Não é neccessário vivermos ao lado de alguém para nos sentirmos ligados a esse alguém mais do que a qualquer outra pessoa...

quarta-feira, 28 de outubro de 2020

Revelações...

Mágoas...

Sempre guardou mágoas ocultas, num escaninho do coração. Cala-as, finge que as ignora, mas alimenta-as cuidadosamente e, por isso, elas agigantam-se, deixam o recanto em que estavam escondidas, propagando as suas metástases até ao cérebro. Muitas vezes, anos mais tarde , tem reações que ninguém compreende, aparentemente desarrazoadas, pois a sua justificação é uma mágoa antiga cujas metástases proliferaram e, traiçoeiramente, lhe penetraram a razão. Já tinha o seu depósito de mágoas suficientemente fornecido, bem escusava de estar sempre a acrescentaar mais uma...Uma tão inconfessada e inconfessável- as mais malignas de todas- que pode destruir as raras células que ainda não tinham sido contaminadas...

Moldes...

O mistério individual...permanece...Não sei encontrar o instrumento exato que fez o meu molde, o rolo anónimo que imprimiu na minha vida uma certa filigrana complicada e explícita cujo fim único se revela quando a lâmpada da arte cintila sobre um papel onde se escreve a vida.

Qual terá sido o seu molde?

Um pai que dizia que me  adorava: um homem bom e bonito, excessivamente bom e bonito; simpático, demasiado simpático; submisso e cumpridor; medianamente inteligente, moderadamente culto e esclarecido; tolerante, perigosamente tolerante; incapaz de me educar- dele recordo, sobretudo, a inesgotável capacidade de desculpar, de perdoar, de compreender. Um pai que me  tornou num ser impreparado para ser contrariado, impreparado para sofrer...

Uma mãe desafetiva: uma mulher fria e bonita , terrivelmente fria e bonita; simpática,falsamente simpática; rebelde e irreverente; perigosamente inteligente; informada e esclarecida; intolerante, mas permissiva por desinteresse; incapaz de me educar-dela recorda a capacidade de atormentar, de culpabilizar; de não entender que eu era apenas uma menina, sem culpa de não ter nascido rapaz. Uma mãe que me  tornou num ser impreparado para amar...

O pai era era o passado, a mãe, o futuro. E eu? Construi-me e desconstrui-me num eterno presente, sem passado e sem futuro,sempre dividida, sempre à procura de me encontrar. ( Que afirmação dolorosamente banal....)

Recordo o meu tio favorito, casado com uma irmã da mãe, um homem que merecia ser protagonista de uma queda de um novo Camus, e a sua frase predileta: " Tiveste sorte, real sobrinha, ficaste com a inteligência dela e a bondade dele...". "Real sobrinha"- ele sempre me  tratou assim, com ironia, mas com um enorme orgulho, na minha delicadeza, nos meus bons modos de menina educada e,segundo ele, com uma postura aristocrática. Por extensão, passei a ser "real" para os primos que, ainda hoje, nos cada vez mais escassos jantares de família, se eu faço algum reparo à linguagem ou aos cotovelos em cima da mesa, replicam "Sim, real sobrinha..."

A última vez que te vi, querido " Tio Meco",foi ligado a uma máquina de oxigénio, com uns olhos que pediam o que sabias que só eu te daria: um cigarro." Porra, eu quero morrer a fumar um cigarro, será que ninguém entende isso??" Só no fim da vida, te ouvi dizer uma asneira, sempre este " Porra", desespero de um homem que queria um cigarro, nem que fosse o último... Tu ,que não me deste o sangue, deste-me o molde, preparaste-me para saber sofrer e para saber amar...

 Inversão...

