Findadas as emoções, sempre resta a monotonia e o tédio...
Sábio é quem monotoniza a existência, pois então cada pequeno incidente tem um privilégio de maravilha. O caçador de leões não tem aventura para além do terceiro leão. Para o meu cozinheiro monótono uma cena de bofetadas na rua tem sempre qualquer coisa de apocalipse modesto. Quem nunca saiu de Lisboa viaja no infinito no carro até Benfica, e, se um dia vai a Sintra, sente que viajou até Marte. O viajante que percorreu toda a terra não encontra de cinco mil milhas em diante novidade, porque encontra só coisas novas; outra vez a novidade, a velhice do eterno novo, mas o conceito abstracto de novidade ficou no mar com a segunda delas.
Um homem pode, se tiver a verdadeira sabedoria, gozar o espectáculo inteiro do mundo numa cadeira, sem saber ler, sem falar com alguém, só com o uso dos sentidos e a alma não saber ser triste.Monotonizar a existência, para que ela não seja monótona. Tornar anódino o quotidiano, para que a mais pequena coisa seja uma distracção. No meio do meu trabalho de todos os dias, baço, igual e inútil, surgem-me visões de fuga, vestígios sonhados de ilhas longínquas, festas em áleas de parques de outras eras, outras paisagens, outros sentimentos, outro eu. Mas reconheço, entre dois lançamentos, que se tivesse tudo isso, nada disso seria meu. Mais vale, na verdade, o patrão Vasques que os Reis de Sonho; mais vale, na verdade, o escritório da Rua dos Douradores do que as grandes áleas dos parques impossíveis. Tendo o patrão Vasques, posso gozar o sonho dos Reis de Sonho; tendo o escritório da Rua dos Douradores, posso gozar a visão interior das paisagens que não existem. Mas se tivesse os Reis de Sonho, que me ficaria para sonhar? Se tivesse as paisagens impossíveis, que me restaria de impossível?
A monotonia, a igualdade baça dos dias mesmos, a nenhuma diferença de hoje para ontem — isto me fique sempre, com a alma desperta para gozar da mosca que me distrai, passando casual ante meus olhos, da gargalhada que se ergue volúvel da rua incerta, a vasta libertação de serem horas de fechar o escritório, o repouso infinito de um dia feriado. Posso imaginar-me tudo, porque não sou nada. Se fosse alguma coisa, não poderia imaginar. O ajudante de guarda-livros pode sonhar-se imperador romano; o Rei de Inglaterra não o pode fazer, porque o Rei de Inglaterra está privado de ser, em sonhos, outro rei que não o rei que é. A sua realidade não o deixa sentir.
Vivo sempre no presente. O futuro, não o conheço. O passado, já o não tenho. Pesa-me um como a possibilidade de tudo, o outro como a realidade de nada. Não tenho esperanças nem saudades. Conhecendo o que tem sido a minha vida até hoje — tantas vezes e em tanto o contrário do que eu a desejara —, que posso presumir da minha vida de amanhã senão que será o que não presumo, o que não quero, o que me acontece de fora, até através da minha vontade? Nem tenho nada no meu passado que relembre com o desejo inútil de o repetir. Nunca fui senão um vestígio e um simulacro de mim. O meu passado é tudo quanto não consegui ser. Nem as sensações de momentos idos me são saudosas: o que se sente exige o momento; passado este, há um virar de página e a história continua, mas não o texto. Breve sombra escura de uma árvore citadina, leve som de água caindo no tanque triste, verde da relva regular — jardim público ao quase crepúsculo —, sois, neste momento, o universo inteiro para mim, porque sois o conteúdo pleno da minha sensação consciente. Não quero mais da vida do que senti-la a perder-se nestas tardes imprevistas, ao som de crianças alheias que brincam nestes jardins engradados pela melancolia das ruas que os cercam, e copados, para além dos ramos altos das árvores, pelo céu velho onde as estrelas recomeçam.
Nunca tive dinheiro para poder ter tédio à vontade.(se não fosse o tédio, aborrecíamo-nos —Luís VIII)
O tédio de horas incertas
Pesa no meu coração.
Paro ante as portas abertas
Sem escolha nem decisão.
