Não é neccessário vivermos ao lado de alguém para nos sentirmos ligados a esse alguém mais do que a qualquer outra pessoa...

sábado, 1 de agosto de 2015

Manias, rotinas e rituais...

Manias...
Mais um dia um de agosto...Que milagre nos salvará da sinistra mania de ter razão?

A Mania, entre os romanos, é a deusa dos mortos,a mãe dos fantasmas. De acordo com a mitologia grega, a Mania é a personificação da loucura, análoga às erínias, geralmente enviada àqueles que não respeitam os rituais sagrados, para lhes perturbar o espírito, como uma forma de castigo. A Mania, um agente da cólera divina, é uma forma que os deuses encontram de atormentar os homens...

Tão grande e famoso é o meu nome entre os mortais como no céu: sou a deusa Cípris. A todos que habitam e vêem a luz do sol, entre o Ponto e os limites do Atlas, se veneram o meu poder, respeito-os; mas faço cair em desgraça aqueles que nos tratam com soberba, pois grata é também aos deuses a veneração dos mortais. Em breve vereis a verdade das minhas palavras.O filho de Teseu, da Amazona nascido e pelo casto Piteu criado, Hipólito, é o único que, entre os cidadãos desta terra de Trezena, diz ser eu a pior das deusas - desdenha as delícias do amor e legítimas uniões afasta. A Ártemis, irmã de Febo e filha de Zeus, venera, como a maior entre as deusas (...). Mas hoje ainda, devido às faltas contra mim cometidas, punirei Hipólito (...) De acordo com os meus desejos, Fedra, nobre esposa de seu pai, ao vê-lo, no coração foi ferida por violento amor...
FEDRA - Desgraçada de mm! Que fiz eu?Para onde me desviei do bom senso? Enlouqueci! Vítima sou da cegueira por um deus enviada. Ai,ai,infeliz!(...) Penoso é recuperar a razão,mas é um mal a loucura.Preferível é,no entanto,inconciente perecer.


Quando olho para mim não me percebo.
Tenho tanto a mania de sentir
Que me extravio às vezes ao sair
Das próprias sensações que eu recebo.


A mania do absurdo e do paradoxo é o animal spirits dos tristes. Como o homem normal, diz disparates por vitalidade, e por sangue dá palmadas nas costas de outros, os incapazes de entusiasmo e de alegria dão cambalhotas na inteligência, a seu frio modo fazem os gestos quentes da vida.

My chief mania was a morbid propensity to search for the cause of things; I saw in all things cause and effect; lotteries raffles occupied me long in striving to find out their causality. I would reason at everything and with everything.

Oniomania- impulso irresistível para fazer compras...

Escrevo porque sou um desesperado e estou cansado, não suporto mais a rotina de me ser e, se não fosse a sempre novidade que é escrever, eu me morreria simbolicamente todos os dias.

Quando já conhecemos o que está à volta, pequenos pormenores podem ser grandes excitações. Na lógica contrária, se uma pessoa se habitua a ansiar por novas coisas, há uma certa substância de excitação que leva a ter de aumentar a quantidade.



Meu Bebezinho querido:

Então o meu Bebé não ficou ontem descontente com o Ibis? Então ontem achou o Ibis meigo e digno de jinhos? Ainda bem, porque o Ibis não gosta que a Nininha fique zangada, ou triste com ele, porque o Ibis, e mesmo o Álvaro de Campos, gosta muito, muito do seu Bebezinho. Olha, Nininha: hoje estou muito aborrecido; não é bem o que se chama mal disposto, mas apenas o que se chama aborrecido . Hoje sentir-me-ia muito melhor se pudesse contar com ir logo a ver a Nininha, e vir para baixo de Belém com ela, e sem o Álvaro de Campos; que ela, naturalmente, não gostaria que esse distinto engenheiro aparecesse...



( A intromissão de álvaro de campos, no namoro de pessoa com ophelia, é tão deliciosa que ela até se lhe perdoam todos os "bebezinhos".)