Na minha próxima vida, quero viver de trás para frente. Começar morto, para despachar logo o assunto.Depois, acordar num lar de idosos e ir-me sentindo melhor a cada dia que passa. Ser expulso porque estou demasiado saudável, ir receber a reforma e começar a trabalhar, recebendo logo um relógio de ouro no primeiro dia. Trabalhar 40 anos, cada vez mais desenvolto e saudável, até ser jovem o suficiente para entrar na faculdade, embebedar-me diariamente e ser bastante promíscua. E depois, estar pronto para o secundário e para o primário, antes de me tornar criança e só brincar, sem responsabilidades. Aí torno-me um bébé inocente até nascer. Por fim, passo nove meses flutuando num spa de luxo, com aquecimento central, serviço de quarto à disposição e com um espaço maior por cada dia que passa, e depois Voilà! desapareço num orgasmo.(Woody Allen)

 Segredos...

O indivíduo, na sua angústia de não ser culpado mas de passar por sê-lo, torna-se culpado. Não há nada em que paire tanta sedução e maldição como num segredo. A vida decide por nós, compromete-nos a existência... Sem pecado, nada de sexualidade, e sem sexualidade, nada de História. (Nietzsche )

Construções...

Tudo existe só dentro da sua cabeça, nunca nada se materializa: não há sonhos, não há desejos, só um vazio preenchido por construções mentais, representações de momentos de felicidade que nunca chegam ser concretizados. Nunca conseguiu, a não ser por breves momentos, ter uma vida feita de acontecimentos que aconteceram: personagem secundária de um romance que nunca foi escrito…se, ao menos, fosse o protagonista.

 Ponto de encontro

O ponto de encontro mais perfeito são os livros, pois podem criar um elo especial entre dois seres... A leitura, em simultâneo, aproxima todos os que leem e ,irremediavelmente, afasta todos os outros: pensa-se no outro eu que percorre os mesmos grafemas, a sentir idêntico prazer ou desprazer.... 

É a única forma de estabelecer com o mundo um entendimento...

Contabilidade existencial

É tão fácil o socialmente correto...é tão fácil gostar do que se deve gostar...É tão fácil gostar porque se pensa que será conveniente gostar!! Como estas pessoas devem se felizes: sabem bem fazer contas, calculam tudo o que é ou não conveniente....ser feliz é, afinal, dominar a nobre arte da contabilidade...

Apesar de ser mulher de letras, sempre fez muitas contas... Durante muito tempo, contou alunos e contou com alunos, contou palavras (100, 200,300, consoante o tipo de texto) e contou erros dos mais variados tipos. Nunca contou ser bibliotecária, mas, subitamente, ei-la a contar livros, a contar histórias, a contar utilizadores, a contar estantes, sofás, mesas, cadeiras, computadores, e a fazer contas de deve e haver… Neste período, sentiu-se relativamente feliz: contou com o apoio e carinho de seres excecionais.

Entretanto, também sem contar, voltou a contar alunos, palavras e erros... No meio desta conta-corrente existencial, contou com um amigo semivirtual e lá lhe foi contando venturas e desventuras, sonhos e des-sonhos, a par com o conto e reconto de leituras e releituras. Contou com as suas palavras e gostou de contar com elas, embora sabendo que, mais dia menos dia, teria de deixar de contar com ele.

Agora, entretém-se a contar estes estados de espírito, algumas memórias e, como ficou horrorizada com o resultado das contas, ao determinar a massa corporal, conta também calorias ... Conta calorias e faz contas à vida, para ver se percebe com o que pode contar...Se não gostar dos resultados, pode sempre fazer de conta que não percebe e tentar ser feliz como a outra gente...

Infância...

Tenho pensado muito em mim quando era criança. Gostava-me nesse tempo...Tive uma infância infeliz, mas hoje , com a distância afetiva necessária, considero que fui uma criança diferente, interessante: tive a rara felicidade de ter conseguido ser eu e não um adulto em miniatura nem uma boneca manipulada por pais e professores. Criava amigos imaginários, pensava muito, tinha um mundo só meu, construía vidas e situações. Nunca ninguém mandou em mim, mas não era rebelde, fechava-me num silêncio autista, chegando a afirmar, com tom assertivo:" não faço nem que me matem" . E não fazia....Quando, aos 18 anos, conheci Fernando Pessoa, senti uma atração imediata por aquele ser múltiplo, introspetivo, carente, vazio de afetos, tal como eu...( só com um pouco mais de talento!!)

