Uma obra de arte, portanto, é, em sua essência, uma invenção com valor. Se não for invenção, o valor pertencerá a quem inventou; se não tiver valor não será obra de arte, pois que importa inventar o que não presta? Uma obra que é uma invenção com valor, de que processos intelectuais procede? Uma invenção é uma ideia nova realizada. Há aqui dois elementos: a ideia, e os meios por que se realize. Em qual dos dois, ou de que modo, reside a essência da ideia nova?
Invento-te recordo-te distorço a tua imagem mal e bem amada sou apenas a forja em que me forço a fazer das palavras tudo ou nada..
Para ti criei palavras sem sentido, inventei brumas, lagos densos, e deixei no ar braços suspensos ao encontro da luz que anda contigo...
Em todas as esquinas da cidade nas paredes dos bares à porta dos edifícios públicos nas janelas dos autocarros mesmo naquele muro arruinado por entre anúncios de aparelhos de rádio e detergentes na vitrine da pequena loja onde não entra ninguém no átrio da estação de caminhos de ferro que foi o lar da nossa esperança de fuga um cartaz denuncia o nosso amor Em letras enormes do tamanho do medo da solidão da angústia um cartaz denuncia que um homem e uma mulher se encontraram num bar de hotel numa tarde de chuva entre zunidos de conversa e inventaram o amor com carácter de urgência deixando cair dos ombros o fardo incómodo da monotonia quotidiana Um homem e uma mulher que tinham olhos e coração e fome de ternura e souberam entender-se sem palavras inúteis Apenas o silêncio A descoberta A estranheza de um sorriso natural e inesperado Não saíram de mãos dadas para a humidade diurna Despediram-se e cada umtomou um rumo diferente embora subterraneamente unidos pela invenção conjunta de um amor subitamente imperativo...
Prólogo - Livro
I - Adeus e Vésperas
II - A Viagem ou O Que Não se Pode Prever
III - Regresso ou O Homem Sentado
Posfácio- Uma Frase Que Sobejou
Adenda - Démarches para a Invenção
Entrei numa livraria. Puz-me a contar os livros que ha para ler e os anos que terei de vida. Não chegam, não duro nem para metade da livraria. Deve certamente haver outras maneiras de se salvar uma pessoa, senão estou perdido. No entanto, as pessoas que entravam na livraria estavam todas muito bem vestidas de quem precisa salvar-se.
Imaginava eu que havía tratados da vida das pessoas, como ha tratados da vida das plantas, com tudo tão bem explicado, assim parecidos com o tratamento que ha para os animaes domesticos, não é? Como os cavalos tão bem feitos que ha! Imaginava eu que havia um livro para as pessoas, como ha hostias para cuidar da febre. Um livro com tanta certeza como uma hostia. Um livro pequenino, com duas paginas, como uma hostia. Um livro que dissesse tudo, claro e depressa, como um cartaz, com a morada e o dia.
--O pequeno é como o grande.
--O que está em cima é analogo ao que está em baixo.
--O interior é como o exterior das coisas.
--Tudo está em tudo
O preço de uma pessôa vê-se na maneira como gosta de usar as palavras. Lê-se nos olhos das pessôas. As palavras dançam nos olhos das pessôas conforme o palco dos olhos de cada um.
As palavras teem moda. Quando acaba a moda para umas começa a moda para outras. As que se vão embora voltam depois. Voltam sempre, e mudadas de cada vez. De cada vez mais viajadas. Depois dizem-nos adeus e ainda voltam depois de nos terem dito adeus. Emfim--toda essa tournée maravilhosa que nos põe a cabeça em agua até ao dia em que já sômos nós quem dá corda ás palavras para ellas estarem a dançar.
As mulheres e os homens estavam espalhados pela Terra. Uns estavam maravilhados, outros tinham-se cançado. Os que estavam maravilhados abriam a bocca, os que se tinham cançado tambem abriam a bocca. Ambos abriam a bocca.
Cada palavra é um pedaço do universo. Um pedaço que faz falta ao universo. Todas as palavras juntas formam o Universo.
Gásto os dias a experimentar logares e posições para as palavras. É uma paciencia de que eu gósto. É o meu gôsto.