Há momentos em que tudo cansa, até o que nos repousaria. O que nos cansa porque nos cansa; o que nos repousaria porque a ideia de o obter nos cansa. Há abatimentos da alma abaixo de toda a angústia e de toda a dor; creio que os não conhecem senão os que se furtam às angústias e às dores humanas, e têm diplomacia consigo mesmos para se esquivar ao próprio tédio. Reduzindo-se, assim, a seres couraçados contra o mundo, não admira que, em certa altura da sua consciência de si-mesmos, lhes pese de repente o vulto inteiro da couraça, e a vida lhes seja uma angústia às avessas, uma dor perdida.
Estou em um desses momentos, e escrevo estas linhas como quem quer ao menos saber que vive. Todo o dia, até agora, trabalhei como um sonolento, fazendo contas por processos de sonho, escrevendo ao longo do meu torpor. Todo o dia me senti pesar a vida sobre os olhos e contra as têmporas — sono nos olhos, pressão para fora nas têmporas, consciência de tudo isto no estômago, náusea e desalento.Viver parece-me um erro metafísico da matéria, um descuido da inacção. Nem olho o dia, para ver o que ele tem que me distraia de mim, e, escrevendo-o eu aqui em descrição, tape com palavras a chícara vazia do meu não me querer. Nem olho o dia, e ignoro com as costas dobradas se é sol ou falta de sol o que está lá fora na rua subjectivamente triste, na rua deserta onde está passando o som de gente. Ignoro tudo e dói-me o peito. Parei de trabalhar e não quero mexer-me daqui. Estou olhando para o mata-borrão branco sujo, que alastra, pregado aos cantos, por sobre a grande idade da secretária inclinada. Fito atentamente os rabiscos de absorção e distracção que estão borrados nele. Várias vezes a minha assinatura às avessas e ao invés. Alguns números aqui e ali, assim mesmo. Uns desenhos de nada, feitos pela minha desatenção. Olho a tudo isto como um aldeão de mata-borrões, com uma atenção de quem olha novidades, com todo o cérebro inerte por detrás dos centros cerebrais que promovem a visão.
Tenho mais sono íntimo do que cabe em mim. E não quero nada, não prefiro nada, não há nada a que fugir.
Tudo começava a ser estranho à minha imaginação; os estreitos e gastos degraus de mosaico,iluminados pela luz eléctrica, não cabiam nas minhas recordações.
Aquele iluminado palpitar das estrelas trouxe até mim, num tropel, toda a minha esperança através de Barcelona, até ao momento de entrar neste ambiente de pessoas e móveis possessos.Tinha medo de me meter naquela cama que parecia um ataúde.
Parecia-me que de nada vale correr se sempre vamos pelo mesmo caminho, fechado, da nossa personalidade. Uns seres nascem para viver, outros para trabalhar, outros para contemplar a vida. Eu tinha um pequeno e negativo papel de espectadora. Impossível sair dele. Impossível libertar-me.
Nunca soubeste o que queres e estás sempre a querer algo.
Gosto de pessoas com esse átomo de loucura que faz com que a existência não seja monótona, embora sejam pessoas desgraçadas e estejam sempre nas nuvens, como tu… pessoas que, segundo a minha família, são calamidades indesejáveis.
Eu gozava de uma sorte concedida a poucos seres humanos: a de me sentir arrastada num halo quase palpável que irradia um par de enamorados jovens e que faz com que o mundo vibre mais...
Ninguém ainda definiu, com linguagem com que compreendesse quem o não tivesse experimentado, o que é o tédio. O a que uns chamam tédio, não é mais que aborrecimento; o que a outros o chamam, não é senão mal-estar; há outros, ainda, que chamam tédio ao cansaço. Mas o tédio, embora participe do cansaço, e do mal-estar, e do aborrecimento, participa deles como a água participa o hidrogénio e oxigénio, de que se compõe. Inclui-os sem a eles se assemelhar.Se uns dão assim ao tédio um sentido restrito e incompleto, um ou outro lhe presta uma significação que em certo modo o transcende - como quando se chama tédio ao desgosto íntimo e espiritual da variedade e da incerteza do mundo. O que faz abrir a boca, que é o aborrecimento; o que faz mudar de posição, que é o mal-estar; o que faz não se poder mexer, que é o cansaço - nenhuma das coisas é o tédio; mas também o não é sentimento profundo da vacuidade das coisas, pelo qual a aspiração frustrada se liberta, a ânsia desiludida se ergue, e se forma na alma a semente da qual nasce o místico ou o santo.O tédio é, sim, o aborrecimento do mundo, o mal-estar de estar vivendo, o cansaço de se ter vivido; o tédio é, deveras, a sensação carnal da vacuidade prolixa das coisas.
