Não é neccessário vivermos ao lado de alguém para nos sentirmos ligados a esse alguém mais do que a qualquer outra pessoa...

domingo, 11 de setembro de 2016

(Des) certezas...(In)certezas...


Os homens, que inventaram o tempo, inventaram por contraste a eternidade, mas a negação do tempo é tão vã como ele próprio. Não há nem passado nem futuro, mas apenas uma série de presentes sucessivos, um caminho perpetuamente destruído e continuado onde todos vamos avançando.

Ah, perante esta única realidade, que é o mistério, Perante esta única realidade terrível — a de haver uma realidade, Perante este horrível ser que é haver ser, Perante este abismo de existir um abismo, Este abismo de a existência de tudo ser um abismo, Ser um abismo por simplesmente ser, Por poder ser, Por haver ser! — Perante isto tudo como tudo o que os homens fazem, Tudo o que os homens dizem, Tudo quanto construem, desfazem ou se construi ou desfaz através deles. Se empequena! Não, não se empequena... se transforma em outra coisa —Numa só coisa tremenda e negra e impossível, Uma coisa que está para além dos deuses, de Deus, do Destino — A minha inteligência tornou-se um coração cheio de pavor, E é com as minhas ideias que tremo, com a minha consciência de mim, Com a substância essencial do meu ser abstrato Que sufoco de incompreensível, Que me esmago de ultratranscendente, E deste medo, desta angústia, deste perigo do ultra-ser, Não se pode fugir, não se pode fugir, não se pode fugir!
Se não ficar completamente doida, talvez ...

Crer é muito monótono, a dúvida é apaixonante.

I can see the glowing lights I can see them every night Really not that far away I could be there in a day

The dream is gone And I have become Comfortably numb...

Vestígio do que não foi, Não sei se existe ou se dói. Sono de ser, sem remédio, Leve mágoa, breve tédio, Não sei se pára, se flui; Não sei se existe ou se dói.

A amizade é , acima de tudo, certeza – é isso que a distingue do amor.
Between men and women there is no friendship possible. There is passion, enmity, workship, love, but no friendship.

As duas cartas de amor mais difíceis de escrever são a primeira e a última.

Ah, quem escreverá a história do que poderia ter sido? Será essa, se alguém a escrever, a verdadeira história da humanidade. O que há é só o mundo verdadeiro, não é nós, só o mundo; O que não há somos nós, e a verdade está aí. Sou quem falhei ser. Somos todos quem nos supusemos. A nossa realidade é o que não conseguimos nunca.

Por vezes, não queremos ouvir a verdade porque não desejamos que as nossas ilusões sejam destruídas. Mesmo sem as ouvir, descobrimos e o resultado é o mesmo... Continuo sem ter a certeza certa, mas induvida... Uma descerteza possibilita certezas e ela tenho várias...Não lhe causam sofrimento, aceito-as como inevitabilidades: Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades; muda-se o ser, muda-se a confiança... Sobra um prefixo, talvez ilusório, necessidade de perpetuar, teimosamente, algo que existiu... Recusa as certezas...nem sequer necessita de realidades... mas preferia poder duvidar... Não é preciso que a realidade exista para acreditarmos nela. Na verdade, se não existir, tudo é mais luminoso.

Quem sonha mais, vais-me dizer, aquele que vê o mundo acertado ou o que em sonhos se foi perder? O que é verdadeiro? O que mais será? A mentira que há na realidade ou a mentira que em sonhos está? Quem está da verdade mais distanciado aquele que em sombra vê a verdade ou o que vê o sonho iluminado? A pessoa que é um bom conviva, ou esta? A que se sente um estranho na festa?

Não sei em que coisa pensas
Quando coses sossegada...
Talvez naquelas ofensas
Que fazes sem dizer nada.


Doem-me a cabeça e o universo. As dores físicas mais nitidamente dores que as morais, desenvolvem, por um reflexo no espírito,tragédias incontidas nelas. Trazem uma impaciência de tudo que, como é de tudo, não exclui nenhuma das estrelas.(...) Dói-me a cabeça hoje, e é talvez do estômago que me dói. Mas a dor, uma vez sugerida do estômago à cabeça, vai interromper as meditações que tenho por detrás de ter cérebro. Quem me tapa os olhos não me cega, porém impede-me de ver. E assim agora, porque me dói a cabeça, acho sem valia nem nobreza o espectáculo, neste momento monótono e absurdo, do que aí fora mal quero ver como mundo. Dói-me a cabeça, e isto quer dizer que tenho consciência de uma ofensa que a matéria me faz, e que, porque como todas as ofensas, me indigna, me predispõe para estar mal com toda a gente, incluindo a que está próxima porém me não ofendeu.

Sua inconsciência alegre é uma ofensa Para mim. O seu rir esbofeteia-me! Sua alegria cospe-me na cara!

Sirvo-me de uma bebida, mas acabo por me arrepender: não era para mim. Que festa? Que bebida? Talvez esteja mesmo a ficar doida...Tornei-me ninguém e afirmo-o, fazendo um brinde de copo erguido:" Morri". Eis um belo paradoxo: nenhum ser, nem mesmo um ninguém, pode conjugar o verbo morrer no pretérito perfeito simples do indicativo, na primeira pessoa do singular, exceto eu...

Uma ansiedade...

As minhas ansiedades caem Por uma escada abaixo. Os meus desejos balouçam-se Em meio de um jardim vertical. Sou nada...Sou uma ficção...Que ando eu a querer de mim ou de tudo neste mundo?
Para onde foi a ansiedade? Quero-o de volta. Gosto de me sentir ansiosa...Sem ansiedade, não existe prazer.

Um livro ...

Gosto de ser surpreendida, gosto de livros que me deixem insegura, ansiosa... Viver é fácil: basta deixar andar. E ter algum dinheiro. Outros que travem as guerras, os outros que vão para a prisão.

- O que é uma prisão?
- Tudo é uma prisão.
- eu NÃO SOU uma prisão!


senti-me, estranhamente, envergonhado de qualquer coisa. culpado, mal, incompleto, como um monte de merda, como uma bala de metralhadora desperdiçada...

