Serei capaz de não ter medo de nada, nem de algumas palavras juntas? Ai o medo de ter medo....
Mas vou dizer-te...o que não me apavora. Não tenho medo de estar sozinho, de ser desdenhado por quem quer que seja, nem de deixar seja lá o que for que eu tenha que deixar. E não tenho medo, tão pouco, de cometer um erro, um erro que dure toda a vida e talvez tanto quanto a própria eternidade.
Porque existe o desejo, o olfato, e o medo, os vivos apaixonam-se por outros vivos...e o quotidiano aí já não basta, porque o coração tem em certos dias um orçamento incomportável. E não basta então a mulher que amamos, nem os filhos - os que nos vão sobreviver no tempo – e é preciso sair, e não basta sair para a rua e correr, é preciso sair dos ossos, fugir ao obrigatório, à casa, encontrar dentro dos bolsos o bocado de uma carta, um mapa, fragmento que possa reconstruir o caminho para a casa da infância, onde Deus era chocolate e o resolvíamos, assim, de uma vez, porque o comíamos, Porque mais tarde crescemos e ganhamos dinheiro, família, e alguns outros assuntos, mas perdemos qualquer coisa de que é impossível falar, de que não sabemos falar. E é por tudo isso, e por quase tudo o que faltou dizer, é por isso que é bom, por vezes, suspender a noite e o coração, e obrigar o cérebro à paragem surpreendente.É por isso que é bom, por vezes, ocuparmos o corpo no acto de sentar, e pedir, então, à arte, à literatura, ao teatro, que nos salve, por enquanto, antes de morrermos.
Como contacto praticamente permanente com a lógica surgiu-me um sentimento que nunca antes eu experimentara: o medo de viver, o medo de respirar. Com urgência preciso lutar porque esse medo me amarra mais do que o medo da morte, é um crime contra mim mesmo...Que medo alegre, o de te esperar.
Acredito que se um homem vivesse a sua vida plenamente, desse forma a cada sentimento, expressão a cada pensamento, realidade a cada sonho, acredito que o mundo beneficiaria de um novo impulso de energia tão intenso que ... regressaríamos ao ideal helénico, possivelmente até a algo mais depurado e mais rico do que o ideal helénico. Mas o mais corajoso homem entre nós tem medo de si próprio. A mutilação do selvagem sobrevive tragicamente na autonegação que nos corrompe a vida. Somos castigados pelas nossas renúncias. Cada impulso que tentamos estrangular germina no cérebro e envenena-nos. O corpo peca uma vez, e acaba com o pecado, porque a acção é um modo de expurgação. Nada mais permanece do que a lembrança de um prazer, ou o luxo de um remorso. A única maneira de nos livrarmos de uma tentação é cedermos-lhe. Se lhe resistirmos, a nossa alma adoece com o anseio das coisas que se proibiu, com o desejo daquilo que as suas monstruosas leis tornaram monstruoso e ilegal. Já se disse que os grandes acontecimentos do mundo ocorrem no cérebro. É também no cérebro, e apenas neste, que ocorrem os grandes pecados do mundo.
Ao sentir isto tudo, ao pensar isto tudo, ao raivar isto tudo,
Quebro o meu coração fatidicamente como um espelho,
E toda a injustiça do mundo é um mundo dentro de mim. (...)
Lacrimejância inútil, pieguice humana dos nervos,
Bebedeira da servilidade altruísta,
Voz com papelotes chorando no deserto de um quarto andar esquerdo...
Hoje, ao tomar de vez a decisão de ser Eu, de viver à altura do meu mister, (...) reentrei de vez, de volta da minha viagem de impressões pelos outros, na posse plena do meu Génio e na divina consciência da minha Missão. Hoje só me quero tal qual meu carácter nato quer que eu seja; e meu Génio, com ele nascido, me impõe que eu não deixe de ser. Atitude por atitude, melhor a mais nobre, a mais alta e a mais calma. Pose por pose, a pose de ser o que sou.
