Imagens-
Um deslumbramento... Que linda palavra...sinto-a dentro de mim... De repente o teu nome ficou enorme, cresceu em letras gigantes... Sinto prazer em olhar as letras enormes do teu nome. Gosto do teu nome, é bonito.Foi como uma inesperada aparição e ... fiquei deslumbrada... Entendi o que sentia: cheguei a casa e as lágrimas percorreram-me o rosto, silenciosas, muito silenciosas: caiu-me a máscara...
Procuro-me dentro de mim e só encontro a tua imagem...A imagem perdida, é afinal, a minha...
Sabe bem sentir certas esculturas, imaginar-te num daqueles rostos, isolar -te, ilusoriamente, da banalidade a que vais sucumbindo...Optei por um sofrimento sublime...Encaro a felicidade barata com um misto de inveja e comiseração. Será que a felicidade barata teria valido a pena?
Impenso-te porque te quero inexistente... O que não se impensa não existe. Portanto, só existo quando impenso. Nos dias em que não impenso, apenas duro. Tu estás, tu és... Ser e estar identificam-se? Até que ponto o acidental do estar penetra a essência do ser? Se estás frequentemente, esse estar incorpora-se de tal modo que já és como estás. É isso que angustia, recear que uma fase, um estar episódico, compreensível e circunstanciado, se revele, afinal, uma característica essencial que se encontrava adormecida e despertou, passando a ser um traço permanente...O estar deixou de coincidir com o ser? O ser passou a identificar-se com o estar? O estar social invadiu o reino mágico do ser individual, destruindo-o... Para sempre? O eu outrou-se no ser plasmado em meia dúzia de retratos estereotipados? Não podemos navegar numa palavra. Não podemos ir embora. Falar é ficar. Se falo é porque ainda não fui. Ainda aqui estou. Preciso de me calar...Preciso de aprender a calar-me. Não sentir nada, sentir o vazio, é um estado que me é familiar...não me sentir eu está a ser mais complexo. Sentir que tu não és tu, que foste um engano, que não és como eras, mas sim como estás, é mais do que complexo, é estranho…
Quero falar do não eu, com distância, mas não sou capaz. O meu registo resvala sempre para um eu intrometido, abusivo, que, quando muito, me permite uma incursão no tu e no nós (Este nós não é, naturalmente, o eu +tu=nós é mesmo só o nós... o da gramática, o da primeira pessoa do plural...) O outrar-me está a fazer ressurgir o meu romantismo inato: a nostalgia de nós. O que é ser nós? Mesmo que o nós tivesse existido, as tuas palavras não te pertenceriam: o teu ser também se outrou. Eu, pelo menos, tenho consciência disso... Ando, mais uma vez, à procura de uma palavra/ conceito que permita explicar... Ansiedade pode ser a causa, mas não é o efeito que se projeta sobre o outro. Se alguém estiver demasiado ansioso, o que transmite não é ansiedade, será, talvez, a impaciência, a agressividade, a descortesia ou a deselegância, resultantes da ansiedade que experimentou, mas isso reconduz ao ponto de partida...num eterno retorno.
Sempre que penso num certo sorriso, apesar de não ser o sorriso certo, sorrio e sou feliz…
Pensar desassossega, mas pensar-te não. Pensar-te provoca-me uma enorme serenidade. Sempre que te penso, imagino-te a sorrir nem sei bem porquê, nem és por natureza sorridente...Também não importa o que és, mas sim como eu te idealizo. Pensar-te não desassossega porque tu não és, não existes. É tudo tão fácil no espaço irreal do sonho.
Tu és do sexo das formas sonhadas, do sexo nulo das figuras (...)Mero perfil às vezes, mera atitude outras vezes, outras gesto lento apenas — és momentos, atitudes, espiritualizadas...Nenhum fascínio do sexo se subentende no meu sonhar-te, sob a tua veste vaga de madona dos silêncios interiores. Os teus seios não são dos que se pudesse pensar em beijar-se. O teu corpo é todo ele carne-alma, mas não é alma é corpo. A matéria da tua carne não é espiritual mas é espiritualidade (És a mulher anterior à Queda) […] O meu horror às mulheres reais que têm sexo é a estrada por onde eu fui ao teu encontro. As da terra, que para serem (...) têm de suportar o peso movediço de um homem — quem as pode amar, que não se lhe desfolhe o amor na antevisão do prazer que serve o sexo […]? Quem pode respeitar a Esposa sem ter de pensar que ela é uma mulher noutra posição de cópula... Quem não se enoja de ter mãe por ter sido tão vulvar na sua origem, tão nojentamente parido? Que nojo de nós não punge a ideia da origem carnal da nossa alma — daquele inquieto (...) corpóreo de onde a nossa carne nasce e, por bela que seja, se desfeia de origem e se nos enoja de nata. Os idealistas falsos da vida real fazem versos à Esposa, ajoelham à ideia de Mãe... O seu idealismo é uma veste que tapa, não é um sonho que crie. Pura só tu, Senhora dos Sonhos, que eu posso conceber amante sem conceber mácula porque és irreal. A ti posso-te conceber mãe, adorando-o, porque nunca te manchaste nem do horror de seres fecundada, nem do horror de parires.