A raça humana sempre me tinha causado asco. Fundamentalmente, aquilo que a tornava repugnante era a doença das relações familiares, onde se incluíam o casamento, as trocas de poder e ajuda, que à semelhança de uma ferida, uma lepra, se tornava então: o nosso vizinho do lado, a nossa vizinhança, o nosso bairro, a nossa cidade, o nosso condado, o nosso estado, o nosso país… toda a gente agarrada aos cus uns dos outros na colmeia da sobrevivência por causa de uma imbecilidade de animalesco receio.

o mundo levou-me muitas horas e anos com as suas tarefas aborrecidíssimas; nota-se. sinto vergonha pela minha derrota; não pelo dinheiro dele, pela minha derrota. o melhor revolucionário é um tipo pobre; eu nem sequer revolucionário sou, estou apenas cansado, mas que balde de merda me calhou! espelho, espelho na parede...

Tinha uma fixação pelo suicídio e uns surtos depressivos violentos e não suportava as multidões e, sobretudo, não suportava estar numa longa fila à espera de qualquer coisa. e é nisso que a sociedade se está a tornar: longas filas e esperas por qualquer coisa. eu tinha tentado suicidar-me com gás. mas não tinha resultado. Havia, no entanto, outro problema. O meu problema era sair da cama. Eu odiava sair da cama, sempre. Costumava dizer a quem me quisesse ouvir: «As duas maiores invenções do homem são a cama e a bomba atómica; a primeira mantém-nos longe do mundo e a segunda tira-nos do mundo». As pessoas achavam que eu era maluco.


Uma paisagem...

Pode ser Que não venhas mais Que não venhas nunca mais...

De que servem as flores que nascem Pelo caminho …

Um amor literário...

Hoje, mais que em outro tempo, qualquer privilégio é um castigo. Hoje, mais que nunca, se sofre a própria grandeza. As plebes de todas as classes cobrem, como uma maré morta, as ruínas do que foi grande e os alicerces desertos do que poderia sê-lo. O circo, mais que em Roma que morria, é hoje a vida de todos; porém alargou os seus muros até os confins da terra. A glória é dos gladiadores e dos mimos. Decide supremo qualquer soldado bárbaro, que a guarda impôs imperador. Nada nasce de grande que não nasça maldito, nem cresce de nobre que se não definhe, crescendo. Se assim é, assim seja.

Manifestava uma dedicação extrema à poesia e às letras . Era um grande conhecedor de aritmética, geometria e pintura; e até se gabava da sua habilidade em tocar cítara e cantar. Nos prazeres, era excessivo; e compôs muitos versos sobre os seus favoritos; escrevia poemas de amor. ... Competente nas armas e grande conhecedor da arte militar... Era de igual modo rigoroso e afável, sisudo e brincalhão, hesitante e impetuoso, fingido e sincero, cruel e clemente, e sempre muito oscilante em tudo.... Expressava-se com desembaraço em prosa e em verso, grande conhecedor de todas as artes, punha sempre a ridículo os professores de todas as disciplinas, como se ele próprio fosse mais entendido, desdenhava deles e humilhava‑os.

Ser sozinho, sem bens, sem prestígio, sem nenhum dos benefícios de uma cultura, expor-me a um meio de homens novos, por entre riscos nunca experimentados...É claro que não passava de um sonho e o mais breve de todos. Esta liberdade que eu inventava só existia à distância...

Há um ponto em que me sinto superior ao comum dos homens: sou ao mesmo tempo mais livre e mais submisso que eles se atrevem a ser. Quase todos desconhecem igualmente a sua justa liberdade e a sua verdadeira servidão.(...)E foi assim, com uma mistura de reserva e audácia, de submissão e revolta cuidadosamente concertadas, de extrema exigência e prudentes concessões, que eu, finalmente, me aceitei a mim próprio.

Aos quarenta e quatro anos sentia-me sem impaciência, seguro de mim, tão perfeito quanto a minha natureza me permitia, eterno...Era deus simplesmente porque era homem. Senti prazer em fazer e refazer este retrato de um homem quase sábio..


Não existindo já deuses e não existindo ainda Cristo, houve de Cícero a Marco Aurélio, um momento único em que só existiu o homem.

Uma grande parte da minha vida ia passar-se a tentar definir, depois a descrever, esse homem sozinho, mas ligado a tudo.
Ulisses sem outra Ítaca além da interior.(...) Estrangeiro em toda a parte, não me sentia especialmente isolado em parte alguma.




What were all those dreams we shared those many years ago, What were all those plans we made, now left beside the road. Behind us in the road...

Animula vagula,blandula, Quae nunc abibis...Nec,ut soles,dabis iocos...Vale...

Nunca no teatro fitei com tamanha atenção o rosto de um ator como olhei aquele semblante, onde, como luz e sombra sobre uma paisagem, ocorria uma incessante alternância de todas as cores e sentimentos. Nunca segui um jogo com tamanha intensidade como no reflexo daquela estranha excitação. Se alguém me observasse nesse instante teria considerado meu olhar fixo como uma hipnose, o meu estado parecia -se com isso – eu simplesmente não conseguia afastar os olhos daquela expressão facial, e tudo o mais que havia no salão, luzes, rostos, pessoas e olhares, apenas me envolvia sem forma como uma fumaça amarela no meio da qual estava aquele rosto, chama entre chamas. Eu não ouvia nada, nada sentia, não percebia gente ao meu lado, outras mãos que se estendiam de repente como antenas…

Não acha então desprezível ou repugnante que uma mulher deixe o seu marido e as suas crianças para ir atrás de um homem qualquer, a respeito do qual ainda não me é de modo algum possível saber se é digno do seu amor?

Um amigo...

Alguém que não é a nossa sombra, nem o nosso reflexo, nem mesmo o nosso complemento, mas ela própria; alguém que nos deixa divinamente livres e, contudo, nos obriga a ser plenamente o que somos. Hospes Comesque.

Esse estado de comunicação contínua chegou a tal exal­tação que, no dia em que nada tínhamos a nos confiar, procurávamos com alguma aflição um assunto. Só que o assunto havia de ser grave, pois em qualquer um não caberia a veemência de uma sinceridade pela primeira vez experimentada.

Queríamos tanto salvar o outro. Amizade é matéria de salvação.
Mas todos os problemas já tinham sido tocados, todas as possibilidades estudadas. Tínhamos apenas essa coisa que havíamos procurado sedentos até então e enfim encontrado: uma amizade sincera. Único modo, sabíamos, e com que amargor sabíamos, de sair da solidão que um espírito tem no corpo.


Sabíamos que não nos veríamos mais, senão por acaso. Mais que isso: que não queríamos nos rever. E sabíamos também que éramos amigos. Amigos sinceros.

Uma canção...



Uma ilusão...

O meu mundo imaginário foi sempre o único mundo verdadeiro para mim. Nunca tive amores tão reais... como os que tive por figuras que eu próprio criei. Que pena! Tenho saudades deles, porque, como os outros, passam...

