Não é neccessário vivermos ao lado de alguém para nos sentirmos ligados a esse alguém mais do que a qualquer outra pessoa...

sábado, 15 de outubro de 2016

Instantes, momentos e impermanências...

Não existe fugacidade, sem ricardo reis...



Buscando o mínimo de dor ou gozo,
Bebendo a goles os instantes frescos,
Translúcidos como água
Em taças detalhadas,
Da vida pálida levando apenas
As rosas breves, os sorrisos vagos,
E as rápidas caricias
Dos instantes volúveis.




... recolhamos
A mercê passageira
De instantes que não duram
.

É tão suave a fuga deste dia, Lídia, que não parece, que vivemos. (...) Convivas lúcidos da sua calma, Herdeiros um momento do seu jeito De viver toda a vida Dentro dum só momento, Dum só momento, Lídia, em que afastados Das terrenas angústias recebemos Olímpicas delícias Dentro das nossas almas. E um só momento nos sentimos deuses Imortais pela calma que vestimos E a altiva indiferença Às coisas passageiras...

Vive o instante que passa. Vive-o intensamente até à última gota de sangue. É um instante banal, nada há nele que o distinga de mil outros instantes vividos. E no entanto ele é o único por ser irrepetível e isso o distingue de qualquer outro. Porque nunca mais ele será o mesmo nem tu que o estás vivendo.

Fixo instantes súbitos que trazem em si a própria morte e outros nascem – fixo os instantes de metamorfose e é de terrível beleza a sua sequência e concomitância.

Atrás não torna, nem, como Orfeu, volve
Sua face, Saturno.
Sua severa fronte reconhece
Só o lugar do futuro.
Não temos mais decerto que o instante
Em que o pensamos certo.
Não o pensemos, pois, mas o façamos
Certo sem pensamento.



Certamente neste mundo não existe o amor eterno, nem mesmo uma fidelidade comum. Não há nada além da intensidade do momento, isto é, a paixão, que é até um pouco mais perecível que o próprio homem.

Há momentos em que, de repente, o tempo pára e acontece a eternidade. Durante o resto do tempo, sentira crescer em si um sentimento indefinido e excitante de felicidade e expectativa,e agora o seu espírito parecia um balão infantil,pequeno e colorido,que se tivesse soltado e pairasse lá no alto, contilante, contra o Sol. E no momento seguinte rebentaria.

Nos mais momentos do meu tédio, quando mais completamente me cinge a angústia do momento actual assalta-me o desejo violento de me desejar em outras vidas, vivendo outras almas, outras sensações.
Ora me sonhava dormir num leito de província, em Janeiro, sentindo cair lá fora a chuva, muita chuva, enquanto eu me sentia bem, conversando num gasalho idiota de alma e corpo (...) E mesmo nesses sonhos, como depois de os sonhar me acompanha uma saudade deles, uma saudade ácida, árida e dolorosa a um ponto que não se imagina. Dói-me a alma para além do tédio doloroso durante e no regresso dessa viagem de sonho. Sinto como se tivesse atravessado o mistério da vida na sua íntima essência e permaneço no mesmo tédio (...) mais profunda e gelidamente cansado.


Há momentos em que cada pormenor do vulgar me interessa na sua existência própria, e eu tenho por tudo a afeição de saber ler tudo claramente. Então vejo — como Vieira disse que Sousa descrevia — o comum com singularidade, e sou poeta com aquela alma com que a crítica dos gregos formou idade intelectual da poesia. Mas também há momentos, e um é este que me oprime agora, em que me sinto mais a mim que às coisas externas, e tudo se me converte numa noite de chuva e lama, perdido na solidão de um apeadeiro de desvio, entre dois comboios de terceira classe.

Foi um momento
O em que pousaste
Sobre o meu braço,
Num movimento
Mais de cansaço
Que pensamento,
A tua mão
E a retiraste.
Senti ou não ?


O prazer do momento anteponhamos À absurda cura do futuro, cuja Certeza única é o mal presente Com que o seu bem compramos. Amanhã não existe. Meu somente É o momento, eu só quem existe Neste instante, que pode o derradeiro Ser de quem finjo ser?