Manias? Rotinas? Rituais?


A razão é muito simples, não tenho ninguém com quem falar. O Sr. José olhou a mulher, ela estava a olhá-lo a ele, não vale a pena gastar palavras a explicar a expressão que tinham nos olhos um e outro, só importa o que ele foi capaz de dizer ao cabo de um silêncio, Eu também não.

E agora, que pensa fazer, Nada, disse eu, Vai voltar àquelas suas coleções de pessoas famosas, Não sei, talvez, em alguma coisa haverei de ocupar o meu tempo, calei-me um pouco a pensar e respondi, Não, não creio, Porquê, Reparando bem, a vida delas é sempre igual, nunca varia, aparecem, falam, mostram-se, sorriem para os fotógrafos, estão constantemente a chegar ou a partir...

...quando as mãos do sr. José, enfim, tocaramn o chão liso do sótão, as forças do seu corpo já há muito tinham perdido a batalha com o espírito assustado, por isso não pôde levantar-se logo, ficou estendido, assim, de bruços, a camisa e a cara assentes na poeira que cobria o soalho, as pernas penduradas para os degraus, por quantos sofrimentos têm de passar as pessoas que saíram da tranquilidade de seus lares para se meterem em loucas aventuras.



It's louder than words The sum of our parts The beat of our hearts Is louder than words
Louder than words This thing they call soul Is there with a pulse Louder than words Louder than words



Rotina tússica,em analepse...

22 de fevereiro de 2015 - Dia D= 22 de fevereiro de 2015 - Dia D = 22 de fevereiro de 2015

Não sinto nada mais ou menos, ou eu gosto ou não gosto. Não sei sentir em doses homeopáticas. Preciso e gosto de intensidade, mesmo que ela seja ilusória e se não for assim, prefiro que não seja (...) Quero grandes histórias e estórias; quero o amor e o ódio; quero o mais, o demais ou o nada. Não me importa o que é de verdade ou o que é mentira, mas tem que me convencer, extrair o máximo do meu prazer e me fazer crer que é para sempre quando eu digo convicto que "nada é para sempre".

21 de fevereiro de 2015 - Dia da língua materna = 21 de fevereiro de 2015 - Dia da língua materna...

Minha alma tem o peso da luz. Tem o peso da música. Tem o peso da palavra nunca dita, prestes quem sabe a ser dita. Tem o peso de uma lembrança. Tem o peso de uma saudade. Tem o peso de um olhar. Pesa como pesa uma ausência. E a lágrima que não se chorou. Tem o imaterial peso da solidão no meio de outros.


Gosto de dizer. Direi melhor: gosto de palavrar. As palavras são para mim corpos tocáveis, sereias visíveis, sensualidades incorporadas. Talvez porque a sensualidade real não tem para mim interesse de nenhuma espécie - nem sequer mental ou de sonho -, transmudou-se-me o desejo para aquilo que em mim cria ritmos verbais, ou os escuta de outros. (...) Como todos os grandes apaixonados, gosto da delícia da perda de mim, em que o gozo da entrega se sofre inteiramente.

o tempo é isto: não se vê , não ocupa espaço, é imaterial, mas faz apodrecer, envelhecer a madeira e os homens. Com o tempo só a língua rejuvenesce...

A língua portuguesa tem 800 anos: gosta de dizer e de escrever em português, gosta de pensar em português, gosta de sentir e de amar em português. Gosta de se ser neste idioma: o único afeto verdadeiro e intenso que lhe resta.

Nunca sentira tão docemente o desejo da palavra, nunca entendera tão bem a existência de Eros na palavra como naqueles deliciosos momentos perigosos em que estava sentado...olhando para o ídolo, ouvindo a música da sua voz e elaborando o seu pequeno ensaio à imagem da beleza...

Hoje é,verdadeiramente, o Dia da Língua Materna.O que resta deste país pode desaparecer , atolado em mediocridade e corrupção, poderemos não ser mais do que uma saudade,mas que fiquem as palavras, a recordar quem somos.

