O sossego da noite, na vilegiatura no alto; O sossego, que mais aprofunda O ladrar esparso dos cães de guarda na noite; O silêncio, que mais se acentua, Porque zumbe ou murmura uma coisa nenhuma no escuro. . . Ah, a opressão de tudo isto! Oprime como ser feliz! Que vida idílica, se fosse outra pessoa que a tivesse Com o zumbido ou murmúrio monótono de nada Sob o céu sardento de estrelas, Com o ladrar dos cães polvilhando o sossego de tudo...
Oh, o passado morto que eu trago comigo e nunca esteve senão comigo! As flores do jardim da pequena casa de campo e que nunca existiu senão em mim. As hortas, os pomares, o pinhal da quinta que foi só um meu sonho! As minhas vilegiaturas supostas, os meus passeios por um campo que nunca existiu! As árvores de à beira da estrada, os atalhos, as pedras, os camponeses que passam... tudo isto, que nunca passou de um sonho, está guardado em minha memória a fazer de dor e eu, que passei horas a sonhá-los, passo horas depois a recordar tê-los sonhado e é, na verdade, saudade que eu tenho, um passado que eu choro, uma vida real morta que fito, solene, no seu caixão.
Só eu, o narrador, antecipadamente cônscio do desenrolar dos factos, conservo a minha perfeita serenidade, pois não ignoro de que maneira simples e natural se resolveu o dilema...
Tenho coisas grandes, espantosas, a contar-vos, coisas que, para as narrar, é necessário ter coragem. Se, porém, tenho coragem para vo-las contar, deveríeis envergonhar-vos de não possuir ânimo bastante para as escutar. Todavia, não pretendo acusar-vos intempestivamente de incrédulos, prefiro confiar na vossa fé bem como na minha capacidade de contar com verossimilhança o acontecimento, transmitido pela tradição. Confio, pois, nesta capacidade e na vossa fé...
Que ninguém que se deixou entreter por esta história tire dela falsa moral e pense que, afinal, o pecado é coisa fácil.
Assim como, quer o saibamos quer não, temos todos uma metafísica, assim também, quer o queiramos quer não, temos todos uma moral. Tenho uma moral muito simples - não fazer a ninguém nem mal nem bem. Não fazer a ninguém mal, porque não só reconheço nos outros o mesmo direito que julgo que me cabe, de que não me incomodem, mas acho que bastam os males naturais para mal que tenha de haver no mundo. Vivemos todos, neste mundo, a bordo de um navio saído de um porto que desconhecemos para um porto que ignoramos; devemos ter uns para os outros uma amabilidade de viagem. Não fazer bem, porque não sei o que é o bem, nem se o faço quando julgo que o faço. Sei eu que males produz se dou esmola? Sei eu que males produzo se educo ou instruo? Na dúvida, abstenho-me. E acho, ainda, que auxiliar ou esclarecer é, em certo modo, fazer o mal de intervir na vida alheia. A bondade é um capricho temperamental: não temos o direito de fazer os outros vítimas de nossos caprichos, ainda que de humanidade ou de ternura. Os benefícios são coisas que se infligem; por isso os abomino friamente.
Se não faço o bem, por moral, também não exijo que mo façam Se adoeço, o que mais me pesa é que obrigo alguém a tratar-me, coisa que me repugnaria de fazer a outrem. Nunca visitei um amigo doente. Sempre que, tendo eu adoecido, me visitaram, sofri cada visita como um incómodo, um insulto, uma violação injustificável da minha intimidade decisiva. Não gosto que me dêem coisas; parecem com isso obrigar-me a que as dê também - aos mesmos ou a outros, seja a quem for.
Sou altamente sociável de um modo altamente negativo. Sou a inofensividade encarnada. Mas não sou mais do que isso, não quero ser mais do que isso, não posso ser mais do que isso. Tenho para com tudo que existe uma ternura visual, um carinho da inteligência - nada no coração. Não tenho fé em nada, esperança de nada, caridade para nada. Abomino com náusea e pasmo os sinceros de todas as sinceridades e os místicos de todos os misticismos ou, antes e melhor, as sinceridades de todos os sinceros e os misticismos de todos os místicos. Essa náusea é quase física quando esses misticismos são activos, quando pretendem convencer a inteligência alheia, ou mover a vontade alheia, encontrar a verdade ou reformar o mundo.