Um dia há vida. Um homem, por exemplo, de perfeita saúde, nem sequer velho, nenhuma história de doenças. Tudo está como sempre esteve, como sempre estará. Ele passa de um dia a outro, não se ocupa de outra coisa senão dos seus assuntos, sonha apenas com a vida que tem à sua frente. E então, de súbito, acontece que há morte. Um homem solta um pequeno suspiro, afunda-se na sua cadeira, e é a morte. O carácter súbito desse facto não deixa o menor espaço ao pensamento, não dá à mente a menor hipótese de procurar uma palavra capaz de a confortar. A única coisa com que ficamos é a morte, o irredutível facto da nossa própria mortalidade. A morte depois de uma longa doença, podemos aceitá-la com resignação. Mesmo a morte acidental, podemos imputá-la ao destino. Porém, o facto de um homem morrer sem nenhuma causa evidente, o facto de um homem morrer simplesmente porque é um homem, deixa-nos tão perto da invisível fronteira entre vida e morte que já não sabemos de que lado estamos. A vida converte-se em morte e é como se esta morte sempre tivesse sido dona e senhora desta vida. Morte sem aviso. O que é o mesmo que dizer: a vida pára. E pode parar a qualquer momento.
Intermitências da vida...
Não entendo nada, falar consigo é o mesmo que ter caído num labirinto sem portas, Ora aí está uma excelente definição da vida, Você não é a vida, Sou muito menos complicada que ela....
Saudades de ti... Ter saudades de ti é completamente diferente de ter "saudades tuas" : ela não tem saudades tuas, isso é coisa da outra gente. Tal como gosta de te inventar, o que não significa que pense em ti…
A infinidade de sentimentos que se inventam através de um silêncio...Quantas palavras cabem num silêncio? Que emoções um silêncio nos desperta? E, se silenciamos, o que diz o silêncio? Há silêncios de quantos tipos? Será que alguém já elaborou um catálogo de silêncios?
Tão sempre a mesma, a Hora!... Balouçar de cimos de palma!... Silêncio que as folhas fitam em nós... Outono delgado Dum canto de vaga ave... Azul esquecido em estagnado... Oh que mudo grito de ânsia põe garras na Hora! Que pasmo de mim anseia por outra coisa que o que chora! Estendo as mãos para além, mas ao estendê-las já vejo Que não é aquilo que quero aquilo que desejo... Címbalos de Imperfeição... Ó tão antiguidade A hora expulsa de si-Tempo! Onda de recuo que invade O meu abandonar-me a mim próprio até desfalecer, E recordar tanto o Eu presente que me sinto esquecer!... Fluido de auréola, transparente de foi, oco de ter-se... O Mistério sabe-me a eu ser outro... Luar sobre o não conter-se... A sentinela é hirta - a lança que finca no chão É mais alta do que ela... Para que é tudo isto... Dia chão... Trepadeiras de despropósito lambendo de Hora os Aléns... Horizontes fechando os olhos ao espaço em que são elos de erro... Fanfarras de ópios de silêncios futuros... Longes trens... Portões vistos longe... através de árvores... tão de ferro!
Eis que a vida se suspende: a sua imagem é uma projeção do que os outros pensam dela. Parece-lhe estar num filme em que é simultaneamente personagem e espectadora. Sentada na plateia, imóvel, vazia, indiferente, observa-se na tela e, embora não goste da sua imagem física, parece que os outros espectadores, indiferentes a isso, apreciam o seu desempenho... O reencontro, os abraços emotivos, as declarações de afeto, os elogios, os agradecimentos causam-lhe, tão só, o enorme constrangimento de não se conseguir sentir como destinatária: é como se abraçassem outro corpo...outra pessoa. As manifestações de apreço tal como as de preocupação deixam-na indiferente...A emoção dos outros bate -lhe na cara, mas faz ricochete e penetra outro ser. Subsiste um gelo, um arrepio, que a faz sentir horror de si própria...
Intermitências da morte... O meu desejo é de morrer, pelo menos temporariamente, mas isto... só porque me dói a cabeça.
A morte não é nada para nós, pois, quando existimos, não existe a morte e, quando existe a morte, não existimos mais.