Como não te adorar se só tu és adorável? Como não te amar se só tu és digna do amor?
Quem sabe se sonhando-te eu não te crio, real noutra realidade; se não serás minha ali, num outro e puro mundo onde sem corpo táctil nos amemos, com outro jeito de abraços e outras atitudes essenciais de posse(s)? Quem sabe mesmo se não existias já e não te criei nem te vi apenas, com outra visão, interior e pura, num outro e perfeito mundo? Quem sabe se o meu sonhar-te não foi o encontrar-te simplesmente, se o meu amar-te não foi o pensar-em-ti, se o meu desprezo pela carne e o meu nojo pelo amor não foram a obscura ânsia com que, ignorando-te, te esperava, e a vaga aspiração com que, desconhecendo-te, te queria?
Não sei mesmo já [se] não te amei já, num vago onde cuja saudade este meu tédio perene talvez seja. Talvez sejas uma saudade minha, corpo de ausência, presença de Distância, fêmea talvez por outras razões que não as de sê-lo.
Onde está Deus, mesmo que não exista? Quero rezar e chorar, arrepender-me de crimes que não cometi, gozar ser perdoado como uma carícia não propriamente materna.
Um regaço para chorar, mas um regaço enorme, sem forma, espaçoso como uma noite de Verão, e contudo próximo, quente, feminino, ao pé de uma lareira qualquer... Poder ali chorar coisas impensáveis, falências que nem sei quais são, ternuras de coisas inexistentes, e grandes dúvidas arrepiadas de não sei que futuro...
Uma infância nova, uma ama velha outra vez, e um leito pequeno onde acabe por dormir, entre contos que embalam, mal ouvidos, com uma atenção que se torna morna, os perigos que penetravam em jovens cabelos louros como o trigo... E tudo isto muito grande, muito eterno, definitivo para sempre, da estatura única de Deus, lá no fundo triste e sonolento da realidade última das coisas...
Um colo ou um berço ou um braço quente em torno ao meu pescoço... Uma voz que canta baixo e parece querer fazer-me chorar... O ruído de lume na lareira... Um calor no Inverno... Um extravio morno da minha consciência... E depois sem som, um sonho calmo num espaço enorme, como a lua rodando entre estrelas..
Uns estudam por puro amor da ciência: é uma curiosidade ignominosa;
Outros o fazem -no para alardear um renome de sábios: é uma vaidade vergonhosa;
Outros, ainda, estudam e vendem o seu saber em troca de dinheiro e de honras: é um tráfico vergonhoso;
Mas há também os que estudam para edificar o seu próximo: é uma obra de caridade;
Outros, finalmente, para se edificarem a si mesmos: é uma atitude de prudência.
O amor não busca outro motivo e nenhum fruto fora de si; ele é o seu próprio fruto, o seu próprio deleite. Amo porque amo; amo para poder amar.
Só o silêncio interior permite que Deus fale ao coração do homem.
Diz-se que o nosso corpo tem a forma de um abraço. Talvez por isso a tarefa de abraçar seja tão simples, mesmo quando temos de percorrer um longo caminho. O abraço tem uma incrível força expressiva. Comunica a disponibilidade de entrar em relação com os outros, superando o dualismo, fazendo cair armaduras e motivos, cedendo, nem que seja por instantes, na defesa do espaço individual. Há uma tipologia vastíssima de abraços, e cada uma delas ensina alguma coisa sobre aquilo que um abraço pode ser: acolhimento e despedida, congratulação e luto, reconciliação e embalo, afeto ou paixão. Os abraços são a arquitetura íntima da vida, o seu desenho invisível, mas absolutamente presente; são plenitude consentida ao desejo e memória que revitaliza. Todos nos reconhecemos aí: em abraços quotidianos e extraordinários, abraços dramáticos ou transparentes, abraços alagados de lágrimas ou em puro júbilo, abraços de próximos ou de distantes, abraços fraternos ou enamorados, abraços repetidos ou, porventura, naquele único e idealizado abraço que nunca chegou a acontecer mas a que voltamos interiormente vezes sem conta.
No princípio era o abraço, se pensarmos no colo que nos nutriu na primeira infância. Essa foi, para a maioria de nós, a primeira e reconfortante forma de comunicação. Mas a necessidade de um abraço acompanha a nossa existência até ao fim. O abraço é uma longa conversa que acontece sem palavras. Tudo o que tem de ser dito soletra-se no silêncio, e ocorre isto que é tão precioso e afinal tão raro: sem defesas, um coração coloca-se à escuta de outro coração.
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