Nada de desafios à plebe, nada de girândolas para o riso ou a raiva dos inferiores. A superioridade não se mascara de palhaço; é de renúncia e de silêncio que se veste.
O último rasto de influência dos outros no meu carácter cessou com isto. Reconheci — ao sentir que podia e ia dominar o desejo intenso e infantil de... — a tranquila posse de mim. Um raio hoje deslumbrou-me de lucidez. Nasci.
É sem qualquer terror que eu vejo a desunião das moléculas da minha existência... É com enorme terror que me vejo..
A doença convida ao exame da vida, provavelmente a única circunstância em que chegamos próximo da análise lúcida do caminho percorrido. Então regressam à cena os atores esquecidos da nossa biografia. Voltamos a viver os momentos em que subimos mais alto do que alguma vez aspirámos, ou descemos àquela profundidade em que a vergonha nos perdera. Ouvimos novamente as palavras que deveríamos ter contido ou então, pelo contrário, as que ficaram por dizer. Contabilizamos o balanço final e escrevemos, com um sorriso e um travo de amargura, o último currículo.
aterrorizado outra vez
de não amar
de amar e não seres tu
de ser amado e não ser por ti
O primeiro passo para acreditar apaixonadamente é o medo. O medo de perdermos a nossa identidade, a nossa vida, a nossa condição ou as nossas crenças. O medo é a pólvora e o ódio o rastilho. O dogma, em última instância, é apenas um fósforo aceso.
I'm too afraid I'm too afraid I just don't know what to do With myself...
A noite invadia lentamente a minha inatenção. Despertei de repente para a ver entrada. Flutuavam ainda, nas indecisões da Natureza, ruídos incertos como se as coisas compusessem o manto para adormecer. Tive um outro intervalo comigo próprio. Tornei a meditar sem saber em quê. Quando de novo despertei o silêncio era absoluto — logo invisível de todos os meus sonhos idos e das minhas esperanças mortas, e a minha consciência da vida afundava-se lentamente nele, assumindo, à medida que se afundava, noções novas de possibilidades de compreender a vida sob outros aspectos, vagos terrores e interiores...
O meu sentido interior de tal modo predomina sobre os meus cinco sentidos que — estou convencido — vejo as coisas desta vida de modo diferente do dos outros homens. Existe para mim — existia — um tesouro de significado numa coisa tão ridícula como uma chave, um prego na parede, os bigodes de um gato. Encontro toda uma plenitude de sugestão espiritual no espectáculo de uma ave doméstica com os seus pintainhos que, com ar pimpão, atravessam a rua. Encontro um significado mais profundo do que os terrores humanos no aroma do sândalo, nas latas velhas jazendo numa montureira, numa caixa de fósforos caída na valeta, em dois papéis sujos que, num dia ventoso, rolam e se perseguem rua abaixo. E que poesia é espanto, admiração, como de um ser tombado dos céus em plena consciência da sua queda, atónito com as coisas.
Algum pronto a morrer pelo terror
Da tempestade, que se encontra só
Numa planície vasta, ou vasto oceano,
E onde ele, sem abrigo ou falso abrigo,
Logra, sem se iludir, qu'rer iludir-se
Em terror, rugem (...) e desabam
Os terrores em luz, e som e abismo
Da tempestade e que, mais do que trémulo,
Mais que convulso no terror extremo,
Pensa já perto da loucura, quanto
Fugir mais do que em si, desaparecer,
Sumir-se, dessentir-se (...)
