Não é neccessário vivermos ao lado de alguém para nos sentirmos ligados a esse alguém mais do que a qualquer outra pessoa...

quarta-feira, 16 de dezembro de 2015

Apologias, escolhas e aporias...

Acho que é sempre necessário um pouco de loucura para construir um destino.


But no more apologies No more, no more apologies Oh, I'm too tired I'm so sick and tired And I'm feeling very sick and ill today
But I'm still fond of you...



Admiti, também vós, como eu digo, que os meus acusadores são de duas espécies, uns, que me acusaram recentemente, outros, há muito dos quais estou falando e convinde que devo me defender primeiramente destes, porque também vós os ouviste acusar-me em primeiro lugar e durante muito mais tempo que os últimos. Depois prossegui, sem mais me deter, embora vendo, amargurado e temeroso, que estava incorrendo em ódio; mas também me parecia dever fazer mais caso da resposta do deus. Para procurar, pois o que queria dizer o oráculo, eu devia ir a todos aqueles que diziam saber qualquer coisa. E então, cidadãos atenienses, já que é preciso dizer a verdade, aconteceu -me o seguinte: procurando segundo o dedo do deus, pareceu-me que os mais estimados eram quase privados do melhor, e que, ao contrário, os outros, reputados ineptos, eram homens mais capazes, quando à sabedoria.


Não há nenhum pensamento importante que a burrice não saiba usar, ela é móvel para todos os lados e pode vestir todos os trajes da verdade.



[...] a possibilidade da liberdade não é poder escolher entre o bem e o mal. [...] A possibilidade é o poder. Num sistema lógico é bem cómodo dizer que a possibilidade se transforma na realidade. Todavia isso não é assim tão fácil e precisa-se de uma determinação intermediária. Essa determinação intermediária é a angústia, que, todavia, não explica o salto qualitativo como não o justifica eticamente. A angústia não é nenhuma determinação da necessidade, mas também nenhuma da liberdade, ela é uma liberdade cativa, onde a liberdade em si mesma não é livre, mas sim cativa, não na necessidade, mas sim em si mesma.


Make a choice
Stay behind or follow me


Uma escolha peculiar...
O ponto de partida foi manuel de mesquita perestelo, mais nada... Bem poderia ter sido eu a conceber um romance similar a todos os nomes... Durante cerca de seis meses, tentei reconstruir uma vida, a partir de um nome, referido em : ANSELMO. (António Joaquim) Bibliografia das obras impressas em Portugal no século XVI. Encontrei a resposta.
A história trágico- marítima sempre me atraiu. Além disso, escolher um tema sobre o qual nada se sabia e que não interessaria a ninguém foi estimulante. Recordo bem a diferença: o colega que optou por saramago ( que só veio a ser nobel dez anos depois) tinha sempre tema de conversa e a correspondência que trocou com o autor era motivo de entusiasmo para todos ... santareno, nos anos a seguir ao 25 de abril, ainda desencadeava emoções, até políticas... havia sempre assunto. A quem interessaria, mesmo no meio universitário, um manuel mesquita perestelo que talvez tivesse escrito um relato, cujo original nem se sabia bem por onde andava?Percebi, rapidamente, o porquê de ter feito uma escolha solitária: esta tese interessava , apenas, a duas pessoas: a mim e ao professor que, timidamente, manifestara o desejo de alguém sentir curiosidade por uma obra "desaparecida". Encontrei a resposta.
Como se afigura evidente, nunca tive com quem falar sobre... até os amigos se indignavam por ter escolhido " um gajo por quem ninguém se interessa". A solidão continuou...Quando foi altura de a faculdade escolher o arguente externo que , estipulam as regras, deve ser alguém que "domina a área de saber sobre a qual a tese incide", uma surpresa. Quando analiso o curriculum da senhora professora doutora que veio do porto, certamente a receber ajudas de custo, fico perplexa: era especialista em literatura barroca do século XVII...o senhor professor doutor era professor de história do teatro, sem formação linguística... Também, na defesa oral da tese, apesar da solenidade incutida e de numerosa assistência ( curiosa por saber o que haveria para argumentar sobre um relato de meia dúzia de páginas, escrito em mau português por um desconhecido que nunca imaginou vir a ser debatido por gente tão douta...), havia duas pessoas a perceber realmente do assunto: eu e o professor que orientou a tese...
Dois dias antes da apresentação oral, descubro um lapso: uma página apócrifa à qual não fazia referência . Telefono, em pânico, ao professor que agradece a honestidade e me "ordena" perentório: "a senhora não diz nada! Eles não percebem nada disto. Se descobrirem, eu defendo-a e não há problema." Eles não descobriram...e as questões formuladas não incidiram, sequer, sobre o que eu descobri, nem me inquiriram sobre o processo de transcrição do texto para português atual, nada. A tónica foi o motivo pelo qual eu tinha escolhido aquele tema: compensação pessoal e profissional esperadas... Parecia a entrevista de uma candidata a um emprego, mas numa "coisa" de pequena dimensão. Encontrei a resposta.

É , certamente, a primeira e última vez que uma etiqueta com o meu nome figura nestas leituras...

As escolhas de yourcenar...
É, no entanto, a infância de uma menina solitária? ― Até certo ponto. Ou era-o de forma intermitente, umas vezes solitária, outras rodeada de outras crianças, de pessoas na casa de quem o meu pai passava algumas temporadas. Mas solitária por momentos, apesar de tudo, sim, e penso que o hábito precoce da solidão é um bem infinito. Ensina-nos, apenas em parte, a não precisar das pessoas. Ensina-nos também a amar mais os seres. Além disso, há um fundo de indiferença na criança que muito raramente é descrito.Não sei se as pessoas se sentem embaraçadas com o sentimento dessa indiferença, mas fico impressionada quando observo as crianças: vivem num mundo muito próprio. Tenho a sensação de que vivia, também eu, no meu mundo. Creio que os escritores, na sua maioria, mesmo os «sérios», que falam da infância, se enganam sempre. Vêem a criança do seu ponto de vista de adultos, ou fazem um esforço enorme para se colocar no lugar do que imaginam ser uma criança. Tudo isto é demasiado sistemático, está demasiado próximo das nossas próprias convenções. Julgo que a criança se orienta na vida de forma muito vaga, com a surpresa do animal jovem que vê ou encontra qualquer coisa pela primeira vez. As pessoas grande que a rodeiam, cuja identidade nem sempre é muito clara – uma dizem-lhe ser, ao que parece, o pai, que se chama «papá» (mas o que é para ela um pai?), outra a mãe, e a terceira a criada, a cozinheira ou o carteiro – são todas «pessoas grandes», que têm uma certa importância mas, ao mesmo tempo, não estão muito ligadas à criança nem à sua vida própria, aliás impenetrável para aquelas pessoas. Ninguém quer ver essas relações. Pretende-se que as crianças detestem os pais ou que os adorem. Na verdade, em nenhuma época eu «adorei» o meu pai, e parece-me que só bem tarde é que o amei verdadeiramente.

