Levanto-me de repelão: se ao menos pudesse parar de pensar, já não seria mau. Os pensamentos são o que há de mais enjoativo. Mais enjoativos ainda que a carne. Prolongam-se interminavelmente e deixam um gosto esquisito. E depois há as palavras no interior dos pensamentos, as palavras incompletas, os embriões de frase que reaparecem constantemente: «Tenho de acab... Eu exis... Morr... O Sr. de Roll morreu... Não sou... Exis...» É algo que anda, anda, e nunca acaba. É pior que o resto, porque disso sinto-me responsável e cúmplice. Por exemplo, esta espécie de ruminação dolorosa: eu existo, sou eu que a alimento. Eu. O corpo vive sozinho, uma vez que começou a viver. Mas o pensamento sou eu que o continuo, que o desenrolo. Existo. Penso que existo. Oh, que comprida serpentina, este sentimento de existir - e eu, muito devagarinho, a desenrolá-la... Se pudesse fazer com que não pensasse! Tento, consigo: tenho a impressão de que a cabeça se me enche de fumo... mas eis que tudo recomeça: «Fumo... não pensar... Não quero pensar... Penso que não quero pensar. Não posso pensar que não quero pensar. Porque isso mesmo é um pensamento.» Então isto nunca mais acaba?
O meu pensamento sou eu: por isso é que não posso deter-me. Existo porque penso... e não posso deixar de pensar. Neste momento preciso - é odioso -, se existo é porque tenho horror a existir. Sou eu, sou eu que me extraio do nada a que aspiro: o ódio à existência, a repulsa pela existência, são outras tantas maneiras de a cumprir, de mergulhar nela. Os pensamentos nascem por trás de mim como uma vertigem, sinto-os nascer por trás da minha cabeça... se ceder, virão pôr-se à minha frente, entre os olhos - e cedo sempre, o pensamento avoluma-se, avoluma, e fica enorme, a encher-me todo, a renovar-me a existência. A minha saliva tem um sabor açucarado, o meu corpo está morno; sinto-me desenxabido. O meu canivete está em cima da mesa. Abro-o. Porque não? De toda a maneira, sempre seria uma mudança. Assento a mão esquerda no caderno, e mando-lhe uma boa facada à palma. Gesto muito nervoso; a lâmina escorrega, o ferimento é superficial. Está a deitar sangue. E afinal? Alguma coisa mudou? Ainda assim, olho com satisfação para aquele charcozinho de sangue no papel branco, por entre as linhas que tracei há bocado...
Mesmo que o jogo seja apenas sonho E não haja parceiro, Imitemos os persas desta história...
Penso sempre, sinto sempre; mas o meu pensamento não contém raciocínios, a minha emoção não contém emoções. Estou caindo, depois do alçapão lá em cima, por todo o espaço infinito, numa queda sem direcção, infinitupla e vazia. Minha alma é um maelstrom negro, vasta vertigem à roda de vácuo, movimento de um oceano infinito em torno de um buraco em nada, e nas águas que são mais giro que águas bóiam todas as imagens do que vi e ouvi no mundo - vão casas, caras, livros, caixotes, rastros de música e sílabas de vozes, num rodopio sinistro e sem fundo.
E eu, verdadeiramente eu, sou o centro que não há nisto senão por uma geometria do abismo; sou o nada em torno do qual este movimento gira, só para que gire, sem que esse centro exista senão porque todo o círculo o tem. Eu, verdadeiramente eu, sou o poço sem muros, mas com a viscosidade dos muros, o centro de tudo com o nada à roda.
E é, em mim, como se o inferno ele-mesmo risse, sem ao menos a humanidade de diabos a rirem, a loucura grasnada do universo morto, o cadáver rodante do espaço físico, o fim de todos os mundos flutuando negro ao vento, disforme, anacrónico, sem Deus que o houvesse criado, sem ele mesmo que está rodando nas trevas das trevas, impossível, único, tudo. Poder saber pensar! Poder saber sentir!
Inelutável tendência para surpreender afinidades afetivas entre as notas de camus a O primeiro homem e os senhores de GMT. É o despensamento do dia...Tudo o que é exagerado é insignificante, mas Monsieur...era insignificante antes de o ser. Insistiu em acumular. Quem escreveu?