A sala de visitas comunica com o jardim, estreito e mal tratado, cujo único encanto são duas gloriosas palmeiras imperiais, muito altas, muito altivas, que se erguem uma em cada extremo, vigiando a casa. A sala está ligada à biblioteca. Passa-se desta para o corredor através de uma porta larga. O corredor é um túnel fundo, húmido e escuro, que permite o acesso ao quarto de dormir, à sala de jantar e à cozinha. Esta parte da casa está voltada para o quintal. A luz da manhã afaga as paredes, verde, branda, filtrada pela ramagem alta do abacateiro. Ao fundo do corredor, do lado esquerdo de quem entra, vindo da sala, ergue-se com esforço uma pequena escada em três lances quebrados. Subindo-a, chega-se a uma espécie de mansarda, que o albino pouco frequenta. Está cheia de caixotes com livros. Eu também não vou lá muitas vezes. Morcegos dormem nas paredes, de cabeça para baixo, embrulhados nas suas capas negras. Ignoro se as osgas fazem parte da dieta dos morcegos. Prefiro continuar sem saber. O mesmo motivo – o terror! –impede-me de explorar o quintal.
Um nome pode ser uma condenação. Alguns arrastam o nomeado, como as águas lamacentas de um rio após as grandes chuvadas, e, por mais que este resista, impõem-lhe um destino. Outros, pelo contrário, são como máscaras: escondem, ilumem. A maioria, evidentemente, não tem poder algum. Recordo sem prazer, sem dor também, o meu nome humano. Não lhe sinto a falta. Não era eu.
A única coisa que em mim não muda é o meu passado: a memória do meu passado humano. O passado costuma ser estável. Está sempre lá, belo ou terrível, e lá ficará para sempre.
Nos livros está tudo o que existe, muitas vezes em cores mais autênticas, e sem a dor verídica de tudo que realmente existe. Entre a vida e os livros, meu filho, escolha os livros.
Terror de te amar num sítio tão frágil como o mundo Mal de te amar neste lugar de imperfeição Onde tudo nos quebra e emudece Onde tudo nos mente e nos separa. Que nenhuma estrela queime o teu perfil Que nenhum deus se lembre do teu nome Que nem o vento passe onde tu passas. Para ti eu criarei um dia puro Livre como o vento e repetido Como o florir das ondas ordenadas.
O que há de característico no terror é que ele não está claramente consciente dos seus motivos; não os conhece e, se necessário, fornece o próprio terror como motivo do terror....
Serei capaz de não ter medo de nada, nem de algumas palavras juntas?
As minhas palavras presentes, mal eu as digo, pertencerão logo ao passado, ficarão fora de mim, não sei onde, rígidas e fatais... Falo, e penso nisto na minha garganta, e as minhas palavras parecem-me gente... Tenho um medo maior do que eu.
Medo é desculpa em leve chuva ...Medo é fraqueza como nuvem...
...that you might turn from him when he had gone and he from you. Then I would have offered you my gift. You know what it was now... Not the best perhaps. Best or worst- it would have been yours.
If this was our last song, what would we do then? (If) this was our last song, what would we say then?
If this was our last time, what would we do, what would we say then?
Quando não vemos claramente imaginamos.E desta imaginação pode surgir o medo ou a invenção...a noite é a origem do medo e da criatividade. As invenções são, afinal,medos...
Correr riscos reais, além de me apavorar, não é por medo que eu os sinta excessivamente - perturba-me a perfeita atenção às minhas sensações, o que me incomoda e despersonaliza.Nunca vou para onde há risco. Tenho medo ao tédio dos perigos.
Os gestos que não saem, doem.A carícia que se guarda na concha da mão.A boca que engole o beijo.Só os olhos e as palavras não chegam...Mas tenho medo e não me movo.Se fosse capaz de me ir embora, mas fico.Por enquanto ainda me apetece ficar.Olho, falo.É é preciso que isso chegue.Se eu me fosse embora...Mas eu...Fico. Fico a cansar as coisas.A gastar as palavras.A repetir os mesmos gestos tímidos, as reticências e as ambiguidades.Fico e tenho a sensação de me tornar chata.
But I don't have the drugs to sort...I don't have the drugs to sort it out, sort it out You're the voices swallowing my soul, soul, soul
Estou hoje vencido, como se soubesse a verdade. Estou hoje lúcido, como se estivesse para morrer, E não tivesse mais irmandade com as coisas Senão uma despedida, tornando-se esta casa e este lado da rua A fileira de carruagens de um comboio, e uma partida apitada De dentro da minha cabeça, E uma sacudidela dos meus nervos e um ranger de ossos na ida. Tenho medo...