20 de fevereiro de 2015

Take your time, hurry up Choice is yours, don't be late Take a rest, as a friend As an old memory, memory Memory, memory...

I formulate infinity And store it deep inside me I formulate infinity And store it deep inside me

Há pequenas impressões finas como um cabelo e que, uma vez desfeitas na nossa mente, não sabemos aonde elas nos podem levar. Hibernam, por assim dizer, nalgum circuito da memória e um dia saltam para fora, como se acabassem de ser recebidos. Só que, por efeito desse período de gestação profunda, alimentada ao calor do sangue e das aquisições da experiência temperada de cálcio e de ferro e de nitratos, elas aparecem já no estado adulto e prontas a procriar. Porque as memórias procriam como se fossem pessoas vivas...




Que o diabo levasse tudo o que quisesse, todas as preocupações, todos os ciúmes, todas as palavras dadas por conta dele. Eu queria-a minha, por que preço fosse.(...) Tirei um papel do bolso, e escrevi: " Sinais de fogo os homens se despedem , lançando ao mar os barcos desta vida." Reli o que escrevera. E depois? Olhei o mar que escurecia, com manchas claras que ondulavam largas. Os barcos iam pelo mar fora, e nalguns havia lanternas acesas. " Nas vastas águas..." Nas vastas águas ... Era absurdo. Eu fazendo versos? Porquê? Amarrotei o papel e deitei-o fora."
Quanto de ti, amor, me possuiu no abraço em que de penetrar-te me senti perdido no ter-te para sempre- Quanto de ter-te me possui em tudo o que eu deseje ou veja não pensando em ti no abraço a que me entrego- Oh meu amor, de ti, por ti, e para ti, recebo gratamente como se recebe não a morte ou a vida, mas a descoberta de nada haver onde um de nós não esteja.

19 de fevereiro de 2015

Sempre amei por palavras muito mais do que devia são um perigo as palavras quando as soltamos já não há regresso possível ninguém pode não dizer o que já disse...Por mais que dispamos o que vestimos, nunca chegamos à nudez, pois a nudez é um fenómeno da alma.



18 de fevereiro de 2015

Nunca amamos ninguém. Amamos, tão-somente, a ideia que fazemos de alguém. É a um conceito nosso - em suma, é a nós mesmos - que amamos. Isso é verdade em toda a escala do amor. No amor sexual, buscamos um prazer nosso dado por intermédio de um corpo estranho. No amor diferente do sexual, buscamos um prazer nosso dado por intermédio de uma ideia nossa. As relações entre uma alma e outra, através de coisas tão incertas e divergentes como as palavras comuns e os gestos que se empreendem, são matéria de estranha complexidade. No próprio ato em que nos conhecemos, nos desconhecemos. Dizem os dois «amo-te» ou pensam-no e sentem-no por troca, e cada um quer dizer uma ideia diferente, uma vida diferente, até, porventura, uma cor ou um aroma diferente, na soma abstracta de impressões que constitui a actividade da alma .É de compreender que sobretudo nos cansamos...

Toda a gente é infelizmente confundida pela ignorância da verdade. Enganada pela opinião vulgar, procura como se fossem bens certas coisas que, depois de muito penar para as conseguir, verifica serem nocivas, inúteis ou inferiores ao que esperava. A maior parte das pessoas sente admiração por coisas que só ao fim de algum tempo se revelam ilusórias; e assim é que o vulgo toma por bom o que apenas parece grande...

Perguntamos a nós próprios: em que medida, neste estranho tumulto de perda, em que eu te perdi, ou perdi o que tínhamos juntos, ou perdi o que em ti me fazia ser mais eu, ou perdi a simples companhia, ou o amor, ou todos e quaisquer bocadinhos da cada coisa sobrepostos?