O que significará este súbito fascínio por esse outro eu tão distante e irrecuperável, na sua beleza e autenticidade...

Nesse tempo, o meu pai era um ser presente na minha vida...Presente? Não terei, imaginativa como era, idealizado um papá como as meninas dos filmes e os livros da Condessa de Ségur? Talvez. Mas recordo a nossa cumplicidade... Nesse tempo, tal como agora, o silêncio era o meu refúgio, a minha arma secreta, um motivo de orgulho porque dominava, em absoluto, o mundo dos meus pensamentos, uma fortaleza inexpugnável. Nesse tempo, escrevia ao William Smith, um amigo imaginário que conduziu o meu pai aos interrogatórios da PIDE; hoje, escrevo por aqui o que me apetece.

Um dia...

Todo o problema estava em matar o tempo. Por último, acabei por já não me angustiar, a partir do instante em que aprendi a recordar. Quanto mais pensava mais coisas esquecidas ia tirando da memória. Compreendi então que um homem que houvesse vivido um único dia poderia sem custo passar cem anos numa prisão. Teria recordações suficientes para não se entediar. De certo modo, isto era uma vantagem.  (Camus)

Uma aula...

Recordo uma afirmação de Maria Helena Rocha Pereira, proferida com a emoção possível, no ser mais seráfico e afetivamente distante que conheci: “A ciência do século IV aC é igual a Aristóteles.“.Como tivesse reparado que eu estava a registar a afirmação, calou-se, fechou os olhos e, depois de me fitar, com uma ternura inexpressiva, mas, de qualquer modo, ternura, disse” Aristóteles é a ciência do século IV aC.”. A partir daí, a aula passou a ser só para mim. Imaginação, decerto, mas, nessa hora, pensei-me como o ser mais feliz num mundo feliz… Um único homem, o seu pensamento, era a ciência, era a explicação. O mundo era tão limitado que era fácil pensar em linha reta.

Um nome, alcunhas e companhia...

Por causa do milagre da multiplicação das rosas, perpetrado pela santinha padroeira da sua terra, e porque nasci no mês dela, estive para me chamar isabel. Como sou azarada, ainda me poderia ter sujeitado ao vexame de me apelidarem "bela", "belinha" ou "belita". Quando penso nisso, fica horrorizada: isabel é até simpático , mas o meu nome, pelo menos, evitou-me a humilhação dos pedaços de ternura de inevitáveis diminutivos...

Não sei explicar porquê, mas sempre ame apelidaram através das designações mais diversas: galinha, preta caxumba, menina, poisona, real sobrinha, especinha, comadrinha, rica, riquita, cláudia    Rica ou riquita foram epítetos que o meu pai costumava usar para se referir à sua menina. Estes nunca saíram do seio familiar e tiveram origem numa miss portugal que seria parecida comigo. A partir dos 15 / 16 anos, começou a circular a ideia de que eu era parecida com a cláudia cardinale: nunca a achei nada de especial, como atriz, e ser comparada com aquela "boazona" foi uma condenação, sem ter cometido qualquer crime.)  miss chiclet, claúdia, jersey,( Foi o encenador da peça O Livro de Cristóvão Colombo, de paul claudel que me  imortalizou como Jersey...Quando se proferia o meu nome, ele nunca sabia quem eu era... Para ele, fui e permanecru, a Jersey... Jersey era o tecido de que era confecionado o vestido da  minha personagem- uma secundaríssima dama da corte, essencialmente decorativa . Por ser a mais alta das meninas e muito magra, para me valorizar a figura, ele escolheu um tecido que se colava ao corpo, azul escuro, debruado a veludo preto. Com uns sapatos tipo alto coturno, com 15 centímetros, completamente tapados pelo vestido, eu ficava, de facto, uma grande dama...Uma touca , de jersey, igual ao vestido, cobria-me o cabelo, "jersey da cabeça aos pés"... Talvez  tenha gostado, sinceramente, desta imagem, até porque a minha entrada em palco implicava um silêncio que me agradava  bastante, ainda hoje o escuto...Além de uma breve fala que olvidei,  iniciava a concluía a minha atuação, a dizer, com tom irónico, olhando com desprezo para o cristóvao colombo, que, apesar de ser relativamente alto, não se me equiparava:" Para quê falar da América, se ainda não há América?" Lamenta não ter nenhuma fotografia da minha versão "jersey"... )   miss direito, viril, ildecas, ginginha, penélope, trancinhas, branquinha, dona prudência, excelsa senhora, querida e bela madrinha, chinha, kika, dona francisca, anaïs, princesa, escolha acertada, mãe linda, menina maria, guarda livros, mariana 2 , ilda ,pneumónica velez... ( Este epíteto bem recente, Ilda, a pneumónica Velez, fruto do sentido de humor do meu filho e da sua capacidade, embora tímida, de criação linguística: Ilda Velez, a pneumónica, não tinha qualquer inovação...Agradou-me a preocupação que ele teve em desdramatizar a minha condição de doente...) 