Serei capaz de não ter medo de nada, nem de algumas palavras juntas? O medo de perder as palavras...
Agora preciso da tua mão, não para que eu não tenha medo, mas para que tu não tenhas medo.
- Venha até a borda, disse ele.
- Tenho medo.
- Venha até a borda, ele insistiu.
Ela foi, Ele empurrou-a ...e voaram.
Gostar de estar vivo dói. – Quanto a quem veio antes, foi o ovo que achou a galinha... A galinha vive como em sonho. Não tem senso de realidade. Todo o medo da galinha é porque estão sempre interrompendo o seu devaneio. A galinha é um grande sono. – A galinha sofre de um mal desconhecido. O mal desconhecido é o ovo. – Ela não sabe se explicar: “ sei que o erro está em mim mesma”, ela chama de erro a vida, “não sei mais o que sinto”, etc.“Etc., etc., etc.,” é o que cacareja o dia inteiro a galinha.
Sempre considerei as galinhas um dos animais mais estúpidos da criação; nunca experimentei qualquer empatia relativamente a estas aves incapazes de voar; o seu cacarejar sempre me provocou irritação. Eis que ,subitamente, me sinto galinha: vivo como em sonho, insciente , não consigo voar e... cacarejo.
Na noite terrível, substância natural de todas as noites, Na noite de insónia, substância natural de todas as minhas noites, Relembro, velando em modorra incómoda, Relembro o que fiz e o que podia ter feito na vida.
Amar é ter medo, um medo enorme, mesmo inconfessado, de perder… Amar é ter medo de desiludir, de desencantar… é ter medo que o fascínio termine … Amar é um estado de medo permanente…
Portugal é mesmo um país que me assusta: como é possível esta história ter sido escrita em 1726 e só em 2010 ser conhecida neste recanto recôndito da cultura europeia? Confio não ter o incómodo de me desiludir...
Será uma tarefa da maior utilidade fornecer a história deste tirano dos ares,deste deus do mundo,deste terror e aversão da humanidade a que chamamos Diabo...isto porque não duvido que o Diabo está ,e de bona fide, em muitos dos nossos amigos de cabeça oca que desconhecem completamente o assunto.
É consensual entre os autores, tanto sagrados como profanos, que esta criatura à qual chamamos agora Diabo era originariamente um anjo de luz, um glorioso serafim, porventura o mais selecto de todos os gloriosos serafins.
Não posso deixar de observar...que...parece que o Diabo não se enganou no primeiro julgamento que fez da Srª Eva,e que Satã acertou em cheio no trabalho que pôde fazer com ela.
Numa palavra, o Sr.Milton criou indubitavelmente um belo poema,mas é o diabo de uma história...O Sr Milton encarrega-se de contar a história com tal pormenor,como se ele tivesse nascido lá, e tivesse descido até cá abaixo,de propósito, apenas para nos deixar o relato do sucedido...
...Deixo-o entregue nas vossas mãos,desejando que possais ser capazes de não dar pior relato dele sobre os tempos que hão-desobre vir ,do que aquele que eu dei sobre os tempos que passaram.