Aqui tens o que posso dizer-te constantemente, a matéria que poderei estar sempre a debater, pois ambos vemos à nossa roda inúmeros milhares de pessoas inquietas que, a fim de obterem algo de altamente nocivo, andam com perseverança a praticar o mal, sempre à procura de coisas que logo a seguir deixam de lhes interessar, ou mesmo as enchem de repulsa! Já viste alguém contentar-se com uma coisa que, antes de a obter, lhe parecia mais que suficiente?

Há muito tempo já que não escrevo um poema de amor... seja que vou envelhecendo e ninguém me deseje apaixonado, ou que a antiga paixão me mantenha calado o coração num íntimo pudor,- Há muito tempo que já não escrevo um poema de amor.


Cozido à portuguesa... Hoje, no café perto de sua casa, é dia de cozido à portuguesa. Sentiu um desejo tão súbito e inadiável que vai esperar ansiosamente pelas doze horas...Está cansada de esperar d. sebastião, sempre quebra a rotina... Antecipa a deliciosa sensação: saborear o tempo perdido, num sábado luminoso, juntamente com cozido à portuguesa , a ouvir um som, evocativo de kafka, com couves cozidas, temperadas com um aforismo, roubado a nietzsche, e o ronrrom lafugão de um felino que adora lamber carnes gordas.

How long, how long Until I see you? And when, and when does The light come shining through? Remember days when we were so young and Remember days when we were so young and We were so young and old...

Tragam-me esquecimento em travessas! Quero comer o abandono da vida! Quero perder o hábito de gritar para dentro. Arre, já basta! Não sei o quê. mas já basta. . . Então viver amanhã, hein?. . . E o que se faz de hoje? Viver amanhã por ter adiado hoje? Comprei por acaso um bilhete para esse espectáculo? Que gargalhadas daria quem pudesse rir! E agora aparece o eléctrico — o de que eu estou à espera — Antes fosse outro. . . Ter de subir já! Ninguém me obriga, mas deixai-o passar, porquê? Só deixando passar todos, e a mim mesmo, e à vida. . . Que náusea no estômago real que é a alma consciente! Que sono bom o ser outra pessoa qualquer. . . Já compreendo porque é que as crianças querem ser guarda-freios. . . Não, não compreendo nada. . . Tarde de azul e ouro, alegria das gentes, olhos claros da vida...

Poeta ...de cetineta fulgurante de mais para alguns olhos bom artesão na arte da proveta narciso de lombardas e repolhos. Cozido à portuguesa mais as carnes suculentas da auto-importância com toicinho e talento ambas partes do meu caldo entornado na infância. Nos olhos uma folha de hortelã que é verde como a esperança que amanhã amanheça de vez a desventura. Poeta de combate disparate palavrão de machão no escaparate porém morrendo aos poucos de ternura.
"Porém, morrendo, aos poucos, de ternura..."

Sonhos vagos, luzes confusas, paisagens perplexas — eis o que me resta na alma de tanto que viajei. Tenho a impressão de que conheci horas de todas as cores, amores de todos os sabores, ânsias de todos os tamanhos. Desmedi-me pela vida fora, e nunca me bastei nem me sonhei bastando-me...

Àlvaro de campos inclinava-se para a dobrada à moda do porto, mas whittman certamente devia apreciar cozido à portuguesa..Ah, o poema que te cantasse bem, Seria o poema ... em que estivessem todas as vestes e todas as sedas —Todos os perfumes e todos os sabores E o contacto em todos os sentidos do tacto de todas as coisas tangíveis. O cozido à portuguesa seria uma boa inspiração para uma ode triunfal: sentir os sabores de carnes de vários tipos e cores; o verde das couves e a lividez do nabo, a contrastar com os tons e texturas dos enchidos... um verdadeiro ritual sensorial e sinestésico.

Um dia, num restaurante, fora do espaço e do tempo, Serviram-me o amor como dobrada fria. Disse delicadamente ao missionário da cozinha Que a preferia quente, Que a dobrada (e era à moda do Porto) nunca se come fria. (...) Mas, se eu pedi amor, porque é que me trouxeram Dobrada à moda do Porto fria? Não é prato que se possa comer frio, Mas trouxeram-mo frio. Não me queixei, mas estava frio, Nunca se pode comer frio, mas veio frio....