Considero-me feliz por não ter já parentes. Não me vejo assim na obrigação, que inevitavelmente me pesaria, de ter que amar alguém. Não tenho saudades senão literariamente. Lembro a minha infância com lágrimas, mas são lágrimas rítmicas, onde já se prepara a prosa. Lembro-a como uma coisa externa e através de coisas externas; lembro só as coisas externas. Não é sossego dos serões de província que me enternece da infância que vivi neles, é a disposição da mesa para o chá, são os vultos dos móveis em torno da casa, são as caras e os gestos físicos das pessoas. É de quadros que tenho saudades. Por isso, tanto me enternece a minha infância como a de outrem: são ambas, no passado que não sei o que é, fenómenos puramente visuais, que sinto com a atenção literária. Enterneço-me, sim, mas não é porque lembro, mas porque vejo.
Nunca amei ninguém. O mais que tenho amado são sensações minhas - estados da visualidade consciente, impressões da audição desperta, perfumes que são uma maneira de a humildade do mundo externo falar comigo, dizer-me coisas do passado (tão fácil de lembrar pelos cheiros) isto é, de me darem mais realidade, mais emoção, que o simples pão a cozer lá dentro na padaria funda, como naquela tarde longínqua em que vinha do enterro do meu tio que me amara tanto e havia em mim vagamente a ternura de um alívio, não sei bem de quê.
É esta a minha moral, ou a minha metafísica, ou eu; transeunte de tudo - até de minha própria alma -, não pertenço a nada, não desejo nada, não sou nada - centro abstracto de sensações impessoais, espelho caído sentiente virado para a variedade do mundo. Com isto, não sei se sou feliz ou infeliz; nem me importa.
Faz o que eu digo, não faças o que eu faço...
Conselho aos estudantes universitários: Bolas para a gente ter que aturar isto! Ó meninos: estudem, divirtam-se e calem-se. Estudem ciências, se estudam ciências; estudem artes, se estudam artes; estudem letras, se estudam letras. Divirtam-se com mulheres, se gostam de mulheres; divirtam-se de outra maneira, se preferem outra. Tudo está certo, porque não passa do corpo de quem se diverte. Mas quanto ao resto, calem-se. Calem-se o mais silenciosamente possível. Porque há só duas maneiras de se ter razão. Uma é calar-se, que é a que convém aos novos. A outra é contradizer-se, mas só alguém de mais idade a pode cometer. Tudo mais é uma grande maçada para quem está presente por acaso. E a sociedade em que nascemos é o lugar onde mais por acaso estamos presentes.
It's always the same...
Mas quanto amor(...) eu sentia, por vezes, nos meus devaneios, nesses salvamentos pelo belo e sublime: um amor fantástico, claro, que nunca foi concretamente realizado em nada de humano, mas havia tanto desse amor em mim, que depois, concretamente, eu nem sentia a necessidade de o realizar...
Os meus estudantes conservam de mim a melhor recordação; os meus colegas não disseram excessivamente mal de mim; às vezes fui sociável, sem exagero; até cultivei duas ou três amizades.Eu passei a maior parte da minha vida à mesa de trabalho,viajei sobretudo entre o meu jardim e o meu laboratório. O que não me causa, de resto, a mínima pena.(...) Não sou insensível à estética,mas só me seduz duravelmente a inteligência do coração.(...)Eu sei...que o amor não passa de um ardil de sobrevivência; mas é doce fechar os olhos.
...não é a mesma coisa pôr uma peça preta numa chávena de chá ou numa caneca de cerveja. Troca sempre as chávenas de chá com as canecas de cerveja...Troca sempre tudo?
O homem que via passar os comboios, devido a estranhas coincidências literárias, perturbou-a. Receia ter lido o que o autor nunca escreveu, receia-se...