Uma galinha, finalmente, descobriu a maneira de resolver os principais problemas da cidade dos homens. Apresentou a sua teoria aos maiores sábios e não havia dúvidas: ela tinha descoberto o segredo para todas as pessoas poderem viver tranquilamente e bem. Depois de a ouvirem com atenção, os sete sábios da cidade pediram uma hora para reflectir sobre as consequências da descoberta da galinha, enquanto esta esperava numa sala à parte, ansiosa por ouvir a opinião destes homens ilustres. Na reunião, os sete sábios por unanimidade, e antes que fosse tarde demais, decidiram comer a galinha.
Gosto de quem gosta de absinto, gosto de quem gosta de enciclopédias e gosto de quem gosta de pensar, portanto, gosto do Sr. Henri... O senhor Henri sabe tanto que nem sempre sabe o que fazer com tanta sabedoria porque não interage com ninguém. É o exemplo perfeito do solipsista, do homem egocêntrico, arrogante e misógino. "Máquina de raciocínio", "animal do pensamento", produtor de "indústria filosófica", o senhor Henri é "cerebral em todas as direcções" e tem " quilómetros e quilómetros de inteligência dentro da cabeça".
E com a venda nos olhos, o algodão nos ouvidos, e a mola no nariz o senhor Juarroz, tendo o cuidado de manter as mãos no ar para não tocar em nada, tinha então momentos de pura felicidade de pensamento. Uma causa vale menos do que o efeito e um efeito vale menos do que um acontecimento.
Dar demasiada importância ao sonho seria dar demasiada importância, afinal, a uma coisa que se separou de nós próprios, que se ergueu, conforme pôde, em realidade, e que, por isso, perdeu o direito absoluto à nossa delicadeza para com ela. As figuras imaginárias têm mais relevo e verdade que as reais. O meu mundo imaginário foi sempre o único mundo verdadeiro para mim. Nunca tive amores tão reais, tão cheios de verve de sangue e de vida como os que tive com figuras que eu próprio criei. Que pena! Tenho saudades deles, porque, como os outros, passam...
A realidade despensada é,afinal, mais suportável.
Há muita coisa a dizer que não sei como dizer. Faltam as palavras. Mas recuso-me a inventar novas: as que existem já devem dizer o que se consegue dizer e o que é proibido. E o que é proibido eu adivinho...Atrás do pensamento não há palavras: é-se. Nesse terreno do é-se, sou puro êxtase cristalino. É-se. Sou-me. Tu te és.
Veio-me a consciência da futilidade muito cedo...Pensava, teorizava e sofria. Hoje passei além. O pensamento tornou-se-me alma. Sentimentalizou-se, dispersou-se por mim, perdendo o seu ser de pensamento e lógica. Hoje já não penso; sinto a reflexão. Penso com o sentimento. Raciocino-me.
Não há uma coisa que se faça por um ser (que se faça verdadeiramente) que não negue um outro.De certo modo, amar um ser é matar todos os outros... Esta é a verdade, a única verdade: sou quotidianamente negada, assassinada...
Sou os arredores de uma vila que não há, o comentário prolixo a um livro que se não escreveu. Não sou ninguém, ninguém. Não sei sentir, não sei pensar, não sei querer. Sou uma figura de romance por escrever, passando aérea, e desfeita sem ter sido, entre os sonhos de quem me não soube completar. Perfeito auto-retrato de um despensado...
Se o quadradismo dos meus versos Vai de encontro ao intelecto Que não usa o coração como expressão...
Juntando o antes, o agora e o depois...
Mas a minha tristeza é sossego Porque é natural e justa E é o que deve estar na alma Quando já pensa que existe E as mãos colhem flores sem ela dar por isso.
Há casos em que a felicidade consiste não em se achar o que se busca e deseja, senão em se não achar...
Cheguei hoje, de repente, a uma sensação absurda e justa. Reparei, num relâmpago íntimo, que não sou ninguém. Ninguém, absolutamente ninguém. Quando brilhou o relâmpago, aquilo onde supus uma cidade era um plaino deserto; e a luz sinistra que me mostrou a mim não revelou céu acima dele. Roubaram-me o poder ser antes que o mundo fosse. Se tive que reencarnar, reencarnei sem mim, sem ter eu reencarnado.
A tua voz fala amorosa...Tão meiga fala que me esquece Que é falsa a sua branda prosa. Meu coração desentristece. Sim, como a música sugere O que na música não está, Meu coração nada mais quer Que a melodia que em ti há... Amar-me? Quem o crera? Fala Na mesma voz que nada diz Se és uma música que embala. Eu ouço, ignoro, e sou feliz. Nem há felicidade falsa, Enquanto dura é verdadeira. Que importa o que a verdade exalça Se sou feliz desta maneira?