Põe-me as mãos nos ombros... Beija-me na fronte... Minha vida é escombros, A minha alma insonte. Eu não sei por quê, Meu desde onde venho, Sou o ser que vê, E vê tudo estranho. Põe a tua mão Sobre o meu cabelo... Tudo é ilusão. Sonhar é sabê-lo.

Tudo que existe existe talvez porque outra coisa existe. Nada é, tudo coexiste: talvez assim seja certo… De que serve o que já não serve? Vou-me em busca de um grande talvez. Baixai o pano, que a farsa terminou...

Ficção de pensar...
Faróis distantes...
Incerteza da vida...
Voltou crescendo a luz acesa avançadamente,
No acaso do olhar perdido...
Faróis distantes...
A vida de nada serve...
Pensar na vida de nada serve...
Pensar de pensar na vida de nada serve...
Vamos para longe e a luz que vem grande vem menos grande,
Faróis distantes.





Faremos de conta que Rutinha e o marido eram pessoas vulgares, um pouco loucos, porque a vulgaridade imita a loucura para não ter que se dar por entendida dos seus segredos. Vai para o túmulo dizendo que não tem segredos, dizendo que é simples como a água de uma fonte. Porém, não há nada de simples em se ser humano. E quem aceita isso é, de certo modo, chamado a cumprir com um destino extraordinário, o de causar nos outros os efeitos nefastos da verdade.
- Eu acho fantástica e está tudo dito. É por estar sempre num espaço pequeno e não precisar de dar um passo para fora dele. Em volta há murmúrios e ruídos de coisas que não se sabe o que são.
- O que são?
- Já disse, não se sabe o que são. Uma bola salta e nós dizemos: é uma bola. A água pinga no chão e nós sabemos que é um pingo de água. Ou o papel que se amarrota, ou o leite que ferve e chia numa placa quente. Mas em volta dela há outra espécie de ruído...


– Sabe o que não quer pôr em causa? É a quinta liberdade.
– O que é isso, valha-me Deus? Parece-me que vai dizer uma barbaridade.
– A quinta liberdade é a de fazer o mal. Destruir, esmagar, tornar estéril, molhar o pão no sangue e comê-lo. E você, querida, muitas vezes querida, ama a quinta liberdade mais do que as outras quatro.
– Que são?
– As que estão incluídas no sistema dominante. A paz, sobretudo. A pomba da paz de asas abertas e com um ramo de oliveira no bico.


De suave e aérea a hora era uma ara onde orar. Por certo que no horóscopo do nosso encontro benéficos conjuntos culminavam. Tal, tão sedosa e tão subtil, a matéria incerta de sonho visto que se intrometia na nossa consciência de sentir. Cessara por completo, como um verão qualquer, a nossa noção ácida de que não vale a pena viver. Renascia aquela primavera que, embora por erro, podíamos pensar que houvéssemos tido. No desprestígio das nossas semelhanças os tanques lamentavam-se da mesma maneira, entre árvores, e as rosas nos canteiros descobertos, e a melodia indefinida de viver — tudo irresponsavelmente.
Não vale a pena pressentir nem conhecer. Todo o futuro é uma névoa que nos cerca e amanhã sabe a hoje quando se entrevê. Meus destinos os palhaços que a caravana abandonou, e isto sem melhor luar que o luar nas estradas, nem outros estremecimentos nas folhas que a brisa, e a incerteza da hora e o nosso julgar ali estremecimentos. Púrpuras distantes, sombras fugidias, o sonho sempre incompleto e não crendo que a morte o complete, raios de sol mortiço, a lâmpada da casa na encosta, a noite angustiosa, o perfume a morte entre livros só, com a vida lá fora, árvores cheirando a verdes na imensa noite mais estrelada do outro lado do monte. Assim, as tuas agruras tiveram o seu consórcio benigno; as tuas poucas palavras sagraram de régio o embarque, não voltaram nunca naus nenhumas, nem as verdadeiras, e o fumo de viver despiu os contornos de tudo deixando só as sombras, e os engastes, mágoas das águas nos lagos aziagos entre buxos por portões (a vista de longe) Watteau, a angústia, e nunca mais. Milénios, só os de vires, mas a estrada não tem curva, e por isso nunca poderás chegar. Taças só para as cicutas inevitáveis — não as tuas, mas a vida de todos, e mesmo os lampiões, os recessos, as asas vagas, ouvidas só, e com o pensamento, na noite inquieta, sufocada, que minuto a minuto se ergue de si e avança pela sua angústia fora. Amarelo, verde-negro, azul-amor — tudo morto, minha alma, tudo morto, e todos os navios aquele navio sem partir! Reza por mim, e Deus talvez exista por ser por mim que rezas. Baixinho, a fonte longe, a vida incerta, o fumo acabando no casal onde anoitece, a memória turva, o rio afastado... Dá-me que eu durma, dá-me que eu me esqueça, senhora dos Desígnios Incertos, Mãe das Carícias e das Bênçãos inconciliáveis com existirem...


Heia p’ra onde, se não há onde nem como?
Heia p’ra onde, se estou sempre onde estou e nunca adiante
Nunca adiante, nem sequer atrás,
Mas sempre fatalissimamente no lugar do meu corpo,
Humanissimamente no ponto-pensar da minha alma,
Sempre o mesmo átomo indivisível da personalidade divina?
Heia p’ra onde ó tristeza de não realizar o que quero?
Heia p’ra onde, para quê, o quê, sem o quê?
Heia, heia, heia, mas ó minha incerteza, p’ra onde?
Não escrever versos, versos, versos a respeito do ferro,
Mas ver, ter, ser o ferro e ser isso os meus versos,
Versos — ferro — versos, círculo material-psíquico-eu
(quando parte o último comboio?)


Certezas...

Tu és do sexo das formas sonhadas, do sexo nulo das figuras (...) Mero perfil às vezes, mera atitude outras vezes, outras gesto lento apenas — és momentos, atitudes, espiritualizadas em minha(s). Nenhum fascínio do sexo se subentende no meu sonhar-te... O teu corpo é todo ele carne-alma, mas não é alma é corpo. A matéria da tua carne não é espiritual mas é espiritualidade ... O seu idealismo é uma veste que tapa, não é um sonho que crie.(...) Quem sabe mesmo se não existias já e não te criei nem te vi apenas, com outra visão, interior e pura, num outro e perfeito mundo? Quem sabe se o meu sonhar-te não foi o encontrar-te simplesmente, se o meu amar-te não foi o pensar-em-ti, se o meu desprezo pela carne e o meu nojo pelo amor não foram a obscura ânsia com que, ignorando-te, te esperava, e a vaga aspiração com que, desconhecendo-te, te queria? (...)Não sei mesmo já [se] não te amei já, num vago onde cuja saudade este meu tédio perene talvez seja. Talvez sejas uma saudade minha, corpo de ausência, presença de Distância... Que o teu silêncio me embale, que a tua (...) me adormeça, que o teu mero ser me acaricie e me amacie e me conforte...