O seu pai tinha paixões literárias que poderá ter-lhe legado? -Ele gostava muito de ler e tinha alguns autores favoritos, mas paixões literárias acho que não. Gostava muito de Shakespeare, por exemplo, e de Ibsen. Lemos Ibsen juntos, quando eu tinha dezasseis ou dezassete anos. Tenho ainda várias peças anotadas por ele: queria ensinar-me a ler em voz alta, e imaginou uma espécie de anotação musical, para marcar os sítios onde deveríamos parar, aqueles em que a voz sobe ou desce. Ibsen ensinou-me muito sobre a independência total do homem, como em "Um inimigo do povo", cujo herói é o único a aperceber-se de que a cidade está poluída. Esses extraordinários escritores do século XIX eram muitas vezes refractários, subversivos, em oposição à sua época e a tudo o que os rodeava, contra toda a mediocridade humana.. Ibsen, Nietzche e Tolstói pertenciam a esse grupo, e foi com o meu pai, de resto, que os li aos três. Por outro lado, ele não era grande leitor de Balzac. Eu diria mesmo, o que pode parecer bastante arrogante da minha parte, que, em certa medida, fui eu que o levei a ler alguma da literatura francesa do séc.XIX. Fui eu que lhe disse, por exemplo: «Vamos ler A Cartuxa de Parma.» Líamos muito juntos, em voz alta. Passávamos o livro um ao outro. Eu lia, e quando já estava cansada ele pegava e retomava a leitura. Lia muitíssimo bem, muito melhor do que eu, exteriorizava muito mais.

E quando é que descobriu Proust? -Pouco depois da sua morte, devia ter vinte e quatro ou vinte e cinco anos. Mas nesse caso o meu pai já não me seguiria. Tinha aquela recusa da velhice, aquela repugnância em ler obras mais recentes. Para ele, Proust representava o incompreensível. Preferia os russos, que amávamos intensamente. E Selma Lagerlöf, sobre quem eu viria posteriormente a escrever um ensaio, e que continuo a considerar uma escritora de génio.

E Dostoievski? -Li-o mais tarde, e admirei-o com uma espécie de estupor, como explicar?, de cortar a respiração por momentos, tão grande aquilo me pareceu. Mas nunca me senti muito influenciada. O seu cristianismo estava - ou parecia-me estar - nos antípodas do que me interessava, ainda que eu tivesse uma admiração emocionada pelo stárets Zóssima. No entanto, nunca reli muito Dostoievski, e também é por esse aspecto que julgamos as influências. Havia também autores franceses, Saint-Simon, por exemplo. O meu pai gostava sobretudo dos escritores do século XVII. Li quase tudo de Saint-Simon com ele. Tinha a sensação de ali encontrar as massas humanas, de nele ver o grande observador do que se passa e do que passa...Quanto ao seu estilo, é tão grande que, se não o analisarmos enquanto profissionais, nem nos apercebemos de que existe. A sua linguagem é admirável, mas questiono-me sobre se não será apenas agora, ou sobretudo agora, que me inpressiona.

E os poetas? -Os poetas? Os do séculoXVII, naturalmente, os renascentistas, e Hugo. Sempre adorei Hugo, apesar de todas as modas contrárias. Reconheço que tem momentos de uma retórica pesada, mas tem outros deslumbrantes e imensos. Os outros poetas, Rimbaud, Apollinaire, chegaram-me mais tarde. Já disse, aliás, no prefácio de Alexis, que me parece frequente um jovem escritor estar preocupado com a sua época, a menos que faça parte integrante de um grupo «em voga» que tenta seguir ou antecipar as modas. Em geral, os jovens alimentam-se da obra deixada pelas gerações precedentes. Isto é surpreendente quando observamos de perto os românticos. Nem é nos seus predecessores imediatos que buscam referências, vão sempre um pouco mais longe.

No seu caso, quem foram os seus predecessores? -Talvez Yeats, Swinburne, D'Annunzio. D'Annunzio era muito lido naquela época. Sobretudo os poemas, muitas vezes belíssimos, que eu lia em italiano. Era capaz de distinguir entre os seus romances, que são muito datados, e aqueles poemas que continuam a ser sempre bons, na condição, claro, de passar por cima da poética enfatizada ou da ornamentação barroca, tão irritantes nele como em Barrès. Quem mais? Péguy? Nunca fui apreciadora de Péguy; não gostava do seu cristianismo agressivo,tal como detestava o de Claudel. Nem um nem outro existiam realmente para mim. Beaudelaire, sim, mas só bem tarde é que lhe tomei o gosto, como conhecedora, como alguém que julga, do ponto de vista do ofício, a perfeição extraordinária do verso baudelairiano. De certo modo, já era demasiado tarde para entusiasmos ingénuos.
No meu caso, entusiasmou-me sobretudo a poesia do século XVII e a poesia renascentista: Racine, La Fontaine (mas menos, pois só muito posteriormente é que senti a beleza rítmica do verso de La Fontaine), os poetas ingleses, sobretudo os metafísicos, que, obviamente, li no original. E depois, entre os italianos, os da Idade Média, os poetas da «Gaia Ciência» e toda aquela escola. Poetas que não estão muito longe de ser metafísicos.
Mas, se quer falar de infuências, seria provavelmente necessário ir buscá-las aos filósofos. Por exemplo, acho que não se pode dar grande destaque à infuência de Niestzche, pelo menos não ao Zaratustra; mas ao Niestzche de A Gaia Ciência sim, de Humano, Demasiado Humano, aquele que tem uma forma particular de considerar as coisas, ao mesmo tempo de muito perto e de muito longe, lúcido, aguçado e simultaneamente quase ligeiro
.

-Mas um homem como Schopenhauer, por exemplo, foi importante para si? -Sim, só que rapidamente se confundiu com a influência do budismo, porque no fundo Schopenhauer representa uma primeira tentativa de introduzir o pensamento budista num país europeu. Mas penso sempre com emoção em Thomas Buddenbrook, de Mann, quando, depois de uma vida convencional e desalentada, descobre em Schopenhauer um sentido para o desespero e talvez a maior forma de paz.