Mas o tédio é, mais do que isto, o aborrecimento de outros mundos, quer existam quer não; o mal-estar de ter que viver, ainda que outro, ainda que de outro modo, ainda de que outro mundo; o cansaço, não só de ontem e de hoje, mas de amanhã também, da eternidade, se a houver, e do nada, se é ele que é a eternidade. Nem é só a vacuidade das coisas e dos seres que dói a alma quando ela está em tédio: é também a vacuidade de outra coisas qualquer, que não as coisas e os seres, a vacuidade da própria alma que sente o vácuo, que se sente vácuo, e que nele de si se enoja e se repudia. O tédio é a sensação física do caos, e de que o caos é tudo. O aborrecido, o mal-estante, o cansado sente-se algemado numa cela estreita. Mas o que tem tédio sente-se preso em liberdade fruste numa cela infinita. Sobre o que se aborrece, ou tem mal-estar, ou fadiga, podem desabar os muros da cela, e soterrá-lo. Ao que se desgosta da pequenez do mundo podem cair as algemas, e ele fugir, ou doer de as poder tirar, e ele, com sentir a dor, reviver-se sem desgosto. Mas os muros da cela infinita não os podem soterrar, porque não existem; nem nos podem sequer fazer viver pela dor as algemas que ninguém nos pôs.
E é isto que eu sinto ante a beleza plácida desta tarde que finda imperecivelmente. Olho o céu alto e claro, onde as coisas vagas, róseas, como sombras de nuvens, são uma penugem impalpável de uma vida alada e longínqua. Baixo os olhos sobre o rio, onde a água, não mais que levemente trémula, é de um azul que parece espelhado de um céu mais profundo. Ergo de novo os olhos ao céu, há já, entre o que de vagamente colorido se esfia sem farrapos no ar invisível, um tom algendo de branco baço, como se alguma coisa também das coisas, onde são mais altas e frustes, tivesse um tédio material próprio, uma impossibilidade de ser o que é, um corpo imponderável de angústia e de desolação. Mas quê? Que há no ar alto mais que o ar alto, que não é nada?
Que há no céu mais que uma cor que não é dele? Que há nesses farrapos de menos que nuvens, de que já duvido, mais que uns reflexos de luz materialmente incidentes de um sol já submisso?Que há em tudo isto senão eu? Ah, mas o tédio é isso, é só isso. É que em tudo isto - céu, terra, mundo - o que há em tudo isto não é senão eu!
Só não há tédio nas paisagens que não existem, nos livros que nunca lerei.
...e um profundo e tediento desdém por todos quantos trabalham para a humanidade, por todos quantos se batem pela pátria e dão a sua vida para que a civilização continue...um desdém cheio de tédio por eles, que desconhecem que a única realidade para cada um é a sua própria alma, e o resto — o mundo exterior e os outros — um pesadelo inestético, como um resultado nos sonhos de uma indigestão de espírito.A minha aversão pelo esforço excita-se até ao horror quase gesticulante perante todas as formas do esforço violento. E a guerra, o trabalho produtivo e enérgico, o auxílio aos outros (...) tudo isto não me parece mais que o produto de um impudor, (...) E, perante, a realidade suprema da minha alma, tudo o que é útil e exterior me sabe a frívolo e trivial ante a soberana e pura grandeza de meus mais vivos e frequentes sonhos. Esses, para mim, são mais reais
Não sei o que faça,
Não sei o que penso,
O frio não passa
E o tédio é imenso.
Não admira, pois, que o mundo vá de mal a pior e que os males aumentem cada vez mais, à medida que aumenta o tédio, e o tédio é a raiz de todo o mal. A história deste pode acompanhar-se desde os primórdios do mundo. Os deuses estavam entediados, pelo que criaram o homem. Adão estava entediado por estar sozinho e, por isso, foi criada Eva. Assim o tédio entrou no mundo e aumentou na proporção do aumento da população. Adão aborrecia-se sozinho, depois Adão e Eva aborreceram-se juntos, depois Adão e Eva e Caim e Abel aborreceram-se en famille; depois a população do mundo aumentou e os povos aborreceram-se en masse. Para se divertirem congeminaram a ideia de construir uma torre tão alta que chegasse ao céu. Esta ideia, por sua vez, é tão aborrecida como a torre era alta, e constitui uma prova terrível de como o tédio se tornou dominante.
