segurança. «Estávamos em Aix, naquela praça de cujo nome não me lembro. Tinhamo-nos sentado no jardim dum café debaixo de pára-sóis alaranjados, à torreira do sol. Não te lembras: tínhamos mandado vir limonadas, e eu encontrei moscas mortas no açucareiro.»
«Ah, sim, talvez...»
«Pois bem, foi nesse café que te falei das situações privilegiadas. A propósito, por sinal, da edição grande da História de Michelet, a que eu tinha quando era pequena. Era muito maior que esta e as folhas eram duma cor muito pálida, como o interior dum cogumelo, e tinham também um cheiro de cogumelo. Por morte do meu pai, o meu tio Joseph deitou-lhe a mão e levou todos os volumes. Foi nesse dia que lhe chamei porco sujo, que a minha mãe me chicoteou e que saltei pela janela.»
«Sim, sim... tenho uma ideia de me teres falado dessa História de França... Não ias lê-la para um sótão? Vês que me lembro? Vês que eras injusta, há bocadinho, quando me acusavas de ter esquecido tudo?»
«Cala-te. Eu levava então, como muito bem te lembraste, esses enormes volumes para o sótão. Tinham muito poucas figuras, talvez três ou quatro cada um. Mas cada figura ocupava, sozinha, uma página inteira, e cujo verso, de resto fora deixado em branco. Isso ainda mais me impressionava, porque, nas outras folhas, o texto fora disposto em duas colunas para ganhar espaço. Tinha por essas gravuras um amor extraordinário; conhecia-as todas de cor, e, quando relia um livro de Michelet, começava a esperar por elas cinquenta páginas antes; parecia-me sempre um milagre voltar a encontrá-las. E depois havia um requinte: a cena que representavam nunca se referia ao texto das páginas vizinhas; era preciso ir procurar o acontecimento umas trinta páginas mais adiante.»
«Por favor, fala-me dos momentos perfeitos.»
O estado de apaixonado é superinterpretador, pois tudo significa, tudo implica hipóteses: um leve toque num joelho, o que significará; ele/a perfumou-se, porquê?...
A necessidade de ouvir/ repetir " amo-te" transforma a linguagem em carícia, em toque de pele...
Como termina um amor? – O quê? Termina? Em suma ninguém – exceto os outros – nunca sabe disso; uma espécie de inocência mascara o fim dessa coisa concebida, afirmada, vivida como se fosse eterna. O que quer que se torne objeto amado, quer ele desapareça ou passe à região da Amizade, de qualquer maneira, eu não o vejo dissipar -se: o amor que termina afasta -se para um outro mundo como uma nave espacial que deixa de piscar: o ser amado ressoava como um clamor, de repente ei-lo sem brilho (o outro nunca desaparece quando e como se esperava). Esse fenómeno resulta de uma imposição do discurso amoroso: eu mesmo (sujeito enamorado) não posso construir até ao fim a minha história de amor: sou o poeta (o recitante apenas do começo); o final dessa história, assim como a minha própria morte, pertence aos outros; eles que escrevam romance, narrativa exterior, mítica.
Tento recordar o teu rosto, nome. Curioso, como às vezes nos escapam os traços da pessoa amada. Situo-te num passado já distante. Não te imagino num presente.De ti resta-me o que foste comigo.E foste – me ternura e descoberta do meu corpo, das minhas mãos até então inábeis que ensinaste a acariciar os teus cabelos, a sentir o teu corpo; e ainda a descoberta de que a minha voz tinha um sentido para além de sons mais ou menos indistintos e vagos.
A plenitude é pois uma precipitação: alguma coisa se condensa, abate-se sobre mim, fulmina-me. O que me preenche assim? Uma totalidade? Não. Alguma coisa que, partindo da totalidade, vem a excedê-la: uma totalidade sem resto, uma soma sem exceção, um lugar sem nada ao lado (“minha alma não está apenas repleta, mas transbordante”). Plenitudes: não são ditas – de modo que, falsamente, a relação amorosa parece reduzir-se a um longo lamento. É que, se não traz consequências dizer mal a desgraça, em compensação, relativamente à felicidade, pareceria culpável estragar-lhe a expressão: o eu só discorre ferido; quando estou pleno ou me recordo de assim ter estado, a linguagem me parece pusilânime: sou transportado para fora da linguagem, quer dizer, para fora do medíocre, para fora do geral: “Acontece um encontro que é intolerável, por causa da alegria, e algumas vezes o homem fica reduzido a nada; é o que chamo de transporte. O transporte é a alegria da qual não podemos falar.”
“Não temo o suicídio. O pior que pode acontecer a uma pessoa é fartar-se da vida.”
Jovens mulheres nuas, de extrema beleza, intocadas e intocáveis, dormem profundamente sob o efeito de poderosos narcóticos, deixando, sem o saber, que o seu corpo seja contemplado por homens idosos, em busca de uma consolação para a perda de juventude. Eguchi, de 67 anos, passa as noites nesta casa, sendo-lhe permitido deitar-se ao lado das belas adormecidas, mas sem possibilidade de qualquer contacto físico...
"A obra prima da literatura erótica. É obrigatório ler." gonçalo m tavares.
Ninguém sabe o que fica depois do amor. Cada um tem os seus itinerários de paixão, que observou enquanto o rio transbordava as margens. Depois do amor há um horizonte sem princípio e sem fim: tudo pode ser o que já foi ou nunca aconteceu. Na incerteza, os deuses perguntam e os homens escutam. O Oráculo tem sempre muitas dúvidas, a verdade é que Apolo é belo e fala pouco.(...)
O que fica depois do amor? Não sei o que fica, talvez uma cratera à espera de um encontro que alimente o sonho, que refaça o incrível das pequenas coisas. Quando se perde o culto de procurar, instala-se o desespero e as perguntas improváveis.
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