Não bastando o infortúnio do nome que me calhou, ainda tive de carregar sucessivos substitutos alternativos ... Será que com a outra gente acontece o mesmo?

Contar as histórias destas alcunhas e afins implicaria, afinal, revelar a história de uma vida: alcunhas e companhia. Talvez um dia a conte, mas é tarefa demasiado morosa e com requebros intimistas não consentâneos com este suporte textual... Decidi classificar as minhas profícuas e numerosas designações, procurando destrinçar conceitos sinónimos, mas com minudências distintivas...

Alcunhas - miss chiclet, miss direito, viril, claúdia, jersey, anaïs, penélope, escolha acertada, branquinha, dona prudência, trancinhas...

Antonomásias - querida e bela madrinha, mãe linda, excelsa senhora, guarda -livros

Apodos - galinha, preta caxumba, poisona...

Diminutivo - ildecas...

Cognome - palerma oficial...

Epítetos - menina, real sobrinha, princesa, menina maria, guarda-livros, mariana 2, ilda ,pneumónica velez...

Hipocorísticos - especinha, comadrinha,  ginginha, chinha, kika...

 

A proveniência de dona francisca é de tal modo bizarra que me é impossível de classificar. A filha de uns amigos, em pequenina, não conseguindo articular o meu nome, chamava-me kika. Assim, em vieira do minho, ainda hoje sou a kika. Uma empregada desses amigos, rapariga nada dotada, exemplo perfeito de estultícia e concretização do aforismo "teimosa como uma burra", achou que kika era diminutivo de francisca , daí o tratamento de dona francisca. Até aqui a lógica impera e a moça raciocinou, revelando consciência linguística... Advertida de que eu não me chamava assim, não acreditou. Foi-lhe explicado que as crianças , por vezes, blá, blá... Abslolutamente ineficaz: "Para mim continua a ser dona francisca..." Eu, para não a contrariar, passei a dar pelo nome e não se falou mais no assunto... Entretanto, ela emigra para a suíça e ,uns anos depois, encontramo-nos num agosto qualquer e sou saudada com imensa efusividade: " Olha a dona francisca que não é francisca !!"

Como os linguistas são sedentos de taxonomias, talvez exista classificação para estes casos insólitos, mas de momento, o meu palavrário revela-se inoperante...

