Foi por um crepúsculo de vago outono que eu parti para essa viagem que nunca fiz.
Chanson d'automne Les sanglots longs Des violons De l'automne Blessent mon coeur D'une langueur Monotone. Tout suffocant Et blême, quand Sonne l'heure, Je me souviens Des jours anciens Et je pleure Et je m'en vais Au vent mauvais Qui m'emporte Deçà, delà,
Pareil à la Feuille morte.
Advertência
Antes que venha o Inverno e disperse ao vento essas folhas de poesia que por ai caíram, vamos escolher uma ou outra que valha a pena conservar, ainda que não seja senão para memória. A outros versos chamei eu já as últimas recordações da minha vida poética. Enganei o público, mas de boa-fé, porque me enganei primeiro a mim. Protestos de poetas que sempre estão a dizer adeus ao mundo, e morrem abraçados com o louro - às vezes imaginário, porque ninguém os coroa. Eu pouco mais tinha de vinte anos quando publiquei certo poema, e jurei que eram os últimos versos que fazia. Que juramentos! Se dos meus se rirem, têm razão; mas saibam que eu também primeiro me ri deles. Poeta na primavera, no estio e no outono da vida, hei-de sê-lo no inverno, se lá chegar, e hei-de sê-lo em tudo.
Pauis que roçarem ânsias pela minha alma em ouro...
Dobre longínquo d'Outros Sinos... Empalidece o louro
Trigo na cinza do poente... Corre um frio carnal por minha alma...
Tão sempre a mesma, a Hora!... Balouçar de cimos de palma!...
Silêncio da parte inferior das folhas, outono delgado
D'um canto de vaga ave... Azul esquecidos em estagnado...
Ó que mudo grito de ânsia põe garras na Hora!...
Que pasmo de mim anseia por outra coisa que o que chora?...
Estendo as mãos para Além, mas no estender delas já vejo
Que não é aquilo que quero aquilo que desejo...
Címbalos de imperfeição... Ó tão antiguidade
A hora expulsa de si-Tempo!... Onda de recuo que invade
O meu abandonar-me a mim-próprio até desfalecer
E recordar tanto o eu presente que me sinto esquecer...
Fluido de auréola transparente de Foi, oco de ter-se...
O mistério sabe-me a eu ser outro... Luar sobre o não conter-se...
A sentinela é hirta, a lança que finca no chão
É mais alta que ela... P'ra que é tudo isto... Dia chão...
Trepadeiras de despropósito lambendo de Hora os aléns!
Horizontes fechando os olhos ao espaço em que são elos de erro!
Fanfarras de ópios de silêncios futuros!... Longes trens!...
Portões vistos longe, através das árvores, tão de ferro!...
Nos primeiros dias do outono subitamente entrado, quando o escurecer toma uma evidência de qualquer coisa prematura, e parece que tardámos muito no que fazemos de dia, gozo, mesmo entre o trabalho quotidiano, esta antecipação de não trabalhar que a própria sombra traz consigo, por isso que é noite e a noite é sono, lares, livramento. Quando as luzes se acendem no escritório amplo que deixa de ser escuro, e fazemos serão sem que cessássemos de trabalhar de dia, sinto um conforto absurdo como uma lembrança de outrem, e estou sossegado com o que escrevo como se estivesse lendo até sentir que irei dormir.
Somos todos escravos de circunstâncias externas: um dia de sol abre-nos campos largos no meio de um café de viela; uma sombra no campo encolhe-nos para dentro, e abrigam-nos mal na casa sem portas de nós mesmos; um chegar da noite, até entre coisas do dia, alarga, como um leque [que] se abra lento, a consciência íntima de dever-se repousar.
O palácio está em ruínas... Dói ver no parque o abandono
Da fonte sem repuxo... Ninguém ergue o olhar da estrada
E sente saudades de si ante aquele lugar-Outono...
Esta paisagem é um manuscrito com a frase mais bela cortada.