Mas parece que guarda um ressentimentozinho em relação à sua avó. – Um ressentimentozinho…Um grande ressentimento, aliás, sim! Pelas razões que descrevi em Arquivos do Norte: ela era o claro exemplo da burguesia possessiva, e isso era muito visível – «Cuidado com o meu sofá»… «Não andes por cima do meu tapete»… Não é que eu tenha realmente sofrido com isso, mas olhava para ela e achava-a estranha, nada simpática, como um móvel que incomoda.

Como é que explica que toda a literatura gire em torno do amor, mesmo a sua?De certeza que não toda a minha literatura, longe disso, e não toda a literatura em geral. O amor tem um papel muito pequeno em A Obra ao Negro. Em Memórias de Adriano, as pessoas só quiseram ver a história de Antínoo, uma aventura amorosa, mas ela não ocupa mais do que cerca de um quinto do livro, embora seja, bem sei, a parte mais comovente. Tem grande importância no livro, claro, porque há-de ter sido muito importante na vida de Adriano. Mas não representa o conjunto da obra. Poder-se-ia imaginar Memórias de Adriano sem amor. Seria uma vida incompleta mas, mesmo assim, uma grande vida. No caso dele, foi o destino de amante que venceu. É um homem de inúmeras experiências carnais, que só tardiamente viveu a insolação do amor. Não é raro, podemos dizer que acontece em muitas vidas.(...) O Adriano adolescente ,o Adriano no exército amou,seguramente. Amou ,ou,pelo menos,sentiu um gosto muito vivo pelas mulheres jovens que foram suas amantes...Reconhece que,a esses amores,se seguiu o esquecimento ou o cepticismo...Mas quando envelhece encontra Antínoo, e não há dúvida que teve de imediato, com os vazios e os abatimentos emocionais que reconhece em si próprio, o sentimento de um encontro único, que a morte viria a selar.(...) É por pobreza de linguagem que distinguiria entre o prazer e o amor. Há indubitavelmente uma fusão dos dois.

O que é isso do amor por simpatia? – Digamos que é o sentimento profundo de ternura por uma criatura, qualquer que ela seja, que partilha dos mesmos acasos, das mesmas vicissitudes que nós. Sinto isso com muita força, mas não é exactamente isto que as pessoas consideram amor nos romances ou no teatro. Também não é o que tão erroneamente se chama «amor platónico». Trata-se de uma ligação, carnal ou não, mas sempre sensual, o que quer que se faça, em que a simpatia leva a melhor sobre a paixão. Devo dizer também que há uma coisa que sempre me incomodou muito na noção francesa de amor, e talvez em todas as concepções europeias de amor, que é a ausência do sagrado, o facto de, pela nossa educação cristã ou, digamos, pós-cristã, por toda a psicologia que nos precede desde há quinze séculos, termos perdido o sentimento de que o amor… ou, mais simplesmente de que os laços sensuais são sagrados, e mesmo as ligações quotidianas. São sagradas, essas ligações sensuais, porque são um dos grandes fenómenos da vida universal.

(Meu amor perdido, não te choro mais, que eu não te perdi! Porque posso perder-te na rua, mas não posso perder-te no ser, Que o ser é o mesmo em ti e em mim. "Amor por simpatia"?)

Qual é o sentido de "sorts" no título do livro? - Os destinos.As sinas,no sentido de "sorte", a "sorte" de uma criatura.É o sentido etimológico da palavra "sorte". A sorte que nos calha. Há certamente ligações entre o destino de um ser e os seus sonhos. Há algo de mágico no sonho, se por magia entendermos associações inexplicadas.(...) A palavra sorte não é maléfica nem benéfica. Quando falei de " a sorte de não ser",toda a gente achou que eu entendia isso no sentido de uma felicidade que existiria em não ser. Reservemos esta questão, aliás mal colocada. Linguisticamente, a sorte não é feliz nem infeliz. Mas a linguagem popular tende a fixar as palavras num sentido único.

O que pensa das pessoas que tomam drogas para "viajar"? - Sou contra tudo o que é artificial.Penso que o espírito deve agir a partir de si próprio, das suas próprias leis, sem muletas nem andas.

E os seus estudantes, o que é que lhe ensinaram? - ― Que muito poucos estão preparados para o estudo, que a maioria dos seres se deixa ficar quieta num certo statu quo, e quão curto é o despertar. Às vezes podemos chegar ao momento desse despertar e provocar qualquer coisa, fazer durar o fenómeno, mas ele, por si próprio, a maior parte das vezes não dura. A maioria dos seres inteligentes e brilhantes aos dezoito ou aos vinte anos iludem-nos sobre o que virão a ser um dia. A sua capacidade de entusiasmo foi curta, ou a vida venceu-os brutalmente.

"Petite Plaisance"- assim chamou à sua casa - não tem comparação com as vivendas vizinhas...que parecem ter sido construídas para servir de cenário a algum romance de Fitzgerald ou de Henry James.(...)Pouco depois da guerra,quando Marguerite Yourcenar e Grace Fricck, a sua tradutora, descobriram esta região antiga, afastada da América ruidosa, ainda se ia a cavalo de uma aldeia para outra, no meio da neve.(...) Não há televisão,somente um radio com pouco uso,achas que crepitam na lareira; uma calma que apenas Zoé,um podengo muito maluco, se permite quebrar com os seus latidos. Ali, só se pode levar uma existência voluntariamente reduzida ao luxo do essencial,em que a reflexão acontece por si própria, seguindo o ritmo da natureza e das estações. Esta paz conquistada e dominada lê-se nos olhos azis, no olhar celta de Margurite Yourcenar, que nos fita com uma sabedoria vinda de muito longe. Tudo lhe interessa, mas os seres e os acontecimentos surgem-lhe numa ordem( ou numa desordmque os ultrapassa.(...) Com ela há poucas hesitações: é um cérebro seguro, que poderia ser o de um filósofo.

Uma mala e um imperador -História de um livro Em 1948 caiu-lhe uma mala do céu.Era uma mala verdadeira, ou é uma imagem?

(O projeto de escrever sobre a vida de Adriano surgiu muito cedo:o manuscrito original foi escrito quando tinha pouco mais de 20 anos e centrava-se na vida de Antínoo, o jovem amado e amante de Adriano. Este trabalho, como outros esboços, acabou por ficar numa mala deixada por Marguerite na Suíça, antes de ir para os Estados Unidos da América no início da II Guerra Mundial. Só em 1948 a recuperou.)