Nothing really matters, nothing really matters when the one you love is gone You're still in me...I need you In my heart, I need you... Se tivesse a certeza...

Porque foste na vida A última esperança Encontrar-te me fez criança Porque já eras meu Sem eu saber(...) Porque tu me chegaste Sem me dizer que vinhas E tuas mãos foram minhas com calma Porque foste em minh'alma Como um amanhecer Porque foste o que tinha de ser...


Certezas perfeitas ...

Chamo teatro estático àquele cujo enredo dramático não constitui acção – isto é, onde as figuras não só não agem, porque nem se deslocam nem dialogam sobre deslocarem-se, mas nem sequer têm sentidos capazes de produzir uma acção; onde não há conflito nem perfeito enredo. Dir-se-á que isto não é teatro. Creio que o é porque creio que o teatro tende a teatro meramente lírico e que o enredo do teatro é, não a acção nem a progressão e consequência da acção – mas, mais abrangentemente, a revelação das almas através das palavras trocadas e a criação de situações (…) Pode haver revelação de almas sem acção, e pode haver criação de situações de inércia, momentos de alma sem janelas ou portas para a realidade.

PRIMEIRA — Ainda não deu hora nenhuma.
SEGUNDA — Não se pode ouvir. Não há relógio aqui perto. Dentro em pouco deve ser dia.
TERCEIRA — Não: o horizonte é negro.
PRIMEIRA — Não desejais, minha irmã, que nos entretenhamos contando o que fomos? É belo e é sempre falso. ..
SEGUNDA — Não, não falemos nisso. De resto, fomos nós alguma cousa?
PRIMEIRA — Talvez. Eu não sei. Mas, ainda assim, sempre é belo falar do passado... As horas têm caído e nós temos guardado silêncio. Por mim, tenho estado a olhar para a chama daquela vela. Às vezes treme, outras torna-se mais amarela, outras vezes empalidece. Eu não sei por que é que isso se dá. Mas sabemos nós, minhas irmãs, por que se dá qualquer cousa?...


Senti-me feliz por não poder sentir-me infeliz. Desci a rua descansadamente, cheio de certeza, porque, enfim, o escritório conhecido, a gente conhecida nele, eram certezas. Não admira que me sentisse livre, sem saber de quê.

Contento-me, afinal, com muito pouco: o ter cessado a chuva, o haver um sol bom neste Sul feliz, bananas mais amarelas por terem nódoas negras, a gente que as vende porque fala, os passeios da Rua da Prata, o Tejo ao fundo, azul-esverdeado a ouro, todo este recanto doméstico do sistema do Universo.

Vejo que delirei. Nem delirando fui feliz; mas fui-o Apenas para obter esse cansaço Que não obtive outrora: desejar A morte enfim. Eis a felicidade Suprema: recear nem duvidar, Mas estar de prazer e dor tão lasso A nada já sentir, longe de mim Como era antigamente: e também longe Dos homens do (...) natural Estranho! com saudade só me lembro Do meu grão tempo de infelicidade, Saudade não, e um orgulho (que é só O que dela me resta hoje) e não quero Àquele tempo regressar. Já nada quero! Caí e a queda assim me transformou!

Toda a vida da alma humana é um movimento na penumbra. Vivemos, num lusco-fusco de consciência, nunca certos com o que somos ou com o que nos supomos ser. Nos melhores de nós vive a vaidade de qualquer coisa, e há um erro cujo ângulo não sabemos. Somos qualquer coisa que se passa no intervalo de um espectáculo; por vezes, por certas portas, entrevemos o que talvez não seja senão cenário. Todo o mundo é confuso, como vozes na noite. Estas páginas, em que registo com uma clareza que dura para elas, agora mesmo as reli e me interrogo. Que é isto, e para que é isto? Quem sou quando sinto? Que coisa morro quando sou?(...) Sinto-me constantemente numa véspera de despertar, sofro-me o invólucro de mim mesmo, num abafamento de conclusões. De bom grado gritaria se a minha voz chegasse a qualquer parte. Mas há um grande sono comigo, e desloca-se de umas sensações para outras como uma sucessão de nuvens, das que deixam de diversas cores de sol e verde a relva meio ensombrada dos campos prolongados.Sou como alguém que procura ao acaso, não sabendo onde foi oculto o objecto que lhe não disseram o que é. Jogamos às escondidas com ninguém. Há, algures, um subterfúgio transcendente, unia divindade fluida e ouvida.(...) Cada um tem a sua vaidade, e a vaidade de cada um é o seu esquecimento de que há outros com alma igual. A minha vaidade são algumas páginas, uns trechos, certas dúvidas...
Releio? Menti! Não ouso reler. Não posso reler. De que me serve reler? O que está ali é outro. Já não compreendo nada...


Viva duas vidas separadas, sem que de qualquer d’elas se transborde para a outra — uma, a própria, fechada o mais possível; outra, a social, ampla e sem receio. Mas que a primeira não tente invadir a segunda! Quem é dois tem que ser dois.

Certezas imperfeitas...

Tenho a certeza, mas a certeza é mentira. Ter certeza é não estar vendo. Depois de amanhã não há. O que há é isto: Um céu de azul, um pouco baço, umas nuvens brancas no horizonte, Com um retoque de sujo embaixo como se viesse negro depois. Isto é o que hoje é,
E, como hoje por enquanto é tudo, isto é tudo. Quem sabe se eu estarei morto depois de amanhã? Se eu estiver morto depois de amanhã, a trovoada de depois de amanhã Será outra trovoada do que seria se eu não tivesse morrido. Bem sei que a trovoada não cai da minha vista, Mas se eu não estiver no mundo. O mundo será diferente — Haverá eu a menos — E a trovoada cairá num mundo diferente e não será a mesma trovoada.