Li este livro na adolescência, mas não me recordo absolutamente de nada...Sei que o tenho, mas não o encontro. O meu horror vacui obriga-me a ocupar este espaço com uma ode de reis...
Quando, Lídia, vier o nosso Outono
Com o Inverno que há nele, reservemos
Um pensamento, não para a futura
Primavera, que é de outrem,
Nem para o Estio, de quem somos mortos,
Senão para o que fica do que passa —
O amarelo actual que as folhas vivem
E as torna diferentes
Foi por um crepúsculo de vago outono que eu parti para essa viagem que nunca fiz. O céu — impossivelmente me recordo — era dum resto roxo de ouro triste, e a linha agónica dos montes, lúcida, tinha uma auréola cujos tons de morte lhe penetravam, amaciadores, na astúcia do seu contorno. Da outra amurada do barco (estava mais frio e era mais noite sob esse lado do toldo) o oceano tremia-se até onde o horizonte leste se entristecia, e onde, pondo penumbras de noite na linha líquida e obscura do mar extremo, um hálito de treva pairava como uma névoa em dia de calor. O mar, recordo-me, tinha tonalidades de sombra, de mistura com figuras ondeadas de vaga luz — e era tudo misterioso como uma ideia triste numa hora de alegria, profética não sei de quê.
Era uma tarde de outono, quando o céu tem um calor frio, morto, e há nuvens que abafam a luz em cobertores de lentidão. Duas coisas só me deu o Destino: uns livros... e o dom de sonhar.
But I miss you most of all my darling When autumn leaves start to fall...
Tive o dia mais pleno dos últimos tempos...Se os estados emotivos fossem notas musicais, eu, hoje, fui dó , ré , mi, fá, sol, lá , si...O turbilhão afetivo em que tenho andado não me deixa pensar, não me deixa ler, não me deixa, sequer, ser...I miss you most of all my darling When autumn leaves start to fall...
No entardecer da terra
O sopro do longo Outono
Amareleceu o chão.
Um vago vento erra,
Como um sonho mau num sono,
Na lívida solidão.
Soergue as folhas, e pousa
As folhas, e volve, e revolve,
E esvai-se inda outra vez.
Mas a folha não repousa,
E o vento lívido volve
E expira na lividez.
Eu já não sou quem era;
O que eu sonhei, morri-o;
E até do que hoje sou
Amanhã direi, quem dera
volver a sê-lo! ... Mais frio
O vento vago voltou.
Nos primeiros dias do outono subitamente entrado, quando o escurecer toma uma evidência de qualquer coisa prematura, e parece que tardámos muito no que fazemos de dia, gozo, mesmo entre o trabalho quotidiano, esta antecipação de não trabalhar que a própria sombra traz consigo, por isso que é noite e a noite é sono, lares, livramento. Quando as luzes se acendem no escritório amplo que deixa de ser escuro, e fazemos serão sem que cessássemos de trabalhar de dia, sinto um conforto absurdo como uma lembrança de outrem, e estou sossegado com o que escrevo como se estivesse lendo até sentir que irei dormir. Somos todos escravos de circunstâncias externas: um dia de sol abre-nos campos largos no meio de um café de viela; uma sombra no campo encolhe-nos para dentro, e abrigam-nos mal na casa sem portas de nós mesmos; um chegar da noite, até entre coisas do dia, alarga, como um leque [que] se abra lento, a consciência íntima de dever-se repousar.
Que importa o tédio que dentro em mim gela,
E o leve Outono, e as galas, e o marfim,
E a congruência da alma que se vela
Com os sonhados pálios de cetim?
I miss you, I miss you...Vim para aqui repousar,
Mas esqueci-me de me deixar lá em casa.
Trouxe comigo o espinho essencial de ser consciente,
A vaga náusea, a doença incerta, de me sentir.
Sempre esta inquietação mordida aos bocados
Como pão ralo escuro, que se esfarela caindo.
Sempre este mal-estar tomado aos maus haustos
Como um vinho de bêbado quando nem a náusea obsta.
