Não é neccessário vivermos ao lado de alguém para nos sentirmos ligados a esse alguém mais do que a qualquer outra pessoa...

domingo, 25 de dezembro de 2016

Incoerências natalícias...

O pensar, e o pensar sempre
Dá-me uma forma íntima e (...)
De sentir, que me torna desumano.
Já irmanar não posso o sentimento
Com o sentimento doutros, misantropo
Inevitavelmente e em minha essência.



Toda a alegria me gela, me faz ódio, Toda a tristeza alheia me aborrece, Absorto eu na minha, maior muito Que outras. E a alegria faz-me odiar Porque eu alegre já não posso ser, E, conquanto o não queira assim sentir Sinto em mim que a minha alma não tolera Que seja alguém do que ela mais feliz. O rir insulta-me por existir, Que eu sinto que não quero que alguém ria Enquanto eu não puder! Se acaso tento Sentir, querer, só quero incoerências De indefinida aspiração imensa, Que mesmo no seu sonho é desmedida. E às vezes com pensar sinto crescer Em mim loucuras (...) E impulsos que me transem de terror Mas são apenas (...) e passam. Mais de sempre é em mim (quando não penso E estou no pensamento obscurecido) Uma vaga e (...) aspiração Quiescente, febril e dolorosa Nascida do (...) pensamento E acompanhando-o comovidamente Nas inércias obscuras do meu ser.

Toda a sua vida será obedecer a fantasmas e lutar com eles.A sua passividade feminina leva-o à dependência; a sua consciência de homem, à emancipação: mas a sua vontade vacila: nem obedece nem se emancipa. É uma encruzilhada de caminhos que conduzem a nenhures: um fala-só.

Natal, época em que pode ser necessário um certo esforço para ser educado, e não rosnar uma resposta agressiva quando nos brindam com saudações natalícias. O bom / feliz natal e as inócuas boas festas ainda se toleram, agora o "santo natal" pode mesmo despertar sentimentos negativos...Que saturação! Como é possível que, num país de católicos não praticantes, relativamente ao natal , tudo pratique os rituais, religiosamente. Entendo o natal em famílias católicas, daquelas que comungam, vão à missa do galo, que têm filhinhas virgens, a casar vestidas de branco, na igreja mais aparatosa da sua terra; que procriam, como manda a santa madre igreja, só depois do sacramento do matrimónio, e batizam os bem aventurados rebentos que deus lhes deu. ( Sim porque essa gente tem , como se orgulham de proclamar, os filhos que deus lhes deu.) Famílias de ateus, que recusam todos os mitos sobre a virgem maria, gente com responsabilidades intelectuais perante o seu semelhante, a comemorar acéfala e bovinamente o natal, não consigo perceber. Se gostam da família, ninguém os proibe de jantar um cabritinho ou umas caras de bacalhau, noutro dia qualquer...
Natal e as inefáveis reuniões familiares: sempre as mesmas graças entediantes; sempre memórias que são deles e não nossas: " lembras-te quando e quando e quando e quando??? ". Gargalham se a recordação é feliz; silenciam-se , súbita e reverentemente, quando evocam os ausentes falecidos; uma alternância pateticamente emotiva...


Não vivia ele, em grande parte, escravizado a uma espécie de imagem própria criada pelos que o rodeavam? Não se sentia sufocado por esse colete de gesso que, compassivamente, deixara que lhe vestissem? E a verdade era não poder viver sem isso. Precisava de se encontrar feito nas opiniões que a seu respeito mantinham os outros. Sufocava, mas vivia... Eis, contudo, que, imprevistamente, quebrava os laços! Agora, nada a fazer. Para o futuro, a sociedade ver-se-ia obrigada a criar-lhe uma nova imagem. O Elói pacato, honesto e dócil convertera-se num indisciplinado, num indesejável, num perturbador da paz social. Antes assim.(...) Ao menos uma vez na vida Elói tinha sido Elói. Na verdade , que arrebatadora a satisfação de nos sentirmos nós mesmos! E, sem saber como, sente-se percorrido por um olhar de admiração. Experimenta a carícia de um abraço merecido.