Ai, os pratos de arroz-doce
Com as linhas de canela!
Ai a mão branca que os trouxe!
Ai essa mão ser a dela!


Meu pratinho de arroz doce
polvilhado de canela;
Era bom mas acabou-se
desde que a vida me trouxe
outros cuidados com ela.


Arroz doce, a sua sobremesa predileta: um ritual com sabor a passado, a presente e a futuro...Quando era criança, o arroz doce suavizava as agruras de qualquer doença, de qualquer contrariedade... Ser feliz era fácil: comer arroz doce, com ou sem canela...Intui que caeiro, no meio de uma deambulação por campos inexistentes, não desdenharia deglutir, serenamnte, um pratinho de arroz doce, mas... sem canela. Sim, sem canela.

(Come chocolates, pequena;
Come chocolates!
Olha que não há mais metafísica no mundo senão chocolates.
Olha que as religiões todas não ensinam mais que a confeitaria.
Come, pequena suja, come!
Pudesse eu comer chocolates com a mesma verdade com que comes!
Mas eu penso e, ao tirar o papel de prata, que é de folha de estanho,
Deito tudo para o chão, como tenho deitado a vida.)


Como quem visita um lugar onde passou a juventude, consigo, com um cigarro barato, regressar inteiro ao lugar da minha vida em que era meu uso fumá-lo. E através do sabor leve do fumo todo o passado revive-me. Outras vezes será um certo doce. Um simples bombom de chocolate escangalha-me às vezes os nervos com o excesso de recordações que os estremece. A infância! E entre os meus dentes que se cravam na massa escura e macia, trinco e gosto as minhas humildes felicidades de companheiro alegre do soldado de chumbo, de cavaleiro congruente com a cana casual meu cavalo. Sobem-me as lágrimas aos olhos e junto com o sabor do chocolate mistura-se ao meu sabor a minha felicidade passada, a minha infância ida e pertenço voluptuosamente à suavidade da minha dor. Nem por simples é menos solene este meu ritual do paladar.

Volta amanhã, realidade!
Basta por hoje, gentes!
Adia-te, presente absoluto!
Mais vale não ser que ser assim.
Comprem chocolates à criança a quem sucedi por erro.
E tirem a tabuleta porque amanhã é infinito.


Analepse- dezoito de maio de 2015

Três histórias: Mui de muito cor de coração / dou de dourado pé de pétala / vem de ventre algo de algodão. São prosas insatisfeitas de serem prosas, deslizes para verso, quase versos, coisas quase, como quando Armando - o poeta bandido-vagabundo-"Pedro, o Louco" de "algo de algodão" - tenta achar o que é em si um rio e o que acha é: Uma coisa quase, uma coisa muito, e uma frase fica a meio caminho. Palavras no desfrute de palavras (aquelas que têm letras iguais juntas, como zoológico), das onomatopeias (que propagam - oh, maravilha! - ruídos de papel: "unghôôôpssiôôôôôôô"), dos ritmos (acreditando que o extremo de uma página é uma pauta), das cores (muitas, e vermelho-sangue muitas vezes), dos cheiros, das texturas ("o que chama o homem é duro e misterioso", depois do amor, "macio por dentro"). Entre as palavras, "boy meets girl". E dão as mãos e roubam maçãs das mercearias e fingem que estão num filme de espiões e compram caixas de charutos e fogem para o campo e ficam sob as árvores e entram num rio e tomam banho nus e às vezes nada acontece e às vezes acontece algo. Como uma coisa quase, antes de explodir.

Cinemaamor - História de amor e de amor ao cinema, com uma sequência de dança no corredor de um hospital , antes de Joaquim (o herói empregado-etiquetador-de-preços-num-supermercado) beijar a Mulher da Varanda (que está toda ligada, como uma múmia, mas viva).