Acredito numa enorme parcela de acaso em tudo. E por "acaso" entendo o cruzamento de acontecimentos em questões demasiado complexas para que as possamos definir ou calcular, e que,em todo o caso,não parecem ...( veja como sou prudente!) não parecem dirigidas por uma vontade exterior a nós.
A composição demorou três anos...Três anos de trabalho contínuo, a não fazer mais nada senão aquilo, a viver em simbiose com a personagem, ao ponto de me acontecer às vezes perceber que ele mentia e deixá-lo mentir. Ele retocava as coisas, como toda a gente, conscientemente ou não. Creio que mentiu bastante acerca da sua eleição e da chegada ao poder, devia saber um pouco mais do que me disse. Deixou no ar uma prudente incerteza.
O escritor é secretário de si mesmo. Quando escrevo, cumpro uma tarefa...tenho o trabalho difícil e fatigante de colocar em ordem o meu próprio pensamento, o que dito a mim própria.

O que importa é o cumprimento, na sua plenitude, de um destino de homem de Estado. E , em resumo, de um ser humano.A vida de cada um é, no fundo,divina, mas pouca gente sabe disso.

Adriano era certamente um génio. Muitos historiadores actuais estarão de acordo comigo.Porque ele inova continuamente, ou reforma sem cessar,com uma inteligência rara...Num certo sentido , é um homem do Renascimento. Adriano não é fulgurante. É uma das coisas de que gosto nele. É sobretudo lúcido, com uma grande abertura a mundos que não são seus.

O génio de Adriano talvez seja o de Antínoo... De repente uma pessoa pode representar as aspirações de alguém, de um grande encenador, por exemplo, e num certo sentido o imperador é um grande encenador. Não diminui o aspecto da paixão, mas explica o do ídolo. O culto póstumo de Antínoo, tão depreciado até aos mossos dias, terá de facto simbolizado maravilhosamente o seu ideal religioso e passional. Acho que é sempre necessário um acesso de loucura pata construir um destino.

Não esperava de todo o sucesso do livro. Contava que umas dez pessoas o lessem. Nunca estou à espera de que alguém leia os meus livros, pelo simples facto de ter impressão de não me ocupar de coisas que possam interessar muito à maioria das pessoas... Mas há ainda muitas pessoas que não compreendem Adriano, nem os meus outros livros, mesmo gostando deles. Claro que , no caso de Adriano, houve aquela tendência do leitor para se identificar com o herói, e sobretudo para se identificar com a aventura amorosa. Raros foram aqueles que viram o livro no seu todo. ..As pessoas olham sempre, num livro, para a faceta que reflete a sua própria vida.

Toda a felicidade é uma obra-prima.


Pensei escrever as ‘Memórias de Adriano’ para dez pessoas, e enganei-me. Creio neste momento terminar ‘A Obra ao Negro’ para dez pessoas e é muito possível que não me engane.

A fórmula A Obra ao Negro, que dá o título a este livro, designa, nos tratados alquímicos, a fase de separação e dissolução, que era, diz-se, a parte mais difícil da Grande Obra. É ainda discutível se uma tal expressão se aplicava a audaciosas experiências sobre a própria matéria, ou se significava simbolicamente as provações do espírito ao libertar-se de rotinas e ideias feitas. Significou, sem dúvida, uma coisa e outra, distinta ou simultaneamente.

Trata-se da vida movimentada, mas também meditativa, de um homem que faz total tábua rasa das ideias e preconceitos do seu século para ver depois onde o seu pensamento o conduzirá livremente.

O prazer de apreender que alguém está forçado a escolher, que não pode ter duas coisas ao mesmo tempo, é um sinal do caráter trágico da vida, que consiste no facto de um valor não se conciliar com outro.

Grécia: sim ou não?
Graecia capta ferum victorem cepit et artis intulit in agresti Latio...

Querido Roger

Há cerca de um mês recebemos sua carta ... para pedir que cancelássemos o show, em Tel Aviv, no próximo mês. Antes disso, nós recebemos a carta de um importante militante dos direitos humanos no Brasil com o mesmo pedido. Hoje nós recebemos outra, desta vez do próprio Desmond Tutu (...) Tentarei responder a ele também.
Quando a África do Sul estava sob o regime de apartheid, e eu soube que artistas estavam se recusando a tocar lá, concordei como que automaticamente com tal decisão.A complicada situação no Oriente Médio não me mostra o mesmo tipo de imagem preto-no-branco que o racismo oficial, aberto, da África do Sul me mostrava então. Eu disse a Charbel como me sentia a respeito.
Ele pareceu achar, como você, difícil de acreditar que pessoas como Gil e eu não fôssemos recusar o convite dos produtores e do público de Israel (o show está esgotado) depois de ouvir o que ele tinha para nos contar sobre aspectos realmente sombrios da relação Israel-Palestina.
Eu preciso lhe dizer, como disse a ele, como meu coração é fortemente contra a posição de direita arrogante do governo israelense. Eu odeio a política de ocupação, as decisões desumanas que Israel tomou naquilo que Netanyahu nos diz ser sua autodefesa. E acho que a maioria dos israelenses que se interessam por nossa música tende a reagir de forma similar à política de seu país.
Aqui reproduzo o que disse a um jornalista brasileiro que me questionou como eu responderia ao pedido de cancelamento em uma curta sentença: Eu cantei nos Estados Unidos durante o governo Bush e isso não significava que eu aprovasse a invasão do Iraque. Escrevi e gravei uma música que se opunha à política que levou à prisão de Guantánamo — e a cantei em Nova York e Los Angeles. Eu quero aprender mais sobre o que está acontecendo em Israel agora. Eu nunca cancelaria um show para dizer que sou basicamente contra um país, a não ser que eu estivesse realmente e de todo o meu coração contra ele. O que não é o caso. Eu me lembro que Israel foi um lugar de esperança. Sartre e Simone de Beauvoir morreram pró-Israel.
Gilberto Gil contou-me já ter sido aconselhado a cancelar shows em Israel antes, mas que ele se recusou a fazê-lo, mesmo após os terríveis acontecimentos de julho de 2014. Quanto a mim, eu gostaria de ver a Palestina e Israel como dois Estados soberanos. E entendo que Israel precisa escutar as reações que chegam do exterior. As Nações Unidas, muitos governos, e até artistas, como você, mostram os riscos de Israel ficar cada vez mais isolado, caso siga com suas políticas reacionárias. Às vezes, eu penso que é contraproducente isolar Israel. Isto é, se se está buscando a paz. Tenho muitas dúvidas sobre tema tão complexo.
Charbel sabe quantos problemas de produção teríamos no caso de cancelamento de um show que já foi anunciado e completamente vendido. Mas eu desistiria alegremente de tudo se estivesse seguro de que essa é a coisa certa a fazer. Devo pensar por mim mesmo, cometer meus próprios erros. Eu te agradeço — e a muitos outros — pela atenção e o esforço dedicados a me esclarecer sobre a política naquela região. Sempre falarei a verdade de meus pensamentos e sentimentos, e se eu fosse cancelar esse show apenas para agradar pessoas que admiro, eu não seria livre para tomar minhas próprias decisões. Eu vou cantar em Israel e prestar atenção ao que está acontecendo lá.
Netanyahu não ganhou fácil a última eleição. Acho que o fato de eu cantar lá é neutro para a política do país, mas se minhas canções, voz ou mera presença puderem ajudar os israelenses que não concordam com a opressão e a injustiça — em uma palavra, a se sentirem mais longe de votar em alguém como ele — eu estarei feliz.