O seu destrambelhamento sexual dava-lhe não só uma acuidade estranha para analisar até chegar às bases sexuais dos actos, aparentemente deles remotas, dos indivíduos - o que era horrorosamente desidealizante -, mas dava-lhe também a tendência para orientar sempre para um ponto sexual a sua análise dos indivíduos. A sua sexualidade enchia todo o cérebro - cobria tudo com a sua intenção. Misturava-se estranhamente com a sua ânsia de verdade e de certeza e, n'este ponto, poucas eram as dúvidas que ele tinha sobre se esses elementos sexuais, que ele tendia a achar basilares em quase todas as acções, o seriam ou não.
Como se conhecia com ideais, com altos e puros e nobres ideais, e como ao mesmo tempo se conhecia torpe e porco e cheio de corrupções e horrores da carne, - tendo perdido o pudor de se idealizar, perdera o de idealizar os outros e lia ocultos desejos, monstruosas ânsias de perversão nas coisas que de aparência ele mais desejaria crer de almas inocentes e puras. As suas observações tomavam um ar de certeza. Olhava para uma mulher de aspecto honrado, absolutamente - visivelmente - honrada e exclamava dentro de si - e pensar que é tão sujo o que vai n'aquela alma! - como se o soubesse realmente e se espantasse, depois de o saber de ciência segura, que a aparência pura traísse tanto o ignóbil fundo


Mero perfil às vezes, mera atitude outras vezes, outras gesto lento apenas — és momentos, atitudes, espiritualizadas em minha(s). Nenhum fascínio do sexo se subentende no meu sonhar-te, sob a tua veste vaga de madona dos silêncios interiores. Os teus seios não são dos que se pudesse pensar em beijar-se. O teu corpo é todo ele carne-alma, mas não é alma é corpo. A matéria da tua carne não é espiritual mas é espiritualidade (És a mulher anterior à Queda) […] O meu horror às mulheres reais que têm sexo é a estrada por onde eu fui ao teu encontro. As da terra, que para serem (...) têm de suportar o peso movediço de um homem — quem as pode amar, que não se lhe desfolhe o amor na antevisão do prazer que serve o sexo […]? Quem pode respeitar a Esposa sem ter de pensar que ela é uma mulher noutra posição de cópula... Quem não se enoja de ter mãe por ter sido tão vulvar na sua origem, tão nojentamente parido? Que nojo de nós não punge a ideia da origem carnal da nossa alma — daquele inquieto (...) corpóreo de onde a nossa carne nasce e, por bela que seja, se desfeia de origem e se nos enoja de nata.

Levas a mão ao cabelo
Num gesto de quem não crê.
Mas eu não te disse nada.
Duvidas de mim? Porquê?


Se a nossa vida fosse um eterno estar-à-janela, se assim ficássemos, como um fumo parado, sempre, tendo sempre o mesmo momento de crepúsculo dolorindo a curva dos montes. Se assim ficássemos para além de sempre! Se ao menos, aquém da impossibilidade, assim pudéssemos quedar-nos, sem que cometêssemos uma acção, sem que os nossos lábios pálidos pecassem mais palavras!Olha como vai escurecendo!... O sossego positivo de tudo enche-me de raiva, de qualquer coisa que é o travo no sabor da aspiração. Dói-me a alma... Um traço lento de fumo ergue-se e dispersa-se lá longe... Um tédio inquieto faz-me pensar mais em ti... Tão supérfluo tudo! Nós e o mundo e o mistério de ambos.

Só o ter flores pela vista fora Nas áleas largas dos jardins exactos Basta para podermos Achar a vida leve. De todo o esforço seguremos quedas As mãos. brincando, pra que nos não tome Do pulso, e nos arraste. E vivamos assim. Buscando o mínimo de dor ou gozo, Bebendo a goles os instantes frescos, Translúcidos como água Em taças detalhadas, Da vida pálida levando apenas As rosas breves, os sorrisos vagos, E as rápidas caricias Dos instantes volúveis. Pouco tão pouco pesarei nos braços Com que, exilados das supernas luzes, Escolhermos do que fomos O melhor pra lembrar Quando, acabados pelas Parcas, formos, Vultos solenes de repente antigos, E cada vez mais sombras, Ao encontro fatal Do barco escuro no soturno rio, E os nove abraços do horror estígio, E o regaço insaciável Da pátria de Plutão.

Por isso eu tomo ópio. É um remédio
Sou um convalescente do Momento.
Moro no rés-do-chão do pensamento
E ver passar a Vida faz-me tédio.

Fumo. Canso. Ah uma terra aonde, enfim,
Muito a leste não fosse o oeste já!
Pra que fui visitar a Índia que há
Se não há Índia senão a alma em mim
?

Torturava-me ainda outra circunstância:o facto de ,precisamente, ninguém se parecer comigo, e de eu não ser parecido com ninguém:" Eu sou único, e eles são todos", pensava...e ficava pensativo.

Aliás, a amizade só me aconteceu uma única vez. A não ser isso, estive sempre sozinho. O que eu fazia,sobretudo em casa, era ler.Queria que as impressões exteriores viessem abafar o que fervia sem parar no fundo de mim. E as únicas impressões exteriores, para mim vinham da leitura.A leitura, escusado será dizê-lo,ajudava-me muito - apaixonava-me, preenchia-me, torturava-me.
As minhas pequena paixões eram agudas,inflamadas, por causa de eu ser sempre doentiamente irritadiço. Havia uns repentes histéricos, com lágrimas e convulsões. Fora da leitura,não havia saída para mim - ou seja,não tinha nada à minha volta que pudesse admirar e que pudesse arrastar-me. E depois, aquela angústia que se acumulava...

Agora teria dificuldade em dizer que coisa eram os meus sonhos,e de que modo eu me podia satisfazer com eles,mas,na altura,eles satisfaziam-me.Aliás,mesmo hoje eles me satisfaziam,ora mais, ora menos... Vivia instantes de uma plenitude tão jubilosa,de uma felicidade tão profunda que nem sequer sentia,juro-vos, o mínimo sarcasmo...

O que vale mais: uma felicidade barata ou um sofrimento sublime?O que vale mais: uma felicidade barata ou um sofrimento sublime?

As Musas cantam a aparição do mundo, a génese dos deuses, o nascimento da humanidade. Este passado revelado é muito mais que o precursor do presente: é a fonte. A memória mítica não procura situar os acontecimentos num quadro temporal.., quer descobrir a realidade primordial da qual saiu o cosmos, para compreender a evolução da humanidade...

A amizade era para ela uma eleição em que se empenhava por completo: entregava-se-lhe absolutamente e como eu só o fiz no amor. Conheceu-me melhor do que ninguém; deixei-lhe ver o que dissimulava cuidadosamente a qualquer outra pessoa: por exemplo secretas cobardias. Agrada-me pensar que, pelo seu lado, ela me confiou quase tudo. A intimidade dos corpos, que nunca existiu entre nós, foi compensada pelo contacto de dois espíritos estreitamente identificados um com o outro.