O Poema Pouco Original do Medo
O medo vai ter tudo pernas ambulâncias e o luxo blindado de alguns automóveis Vai ter olhos onde ninguém os veja mãozinhas cautelosas
enredos quase inocentes ouvidos não só nas paredes mas também no chão no teto no murmúrio dos esgotos e talvez até (cautela!) ouvidos nos teus ouvidos O medo vai ter tudo fantasmas na ópera sessões contínuas de espiritismo milagres cortejos frases corajosas meninas exemplares seguras casas de penhor maliciosas casas de passe conferências várias congressos muitos ótimos empregos poemas originais
e poemas como este projetos altamente porcos heróis (o medo vai ter heróis!) costureiras reais e irreais operários (assim assim) escriturários (muitos) intelectuais (o que se sabe) a tua voz talvez talvez a minha com certeza a deles Vai ter capitais países suspeitas como toda a gente muitíssimos amigos beijos namorados esverdeados amantes silenciosos ardentes e angustiados Ah o medo vai ter tudo tudo (Penso no que o medo vai ter e tenho medo que é justamente o que o medo quer) O medo vai ter tudo quase tudo e cada um por seu caminho havemos todos de chegar quase todos a ratos Sim a ratos
Ouve o que eu te digo, Vou-te contar um segredo, É muito lucrativo que o mundo tenha medo, Medo da gripe, São mais uns medicamentos, Vem outra estirpe reforçar os dividendos, Medo da crise e do crime como já vimos no filme, Medo de ti e de mim, Medo dos tempos, Medo que seja tarde, medo que seja cedo e medo de assustar-me se me apontares o dedo, Medo de cães e de insectos, Medo da multidão, Medo do chão e do tecto, Medo da solidão, Medo de andar de carro, Medo do avião, Medo de ficar gordo velho e sem um tostão, Medo do olho da rua e do olhar do patrão e medo de morrer mais cedo do que a prestação, Medo de não ser homem e de não ser jovem, Medo dos que morrem e medo do não! Medo de deus e medo da polícia, Medo de não ir para o céu e medo da justiça, Medo do escuro, do novo e do desconhecido, Medo do caos e do povo e de ficar perdido, Sozinho, Sem guito e bem longe do ninho, Medo do vinho, Do grito e medo do vizinho, Medo do fumo, Do fogo,Da água do mar,Medo do fundo do poço,Do louco e do ar,Medo do medo,Medo do medicamento,Medo do raio, Do trovão e do tormento, Medo pelos meus e medo de acidentes, Medo de judeus, negros, árabes, chineses, Medo do “eu bem te disse”, Medo de dizer tolice, Medo da verdade, da cidade e do apocalipse, O medo da bancarrota e o medo do abismo, O medo de abrir a boca e do terrorismo. Medo da doença, Das agulhas e dos hospitais, Medo de abusar, De ser chato e de pedir demais, De não sermos normais, De sermos poucos, Medo dos roubos dos outros e de sermos loucos, Medo da rotina e da responsabilidade, Medo de ficar para tia e medo da idade, Com isto compro mais cremes e ponho um alarme, Com isto passo mais cheques e adormeço tarde, Se não tomar a pastilha, Se não ligar à família, Se não tiver um gorila à porta de vigília, Compro uma arma, Agarro a mala, Fecho o condomínio, Olho por cima do ombro, defendo o meu domínio, Protejo a propriedade que é privada e invade-me a vontade de por grade à volta da realidade, do país e da cidade, Do meu corpo e identidade, Da casa e da sociedade, Família e cara-metade… Eu tenho tanto medo… Nós temos tanto medo… Eu tenho tanto medo… O medo paga a farmácia, Aceita a vigilância, O medo paga à máfia pela segurança, O medo teme de tudo por isso paga o seguro, Por isso constrói o muro e mantém a distância! Eles têm medo de que não tenhamos medo.
Tenho a Ilíada aberta à minha frente,
Tenho a memória cheia de poemas,
Tenho os versos que fiz,
E todo o santo dia me rasguei
À procura não sei
De que palavra, síntese ou imagem!
Desço dentro de mim, olho a paisagem,
Analiso o que sou, penso o que vejo,
E sempre o mesmo trágico desejo
De dar outra expressão ao que foi dito!
Pan, deus dos pastores e dos rebanhos, tinha o rosto barbudo, chifres, uma expressão animalesca e membros inferiores como os do bode.
Quando nasceu, a sua mãe horrorizou -se com o filho monstruoso que havia gerado, porém o seu pai, envolvendo-o com uma pele de lebre, levou -o para o Olimpo, colocando-o ao lado de Zeus, mostrando-o aos demais deuses, que, de imediato, gostaram dele. Como divindade silvestre, eram -lhe atribuídos os ruídos, de causa ignorada, em campos e bosques que, com frequência, amedrontavam camponeses e pastores. Por essa razão, surgiu a expressão deima panikon (medo causado por Pan), abreviada pela palavra grega panikós , que, através do latim panicus, originou o vocábulo pânico, com significado similar: medo intenso por causa de algo de origem desconhecida.