Há momentos em que tudo cansa, até o que nos repousaria. O que nos cansa porque nos cansa; o que nos repousaria porque a ideia de o obter nos cansa. Há abatimentos da alma abaixo de toda a angústia e de toda a dor; creio que os não conhecem senão os que se furtam às angústias e às dores humanas, e têm diplomacia consigo mesmos para se esquivar ao próprio tédio. Reduzindo-se, assim, a seres couraçados contra o mundo, não admira que, em certa altura da sua consciência de si-mesmos, lhes pese de repente o vulto inteiro da couraça, e a vida lhes seja uma angústia às avessas, uma dor perdida.
Estou em um desses momentos, e escrevo estas linhas como quem quer ao menos saber que vive.(...) Tenho mais sono íntimo do que cabe em mim. E não quero nada, não prefiro nada, não há nada a que fugir.


Às vezes passam
Em mim relâmpagos do pensamento
Intuitivo e aprofundador
Que angustiadamente me revelam
Momentos dum mistério que apavora


Acabo a minha solitária peregrinação. Um vasto silêncio, que sons miúdos não alteram no como é sentido, como que me assalta e subjuga. Um cansaço imenso das meras coisas, do simples estar aqui, do encontrar-me deste modo pesa-me do espírito ao corpo. Quase que me surpreendo a querer gritar, de afundando-me que me sinto em um oceano de uma imensidão que nada tem com a infinidade do espaço nem com a eternidade do tempo, nem com qualquer coisa susceptível de medida e nome. Nestes momentos de terror supremamente silencioso não sei o que sou materialmente, o que costumo fazer, o que me é usual querer, sentir e pensar. Sinto-me perdido de mim mesmo, fora do meu alcance. A ânsia moral de lutar, o esforço intelectual para sistematizar e compreender, a irrequieta aspiração artista a produzir uma coisa que ora não compreendo, mas que me lembro de compreender, e a que chamo beleza, tudo isto se me some do instinto do real, tudo isto se me afigura nem digno de ser pensado inútil, vazio e longínquo. Sinto-me apenas um vácuo, uma ilusão de uma alma, um lugar de um ser, uma escuridão de consciência onde estranho insecto procurasse em vão sequer a cálida lembrança de uma luz.

Não há nada além da intensidade do momento...

Fecho, cansado, as portas das minhas janelas, excluo o mundo e um momento tenho a liberdade. Amanhã voltarei a ser escravo; porém agora, só, sem necessidade de ninguém, receoso apenas que alguma voz ou presença venha interromper-me, tenho a minha pequena liberdade, os meus momentos de excelsis. Na cadeira, aonde me recosto, esqueço a vida que me oprime. Não me dói senão ter-me doído.

Agir é intervir. Um braço que se estende ocupa espaço e torna-se, assim, uma escultura metafísica. Nunca pude deixar de dar a este facto insignificante uma importância alada sobre o quotidiano.
Nunca vi em mim senão uma romaria de inconsciências para o outono das minhas intenções. [...] Pareceu-me sempre que ser era ousar; que querer era aventurar-se. Inércia soube-me a santidade, e não-querer a ter bons costumes. Construí assim uma moral burguesa do pensamento, um cuidado da comodidade e da decência através do respeito do mistério. A exagerada consciência, que sempre tive, dos meus momentos, doeu-me sempre a mistério e a divino. Nunca me compreendi sobretudo quando me surpreendi a viver as inconsciências dos meus instintos e a vulgar correcção dos meus reflexos nervosos.


Durei horas incógnitas, momentos sucessivos sem relação, no passeio em que fui, de noite, à beira sozinha do mar. Todos os pensamentos, que têm feito viver homens, todas as emoções, que os homens têm deixado de viver, passaram por minha mente, como um resumo escuro da história, nessa minha meditação andada à beira-mar.
Sofri em mim, comigo, as aspirações de todas as eras, e comigo passearam, à beira ouvida do mar, os desassossegos de todos os tempos.(...) Aquilo que se perdeu, aquilo que se deveria ter querido, aquilo que se obteve e satisfez por erro, o que amámos e perdemos e, depois de perder, vimos, amando por tê-lo perdido, que o não havíamos amado; o que julgávamos que pensávamos quando sentíamos; o que era uma memória e críamos que era uma emoção;

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