Como toda a gente, só disponho de três meios para avaliar a existência humana: o estudo de nós próprios, o mais difícil e perigoso, mas também o mais fecundo dos métodos; a observação dos homens, que na maior parte dos casos fazem tudo para nos esconder os seus segredos ou para nos convencer de que os têm; os livros, com os erros particulares de perspectiva que nascem entre as suas linhas.


No caso de Marguerite Yourcenar, não dar relevo à sua biografia é quase uma necessidade. Desde uma primeira leitura da obra, torna-se evidente a ausência da autora. Não encontramos nela a Marguerite Crctyencour que, nascida em 1903 na Bélgica, só falará desta região sob o aspecto dos Flandres do século XVI. Desde 1939, vive nos Estados Unidos, mas nenhum romance tem como pano de fundo esse pais. A França, onde passou parte da sua infância, está ausente de seus livros. A sua experiência no mundo da literatura, como escritora, passa desapercebida, assim como a sua vida sentimental e outras vivências, por exemplo, o período em que foi professora de Francês numa Universidade americana. E, sobretudo, nenhuma pista quanto ao facto de ser mulher, transparece de seus livros. Autora tão secreta, que nem o nome da família conservou, preferindo-lhe um anagrama... Como afirma Jean d' Ormesson na saudação feita por ocasião da posse de Marguerite Yourcenar na Academia Francesa, em 22 de janeiro de 1981, "...Marguerite Yourcenar continua sendo um mistério extremamente célebre, quase uma obscuridade luminosa. Sabe-se que a obra é bela, que o autor é excepcional. É tudo. Marguerite Yourcenar é um mito e um desafio que, durante os últimos anos deu muito trabalho a quem queria conhecê-la mais de perto em vista de sua eleição para a Academia"


Certezas desfeitas

Estou hoje vencido, como se soubesse a verdade.
Estou hoje lúcido, como se estivesse para morrer,
E não tivesse mais irmandade com as coisas
Senão uma despedida...


Há um grande cansaço na alma do meu coração. Entristece-me quem eu nunca fui, e não sei que espécie de saudades é a lembrança que tenho dele. Caí entre as esperanças e as certezas, com os poentes todos.

Estou sentado num degrau alto e tenho as mãos apertadas
Sobre o mais alto dos joelhos cruzados.
Bem: verdade, mentira, certeza, incerteza o que são?
O cego pára na estrada,
Desliguei as mãos de cima do joelho.
Verdade, mentira, certeza, incerteza são as mesmas?
Qualquer coisa mudou numa parte da realidade — os meus joelhos e as minhas mãos.
Qual é a ciência que tem conhecimento para isto?
O cego continua o seu caminho e eu não faço mais gestos.
Já não é a mesma hora, nem a mesma gente, nem nada igual.


É nobre ser tímido, ilustre não saber agir, grande não ter jeito para viver. Só o Tédio, que é um afastamento, e a Arte, que é um desdém, douram de uma semelhança de contentamento a nossa (...) Sou ruínas de edifícios que nunca foram mais do que essas ruínas, que alguém se furtou, em meio de construí-las, de pensar em quem construiu. Não nos esqueçamos de odiar os que gozam porque gozam, de desprezar os que são alegres, porque não soubemos ser, nós, alegres como eles... Esse sonho falso, esse ódio fraco não é senão o pedestal tosco e sujo da terra em que se finca e sobre o qual, altiva e única, a estátua do nosso Tédio se ergue, escuro vulto cuja face um sorriso impenetrável, nimba vagamente de segredo. Benditos os que não confiam a vida a ninguém.

Viver uma vida desapaixonada e culta, ao relento das ideias, lendo, sonhando, e pensando em escrever, uma vida suficientemente lenta para estar sempre à beira do tédio, bastante meditada para se nunca encontrar nele. Viver essa vida longe das emoções e dos pensamentos, só no pensamento das emoções e na emoção dos pensamentos. Estagnar ao sol, douradamente, como um lago obscuro rodeado de flores. Ter, na sombra, aquela fidalguia da individualidade que consiste em não insistir para nada com a vida. Ser no volteio dos mundos como uma poeira de flores, que um vento incógnito ergue pelo ar da tarde, e o torpor do anoitecer deixa baixar no lugar de acaso, indistinta entre coisas maiores. Ser isto com um conhecimento seguro, nem alegre nem triste, reconhecido ao sol do seu brilho e às estrelas do seu afastamento. Não ser mais, não ter mais, não querer mais... A música do faminto, a canção do cego, a relíquia do viandante incógnito, as passadas no deserto do camelo vazio sem destino...

Quantas coisas, que temos por certas ou justas, não são mais que os vestígios dos nossos sonhos, o sonambulismo da nossa incompreensão! Quanto mais medito na capacidade que temos de nos enganar, mais se me esvai entre os dedos lassos a areia fina das certezas desfeitas. E todo o mundo me surge, em momentos em que a meditação se me torna um sofrimento, e com isso a mente se me obnubila, como uma névoa feita de sombra, um crepúsculo dos ângulos e das arestas, uma ficção do interlúdio, uma demora da antemanhã. Tudo se me transforma em um absoluto morto de ele mesmo, numa estagnação de pormenores. E os mesmos sentidos, com que transfiro a meditação para esquecê-la, são uma espécie de sono, qualquer coisa de remoto e de sequaz, interstício, diferença, acaso das sombras e da confusão(...) coada pelas ternuras da noite em grandes afastamentos...

Uma certeza desfeita. Mais uma. Só isso.


Il pleure dans mon coeur Comme il pleut sur la ville ; Quelle est cette langueur Qui pénètre mon coeur ?

Cai chuva do céu cinzento Que não tem razão de ser.Até o meu pensamento tem chuva nele a escorrer.Tenho uma grande tristeza Acrescentada à que sinto. Quero dizer-ma mas pesa O quanto comigo minto. Porque verdadeiramente Não sei se estou triste ou não, E a chuva cai levemente (porque Verlaine consente) Dentro do meu coração.

Mas ao menos consagro a mim mesmo um desprezo sem lágrimas, Nobre ao menos no gesto largo com que atiro A roupa suja que sou, sem rol, para o decurso das coisas, E fico em casa sem camisa.