Em certo sentido, tanto o Misticismo como a Magia são confissões de impotência.(…) Um caso simples de Misticismo é o tipo comum de intuição a que se chama «palpite» em linguagem vulgar. Uma pessoa tem um palpite de que em certo número terá o primeiro prémio da lotaria. De vez em quando o palpite sai certo, mas todos sabemos que, por cada vez que sai certo, há milhares de vezes em que sai errado. Se assim não fosse, um clube de apostas não seria o grande negócio que sempre é.
"Quem tudo quer tudo perde". Diz-se a alguém que não sabe parar e que quer mais e mais e sempre mais. Quando não se saber parar, chega-se a uma situação de rutura, em que se deita a perder tudo o que fora alcançado. O exemplo perfeito da aplicação deste provérbio são os jogos de casino: uma pessoa começa a jogar e ganha, mas, com a perspetiva de ganhar mais ainda, torna a jogar e pode ser que torne a ganhar. Se parar por aqui, tem a sua recompensa. Se não souber parar e voltar a jogar, se perder, perde tudo o que ganhou com a aposta.É isto que costuma acontecer a quem tem o vício do jogo: porque não souberam parar, enchem-se de dívidas para pagar apostas milionárias.( wikipédia)
Sempre gostou de apostar e passou a vida a fazê-lo. Sentiu-se tentada apostar no "não", mas experimentava um pavor enorme, perante a hipótese de ganhar o "sim". Resolveu aguardar serenamente. Entretanto, pensou se não estaria a ser uma vítima do seu próprio jogo: sentiu-se cobaia. Durante muitos anos não jogou, até que recomeçou, mas o parceiro, apesar de tão inexistente como a sua vida inútil, derrota- a sempre...
O jogo existe como simulacro de uma batalha...Mas o jogo é também um conjunto de símbolos e alegorias ,Cada partida é uma demonstração de qualquer coisa, mesmo da impossibilidade do jogo.... Há mais sentido no impasse do que na conclusão.
A existência, caro Walser, começa a deixar de existir...Aparentemente o que tinha acontecido deixara de acontecer Uma aposta perdida...
Não tinha sequer uma pistola, mas eliminara a grande fraqueza da existência, fizera desaparecer a primária fragilidade da espécie: não possuía qualquer inclinação para o amor ou para a amizade! E nesse momento, a caminhar em plena rua, desarmado, observando de cima os seus sapatos castanhos, velhos, sapatos irresponsáveis como troçava Klober, nesse momento Walser sentia-se tão seguro — e, ao mesmo tempo ameaçador — como se avançasse dentro de um tanque pela rua.
Well he feels like an elephant Shaking his big grey trunk for the hell of it He knows that you dreaming about being loved by him Too bad your chances are slim...
O Gato e o Rato Duas crianças ficam de fora de uma roda de seis jogadores: uma é o rato e a outra é o gato. Das crianças da roda, uma é a porta e outra o relógio. O gato dirige-se à "porta":
-“Truz, truz, truz- Quem é?- É o gato.- O que queres?- Quero apanhar o rato.- O rato não está. Foi comer queijo.- A que horas volta?- Não sei. Vai perguntar ao relógio.”
O gato dirige-se ao relógio e pergunta-lhe:
- “Relógio, a que horas chega o rato?- ” O rato chega às cinco horas”. As crianças contam, em voz alta, até cinco. Então, levantam os braços e o rato começa a fugir, entrando e saindo da roda, por baixo dos braços levantados das crianças. O gato, ao ouvir o número cinco, dirige-se para a "porta" e entra na roda, perseguindo o rato a fim de o apanhar. O gato só pode entrar e sair da roda pelos lugares por onde passou o rato.
O jogo termina quando o gato apanha o rato ou desiste, escolhendo-se um novo gato, um rato, uma porta e um relógio. Ah,ah...o jogo está preparado para o gato ganhar... Os ratos perdem sempre, sempre... Nem dá para ter palpites e apostar.
Durante toda a vida ,senti-me atraído por pessoas monomaníacas, fixadas numa única ideia, pois quanto mais uma pessoa se restringe, tanto mais próxima fica do infinito...construindo uma abreviatura do mundo curiosa e verdadeira.
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