In case things go poorly and I not return Remember the good things I've done Done me in...
Well I have been searching all of my days All of my days Many a road, you know I've been walking on All of my days And I've been trying to find What's been in my mind As the days keep turning into night And the answer that you're seeking For the question that you found Drives you further to confusion As you lose your sense of ground
Não sei ser triste a valer. Nem ser alegre deveras. Acreditem: não sei ser. Serão as almas sinceras Assim também, sem saber? Ah, ante a ficção da alma E a mentira da emoção, Com que prazer me dá calma Ver uma flor sem razão Florir sem ter coração!
Emoções dos outros:a noite mais longa do ano... A onda maior do ano ... O bolo rei que entrou para o guinness ... as filas para visitar a aldeia natal em óbidos... O bolo da alcoa que o marcelo ofereceu à judite ....a estátua do ronaldo pesar oitocentos quilos...as feirinhas medievais... os incêndios e a coragem dos soldados da paz...as medalhas olímpicas...o calor...o frio...o vento...a chuva...as inundações... Não há quem aguente tanta emoção!
Ai o nascimento do menino, ai a caridade natalícia, ai os natais dos hospitais, ai os concertos de natal, ai os filmes sobre o natal, ai as compras, ai os laços, ai as fitas, ai as árvores, ai as luzes, ai os presépios ( animados e desanimados) , ai as paróquias do santíssimo sacramento, ai os lançamentos de livros ( dezembro é boa época , dizem os editores, mesmo sem subsídio) ai os inúmeros jantarinhos de amigos e inimigos, em que há sempre uns palermas de se vestem de pai natal e , depois do quarto copo de vinho ,gritam Ohohohoh...Ai como isto tudo emociona as gentes, a cidade, o país e o mundo de católicos não praticantes, mas que, nesta época, praticam...Ai, a emoção que paira no ar, na quadra natalícia...
O que me emociona mim?
Hoje, ao tomar de vez a decisão de ser Eu, de viver à altura do meu mister, e, por isso, de desprezar a ideia do reclame, e plebeia sociabilizacão de mim, do Interseccionismo, reentrei de vez, de volta da minha viagem de impressões pelos outros, na posse plena do meu Génio e na divina consciência da minha Missão. Hoje só me quero tal qual meu carácter nato quer que eu seja; e meu Génio, com ele nascido, me impõe que eu não deixe de ser. Atitude por atitude, melhor a mais nobre, a mais alta e a mais calma. Pose por pose, a pose de ser o que sou. Nada de desafios à plebe, nada de girândolas para o riso ou a raiva dos inferiores. A superioridade não se mascara de palhaço; é de renúncia e de silêncio que se veste.
Por emoção sem paixão entendo, como sem dificuldades entenderá qualquer, que os estados emotivos do poeta não comportam, nem envolvem, nenhum aprofundamento ou intensificação... não analisa emotivamente as suas emoções, nem de tal modo nelas se concentra que automaticamente se animem, aqueçam, se convertam em paixões.
Quem quer que seja de algum modo um poeta sabe muito bem quão mais fácil é escrever um bom poema (se os bons poemas se acham ao alcance do homem) a respeito de uma mulher que lhe interessa do que a respeito de uma mulher pela qual está profundamente apaixonado. A melhor espécie de poema de amor é, em geral, escrita a respeito de uma mulher abstracta. Uma grande emoção é por demais egoísta; absorve em si própria todo o sangue do espírito, e a congestão deixa as mãos demasiado frias para escrever. Três espécies de emoções produzem grande poesia - emoções fortes, porém rápidas, captadas para a arte, logo passaram; emoções fortes e profundas, ao serem lembradas muito tempo depois; e emoções falsas, isto é, emoções sentidas no intelecto. Não a insinceridade, mas sim, uma sinceridade traduzida, é a base de toda a arte.
Minhas mesmas emoções São coisas que me acontecem. Não faço visitas, nem ando em sociedade alguma - nem de salas, nem de cafés. Fazê-lo seria sacrificar a minha unidade interior, entregar-me a conversas inúteis, furtar tempo senão aos meus raciocínios e aos meus projectos, pelo menos aos meus sonhos, que sempre são mais belos que a conversa alheia.