Almirante Reis -Há um Alemão que tenta escrever poemas, há um miúdo que crava moedinhas, há um Pai Natal que vende mobiliário, há uma mulher de mini-saia preta, blusa verde-alface muito justa, colãs cor-de-rosa e o cabelo pintado de loiro, que diz "I l-o-v-e-y-o-u..." em câmara lenta, há um empregado que trauteia José Cid ("Cai neve em Nova Iorque, há sol no meu país...") mas também David Byrne ("we're on the road to nowhere / come on inside"), há uma velha que canta "love me tender / love me true", há um polícia que fala em "conceitos-quadro" e em "distanciação-científica", há dois Joões non-sense e há este diálogo sobre a portugalidade: "Polícia - Nós somos os que não foram. Empregado - Uma ilha de mar rodeada de terra por todos os lados. Polícia - Os que envelhecem. Empregado - A Minha pátria é a minha garganta. Polícia - Crianças antigas Empregado - O Vasco da Gama vive num tê-um no Barreiro.


Precisava de ler algo diferente. Algo leve, breve, sem sentido, mas saboroso. Algo que,sendo quase, pudesse ser tudo...Algo que a fizesse sorrir. Algo que conseguisse, momentaneamente, fazê-la esquecer princesas desencantados e príncipes perdidos...No reino do algodão, tudo é espuma, tudo é doce... Reis gostaria do caráter etéreo e fugaz do algodão doce... A aletria fica reservada para bernardo soares e ,a pessoa, serve-lhe uma laranja agridoce.

O incrível país da minha tia, trémulo de bondade e de aletria.

Minha laranja amarga e doce Meu poema feito de gomos de saudade Minha pena pesada e leve Secreta e pura Minha passagem para o breve instante da loucura (...)Minha alegria, minha amargura Minha coragem de correr contra a ternura...


Outros rituais...

Não há gestos femininos ou masculinos, pelo menos feitos com as mãos. Já que as mãos são partes do corpo comuns ao homem e à mulher. Quando muito existirão gestos femininos feitos com os seios, a vagina ou as ancas largas, e existirão gestos masculinos feitos com o orgão sexual masculino.(...) Eis uma teoria.
Bloom disse:
- Tenho vontade de te fazer um gesto absolutamente masculino com a parte do meu corpo que é absolutamente masculina.
Maria Bloom disse que não, estava a ler um livro de filosofia. Estava a acabar. Faltavam três páginas.
- Deixa-me ler estas três páginas. A seguir fornicamos.
Bloom concordou; ficou à espera.
O problema que se colocou aqui é que o livro que Maria estava a ler exigia idas constantes ao dicionário. Para além disso, Maria Bloom ficava, no final de cada frase, a reflectir longamente sobre o que acabara de ler.
Tinha então passado já uma hora e, das três páginas, Maria Bloom só havia lido uma.
Bloom começava a ficar irritado.
Começava, pois, a perder o desejo e a ganhar irritação (sendo que a irritação expulsa fluidos distintos).
Maria, disse Bloom, acabas de ler esse livro ou não?
(não sabem fazer livros mais simples, murmurava, irritado, Bloom).
Maria, sem tirar os olhos do dicionário, que novamente consultava, disse:
- Podes ir despindo-te.
Bloom assim fez. Despiu-se.
Quando finalmente Maria Bloom terminou de ler o seu livro de filosofia, Bloom tinha perdido o desejo e ganho uma constipação. Espirrava abundantemente.
- Esse maldito livro!
Nenhum livro causa constipações, disse Maria.
O desejo não se perde como se perde um objecto sólido. Maria Bloom não procurou o desejo perdido de Bloom pela casa toda.Foi logo procurar no corpo de Bloom. Há, assim, claramente, uma vantagem, quando se perde o desejo: ele não pode estar em sítios exóticos, a não ser que o próprio corpo do animal tenha sítios exóticos.
E tem.
O teu corpo tem mais sítios exóticos que o hemisfério sul do planeta, disse Maria a Bloom...

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