É o único som que me pacifica quando tenho aquelas insónias misturadas com uma espécie de ataque de pânico, esse medo demoníaco que, não sendo medo, assusta. "O pânico é ansiedade máxima em situações inexplicáveis."
A paixão é um pânico das emoções, e como o pânico — que nisto se distingue do medo — estilhaça a inibição, desorienta o espírito, vira o indivíduo contra as suas próprias aquisições mentais superiores, e muitas vezes o conduz a fazer o que mal sabe que faz, ou que a própria paixão se fosse menor, como o pânico se não fosse mais que medo, o levaria ou aconselharia a não fazer.
Nunca pude convencer-me de que podia, ou de que alguém seguramente poderia, dar alívio certo ou profundo, e muito menos cura, aos males humanos. Mas nunca, também, pude tirar deles o pensamento; a mais pequena angústia humana - mais, a mais leve imaginação dela - sempre me angustiou, me transtornou, me tirou do poder de me concentrar e de me egoizar. O convencimento da futilidade de toda a terapêutica para a alma deveria, por certo, erguer-me a um píncaro de indiferença, entre o qual e as agitações da terra velassem tudo as nuvens daquele mesmo convencimento. O pensamento, porém, poderoso como é, nada pode contra a rebeldia da emoção. Não podemos não sentir, como podemos não andar. Assim assisto, e assisti sempre, desde que me lembro de sentir com as emoções mais nobres, à dor, à injustiça e à miséria que há no mundo do mesmo modo que assistiria um paralítico ao afogamento de um homem que ninguém ainda que válido, poderia salvar.(...) Tudo, quanto penso ou sinto, inevitavelmente se me volve em modos de inércia. O pensamento, que em outros é uma bússola da acção, é para mim um microscópio dela, que me faz ver universos a atravessar onde um passo bastara para transpor - como se o argumento de Zenão, da intransponibilidade de cada espaço, que, por ser infinitamente divisível, é pois infinito, fosse uma droga estranha com que me houvessem intoxicado o organismo espiritual. E o sentimento, que em outros se introduz na vontade como a mão na luva, ou a mão nos copos da espada, foi sempre em mim uma outra maneira de pensar - fútil como uma raiva com que trememos até nos não podermos mexer, espécie de pânico da exaltação que, como o pânico, deixa colado ao chão o medroso a quem o mesmo medo deveria fazer fugir. Toda a minha vida tem sido uma batalha perdida no mapa; a cobardia nem sequer foi no campo, onde talvez a não houvesse, mas no gabinete do chefe do Estado Maior, e de ele a sós com a sua convicção da derrota. Não se ousou o plano porque haveria de ser imperfeito; não se ousou torná-lo perfeito, ainda que não pudesse realmente sê-lo, porque a convicção de que não seria perfeito quebrou a vontade com que ele, ainda que imperfeito, sempre se poderia tentar. Nem me ocorreu nunca que o plano, embora imperfeito, poderia ser mais perfeito que o do inimigo. É que o meu vero inimigo... era aquela mesma ideia de perfeição, que me saía à frente antes que todas as hostes do mundo, na vanguarda trágica de todos os comandos do mundo.
Inutilmente vivida Acumula-se-me a vida Em anos, meses e dias; Inutilmente vivida, Sem dores nem alegrias...
Releio, em uma destas sonolências sem sono, em que nos entretemos inteligentemente sem a inteligência, algumas das páginas que formarão, todas juntas, o meu livro de impressões sem nexo. E delas me sobe, como um cheiro de coisa conhecida, uma impressão deserta de monotonia. Sinto que, ainda ao dizer que sou sempre diferente, disse sempre a mesma coisa; que sou mais análogo a mim mesmo do que quereria confessar; que, em fecho de contas, nem tive a alegria de ganhar nem a emoção de perder. Sou uma ausência de saldo de mim mesmo, de um equilíbrio involuntário que me desola e enfraquece.
