Não é neccessário vivermos ao lado de alguém para nos sentirmos ligados a esse alguém mais do que a qualquer outra pessoa...

sexta-feira, 1 de janeiro de 2021

Era uma vez...

Era uma vez uma eterna criança... 


 Quando tinha 16,17 anos, estava desejosa de ser adulta, persuadida de que a maturidade lhe traria paz interior e ela seria normal, pelo menos mais normal. Vieram os 18, os 19 os 20 ,os 21 nada...Nem paz nem normalidade. Pensou que, se tivesse um filho, crescia de vez: toda a gente o dizia. Fez o filho e ele cresceu, cresceu, mas ela não: continuou sempre igual. Aos 7 / 8 anos, ele só lhe pedia para ela ser como as outras mães: " Bate-me. bate-me, como fazem as outras mães, mas não me dês seca com os teus discursos" . Aos 13 anos, era ele que a considerava irresponsável, era ele que a proibia de fumar no quarto, era ele que punha o despertador e a acordava, era ele que a interrogava:" Mas em que mundo vives tu?". Ele amadurecia precocemente, enquanto ela se infantilizava: sentia-se melhor com os amigos dele; ao contrário, ele preferia os dela. Ainda hoje, os amigos e namoradas até a tratam por tu... Esta até será a parte divertida e interessante do seu não crescimento, o pior foi a pacificação que nunca chegou, a emotividade excessiva que não desapareceu e a normalidade que, ainda agora, espera em vão... 

 À medida que crescia, o reino que idealizou foi um utópico ponto de encontro, um espaço sem espaço: lá tinha reaprendido a sorrir e a ser... Toda a utopia é uma desimpossibilidade...A palavra foi criada a partir dos radicais gregos οὐ, "não", e τόπος, "lugar", portanto, etimologicamente, a utopia é o "não-lugar" ou " o lugar que não existe". Pensar-te, uma vez que não existes em nenhum espaço, será uma utopia? O seu sebastianismo, sendo falso, dentro do fingimento fantasioso em que a sua mente é exímia, é profundamente autêntico. Gosta do mito, gosta de acreditar em d.sebastião, "quer ele venha quer não", gosta de utopiar ( Interessante este neologismo...Acaba de entrar no Palavrário)... Fiel aos seus princípios, fez este registo antes que o nevoeiro se dissipasse. Quando olha o longe da varanda do quarto, um ritual que cumpre religiosamente sempre que se levanta, e vislumbra o nada, fica fascinada com essa mancha compacta de ... Não faz ideia nem lhe interessa saber o que é o nevoeiro, basta-lhe saber que é, que existe...É egocêntrica e só escreve sobre si... Mesmo quando fala de um tu, esse tu é uma projeção do seu eu ou ela é uma projeção desse tu. Quando lê certos textos , quando olha a beleza , quando se sente existir só espiritualmente, quando é invadida por uma emoção particularmente intensa, "Desejava ser dois para me poder comunicar, transmitir esse deleite." Quando a sua solidão interior se agudiza, gostaria de ter um outro eu capaz de se ser...Outrar-se, ser o eu que fala e o eu que escuta...Quando se surpreende como um ser interiormente bonito ,lamenta que ninguém a anseie conhecer...Ao contrário de tertuliano, gostaria de ser duplicada.. Utopias privativas: organizar tudo de modo perfeito; ler tudo o que merece ser lido; recordar tudo o que leu; pensar tudo o que é pensável; conciliar castidade com sensualidade; beber e nunca ultrapassar a fase em que o álcool a transporta para um paraíso, mesmo que artificial; comer o que lhe apetece e não engordar; nunca sentir dor... Os seus refúgios são, afinal ,remédio para a desimpossibilidade das utopias : arrumar, organizar, arquivar, compulsivamente; ler, reler, compulsivamente; ser pura, recusar o corpo, compulsivamente; beber e comer compulsivamente...

 "Deixo Sísifo na base da montanha! As pessoas sempre reencontram o seu fardo. Mas Sísifo ensina a fidelidade superior que nega os deuses e ergue as rochas. Também ele acha que está tudo bem. Esse universo, doravante sem dono, não lhe parece estéril nem fútil.(...) A própria luta para chegar ao cume basta para encher o coração de um homem. É preciso imaginar Sísifo feliz."

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