Querido Caetano,

Temo que possa estar a ver a política de Israel com lentes cor-de-rosa. O facto é que, por muitas décadas, desde a Nakba (catástrofe, expropriação do povo palestino) em 1948, as políticas coloniais e racistas de Israel têm devastado a vida de milhões de palestinos. O movimento BDS, ao qual estou a pedir que se junte, é um movimento global que almeja liberdade, justiça e igualdade para os palestinos... O atual regime de extrema direita de Netanyahu é apenas o último governo perpetrando atos cruéis de injustiça e colonização. Mas isso não é um problema apenas da direita. Foi, na verdade, o partido de esquerda Trabalhista que fundou o programa de assentamentos ilegais e que também falhou em acabar com a ocupação das terras palestinas e fazer a paz. Na sua carta, você diz que Jean-Paul Sartre e Simone de Beauvoir acreditavam em Israel antes de morrer. Até pode ser, mas isso foi naquele tempo, talvez à época eles não soubessem ou não compreendessem a brutalidade da ocupação das terras palestinas e a subjugação de seu povo. No entanto, eu sei o seguinte, os assoalhos respingados de vinho e café do Café Flores e do Les Deux Magots hoje reverberariam com o som de Jean-Paul Sartre e Simone de Beauvoir revirando-se em seus túmulos ao ouvirem seus nomes usados em vão e pregados ao mastro da ocupação e opressão do povo palestino. Menciona o arcebispo emérito Desmond Tutu, ele está entre os que abraçam o BDS, já que observou as ações de Israel e tem profunda empatia com o povo palestino. Há, como ele apontou a você, um apartheid nos territórios ocupados que é tão definitivo e desumanizante como o que havia na África do Sul do apartheid, quando leis de passagem infames e racistas estavam em prática.
Caetano, se posso fazer uma pergunta, por que não rejeitaria a cumplicidade com tamanha injustiça agora, assim como certamente teria rejeitado o racismo branco contra a população negra da África do Sul nos anos 80? A sua carta sugere que acredita que o seu futuro show em Tel Aviv pode ajudar a mudar a política israelense. Eu sugeriria que essa é uma posição ingénua...Não, Caetano, tocar em Tel Aviv não vai mudar o governo israelense ou a maioria dos israelenses nem um centímetro, mas vai ser visto como sua aprovação tácita do status quo. A sua presença lá será usada como propaganda pela direita e proverá cobertura e apoio moral às políticas ultrajantemente racistas e ilegais do governo israelense.
É um dilema, eu sei, mas se quer realmente influenciar o governo israelense, junte-se a nós na linha de piquete do BDS. Nós estamos tendo um efeito poderoso, como você pode ver pela reação deles, os agressores vindo com toda a força para tentar esmagar nossas vozes de dissenso e nos silenciar. Nós não seremos silenciados, somos fortes, e, juntos, podemos ajudar a libertar não só o povo palestino do jugo da opressão israelense, mas também o povo israelense da opressão do seu próprio excepcionalismo e dogma, que é fatal a ambos os povos.
imploro -lhe que não prossiga com a sua participação em Tel Aviv. Em vez disso, aproveite a oportunidade de visitar Gaza e Cisjordânia e ver por si mesmo o que Sartre e Simone de Beauvoir não viveram para ver. Eu acredito que a sua resolução de tocar em Tel Aviv se dissolverá num mar de lágrimas e arrependimento.
Caetano, eu não o conheço , nunca nos encontrámos pessoalmente, mas eu acredito que tem boas intenções e não experimento nenhum ressentimento. Se for a Tel Aviv, apesar dos nossos apelos sinceros, e se visitar Gaza ou os territórios ocupados, pode muito bem ter uma epifania. Se o fizer, por favor, procure -nos, a todos nós, não só nas comunidades palestinas e judaicas, mas todos nós em solidariedade no Brasil e noutros lugares, todos nós no BDS por todo o mundo,a lutar por justiça e direitos iguais na Terra Santa. Nós iremos abraçá-lo.
...Vá e veja por si mesmo, não terá que usar sua imaginação. A realidade é devastadora para além de qualquer coisa que possa imaginar. Obrigado,


Entre este direito e este avesso deste mundo, eu não quero escolher, não gosto que se escolha. As pessoas não querem que se seja lúcido e irónico.


There are moments when one has to choose between living one's own life, fully, entirely, completely—or dragging out some false, shallow, degrading existence that the world in its hypocrisy demands. You have that moment now. Choose!


Ele era mais bonito do que as palavras podiam exprimir e Aschenbach sentiu dolorosamente, como tantas vezes antes, que a linguagem pode apenas louvar, mas não reproduzir, a beleza que toca os sentidos. Tadzio sorriu ...E, recostando-se com os braços caídos, transbordando de emoção, tremendo repetidamente, segredou a formulação tradicional do desejo - impossível, absurda, abjeta, idiota, mas sagrada e, mesmo neste caso, íntegra: "Amo-te!"

A beleza...é a única forma do espiritual que podemos receber sensualmente, suportar sensualmente...

Um filme feito de silêncios, só quebrados pela magia da música de mahler.

Sentia apenas as pancadas do sol na testa e, indistintamente, a espada de fogo surgiu da navalha, sempre diante de mim. (...) Foi então que tudo vacilou. O mar enviou-me um sopro espesso e fervente. Pareceu-me que o céu se abria em toda a sua extensão, deixando tombar uma chuva de fogo. Todo o meu ser se retesou e crispei a mão que segurava o revólver.(...) e foi aí, com um barulho ao mesmo tempo seco e ensurdecedor, que tudo principiou. Compreendi que destruíra o equilíbrio do dia, o silêncio excepcional de uma praia onde havia sido feliz. Voltei então a disparar mais quatro vezes contra um corpo inerte onde as balas se enterravam sem se dar por isso. E era como se batesse quatro breves pancadas à porta da desgraça...