Estou num dia em que me pesa, como uma entrada no cárcere, a monotonia de tudo. A monotonia de tudo não é, porém, senão a monotonia de mim. Cada rosto, ainda que seja o de quem vimos ontem, é outro hoje, pois que hoje não é ontem. Cada dia é o dia que é, e nunca houve outro igual no mundo. Só em nossa alma está a identidade - a identidade sentida, embora falsa, consigo mesma - pela qual tudo se assemelha e se simplifica. O mundo é coisas destacadas e arestas diferentes; mas, se somos míopes, é uma névoa insuficiente e contínua. O meu desejo é fugir. Fugir ao que conheço, fugir ao que é meu, fugir ao que amo. Desejo partir - não para as índias impossíveis, ou para as grandes ilhas ao Sul de tudo, mas para o lugar qualquer - aldeia ou ermo - que tenha em si o não ser este lugar. Quero não ver mais estes rostos, estes hábitos e estes dias. Quero repousar, alheio, do meu fingimento orgânico. Quero sentir o sono chegar como vida, e não como repouso. Uma cabana à beira-mar, uma caverna, até, no socalco rugoso de uma serra, me pode dar isto. Infelizmente, só a minha vontade mo não pode dar...
Em torno o meu o mundo oscila, o ser Oscila, e a consciência de sentir Desfaz-se em sensações de pensamento E distúrbios obscuros de ideação, Embebidos num sonho de sentir E sonhado sentimento de sonhar. Horror supremo! E não poder gritar A Deus — que Deus não há — pedindo alívio! A alma em mim se ironiza, só pensando Na de pedir ridícula vaidade, Interrupção da determinação E férrea lei do mundo. Górgias, antigo Górgias, que dizias Que se alguém algum dia compreendesse, Atingisse a verdade, não podia Comunicá-la aos outros — já entendo O teu profundo e certo pensamento Que ora não compreendia. Tenho em mim A verdade sentida e compreendida, Mas fechada em si mesma, que não posso Nem pensá-la. Senti-la ninguém pode.
Ah, no terrível silêncio do quarto
O relógio com o seu som de silêncio!
Monotonia!
Quem me dará outra vez a minha infância perdida?
Busco-me e não me encontro. Pertenço a horas crisântemos, nítidas em alongamentos de jarros. Devo fazer da minha alma uma coisa decorativa.Não sei que detalhes demasiadamente pomposos e escolhidos definem o feitio do meu espírito. O meu amor ao ornamental é, sem dúvida, porque sinto nele qualquer coisa de idêntico à substância da minha alma.
Ser esquecido de que se existe! É do alto do pensar desse esquecer Que os deuses dos deuses dominam o mundo. (Não ouvi o que dizias...ouvi só a musica, e nem a essa ouvi...Tocavas e falavas ao mesmo tempo? Sim, creio que tocavas e falavas ao mesmo tempo...Com quem? Com alguém em quem tudo acabava no dormir do mundo...)
Desde que me convenci da inutilidade de qualquer esforço desinteressado, nunca mais pensei em escrever um livro; limito-me a apontamentos. Inútil por inútil, diminua ao menos a maçada.
Fernando Pessoa escreveu a fio — a fio, humanamente — aqueles poemas complicados. O Fernando Pessoa que, quando escreve uma quadra, emprega esforços de organização industrial para ver como há-de dispor através dela os dezassete raciocínios que ela é obrigada por lei a conter; que, quando sente qualquer coisa, se pôe logo a cortá-la com uma tesoura de cinco críticos, a embrulhar-se em porque é que o segundo verso contém um adjectivo biforme e em ver como é que não sendo «mas» bom português naquela altura, vai conseguir que «senão» tenha uma sílaba só.Este homem, tão inutilmente bem dotado, vivendo constantemente na parabulia da sua complexidade, teve naquele momento — também ele — a sua libertação.