Recordar estes quasesemiheterónimos levou-me à infância, à juventude, a um tempo em que ainda havia tempo. É como se me tivesse sentado no sofá a assistir ao filme da sua vida: os diferentes eus, tal como a memória os cristalizou, adquiriram uma autonomia peculiar pelo facto de possuirem uma individualidade identificadora. O que existe em comum entre a preta caxumba e a miss direito? Os parvalhões que me apodaram não terão sido os mesmos que, anos mais tarde, me elegeram miss? Será que alguém acreditaria que a poisona e a excelsa senhora são a mesma pessoa? E a menina do papá onde se perdeu? Não me recorda de me ter despedido dela... Sínto-me senhor josé e a minha vida é a conservatória... Tal como ele, eu tenho  à disposição todos os nomes, só que são meus, não precisando de calcorrear de porta em porta a reconstruir vidas alheias

Mentiras e inverdades... Sempre achei incompreensíveis os seres que fazem um escândalo quando descobrem que foram traídos: que inutilidade! Se gosto de alguém, o que interessa é que esse alguém finja que gosta - não há qualquer diferença entre afetos sinceros e fingidos. Apesar de lidar bem com a mentira, confesso que, pessoalmente, prefiro a inverdade. Raramente minto, mas sou inverdadeira, o que é muito diferente. A mentira é vulgar, pressupõe uma manipulação básica e consciente do que se sabe ser verdadeiro; a inverdade é mais subtil, mais poética, diga o dicionário o que disser, propaguem os compêndios que são sinónimos , para mim, nada disso é verdade... Gosto da inverdade de escrever isto; gosto da inverdade de me enganar sobre o que sinto; gosto de relações em que exista inverdade. A inverdade está muito mais perto do fingimento do que da mentira. É isso, a mentira é falsidade; a inverdade é fingimento. O poeta é um fingidor, constrói uma verdade inverdadeira; o poeta não é mentiroso ... Talvez devesse pensar melhor na dicotomia verdade/ mentira, mas...não gosto de pensar as palavras, gosto de as sentir e deixar seguir a sua intuição. A inverdade é, afinal, uma lítotes da mentira; a inverdade é passiva; a mentira é ativa; a inverdade é ocultar; a mentira é exibir. As pessoas discretas , delicadas, são inverdadeiras; as outras são mentirosas. A inverdade é uma fase superior da mentira. Qualquer inverdadeiro é capaz de mentir, mas um banal mentiroso não consegue ser inverdadeiro. Parafraseando álvaro de campos: a inverdade é elegante; a mentira é ordinária... Viva a inverdade, abaixo a mentira!!


Coisas sem piada nenhuma que me aborrecem... Quem casa pela igreja jura - julgo que sabe o que está a jurar- " Até que a morte nos separe"...Quem casa pela igreja acredita - julgo que conscientemente- que o casamento é um sacramento... Quem casa pela igreja aceita , como um dogma, que " O que Deus uniu o homem não pode separar." Logo, o "pecado original" do casamento católico são estes pressupostos, jurados livremente perante o padre, que um católico considera o representante de Deus na terra.

Eu não sou católica, mas sinto-me autorizada, em nome da dignidade pessoal e do respeito pela palavra dada, a exigir que cumpram o que juraram...

Estou saturada de tanta indignação , de tanta conversa sem qualquer fundamento, a explorar, até à caricatura, a castidade forçada a que um bispo quer condenar os recasados pela igreja, mas ninguém contesta o andar a jurar várias vezes" até que a morte nos separe..."

Nem deus nem o diabo têm nada a ver com a vida amorosa cada um...Casar pela igreja uma vez, ainda se perdoa, agora parar o país para solucionar o drama existencial de quem quer recasar ... não tem piada e, mais do que aborrecer, exaspera-me.

Sabe bem sentir certas esculturas: imaginar-te num daqueles rostos, isolar -te, ilusoriamente, da banalidade a que vais sucumbindo...Optei  por um sofrimento sublime...Encaro, hoje, a felicidade barata com um misto de inveja e comiseração. Será que a felicidade barata teria valido a pena? Ler é uma doença? Ler é a cura? Ler é tudo? Ler é nada? Uma derrota. Só mais uma...Lê e relê a lição, mas não aprende. Talvez, agora... Quem sabe? (Tenho de confessar que cheguei a idealizar um harry com quem fugisse para uma ilha deserta, mas nunca "calhou"...Continuei sempre à procura...) A ansiedade transmigrou e só restou a desilusão: um sentimento de frustração iniludível, uma dorida sensação de inutilidade...Ler e reler, este retrato de um homem que, estranhamente, amo...Plegau sensin releg kai releg du, andho stres shanam. Ai as cedências...Ai as fugas ...Não terei a Lua. Oh! como é amargo ter razão e ter de ir até ao fim...Não consigo acreditar na felicidade: ser feliz é uma quimera