Também eu me sinto pronto a tudo reviver. Como se esta grande cólera me tivesse limpo do mal, esvaziado da esperança, diante desta noite carregada de sinais e de estrelas, eu abria-me pela primeira vez à terna indiferença do mundo. Por o sentir tão parecido comigo, tão fraternal, senti que fora feliz e que ainda o era. Para que tudo ficasse consumado, para que me sentisse menos só, faltava-me desejar que houvesse muito público no dia da minha execução e que os espectadores me recebessem com gritos de ódio.

No dia triste o meu coração mais triste que o dia... Obrigações morais e civis? Complexidade de deveres, de consequências? Não, nada... O dia triste, a pouca vontade para tudo... Nada... Vou com ele sem o sol que sinto, sem a vida que tenho, Vou com ele sem desconhecer... No dia triste o meu coração mais triste que o dia... No dia triste todos os dias...

A minha vida sentou-se e não há quem a levante, que desde o Poente ao Levante a minha vida fartou-se... Pois é assim: a minha alma outrora a sonhar de Rússias, espapaçou-se de calma, E hoje sonha só pelúcias... Isto assim não pode ser... Mas como achar um remédio? --- Pra acabar este intermédio lembrei-me de endoidecer: O que era fácil --- partindo os móveis do meu hotel, ou ir para a rua saindo de barrete de papel a gritar "viva a alemanha"... Mas a minha alma, em verdade, não merece tal façanha, tal prova de lealdade... Vou deixá-la --- decidido --- No lavabo dum Café, como um anel esquecido. É um fim mais raffiné


Pancada com a ponta do pé; Ofensa, desfeita.
Qual será mais doloroso: o pontapé em sentido real ou em sentido figurado?
Nunca , que me recorde, levei pancadas com a ponta do pé,mas os outros sei bem o que magoam.Ufa,fazem nódoas tão negras...
Sinónimos: coice; patada ;ingratidão; desagradecimento; panásio... (Ahah, panásio)


"Pontapé de saída", "pontapé na gramática"...São muitíssimos,demasiados, os que se preocupam com os pontapés de saída. São raríssimos os que se incomodam com os pontapés na gramática.



Vou tentar outra vez Esquecer todos os porquês Desta história mal contada


Assim andavam...atraindo-se e repudiando-se como deve ser se não se quer que o amor termine em cromo ou em romanza sem palavras. Mas o amor,essa palavra...


Eu não sonho possuir-te. Para quê? Era traduzir para plebeu o meu sonho. Possuir um corpo é ser banal. Sonhar possuir um corpo é talvez pior, ainda que seja difícil sê-lo: é sonhar-se banal — horror supremo. E já que queremos ser estéreis, sejamos também castos, porque nada pode haver de mais ignóbil e baixo do que, renegando da Natureza o que nela é fecundado, guardar vilãmente dela o que nos praz no que renegámos. Não há nobrezas aos bocados. Sejamos castos como eremitas, puros como corpos sonhados, resignados a ser tudo isto, como freirinhas doidas...
Que o nosso amor seja uma oração... Unge-me de ver-te que eu farei dos meus momentos de te sonhar um rosário onde os meus tédios serão padre-nossos e as minhas angústias avé-marias... Fiquemos assim eternamente como uma figura de homem em vitral defronte de uma figura de mulher noutro vitral... Entre nós, sombras cujos passos soam frios, a humanidade passando... Murmúrios de rezas, segredos de (...) passarão entre nós... Umas vezes enche-se bem o ar de (...) de incensos. Outras vezes, para este lado e para aquele uma figura de estátua rezará aspersões... E nós sempre os mesmos vitrais, nas cores quando o Sol nos bata nas linhas quando a noite caia... Os séculos não tocarão no nosso silêncio vítreo... Lá fora passarão civilizações, escacharão revoltas, turbilhonarão festas, correrão mansos quotidianos povos... E nós, ó meu amor viril, teremos sempre o mesmo gesto inútil, a mesma existência falsa (...)


Gostavam de desafiar o perigo de não se encontrarem,de passarem o dia sozinhos...a lerem mais-um-livro .A teoria de mais-um-livro era dele, para ela os livros eram todos menos-um-livro.
É uma ideia interessante deste longo romance de 631 páginas....
Nem sei se estou desiludida com a rauyela ou comigo porque não adorei um "livro único,cheio de humor,de risco e de uma originalidade sem precedentes."

Gostei da maga, mas as revolucionárias-libertárias dos anos 60 não me entusiasmam( verdadeiramente, nunca me entusiasmaram, não aprecio quem vai para a rua gritar aquilo que é ou pensa...); identifiquei-me com o oliveira e com um certo toque camusiano que lhe surpreendi:
Uma espécie de cátaro existencial,um puro.Ou César ou nada,esse género de reptos radicais.Pensas que eu não te admiro à minha maneira?Pensas que eu não me admiro pelo facto de ainda não te teres suicidado? O verdadeiro doppelgänger aqui és tu,porque é como se estivesses descarnado,como uma vontade em forma de cata-vento...Quero isto,quero aquilo,quero o Norte e o Sul ao mesmo tempo,quero a Maga, quero a Talita,e então o senhor vem fazer uma visita à morgue e de passagem beija a mulher do seu melhor amigo.Tudo porque se lhe confundem as realidades e as recordações de uma forma absolutamente não-euclidiana.



I jumped in the river Black-eyed angels swimming with me A moon full of stars and astral cars All the figures I used to see All my lovers were there with me All my past and futures And we all went to heaven in a little row boat There was nothing to fear and nothing to doubt...

Não existe dilema: vai ser a minha leitura, a partir de um de agosto.

Diz-se que não é um livro fácil, pois, num capítulo, conhecemos personagens, no outro, elas já morreram e destacam-se as gerações seguintes; passamos de personagens em tempos de criança para a idade adulta e velhice. O ritmo é muito rápido, existindo “saltos” de décadas em alguns capítulos seguidos, como é o caso dos dois primeiros.Uma leitura que requer atenção e uma certa disciplina, compromissos que compensam bem, face ao resultado que esta escrita de génio nos proporciona.

É muito mais difícil matar um fantasma do que uma realidade.

A coisa nenhuma deveria ser dado um nome, pois há perigo de que esse nome a transforme.