Desde manhã eu estava um pouco triste. Antecipação? Tristeza? Coisa nenhuma? Não sei: já ao acordar estava triste. O dia deu em chuvoso. Bem sei: a penumbra da chuva é elegante. Bem sei: o sol oprime, por ser tão ordinário, um elegante. Bem sei: ser susceptível às mudanças de luz não é elegante. Mas quem disse ao sol ou aos outros que eu quero ser elegante? Dêem-me o céu azul e o sol visível.
O resto da minha alma anda disperso
Pelos gritos e a luz desta oca orgia
Em estilhaços de consciência


Só quem nunca pensou chegou alguma vez a uma conclusão. Pensar é hesitar. Os homens de acção nunca pensam.

Já terei tentado tudo,já terei vasculhado tudo, ouvindo com paciência, sem fazer barulho? Estou a falar a sério,como de costume, gostaria de saber se fiz tudo, antes de me dar por ausente e desistir... Tenho o dia todo, para me iludir, para me recompor,para me acalmar, para desistir, não tenho nada a temer, o meu bilhete é válido para toda a vida.... É por isso que não deve haver pressa de concluir, o risco de errar é grande demais..E procurar-me noutro sítio qualquer,num sítio onde a vida persiste,e eu aqui, donde toda a vida fugiu,excepto a minha,se é que vivo,não, seria perder tempo.

Só as palavras rompem o silêncio,tudo o resto se calou.Se eu me calasse,não deixaria de ouvir fosse o que fosse.Se eu me calasse, voltariam os outros ruídos,os ruídos que as palavras não me deixam ouvir,ou que deixaram realmente de se ouvir...Também choro, sem parar. É uma torrente ininterrupta de palavras e de lágrimas.Tudo sem reflectir.

Desistir,mas eu já desisti de tudo,não é coisa recente,eu não sou recente.Portanto, houve alguma vez alguma coisa.Vamos acreditar que sim, mas saber que não,nunca houve nada, a não ser a desistência.

Dormi,ele dormiu, mas não terá dormido,ou ainda está a dormir,não terá feito nada,nada a não ser continuar,a fazer o quê,a fazer o que faz,sem parar, ou seja,não sei, a desistir,terei continuado,a desistir,sem ter tido nada, sem estar aqui.

Quando penso, não, assim não, quando aparecem os que me conheceram, e mesmo os que ainda me conhecem, de vista bem entendido, ou pelo cheiro, quando penso nele á como, como se, o quê, não sei, já não sei, não devia ter começado.

Será mesmo ele, será possível,antes de retomar com ele um caminho que não é meu e me afasta a cada passo desse outro que também não o pode ser, ou de ficar sozinho no mesmo sítio,entre dois sonhos que se vão afastando,sem conhecer ninguém, sem ninguém me conhecer, ora aqui está afinal o que eu tinha para dizer, tudo o que defa ter de dizer esta noite.

Diz que foi a única voz na minha vida, se é que falando de mim se pode falar de vida, e ela pode , ainda pode, se não de vida, e aí ela cala-se, se ao menos isto, se ao menos aquilo... Não há ninguém só uma voz sem boca....
E haveria um dia,aqui, onde não há dias, que não é um lugar, depois de o infactível ser sair da impossível voz, e um começo de dia, e tudo seria silencioso e negro, como agora, como daqui a pouco, quando tudo tiver acabado, quando tudo tiver sido dito, diz ela, murmura ela.


No time To plan our fears These things they always Come from nowhere...

"Toda a verdade é simples"- Não será esta uma dupla mentira?

Eu tenciono averiguar de que idiossincrasia procede aquela equação socrática de razão=virtude=felicidade: a equação mais extravagante que existe, e que tem contra si,em especial, todos os instintos do heleno antigo.

Todas as paixões têm uma época em que são meramente nefastas,durante a qual,com o peso da estupidez,arrastam as suas vítimas para uma depressão - e uma época mais tardia muito posterior,na qual desposam o espírito,na qual se "espiritualizam"...A espiritualização sa sensualidade chama-se amor: ela é o grande triunfo sobre o cristianismo.

O indivíduo é, de cima a baixo,um fragmento do fatum, mais uma lei, mais uma necessidade para tudo o que vem e será.

Hoje não temos já a menor complacência para o conceito de "livre artbítrio": sabemos demasiado bem o que é - a mais desacreditada artimanha dos teólogos que existe, destinada a fazer "responsável" a humanidade no sentidos dos teólogos, quer dizer, a torná-la dependente deles...



Tomara poder desempenhar-me, sem hesitações nem ansiedades, d'este mandato subjectivo cuja execução por demorada ou imperfeita me tortura e dormir descansadamente, fosse onde fosse, plátano ou cedro que me cobrisse, levando n'alma como uma parcela do mundo, entre uma saudade e uma aspiração, a consciência de um dever cumprido. (...) Não falemos mais. As coisas que se amam, os sentimentos que se afagam guardam-se com a chave d'aquilo a que chamamos «pudor» no cofre do coração. A eloquência profana-os. A arte, revelando-os, torna-os pequenos e vis. O próprio olhar não os deve revelar. Sabeis decerto que o maior amor não é aquele que a palavra suave puramente exprime. Nem é aquele que o olhar diz, nem aquele que a mão comunica tocando levemente n'outra mão. E aquele que quando dois seres estão juntos, não se olhando nem tocando os envolve como uma nuvem, que lhes (...) Esse amor não se deve dizer nem revelar. Não se pode falar dele.

Onde está a verdade? O amor existe? Onde está? Em que pensa? O que quer? O que não quer? Partir? Ficar? O que significa? Significa? Alguma vez significou? Partir, para onde? Para quê? Oscila de lá para cá, de cá para lá ...Tomara poder desempenhar-me, sem hesitações nem ansiedades, d'este mandato subjectivo cuja execução por demorada ou imperfeita me tortura...

A minha alma partiu-se como um vaso vazio.
Caiu pela escada excessivamente abaixo.
Caiu das mãos da criada descuidada.
Caiu, fez-se em mais pedaços do que havia loiça no vaso...


A criança sabe que a boneca não é real, e trata-a como real até chorá-la e se desgostar quando se parte. A arte da criança é a de irrealizar. Bendita essa idade errada da vida, quando se nega a vida por não haver sexo, quando se nega a realidade por brincar, tomando por reais a coisas que o não são!
Que eu seja volvido criança e o fique sempre, sem que me importem os valores que os homens dão às coisas nem as relações que os homens estabelecem entre elas. Eu, quando era pequeno, punha muitas vezes os soldados de chumbo de pernas para o ar... E há argumento algum, com jeitos lógicos para convencer, que me prove que os soldados reais não devem andar de cabeça para baixo? A criança não dá mais valor ao ouro do que ao vidro. E na verdade, o ouro vale mais? — A criança acha obscuramente absurdos as paixões, as raivas, os receios que vê esculpidos em gestos adultos. E não são na verdade absurdos e vãos todos os nossos receios, e todos os nossos ódios, e todos os nossos amores? Ó divina e absurda intuição infantil! Visão verdade das coisas, que nós vestimos de convenções no mais nu vê-las, que nos embrumamos de ideias nossas no mais directo olhá-las!


