Não é neccessário vivermos ao lado de alguém para nos sentirmos ligados a esse alguém mais do que a qualquer outra pessoa...

sexta-feira, 30 de março de 2018

Devaneios e Despropósitos...



Em busca, não do tempo perdido, mas de um espaço ideal.
Um espaço para a minha eternidade...




'Algorithm' is arguably the single most important concept in our world. If we want to understand our life and our future, we should make every effort to understand what an algorithm is, and how algorithms are connected with emotions. Receio nunca vir a perceber...

És orgulhoso altivo. Também eu.
Nem sei bem qual de nós o será mais,
as nossas forças são rivais:
se é grande o teu poder, maior é o meu.


Tão alto anda este orgulho! Toca o céu.
Nem eu quebro nem tu. Somos iguais.
Cremo-nos inimigos. Como tais
nenhum de nós ainda se rendeu.

Ontem, quando nos vimos frente a frente,
fingiste bem esse ar indiferente…
e eu, desdenhosa, ri, sem descorar…

Mas que lágrimas devo àquele riso!
E quanto, quanto esforço foi preciso
para, na tua frente, não chorar!



Preparou tudo meticulosamente, não se esquecendo de nenhum pormenor. No momento da partida, sentiu uma estranha sensação de liberdade, mas... subitamente, o seu estado de espírito mudou, não lhe apetecia ir para lado nenhum. Foi invadida por um entorpecimento que progressivamente lhe retirou a vontade de qualquer movimento, de qualquer atuação. Ficaria a pairar. Estava cansada de si, dos nadas, dos medos… da loucura, de tudo.
Apeteceu-lhe desaparecer, desintegrar-se e subir numa nuvem...

Digo o que noutro tempo não diria:
Foi tudo um grande sonho enganador.
Nego o passado, e juro que esse amor
só existiu na tua fantasia.

Sinto a volúpia da mentira. A dor
não transparece. Nego. Que alegria!
Fiz crer ao mundo inteiro, por magia,
que és de todos os homens o pior...

Nunca me entonteceu esse sorriso
e, vê lá tu! se tanto for preciso,
nego também as cartas que escrevi.

Quero humilhar-te, enfim! Mas não compreendo
porque me exalto e choro e te defendo,
se alguém, a não ser eu, diz mal de ti



Well, I turn around to look at you, you're nowhere to be found I search the place for your lost face, guess I'll have another round And I think that I just fell in love with you...



«Ninguém se mata pelo amor de uma mulher. Matamo-nos porque um amor, não importa qual, nos revela a nós mesmos na nossa nudez, na nossa miséria, no nosso estado inerme, no nosso nada.»

17 de agosto de 1950: «Questo il consuntivo dell’anno non finito, che non finirò»
18 de agosto: “La cosa più segretamente temuta accade sempre … Sembrava facile, a pensarci. Eppure donnette l’hanno fatto. Ci vuole umiltà non orgoglio. Tutto questo fa schifo. Non parole. Un gesto. Non scriverò più».

"A única alegria neste mundo é a de começar. É belo viver, porque viver é começar, sempre, a cada instante. Quando esta sensação desaparece - prisão, doença, hábito, estupidez - deseja-se morrer."

«Teve uma primeira publicação, póstuma, em 1952, mutilado de algumas partes, constituídas essencialmente por nomes de pessoas e por palavras, frases ou inteiros parágrafos de conteúdo demasiado íntimo e eventualmente chocante, em que o autor exprime em termos muito fortes, grosseiros ou mesmo obscenos, o seu profundo desespero e impotência perante os reveses da sua vida sentimental, perante a sua dificuldade de relacionamento com o sexo oposto.Todas as partes então censuradas estão incluídas na presente edição, ...o texto integral, tal como Pavese o registou no seu diário. Dado como encerrado pelo autor cerca de uma semana antes da morte,... constitui, assim, a evidência da trágica decisão consciente e antecipadamente tomada (…)»

A desventura máxima é a solidão. É tão verdade que o reconforto supremo - a religião - consiste em encontrar uma companhia que nunca falhe - Deus. A oração é um desabafo, como com um amigo. A obra equivale à oração, porque nos põe em contacto com os que dela tirarão proveito. O problema da vida é, portanto, o seguinte: como romper a nossa solidão, como comunicar com os outros. Assim se explica a existência do casamento, da paternidade, das amizades. Mas que a felicidade resida nisto, tretas! Porque se deva estar melhor a comunicar com os outros do que só, é estranho. É talvez apenas uma ilusão: a maior parte do tempo, estamos muitíssimo bem sozinhos. É agradável ter, de tempos a tempos, um odre em que nos possamos despejar e, em seguida, bebermo-nos a nós próprios: dado que pedimos aos outros apenas aquilo que já temos em nós.(O sexo é um incidente: o que recebemos é momentâneo e casual; pretendemos algo de mais secreto e misterioso de que o sexo é apenas um sinal, um símbolo).