Assim, separados, amar-nos-emos sempre. A ponte entre nós será a curva do céu, e assim o nosso amor será eterno. Possuir-te era já o caminho de perder-te. Viver contigo era a maneira de te ir esquecendo. O que concluir de tudo isto? Nada. Dissemos muitas verdades mas elas contradizem-se umas às outras.

To be or not to be...

Tinha um ego enorme, enorme, mas, paradoxalmente, pequeno, demasiado pequeno. Comprazia-se em manipular pessoas como se fossem marionetas, numa necessidade perversa de testar o seu poder e a eficácia das suas arremetidas. Nunca se saciava, espécie de vampiro que precisa do sangue da vítima para sobreviver. Definia um objetivo e, certeira e metodicamente, escondia-se e revelava-se, desferindo setas que , aparentemente inocentes, injetavam um veneno subtil que paralizava o alvo, sem nunca o aniquilar. Construiu um plano perfeito de se auto -satisfazer, insciente de que se enredava na sua própria teia ,não se apercebendo que ele prório ia ficando estranhamente seduzido por esses pérfidos desafios à sua superioridade, à sua capacidade de controle. Viciou-se nesse jogo, perdendo-se no labirinto existencial que delineara, acabando por se tornar dependente da sua presa...Como sempre acontece nos jogos em que dois adversários se atraem e se repelem, deixou de se saber quem é o capturador e quem é o capturado, é uma luta sem vencedor nem vencido, um eterno ato e uma eterna potência, uma contigência que nunca deixará de o ser...

Ouve-me!, se é que ainda Me podes tolerar. Neste papel rasgado Das arestas da minh'alma, Ai!, as absurdas intrigas Que te quisera contar! Ai os enredos,Os medos,E as lutas em que medito, Quer dê, quer não dê por isso, Sem descansar Um momento...! Quem sofre - pensa; e o tormento Não é sofrer, é pensar. O pensamento Faz engolir o vómito de fel... Ouve! se sou cruel Neste papel queimado Dos incêndios da minh'alma, é de raiva de que embalde Te procure dizer sem falsidade Coisas que, ditas, já não são verdade... E procuro eu dizê-las, Ou procuro escondê-las? E procuro eu dizer-tas, Ou procuro a vaidade De mas dizer, a mim, de modo que mas ouçam Esses mesmos que desprezo, E cujo louvor me é caro? Não me acredites! O que digo, Antes ou depois, o peso; E não!, não é a ti que me eu declaro! Sei que me não entendes. Sei que quanto melhor te revelar O meu mundo profundo, O fundo do meu mar, Os limos do meu poço, Menos me entenderás,Tu... me não és senão vaidade, Meu amor!, meu pretexto Deste miserável texto... Vês como sou? Mas sou pior do que isto. Sabe que, se me acuso, é só por vício antigo De me lamber as mãos e agatanhar o peito, De me exibir a Cristo! Sabe que a meu respeito Vou além de quanto digo. Sabe que os males que ora uso, Como quem usa Cabeleira ou dentadura, São a pintura Que esconde os mais verdadeiros, De outro teor... E sabe que sou pior!: Sabe (se é que o não sabes) Que ao teu amor por mim foi que ganhei amor. Que a ti..., sei lá se te amo. Sei que me deixam sozinho Ante o girar dos mundos e dos séculos; Sei que um deserto é o meu caminho; Sei que o silêncio Me há-de sepultar em vida; Sei que o pavor, a noite, o frio, Serão jardim da minha ermida; Sei que tenho dó de mim... Fica tu sabendo assim, Querida!, Porque te chamo. Mas amar-te?! Não!, minha vida. Não! Reduziram-me a isto: Só a mim amo. Ama-me tu, se podes, Sem procurar compreender-me: Poderias julgar que me encontravas, E seria eu perder-te e tu perder-me... Ao menos tu..., desiste! A sobre-humana prova que te peço,A mais heróica!, A mais inglória e a mais triste, é essa..., - é este o meu preço. Mais que o despeito, o ódio, a incompreensão Dos por quem passei sereno, Estendendo a mão afável Ao frio, pérfido, amável Aperto da sua mão,Me punge, Me pesa no coração, O fruste amor dos que me interpretaram. Ai!, bem quiseram amar-me! Bem o tentaram. Mas nunca me perdoaram O não serem dominados Nem poderem dominar-me... Entre eu e tu, Tão profundo é o contrato Que não pode haver disputa. Não é pacto Dum pobre aperto de mão: Entre nós, - ou sim ou não. Despi-me..., vê se me queres! Despi-me com impudor, Que é irmão do desespero. Vê se me queres, Sabendo que te não quero, Nem te mereço, Nem mereço ser amado Pela pior Das mulheres... Poderás amar-me assim, (Como explicar-me?!) Por Qualquer Cousa que eu for, Mas não por mim!, não a mim...! Beijo-te os pés, meu amor.

O amor é mera contigência: finda quando a potência se transforma em ato, mas deve ser suave escutar,num sussurro: "meu amor".

E quele tempo perdido em analisar o que nunca se chegou a passar, a medir os precisos termos de relações que nunca se dariam.Fora um capricho, não do temperamento, mas da simples imaginação. Cada um fora um sonho para o outro, uma espécie de trampolim para saltar dentro de si mesmo de um esquema de emoções para outro esquema de emoções, de uma possibilidade para outra possibilidade.Aquela banalidade de vida é que era a realidade da vida dela; aquela impossibilidade de fazer mais que sonhar é que era a certeza dele. O que ela manifestara para com ele fora apenas um sonho em voz alta, e o que ele manifestara para ela uma possibilidade em voz baixa. As vozes harmonizavam-se pela própria desarmonia...

O pensamento em acto não pode ser o bem mais alto.Logo,ele pensa-se a si mesmo,se é o mais excelente,e o pensamento é pensamento do pensamento. A aporia é,aqui, que o pensamento supremo não pode nem pensar alguma coisa, nem ficar em potência nem passar ao acto,nem escrever nem não escrever. E é para fugir a esta aporia que Aristóteles enuncia a sua célebre tese sobre o pensamento que se pensa a si mesmo,que é uma espécie de ponto médio entre pensar nada e pensar alguma coisa,entre potência e acto.O pensamento que se pensa a si mesmo não pensa um objecto nem pensa nada: pensa uma pura potência( de pensar e de não pensar); e sumamente divino e feliz é aquilo que pensa a sua própria potência.