Encontre um significado. Distinga melancolia de tristeza. Saia para dar um passeio. Não tem que ser um passeio romântico num parque, na primavera, no momento mais espetacular: flores,cheiros e um excelente imaginário poético podem transferi-lo para um outro mundo. Não tem que ser um passeio durante o qual vá ter várias epifanias da vida e descobrir significados que nenhum outro cérebro conseguiu encontrar. Não tenha medo de passar tempo de qualidade sozinho...
Durante quinze dias confinei-me ao meu quarto e cerquei-me de livros que estavam na moda naqueles tempos; quero falar de livros em que se trata da arte de tornar os povos felizes, sábios e ricos, em vinte e quatro horas. Tinha eu digerido – engolido, quero dizer – todas as considerações de todos os empresários da felicidade pública – dos que aconselham a todos os pobres a fazerem-se escravos e dos que os persuadiam de que eles são reis destronados. Ninguém acharia surpreendente que eu entrasse então num estado de espírito vizinho da vertigem ou da estupidez. Pareceu-me, somente, que eu sentisse, confinado, no fundo do meu intelecto, o germe obscuro de uma ideia superior a todas as fórmulas de curandeiras que eu, recentemente, vira, folheando no dicionário. Mas isso só era a ideia de uma ideia, algo de infinitamente vago. E saí com uma grande sede. Porque o gosto apaixonado por más leituras engendra uma necessidade proporcional de grandes ares e de muitas bebidas refrescantes.
Crie laços com as pessoas que lhe fazem bem, que lhe parecem verdadeiras. Desfaça os nós que o prendem àquelas que foram significativas na sua vida, mas,infelizmente, por vontade própria, deixaram de ser. Nó aperta, laço enfeita. Simples assim.
Quem espera nunca alcança / Aja duas vezes antes de pensar / Devagar é que não se vai longe...
Seria bom, pelo menos uma vez na vida, seguir estes conselhos: não ficar amarrado por nós que sufocam, havendo tanto laço à espera; ter medo do fogo, esperar , pensar mil vezes antes de agir, andar sempre, exasperantemente devagar, com medo de cair, com medo de ser, com medo de......com medo do medo.
Reclama o direito de dispores de ti, concentra e aproveita todo o tempo que até agora te era roubado, te era subtraído, que te fugia das mãos.(...) uma parte do tempo é-nos tomada, outra parte vai-se sem darmos por isso, outra deixamo-la escapar. Mas o pior de tudo é o tempo desperdiçado por negligência. Se bem reparares, durante grande parte da vida agimos mal, durante a maior parte não agimos nada, durante toda a vida agimos inutilmente.
Se não fosse o medo, se não fosse uma timidez paralisante, escondida numa capa de desinibição e de autoconfiança. Se não fosse a falta de coragem, mascarada de segurança... tudo seria "simples assim"...
(I don't need no doctor)
(I don't need no doctor)
(I don't need no doctor)
(I don't need no doctor)
A alma humana é vítima tão inevitável da dor que sofre a dor da surpresa dolorosa, mesmo com o que devia esperar. Tal homem, que toda a vida falou da inconstância e da volubilidade feminina, como de coisas naturais e típicas, terá toda a angústia da surpresa triste quando se encontre traído em amor — tal qual, não outro, como se tivesse sempre tido por dogma ou esperança a fidelidade e a firmeza da mulher.Tal outro, que tem tudo por oco e vazio, sentirá como um raio súbito a descoberta de que têm por nada o que escreve, ou que é estéril o seu esforço por ensinar ou que é falsa a comunicabilidade da sua emoção.