Sempre, sempre, sempre
Este defeito da circulação na própria alma,
Esta lipotimia das sensações,
Isto...
Oh we're alone Just like you said Last year to learn...
Vivemos como sonhamos, sozinhos.
A acção é um mero consolo. É a inimiga do pensamento e a amiga das ilusões aduladoras.
Enfrentar, sempre enfrentar, é a única forma de sair airoso. Enfrenta.
Ser mulher é algo difícil, já que consiste basicamente em lidar com homens.
O espírito revolucionário é muito conveniente. Ele liberta-nos de todos os escrúpulos no que se refere a ideias.
Que inquietação profunda, que desejo de outras coisas.
Que nem são países, nem momentos, nem vidas.
Que desejo talvez de outros modos de estados de alma
Humedece interiormente o instante lento e longínquo!
A doçura de não ter família nem companhia, esse suave gosto como o do exílio, em que sentimos o orgulho do desterro esbater-nos em volúpia incerta a vaga inquietação de estar longe — tudo isto eu gozo a meu modo, indiferentemente. Porque um dos detalhes característicos da minha atitude espiritual é que a atenção não deve ser cultivada exageradamente, e mesmo o sonho deve ser olhado alto, com uma consciência aristocrática de o estar fazendo existir. Dar demasiada importância ao sonho seria dar demasiada importância, afinal, a uma coisa que se separou de nós próprios, que se ergueu, conforme pôde, em realidade, e que, por isso, perdeu o direito absoluto à nossa delicadeza para com ela. As figuras imaginárias têm mais relevo e verdade que as reais. O meu mundo imaginário foi sempre o único mundo verdadeiro para mim. Nunca tive amores tão reais, tão cheios de verve de sangue e de vida como os que tive com figuras que eu próprio criei. Que pena! Tenho saudades deles, porque, como os outros, passam.
Cá dentro inquietação, inquietação
É só inquietação, inquietação
Porquê, não sei
Porquê, não sei
Porquê, não sei ainda
Há sempre qualquer coisa que está pra acontecer
Qualquer coisa que eu devia perceber
Porquê, não sei
Porquê, não sei
Porquê, não sei ainda
Há sempre qualquer coisa que eu tenho que fazer
Qualquer coisa que eu devia resolver
Porquê, não sei
Mas sei
Que essa coisa é que é linda
Que inquietação do fundo nos soergue? O desejar poder querer.
Reconheço, não sei se com tristeza, a secura humana do meu coração. Vale mais para mim um adjectivo que um pranto real da alma[…]Mas às vezes sou diferente, e tenho lágrimas, lágrimas das quentes, dos que não têm nem tiveram mãe; e meus olhos que ardem dessas lágrimas mortas ardem dentro do meu coração...[…] Ah, é a saudade do outro que eu poderia ter sido que me dispersa e sobressalta! Quem outro seria eu se me tivessem dado carinho do que vem desde o ventre até aos beijos na cara pequena? Sou todas essas coisas, embora o não queira, no fundo confuso da minha sensibilidade fatal. Talvez que a saudade de não ser filho tenha grande parte na minha indiferença sentimental. Quem, em criança, me apertou contra a cara não me podia apertar contra o coração...
Toda a minha vida tem sido uma batalha perdida no mapa; a cobardia nem sequer foi no campo, onde talvez a não houvesse, mas no gabinete do chefe do Estado Maior, e de ele a sós com a sua convicção da derrota. Não se ousou o plano porque haveria de ser imperfeito; não se ousou torná-lo perfeito, ainda que não pudesse realmente sê-lo, porque a convicção de que não seria perfeito quebrou a vontade com que ele, ainda que imperfeito, sempre se poderia tentar. Nem me ocorreu nunca que o plano, embora imperfeito, poderia ser mais perfeito que o do inimigo.
Hoje perdi mais uma batalha, sem sequer ousar o plano. Foi a última: sei que desta derrota já não recupero...
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