Gostei de me pensar como um ser inutilmente bem dotado, vivendo na parabulia da minha complexidade...
Não podemos ficar zangados com o nosso próprio tempo sem que isso nos traga danos a nós próprios. Estava,aliás, sempre disposto a a amar estas manifestações ao vivo.O que nunca conseguiu foi amá-las sem reservas, como exige o bem-estar social.Há muito tempo que um resto de aversão pairava sobre tudo o fazia e vivia,uma sombra de impotência e solidão,uma aversão universal para a qual não conseguia encontrar um contraponto positivo. Sentia-se muitas vezes como se tivesse uma vocação para a qual , por enquanto, não havia objectivo.
Parecia-lhe que, ao entrar na idade adulta,tinha caído numa apatia generalizada que, apesar de alguns turbilhões ocasionais e efémeros, trouxe à sua vida um ritmo cada vez mais desencantado e confuso.
Era sensível , e a sua sensibilidade era constantemente agitada por meditações, depressões, montes e vales; nunca era indiferente , mas via em tudo uma felicidade ou uma fatalidade, tendo, assim, sempre oportunidade para pensar alguma coisa excitante. Pessoas como estas exercem sobre os outros uma atracção pouco comum...
Fugir mais do que em si, desaparecer, Sumir-se, dessentir-se (...) Mais do que não viver por não sentir; E todo o horror das convulsões que os céus, O nosso todo ruge e estala E todo o corpo dele é um sentido Para sentir pavor, e cada poro É sentiente e consciente e agudo Em ter uma atenção de terror cheia; E o aflito e convulso nunca logra, Como na dor e na tristeza, ter Uma apatia e uma (...) Ah, horrorosamente consciente E pávido e convulso, nem dorido Nem (...) de mágoa ou de desejo Assim eu sou. (...)
Veio-lhe pela alma dentro o sentimento da inevitabilidade, da necessidade da morte. Era como se ela estivesse chegando, [...] numa hora, como um comboio, e ele simplesmente à espera. Uma última coisa qualquer caira-lhe da alma - já nem era lúcido. Parára-lhe o saber-se (...)Tornou a meter o revólver na boca. D'esta vez sentiu o frio do cano d'encontro o palato como quem sente uma coisa que não é nada, um pouco da cara d'encontro à mão. A apatia era absoluta. Tornara-se outro.
I can feel you searching round my brain Looking for a way to make a wave Falling out and in In and out again Until our falling thoughts cascade together...
"Omnia fui, nihil expedit."
Quanto mais contemplo o espectáculo do mundo, e o fluxo e refluxo da mutação das coisas, mais profundamente me compenetro da ficção ingénita de tudo, do prestígio falso da pompa de todas as realidades. E nesta contemplação que a todos, que reflectem, uma ou outra vez terá sucedido, a marcha multicolor dos costumes e das modas, o caminho complexo dos progressos e das civilizações, a confusão grandiosa dos impérios e das culturas - tudo isso me parece como um mito e uma ficção, sonhado entre sombras e esquecimentos. Mas não sei se a definição suprema de todos esses propósitos mortos, até quando conseguidos, deve estar na abdicação extática do Buda, que, ao compreender a vacuidade das coisas, se ergueu do seu êxtase dizendo "Já sei tudo", ou na indiferença demasiado experiente do imperador Severo: "omnia fui, nihil expedit - fui tudo, nada vale a pena".
En resolución, él se enfrascó tanto en su letura que se le pasaban las noches leyendo ... y los días...: y así del poco dormir y del mucho leer se le secó el celebro,de manera que vino a perder el juicio. Ainda me acontece o mesmo...Acho esta imagem de o cérebro a secar aliciante...Um cérebro seco não é , está mas não é ...
Já é noite e o frio Está em tudo que se vê Lá fora ninguém sabe Que por dentro há vazio Porque em todos há um espaço Que por medo não se vê Onde a ilusão se esquece Do que o medo não previu
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