Cada vez que o meu propósito se ergueu, por influência de meus sonhos, acima do nível quotidiano da minha vida, e um momento me senti alto, como a criança num balouço, cada vez dessas tive que descer como ela ao jardim municipal, e conhecer a minha derrota sem bandeiras levadas para a guerra nem espada que houvesse força para desembainhar.(...) Enchem os interstícios da acção quotidiana como o pó os interstícios dos móveis quando não são limpos com cuidado.

Ninguém avança pela vida em linha recta. Muitas vezes, não paramos nas estações indicadas no horário. Por vezes, saímos dos trilhos. Por vezes, perdemo-nos, ou levantamos voo e desaparecemos como pó. As viagens mais incríveis fazem-se às vezes sem se sair do mesmo lugar. No espaço de alguns minutos, certos indivíduos vivem aquilo que um mortal comum levaria toda a sua vida a viver. Alguns gastam um sem número de vidas no decurso da sua estadia cá em baixo. Alguns crescem como cogumelos, enquanto outros ficam inelutávelmente para trás, atolados no caminho. Aquilo que, momento a momento, se passa na vida de um homem é para sempre insondável.


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E, ó vento vago Das solidões, Minha alma é um lago De indecisões. Ergue-a em ondas De iras ou de ais, Vento que rondas Os pinheirais!

Should I speak? Should I bother shaking hands? Am I weak If I leave it as it stands? I've submerged
And I've surfaced with the blame I guess I'm no good I guess I'm insane...Should I confess The actions of a hand In my mind I'll betray you once again Why should I climb? What is there to gain? This is no good This is insane...




Partir do gesto para chegar ao ser. A um ser só sendo sem palavras pelo meio, sem demasiadas palavras. Verbos de consequência,adjectivos físicos, substantivos definidos.(...)Hoje vou ver por dentro, vou esquecer o que sei e penso e vou só sentir.

Da última vez estavas igual, tinhas já essa cor de ir e vir dentro de ti. Lembro-me, tu sabes que me lembro. Agora eu sou maior e tu continuas como sempre. Ganho eu. Tens vantagens claras, claro que tens, nós estamos de passagem, agarrados ao que ficou e incertos no que será, tu não. Se eu fechar a escotilha ficas todo lá fora, sozinho contigo, sem deuses que te aturem, és demasiado grande para chegares a mim, não tens dedos que me agarrem nem olhos de ver ao perto. As tuas ondas poderiam ser rugas se eu quisesse, sabes que o posso fazer? És um bruto desajeitado que esmaga os brinquedos e faz birras a fingir ódio(...) Gosto de te ter por perto, assim como estás agora, ao alcance de te querer. Se eu quisesse juntava-me a ti e seria mar também. Mas não quero, ainda não. Tenho os meus deuses para inventar e acredito ainda em cores que não são tuas. Um dia, um dia é o tempo de tudo o que haveríamos de ter sido, e eu ainda tenho dias para mundos maiores do que tu. Se eu quisesse, tu eras um segundo pequeno de uma vida por fazer, sabes que o posso querer? Agora durmo, agora és noite e tens a cor de tudo o resto (o mar não dorme, pois não?). Não sonhas, mas és sonhado e não há nada que possas fazer. O tempo das ondas parece-nos curto porque as vidas pequenas que vivemos nos deixam ainda ver tantas. Para o vento as ondas são montanhas azuis. Homens que viajam são o vento de quem espera e de quem fica. Tempo que vai e volta e se esquece no passar. Os homens eternos chamam deuses aos ventos e riem sozinhos ao acordar...

A noite invadia lentamente a minha inatenção. Despertei de repente para a ver entrada. Flutuavam ainda, nas indecisões da Natureza, ruídos incertos como se as coisas compusessem o manto para adormecer. Tive um outro intervalo comigo próprio. Tornei a meditar sem saber em quê. Quando de novo despertei o silêncio era absoluto — logo invisível de todos os meus sonhos idos e das minhas esperanças mortas, e a minha consciência da vida afundava-se lentamente nele, assumindo, à medida que se afundava, noções novas de possibilidades de compreender a vida sob outros aspectos, vagos terrores e interiores.(...) Tive de repente uma sensação ampla e absurda — a de que eu era um mar, ou o traço de um mar, que a vaga proa de não sei que navio vinha erguidamente abrindo. Pareceu-me que me dividia e que através do meu dividir, me passavam sensações de outras coisas e que essas sensações por me dividirem no passar, não eram sentidas por mim.Acabou tudo como uma rua quando viramos a esquina. Tive uma dificuldade física em me crer existente.

The seed of all this indecision isn't me, oh no Cause I decided long ago But that's the way it seems to go When trying so hard to get to something real, it feels

Fluctuations are aching My soul,expectation is Taking its toll..

É entre a sensação e a consciência dela que se passam todas as grandes tragédias da minha vida. Nessa região indeterminada, sombria de florestas e sons de água toda, neutral até ao ruído das nossas guerras, decorre aquele meu ser cuja visão em vão procuro...Jazo a minha vida. (As minhas sensações são um epitáfio, por de mais extenso, sobre a minha vida morta.) Aconteço-me a morte e ocaso. O mais que posso esculpir é sepulcro meu a beleza interior. Os portões do meu afastamento abrangem para parques de infinito, mas ninguém passa por eles, nem no meu sonho — mas abertos sempre para o inútil e de ferro eternamente para o falso...

Será o que tiver de ser...

Verdade, mentira, certeza, incerteza… Aquele cego ali na estrada também conhece estas palavras. Estou sentado num degrau alto e tenho as mãos apertadas Sobre o mais alto dos joelhos cruzados. Bem: verdade, mentira, certeza, incerteza o que são? O cego pára na estrada, Desliguei as mãos de cima do joelho. Verdade, mentira, certeza, incerteza são as mesmas? Qualquer coisa mudou numa parte da realidade — os meus joelhos e as minhas mãos. Qual é a ciência que tem conhecimento para isto? O cego continua o seu caminho e eu não faço mais gestos. Já não é a mesma hora, nem a mesma gente, nem nada igual. Ser real é isto.

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