Bartleby,como escriba que cessou de escrever,é a figura extrema do nada de onde procede toda a criação e,ao mesmo tempo,a mais implacável reivindicação deste nada como pura,absoluta potência.(...) Não surpreende ,portanto,que ele se demore assim obstinadamente no abismo da possibilidade e não pareça ter a mínima intenção de dele sair.

Um ser,que pode ser e,simultaneamente, não ser,chama-se,em filosofia primeira,contingente.O experimento,em que Bartleby nos arrisca,é um experimento de contingentia absoluta. Possiblile est quicquid potest fieri( seu verum verum esse); Impossibile est quicquid non potest fieri (seu verum verum esse);necessarium est quicquid non potest non fieri (seu verum verum esse); contingens est quicquid potest non fieri (seu verum verum esse). Portanto, o contingente,que pode ser ou não ser,e,na sua oposição ao necessário,coincide com o espaço da liberdade humana,deu lugar ao maior número de dificuldades. Se o ser conservasse,de facto, em cada tempo e sem limites a sua potência de não ser, por um lado o próprio passado poderia ser de qualquer modo revogado e,por outro, nenhum possível poderia nunca passar a acto nem nele poderia permanecer. As aporias da contingência são,por isto, temperadas tradicionalmente por dois princípios: princípio da irrevogabilidade do passado e princípio da necessidade condicionada. Relativamente ao passado não existe vontade...ninguém quer que que Tróia tenha sido saqueada,porque ninguém decide sobre o que aconteceu,mas apenas sobre aquilo que será e é possível; o que aconteceu não pode não ter acontecido: factum infectum fieri nequit- não existe nenhuma potência do ter sido,só do ser e do a ser. A força da contingênia limita o ser ao acto: é necessário que o que é,enquanto é,o seja,e o que não é,enquanto não o é, não o seja: quodlibet,dum est, necessario est, um canon tristissimus in philosophia fudamentado no princípio da contradição.

Reconhecer a realidade como uma forma da ilusão, e a ilusão como uma forma da realidade, é igualmente necessário e igualmente inútil. A vida contemplativa, para sequer existir, tem que considerar os acidentes objectivos como premissas dispersas de uma conclusão inatingível; mas tem ao mesmo tempo que considerar as contingências do sonho como em certo modo dignas daquela atenção a elas, pela qual nos tornamos contemplativos.

Cedo de mais obtive, por uma experiência, simultânea e conjunta, da sensibilidade e da inteligência, a noção de que a vida da imaginação, por mórbida que pareça, é contudo aquela que calha aos temperamentos como é o meu. As ficções da minha imaginação (posterior) podem cansar, mas não doem nem humilham. Às amantes impossíveis é também impossível o sorriso falso, o dolo do carinho, a astúcia das carícias. Nunca nos abandonam, nem de qualquer modo nos cessam.

Às vezes, quando ergo a cabeça estonteada dos livros em que escrevo as contas alheias e a ausência de vida própria, sinto uma náusea física, que pode ser de me curvar, mas que transcende os números e a desilusão. A vida desgosta-me como um remédio inútil. E é então que eu sinto com visões claras como seria fácil o afastamento deste tédio se eu tivesse a simples força de o querer deveras afastar. Agir, eis a inteligência verdadeira. Serei o que quiser. Mas tenho que querer o que for

Assim vivo, em visão pura, o exterior animado das coisas e dos seres, indiferente, como um deus de outro mundo, ao conteúdo-espírito deles. Aprofundo o ser próprio só em extensão, e quando anseio a profundeza, é em mim e no meu conceito das coisas que a procuro. Que pode dar-me o conhecimento pessoal da criatura que assim amo em déco? Não uma desilusão, porque, como nela só amo o aspecto, e nada dela fantasio, a sua estupidez ou mediocridade nada tira, porque eu não esperava nada senão o aspecto que não tinha que esperar, e o aspecto persiste. Mas o conhecimento pessoal é nocivo porque é inútil, e o inútil material é nocivo sempre. Saber o nome da criatura para quê? e é a primeira coisa que, apresentado a ela, fico sabendo.

Era uma linda tarde de abril, domingo.Mas ainda mais lindo era o pensamento que eu havia de ver a Raquel... Mas ia vê-la hoje e só pensar n'isso me alegrava. Todo o homem que ama sabe que não há nada superior ao amor... Mas custa esperar e já tinha decorrido uma hora... duas, três, quatro.... apre que já se ia fazendo tarde! Já era uma noite de abril e a modo que se tendia fazer n'um outro dia d'abril sem chegar a Raquel. Estava já disposto a me ir embora, mas o amor bradou-me - «espera»... e esperei. Até que enfim! Oiço passos do outro lado da esquina... apresso-me... corro... volto a esquina e caio nos braços de... um cauteleiro!!! «Ah meu senhor! há só o mil quinhentos e cinquenta e quatro - e amanhã é que anda a ro-oda!» Desapontamento! Desilusão! Mas para fazer alguma coisa comprei o vigésimo e segui para casa. No dia seguinte saía-me a sorte grande! Ah! foi a Divina Providência! Sim foi a Providência! Sim foi a Providência que deu aquela intermitente à Raquel e me mandou o cauteleiro em seu lugar!! Ah! Deus é bom!
Enganei-me há pouco, meus amigos. Há uma coisa superior ao amor: -É ... a massa !!!



Um pouco mais de sol - e fora brasa,
Um pouco mais de azul - e fora além.
Para atingir, faltou-me um golpe de asa...
Se ao menos eu permanecesse aquém...



Take all of your wasted honor Every little past frustration Take all your so called problems Better put 'em in quotations Say what you need to say Say what you need to say..

Leve eu ao menos, para o imenso possível do abismo de tudo, a glória da minha desilusão como se fosse a de um grande sonho, o esplendor de não crer como um pendão de derrota — pendão contudo nas mãos débeis, mas pendão arrastado entre a lama e o sangue dos fracos... mas erguido ao alto, ao sumirmo-nos nas areias movediças, ninguém sabe se como protesto, se como desafio, se como gesto de desespero... Ninguém sabe, porque ninguém sabe nada, e as areias engolfam os que têm pendões como os que não têm...E as areias cobrem tudo, a minha vida, a minha prosa, a minha eternidade.Levo comigo a consciência da derrota como um pendão de vitória.

Tão dado como sou ao tédio, é curioso que nunca, até hoje, me lembrou de meditar em que consiste. Estou hoje, deveras, nesse estado intermédio da alma em que nem apetece a vida nem outra coisa. E emprego a súbita lembrança de que nunca pensei em o que fosse, em sonhar, ao longo de pensamentos meio impressões, a análise, sempre um pouco factícia, do que ele seja.

To be or not to be...

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