No dia seguinte ninguém morreu. O facto, por absolutamente contrário às normas da vida, causou nos espíritos uma perturbação enorme, efeito em todos os aspectos justificado, basta que nos lembremos de que não havia notícia nos quarenta volumes da história universal, nem ao menos um caso para amostra, de ter alguma vez ocorrido fenómeno semelhante, passar-se um dia completo, com todas as suas pródigas vinte e quatro horas, contadas entre diurnas e nocturnas, matutinas e vespertinas, sem que tivesse sucedido um falecimento por doença, uma queda mortal, um suicídio levado a bom fim, nada de nada, pela palavra nada. Nem sequer um daqueles acidentes de automóvel tão frequentes em ocasiões festivas, quando a alegre irresponsabilidade e o excesso de álcool se desafiam mutuamente nas estradas para decidir sobre quem vai conseguir chegar à morte em primeiro lugar. A passagem do ano não tinha deixado atrás de si o habitual e calamitoso regueiro de óbitos, como se a velha átropos da dentuça arreganhada tivesse resolvido embainhar a tesoura por um dia.
Por um instante a morte soltou-se a si mesma, expandindo-se até às paredes, encheu o quarto todo e alongou-se como um fluido até à sala contígua, aí uma parte de si deteve-se a olhar o caderno que estava aberto sobre uma cadeira, era a suite número seis opus mil e doze em ré maior de Johann Sebastian Bach composta em cöthen e não precisou de ter aprendido música para saber que ela havia sido escrita, como a Nona Sinfonia de Beethoven, na tonalidade da alegria, da unidade entre os homens, da amizade e do amor. Então aconteceu algo nunca visto, algo não imaginável, a morte deixou-se cair de joelhos, era toda ela, agora, um corpo refeito, e por isso é que tinha joelhos, e pernas, e pés, e braços, e mãos, e uma cara que entre as mãos escondia, e uns ombros que tremiam não se sabe porquê, chorar não será, não se pode pedir tanto a quem sempre deixa um rasto de lágrimas por onde passa, mas nenhuma delas que seja sua. Assim como estava, nem visível nem invisível, em esqueleto nem mulher, levantou-se do chão como um sopro e entrou no quarto...
Não pactua com as despedidas, as juras de amor eterno, alternadas com a eterna saudade, a obrigação de sofrer e, sobretudo, o respeito pela máxima , indiscutível, de machado de assis: "Está morto: podemos elogiá-lo à vontade." Sofrer não implica exibir a dor em público; sofrer não precisa de publicitação. Há coisas que devem feitas com recato, na privacidade e intimidade dos nossos diferentes compartimentos existenciais: chorar os mortos , satisfazer necessidades fisiológicas e lavar os dentes…. A dor e os desejos, tal como a escova de dentes, são pessoais e intransmissíveis…
O RIP anda a irritá-la tanto como o LOL. Morreste? RIP. Viveste? LOL. Guardem as siglas e acrónimos para as organizações internacionais e organismos públicos. Não reduzam a vida e a morte, o prazer e a dor,não inventem mais esteriótipos linguísticos...
Outra intermitência da morte com que não consegue pactuar é o evento social, tornado espectáculo mediático, das vistosas e dispendiosas trasladações de restos mortais para o glorioso panteão nacional, com reportagem televisiva ,certamente de grande audiência... No caso mais recente, não é por ser um futebolista, pensou o mesmo de sophia e até podia ser saramago... Andar a desenterrar e a acartar mortos, no século XXI, é ridículo, é a festividade barroca no seu pior. Será que não sabem que há homenagens simbólicas? Levavam uma efígie e deixavam a vil matéria, descansadinha, no cemitério que lhe coube.
Que vida: já nem depois de morto se descansa...
Viver é pertencer a outrem. Morrer é pertencer a outrem. Viver e morrer são a mesma coisa. Mas viver é pertencer a outrem de fora, e morrer é pertencer a outrem de dentro. As duas coisas assemelham-se, mas a vida é o lado de fora da morte. Por isso a vida é a vida e a morte a morte, pois o lado de fora é sempre mais verdadeiro que o lado de dentro, tanto que é o lado de fora que se vê.
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