Não falemos mais. As coisas que se amam, os sentimentos que se afagam guardam-se com a chave daquilo a que chamamos «pudor» no cofre do coração. A eloquência profana-os. A arte, revelando-os, torna-os pequenos e vis. O próprio olhar não os deve revelar. Sabeis decerto que o maior amor não é aquele que a palavra suave puramente exprime. Nem é aquele que o olhar diz, nem aquele que a mão comunica tocando levemente noutra mão. É aquele que quando dois seres estão juntos, não se olhando nem tocando os envolve como uma nuvem, que lhes (...) Esse amor não se deve dizer nem revelar. Não se pode falar dele.
Só quem não tem emoções dentro de si, por si e para si, se refugia em manifestações desabridas de uis e ais, motivados por banalidades...
Por momentos, pensei com horror em homens e mulheres como organismos vivos, e imaginei um trabalho de buril que os trabalhasse como figuras de marfim, esculpindo-os sem reentâncias e sem excrescências,todos idênticos e privados de identidade, sem nenhum jogo de traços somáticos, sem qualquer aferição das pequenas diferenças.
Por outro lado , não tinha querido ou não tinha conseguido enraizar ninguém em mim.(...) Nunca existiria nenhum mais e nenhum menos entre mim e outro feito de mim.Ficarei eu até ao fim, infeliz, descontente...
Não estou a gotar do livro, não me causou qualquer emoção...Nem consigo dizer se a autora é boa ou má. Não sei nem me interessa.
Sou nada...
Sou uma ficção...
Que ando eu a querer de mim ou de tudo neste mundo?
As emoções e os desejos são manchas de humanidade que têm de ser tiradas da alma quando ela procura a atitude científica.A sinceridade é o grande obstáculo que o artista tem a vencer. Só uma longa disciplina, uma aprendizagem de não sentir senão literariamente as coisas, podem levar o espírito a esta culminância.
I have only two emotions Careful fear and dead devotion I can't get the balance right...
I keep feeling smaller and smaller...
Serás quem eu quiser. Farei de ti um ornamento da minha emoção posta onde quero, e como quero, dentro de mim. Contigo não tens nada. Não és ninguém, porque não és consciente; apenas vives.
Dói-me quem sou. E em meio da emoção
Ergue a fronte de torre um pensamento.
É como se na imensa solidão
De uma alma a sós consigo, o coração
Tivesse cérebro e conhecimento.
Viver uma vida desapaixonada e culta, ao relento das ideias, lendo, sonhando, e pensando em escrever, uma vida suficientemente lenta para estar sempre à beira do tédio, bastante meditada para se nunca encontrar nele. Viver essa vida longe das emoções e dos pensamentos, só no pensamento das emoções e na emoção dos pensamentos. Estagnar ao sol, douradamente, como um lago obscuro rodeado de flores. Ter, na sombra, aquela fidalguia da individualidade que consiste em não insistir para nada com a vida. Ser no volteio dos mundos como uma poeira de flores, que um vento incógnito ergue pelo ar da tarde, e o torpor do anoitecer deixa baixar no lugar de acaso, indistinta entre coisas maiores. Ser isto com um conhecimento seguro, nem alegre nem triste, reconhecido ao sol do seu brilho e às estrelas do seu afastamento. Não ser mais, não ter mais, não querer mais... A música do faminto, a canção do cego, a relíquia do viandante incógnito, as passadas no deserto do camelo vazio sem destino...
(…) Houve um dia, numa aula de História do sétimo ano, em que falámos das estátuas da Roma antiga. Respondi à professora, uma gorduchinha toda contente e que me deixava contente também, que eram os olhos que induziam a sensação de vida às figuras de pedra. (…) Quando me elogiou a resposta, a minha professora apenas me premiou a maravilha que era, na verdade, a capacidade de induzir a maravilha que ela própria tinha. Estávamos, naquela sala de aula, ao menos nós os dois, felizes. Profundamente felizes. (…)
Depois de tensões , desilusões e insónias, que me deixam absolutamente esgotada, há um efémero momento de pacificação comigo e com o mundo...