Estava hoje tão quente de chegar,
e tinha posto a mesa, e nada demorava
o meu costume,
quando li o teu nome de repente
E a injustiça de te ter em nome
mas não te ter aqui
embrulhou-me o cenário e coração
Mas era sem remédio.
Conformei-me,
e nem isso, nem resto.
Fiquei com o teu nome...



A vida prática sempre me pareceu o menos cómodo dos suicídios. Agir foi sempre para mim a condenação violenta do sonho injustamente condenado. Ter influência no mundo exterior, alterar coisas, transpor entes, influir em gente — tudo isto pareceu-me sempre de uma substância mais nebulosa que a dos meus devaneios. A futilidade imanente de todas as formas da acção foi, desde a minha infância, uma das medidas mais queridas do meu desapego até de mim.

Às vezes, em sonhos distraídos, que me surgem das esquinas do pensamento e da emoção, visiono amores.... o nosso amor desenvolve-se sem história, e há uma grande conclusão... Ah, que enredos complexos, em conveses de navios, em ilhas distantes, em hotéis universais, em viagens passageiras, me não encantam a distracção como vestidos expostos. Mas, de repente, e com um regresso de pesadelo estatelado, desperto do meu romantismo sexual, e coro a sós comigo de fazer com a mente de dentro a mesma coisa que fazem todos os homens. E tenho, como timbre de fidalguia fraseada, a vantagem ridícula de contra. Sim, às vezes, sonho deste modo. Às vezes sou costureira masculina, e tenho príncipes, que são princesas, e muitas vezes são outra coisa, na imaginação inevitável.E então acordado de todo, rio, quase alto, de me ver assim, como se me visse nu por baixo da nudez, como se me conhecesse esqueleto da alma, e uma alegria ponteaguda valsa nos meus devaneios. Que tristeza!

Como posso dizer que o teu corpo é divino
se o divino é sem nome, se o nome lhe é fugaz?
Rimarei com divino o que puder. E então:
sino, menino, tino, desatino ou até
(ainda que mais rime) a planta do teu pé,
a mais leve tremura que habita a tua mão.
E o tom que iniciou sobre o teu corpo o hino
desviou-se, subiu a lugar de outra cor:
romantizou-se o tom, enterneceu-se o amor,
e já não me apetece falar-te que não seja
de uma forma macia, redonda de cereja
e doce como #nêspera em humano fulgor.
Por isso volto aqui, por isso este poema
tem que se contentar com ser o que eu quiser:
um tempo de ternura, um tempo de colher
frutos tão sumarentos que o Verão invejaria
e os deuses no Olimpo seriam deslumbrados,
e nem fúrias do Hades, e nem Melancolias,
e nem as Parcas todas - todos silenciados!




Assim soubesses tu compreender o teu dever de seres meramente o sonho de um sonhador. Seres apenas o turíbulo da catedral dos devaneios. Talhares os teus gestos nos sonhos, para que fossem apenas janelas abertas para paisagens puras da tua alma. De tal modo arquitectar o teu corpo em arremedos de sonho que não fosse possível ver-te sem pensar n'outra coisa, que lembrasses tudo menos tu própria, que ver-te fosse ouvir música e atravessar, sonâmbulo, grandes paisagens de lagos mortos, vagas florestas silenciosas perdidas no fundo d'outras épocas, onde invisíveis homens diversos vivem sentimentos que não temos.
Eu não te quereria para nada senão para te não ter. Queria que, sonhando eu e se tu aparecesses, eu pudesse imaginar-me ainda sonhando — nem te vendo talvez, mas talvez reparando que o luar enchera de (...) os lagos mortos e que ecos de canções ondeavam subitamente na grande floresta inexplícita, perdida em épocas impensáveis.
A visão de ti seria o leito onde a minha alma adormecesse, criança doente, para sonhar outra vez com outro céu. Falares? Sim mas que ouvir-te fosse não te ouvir mas ver grandes pontes ao luar ligando as duas margens escuras do rio que vai ter ao mar — ao mar onde as caravelas são novas para sempre.


Hoje, em um dos devaneios sem propósito nem dignidade que constituem grande parte da substância espiritual da minha vida, imaginei-me liberto para sempre...

Mas eis-nos diante de um duplo paradoxo. Porque, indagará o leitor desavisado, sobrecarregar um livro sobre o devaneio com o pesado aparato filosófico que é o método fenomenológico? Porque, perguntará por sua vez o fenomenólogo profissional, escolher uma matéria tão fluída como as imagens para expor princípios fenomenológicos?


Oxalá existam almas para as quais o amor seja também o contacto de duas poesias, a convergência de dois devaneios. O amor (...) exprime-se tanto melhor quanto mais poeticamente é sonhado. Os devaneios de duas almas solitárias preparam a magia de amar.(...) Mutilamos o amor quando o separamos de toda a sua irrealidade.