de quem tem uma conceção de vida linear, simplista. Atrai-me, no entanto, a ideia de ser feliz clandestinamente. A clandestinidade tem uma magia qualquer: é segredo, é perigo, é cumplicidade...Viver na clandestinidade, por motivos políticos, nunca  me seduziu nem me apaixonam as vidas dos que optaram por esse caminho. Adoro, todavia, a ideia de sentir uma qualquer forma de felicidade clandestina. Essa ideia é -me tão intensa, tão regeneradora que me torna numa fénix a renascer das minhas próprias cinzas...Por vezes experiencio uma estranha felicidade, que me assusta, mas me faz esquecer todos os problemas do mundo...Desconfio do que se passa,  não quero ter a certeza: fantasias que excedem todos os limites da razoabilidade. Fico prozáquica, com uma felicidade parva, incompreensível.

Pareço uma criança, completamente dependente.... O que inebria é viver algo impossivelmente impossível... E a  impossibilidade total, absoluta, inultrapassável desencadeia sensações inefáveis.

Muito pior do que um cansaço intrínseco é fazerem - nos sentir que somos cansativos, que se cansaram de nós, do nosso sentir, da nossa presença: esta sensação desencadeia um sentimento de humilhação mais devastador do que qualquer cansaço...por muito "-íssimo" que o seja…Começou por ser um grito, de raiva , de revolta, de incompreensão; progressivamente, esse grito inútil perde intensidade e desmaia num breve sussurro, num lamento para sempre sufocado...

Para sempre. Mais um domingo longo e absurdo: exatamente como o dia 25 de outubro de 2015. Ano com muitos domingos, com demasiados domingos...Como este domingo se prevê grande..  Domingo é dia de tédio, não tem nada que subverter as regras dominicais com sentimentos inesperados...Domingo já foi dia de ir à missa, já foi dia de ir à praia,já foi dia de ir ao cinema, já foi dia de conversar... Agora, domingo é só domingo, um dia bom para ler, reler, escrever e pensar...Será que deixar de ler elimina o absurdo do quotidiano? Eu sou  o único absurdo...

A vida é absurda, uma absurda comédia que nem romântica chega a ser... Mais do que uma impossibilidade, os meus devaneios são uma possibilidade absolutamente improvável. Entendidas todas as subtis e indiretas advertências, resolvi assumir, exteriormente, uma postura que demonstre respeito por si mesma... Quando a ideia de ti me começa a impedir o sono, não vale a pena tentar dormir... Há momentos em que me sinto "não eu", o que é diferente de não sentir nada. O sentimento de negatividade é muito mais doloroso do que o vazio afetivo.

Tu estás, tu és... Ser e estar identificam-se? Até que ponto o acidental do estar penetra a essência do ser?  Estar frequentemente incorpora-se de tal modo que  o ser se identifica com o estar. É isso que me angustia, recear que uma fase , um estar episódico , compreensível e circunstanciado, se revele, afinal, uma característica essencial que se encontrava adormecida e despertou, passando a ser um traço permanente...O estar deixou de coincidir com o ser? O ser passou a identificar-se com o estar? O estar social invadiu o reino mágico do ser individual , destruindo-o... Para sempre?? O eu outrou-se no ser plasmado em meia dúzia de retratos esteriotipados?? Não podemos navegar numa palavra. Não podemos ir embora. Falar é ficar. Se falo é porque ainda não fui. Ainda aqui estou. Preciso de me calar...Preciso de aprender a calar. Não sentir nada, sentir o vazio, é um estado que lhe é familiar...não se sentir eu está a ser mais complexo. Sentir que tu não és tu, que foste um engano, que nã és como eras, mas sim como estás, é mais do que complexo, é estranho… 

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