Não há que crer que os homens, a quem estes desastres acontecem, e outros desastres como estes, houvessem sido pouco sinceros nas coisas que disseram, ou que escreveram, e em cuja substância esses desastres eram previsíveis ou certos. Nada tem a sinceridade da afirmação inteligente com a naturalidade da emoção espontânea. E isto parece poder ser assim, a alma parece poder assim ter surpresas, só para que a dor lhe não falte, o opróbio não deixe de lhe caber, a mágoa não lhe escasseie como quinhão igualitário na vida. Todos somos iguais na capacidade para o erro e para o sofrimento. Só não passa quem não sente; e os mais altos, os mais nobres, os mais previdentes, são os que vêm a passar e a sofrer do que previam e do que desdenhavam. É a isto que se chama a Vida.
Deve chamar-se tristeza
Isto que não sei que seja
Que me inquieta sem surpresa,
Saudade que não deseja.
Love is old, love is new Love is all, love is you Because the sky is blue, it makes me cry ...
A caixa que não tem tampa
Fica sempre destapada.
Dá-me um sorriso dos teus
Porque não quero mais nada.
O homem é um animal irracional, exactamente como os outros. A única diferença é que os outros são animais irracionais simples, e o homem é um animal irracional complexo. É esta a conclusão a que nos leva a psicologia científica, no seu actual estado de desenvolvimento. O subconsciente, inconsciente, é que dirige e impera, no homem como no animal. A consciência, a razão, o raciocínio são meros espelhos. O homem tem apenas um espelho mais polido que os animais que lhe são inferiores. Sendo assim, toda a vida social procede de irracionalismos vários, sendo absolutamente impossível (excepto no cérebro dos loucos e dos idiotas) a ideia de uma sociedade racionalmente organizada, ou justiceiramente organizada, ou, até, bem organizada. A única coisa superior que o homem pode conseguir é um disfarce do instinto, ou seja o domínio do instinto por meio de um instinto reputado superior. Esse instinto é o instinto estético. Toda a verdadeira política e toda a verdadeira vida social superior, é uma simples questão de senso estético, ou de bom gosto.A humanidade, ou qualquer nação, divide‑se em três classes sociais verdadeiras: os criadores de arte; os apreciadores de arte; e a plebe. As épocas maiores da humanidade são aquelas em que sobressaem os criadores de arte, mas não se sabe como se realizam essas épocas, porque ninguém sabe como se produzem homens de génio. Toda a vida e história da humanidade é uma coisa, no fundo, inteiramente fútil, não se percebe para que há, e só se percebe que tem que haver. A plebe só pode compreender a civilização material. Julgar que ter automóvel é ser feliz é o sinal distintivo do plebeu.
O acordeão verde viaja de mão em mão...Ao longo de um período de cem anos, toca a música de diversos grupos étnicos.
Finalmente,obrigada aos braços fortes de Gillian Blake,em Nova Iorque,que carregou sacos cheios de livros do Museum of Television and Radio até ao hotel em que fiquei hospedada.
Uma opinião : Não sei como é que a autora colecionou tantos dados. Está lá tudo. As origens, o acordeão que não era VERDE mas era verde. Castelfidardo. As viagens, a afinação, os afinadores, as ferramentas, o diatónico que, ao contrário do que muito boa gente pensa, não significa um som pra dentro e outro pra fora! As diferentes culturas por cujas mãos foi passando a caixa do inferno, umas vezes roubada, outras vendida e comprada, outras perdida e achada, até que por fim estilhaçada por um camião qualquer depois de ter sobrevivido quase um século na tragédia da imigração...
Para que me deram um reino que ter se não terei melhor reino que esta hora que estou entre o que não fui e o que não serei?
Horas, horas sem fim, pesadas, fundas,esperarei por ti até que todas as coisas sejam mudas. Até que uma pedra irrompa e floresça.Até que um pássaro me saia da garganta e no silêncio desapareça.
When you laugh about people who feel so Very lonely Their only desire is to die Well I'm afraid It doesn't make me smile I wish I could laugh But that joke isn't funny anymore...
Viva duas vidas separadas, sem que de qualquer d’elas se transborde para a outra — uma, a própria, fechada o mais possível; outra, a social, ampla e sem receio. Mas que a primeira não tente invadir a segunda! Quem é dois tem que ser dois. Mais tarde se dirá mais. O pormenor, como tudo, tem a sua hora.
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