A hora expulsa de si-Tempo!... Onda de recuo que invade
O meu abandonar-me a mim-próprio até desfalecer
E recordar tanto o eu presente que me sinto esquecer...
Fluido de auréola transparente de Foi, oco de ter-se...
O mistério sabe-me a eu ser outro... Luar sobre o não conter-se...
A sentinela é hirta, a lança que finca no chão
É mais alta que ela... P'ra que é tudo isto... Dia chão...
Trepadeiras de despropósito lambendo de Hora os aléns!
Horizontes fechando os olhos ao espaço em que são elos de erro!
Fanfarras de ópios de silêncios futuros!... Longes trens!...
Portões vistos longe, através das árvores, tão de ferro!...



Nem um poema nem um verso nem um canto tudo raso de ausência tudo liso de espanto e nem Camões Virgílio Shelley Dante o meu amigo está longe e a distância é bastante. o meu amigo está longe e a tristeza é bastante. Nada a não ser este silêncio tenso que faz do amor sozinho o amor imenso. Calai Camões Virgílio Shelley Dante: o meu amigo está longe e a saudade é bastante!


Sejas tu capaz de te entender de mente clara tão forte tens de ser só pra oferecer de dentro...


Era a tarde mais longa de todas as tardes
Que me acontecia
Eu esperava por ti, tu não vinhas
Tardavas e eu entardecia



Eu não sei, meu amor, se o que digo
É ternura, se é riso, se é pranto
É por ti que adormeço e acordo
E acordado recordo no canto
Essa tarde em que tarde surgiste
Dum triste e profundo recanto
Essa noite em que cedo nasceste despida
De mágoa e de espanto.
Meu amor, nunca é tarde nem cedo
Para quem se quer tanto!


A despropósito, veio ter comigo este conto de Mário - Henrique Leiria...


Um dia na vida de Etelvino
Etelvino benzeu-se ao passar em frente à foto à foto do Presidente tal como devia ser, abriu a porta, saiu e fechou-a com duas voltas de chave. Depois ligou o campo das minas protector. Por causa dos ladrões e dos outros.
Desceu a escada, cumprimentou o porteiro com o habitual «Viva o Presidente e o Primeiro», a que o porteiro retorquiu, sorumbático, com o costumeiro «Liberdade em segurança para ti, irmão».
Estava na rua.
Correu um pouco, para chegar à bicha a tempo. Eram seis e meia e tinha que estar no emprego às nove, caso contrário seria despedido com justíssima causa. As leis socialistas do governo eram claras e exactas, graças a Deus.
A bicha do autocarro estava normal. Lá ao longe via-se o poste da paragem.(...)
Chegou a tempo. Não foi despedido.(...)
Foi para a bicha do autocarro, após um seco «Viva o Presidente e o Primeiro» aos colegas que entravam para o turno nocturno. Sob a protecção dos homens e dos cães da Policia de Segurança Pélvica que enquadravam a longa fila, sentiu-se de novo livre. E seguro.
Às oito e trinta e cinco chegou a casa. Desligou as minas e abriu a porta. Tudo em ordem. Graças ao actuante governo, pensou. E benzeu-se, ao passar em frente à foto do Presidente.
Tinha vinte e cinco minutos para comer, que depois era a hora exacta da televisão. Não faltar nunca às Telenotícias. Os ministros vinham lá todos. Sempre. Às vezes até o Primeiro e mesmo o Presidente!
Resolveu ser extravagante. Que diabo, um dia não são dias. Comeu três fatias de pão. E, numa loucura desenfreada, bebeu um copo de vinho! De súbito sentiu-se comprometido. E a austeridade tão necessária à Nação?(...)Depois, ao mirar a foto anafada do Primeiro que alteava sobre o televisor, sentiu-se aliviado. Tudo levava a crer que o Primeiro devia comer com frequência três fatias de pão ou até mais. E mesmo, quem sabe, provavelmente bebesse dois ou três copos de vinho. Bem, o Primeiro era o Primeiro. No entanto... Ficou definitivamente aliviado.(...)
O televisor continuava escuro. E mudo. Que seria?
Ia levantar-se para verificar, quando a imagem surgiu.
A bandeira da pátria ondeando.
Etelvino recostou-se. Deliciado. A pátria ondeava, tudo estava bem.
A voz do locutor surgiu, crispada e seca:
«SENHORES TELEOUVINTES; UM COMUNICADO DE URGÊNCIA DA ÚLTIMA HORA. ATENÇÃO. A PÁTRIA ENCERRA PARA OBRAS DURANTE TEMPO AINDA NÃO DETERMINADO. ATENÇÃO. REPETIMOS. A PÁTRIA ESTÁ ENCERRADA A PARTIR DESTE MOMENTO.»(...)
A última visão que teve foi a do retrato do Primeiro. Anafado. E enevoado.
Etelvino arrotou. O coração parou-lhe.

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