Sentir a agitação e emoção dos alunos, nos momentos que precedem um sarau no tertúlia, é uma certeza, talvez a única certeza, de que algo vale a pena. Terem escolhido para declamar , de modo absolutamente livre, poemas dados nas aulas foi bonito, muito bonito... ( a simplicidade elogiosa com que me comunicaram as escolhas merece um adjetivo banal.) Ouvir a chilreada saudável das meninas, depois da atuação, quando me perguntam, ansiosas, com os olhos e com as mãos, "gostou? correu bem?"
O modo infantil como as alunas me sussurram para eu pedir às mães que as deixem ir depois, ao ala sul, até às duas da manhã, faz-me acreditar que ainda há jovens que têm regras a cumprir e que entendem que divertimento não é ,necessariamente, andar a noite toda na rua a beber até cair. Comove-me a confiança das mães e o ar inebriado como olham as suas meninas, no momento em que elas se levantam para declamar ... Enternece-me constatar que miúdos de 17 anos gostam de falar comigo e, mesmo fora das aulas, apreciam ouvir -me palrar sobre o "meu poeta".
A minha Professora de Português dizia:
“O Português é como as cerejas”…
E a propósito do texto levava-nos
No seu tapete pelos ares.
pintura, música e ópera,
psicologia e cinema
mitologia, bailado,
Por tudo isso voávamos com ela.
A minha Professora de Português
Gostava de ir bonita para as aulas,
Tinha um perfume doce e pessoalíssimo...
Era sensível ao ponto de quase chorar com um poema.
Comoviam-na as desditas de Camões,
Olhava a Cidade com os olhos de Cesário,
Fazia-nos sorrir imenso com o Eça
E sermos as Amadas de todos os Poetas.
Nós, escrevíamos versos às escondidas
E sonhávamos poder ser como ela.
E até sabíamos tudo de Gramática.
Hoje as Professoras de Português já não são como a minha: São entendidas em Metodologias e Didácticas,Fazem Planos de Aulas com Objectivos, Sabem muito bem como se faz Projectos Para apresentar à Escola, ao Ministério e à Europa. Enumeram vários Tipos de Narrador, Localizam a Acção no Tempo e no Espaço E distribuem Muitas Fotocópias Tiradas de livros engraçados, Cheios de esquemas, Que afinal são livros sobre os livros Que nós dantes costumávamos ler… As novas Professoras da Português têm esquemas para tudo: Dão-nos quadros com coisas para preenchermos E perguntas com quadradinhos para pormos uma cruz… Elas são capazes de encaixar num esquema a mais complicada E até a mais bonita das histórias. Mas esquecem a verdade poética dos textos, E já não viajam connosco, Nem nos fazem sentir as Amadas dos Poetas. Por isso já não nos apetece fazer versos E afinal já nem sequer sabemos Gramática.
Um momento que me surpreendeu: um dia dedicaram-me este poema, depois de um elogio que me deixou com cara de mona lisa... Será que há um dia de de ser simpático para as professoras de português??
Convivas lúcidos da sua calma, Herdeiros um momento do seu jeito De viver toda a vida Dentro dum só momento,
Dum só momento, Lídia, em que afastados Das terrenas angústias recebemos Olímpicas delícias Dentro das nossas almas.
E um só momento nos sentimos deuses Imortais pela calma que vestimos E a altiva indiferença Às coisas passageiras
Como quem guarda a coroa da vitória Estes fanados louros de um só dia Guardemos para termos, No futuro enrugado,
Perene à nossa vista a certa prova De que um momento os deuses nos amaram E nos deram uma hora Não nossa, mas do Olimpo.
Lídia fez-me surgir, por um fugaz momento, a tua imagem, a tua presença, o teu toque involuntário...
Foi um momento O em que pousaste Sobre o meu braço, Num movimento Mais de cansaço Que pensamento...
Não temos mais decerto que o instante Em que o pensamos certo. Não o pensemos, pois, mas o façamos Certo sem pensamento.
O meu passado é tudo quanto não consegui ser. Nem as sensações de momentos idos me são saudosas: o que se sente exige o momento; passado este, há um virar de página e a história continua, mas não o texto. Breve sombra escura de uma árvore citadina, leve som de água caindo no tanque triste, verde da relva regular — jardim público ao quase crepúsculo —, sois, neste momento, o universo inteiro para mim, porque sois o conteúdo pleno da minha sensação consciente.


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