Ah! Ser indiferente! É do alto do poder da sua indiferença Que os chefes dos chefes dominam o mundo. Ser alheio até a si mesmo! É do alto do sentir desse alheamento Que os mestres dos santos dominam o mundo. Ser esquecido de que se existe! É do alto do pensar desse esquecer Que os deuses dos deuses dominam o mundo. (Não ouvi o que dizias... ouvi só a música, e nem a essa ouvi...Tocavas e falavas ao mesmo tempo? Sim, creio que tocavas e falavas ao mesmo tempo...Com quem? Com alguém em quem tudo acabava no dormir do mundo..

Quando nos iremos, ah quando iremos de aqui? Quando, do meio destes amigos que não conheço, Do meio destas maneiras de compreender que não compreendo, Do meio destas vontades involuntariamente Tão contrárias à minha, tão contrárias a mim?! [...] Que eu sou daqueles que sofrem sem sofrimento, Que têm realidade na alma, Que não são mitos, são a realidade Que não têm alegria do corpo ou da alma, daqueles Que vivem pedindo esmola com a vontade de perdê-la... Eu quero partir, como quem exemplarmente parte.[...] Indefinidamente, incoerentemente, À busca de nada, À busca de não buscar, À busca só de partir. À busca só de não ser À primeira morte possível ainda em vida — O afastamento, a distância, a separar-nos de nós. Porque é sempre de nós que nos separamos quando deixamos alguém...

Classificação da outra gente, consoante o modo como formula/aceita os votos natalícios...
Os Ativos
A - Católicos praticantes, "Santo Natal";
B - Católicos não praticantes,"Feliz Natal";
C - Os que nem sabem o que são, "Boas Festas";
D- Os pragmáticos, que aproveitam o típico dois em um, "Bom natal e próspero ano novo".
Os Passivos
Não enviam saudações, mas aceitam-nas gentilmente....
Os Intolerantes
Irritam-se com a atividade dos ativos e com a passividade dos passivos...odeiam natais santos, felizes ou, simplesmente, festejados...

Os povos primitivos não conheciam a necessidade de dividir o tempo em filigranas. Para os antigos não existiam minutos ou segundos. Artistas como Stevenson ou Gauguin fugiram da Europa e aportaram em ilhas onde não havia relógios. Nem o carteiro nem o telefone apoquentavam Platão. Virgílio nunca precisou de correr para apanhar um comboio. Descartes perdeu-se em pensamentos nos canais de Amesterdão. Hoje, porém, os nossos movimentos são regidos por frações exatas de tempo. Até mesmo a vigésima parte de um segundo começa a não mais ser irrelevante em certas áreas técnicas.

Reflexão não natalícia sobre a tradução invisível, num estado natal...
A virtude principal da literatura - o não ser música - é ao mesmo tempo o seu principal defeito. Tem que ser composta e expressa em uma língua qualquer. Tem, portanto, por mais largamente que essa língua seja falada ou conhecida, que se não dirigir plenariamente à maioria do género humano. Aquilo por onde é mais explícita que qualquer outra arte, por isso mesmo é menos universal que ela.
Ocorre, pois, perguntar por que processo, em literatura, é alguém universalmente célebre, como, ainda que poucos, há relativamente tantos que o são; porque processo são célebres no espaço, e sobretudo no espaço e no tempo, quando forçosamente, e mormente na poesia, que é a espécie literária mais alta, nenhuma tradução, supondo que existe, pode dar conhecimento da obra em sua completa e verdadeira vida.
Porque o certo é que, a maioria de nós, não mentimos nem fingimos quando, ignorantes do grego, sofremos o entusiasmo de Homero, ou, hóspedes e peregrinos no latim, temos o culto de Horácio ou de Catulo. Não mentimos nem fingimos; pressentimos. E esse pressentimento, feito de não sei que misto de intuição, de sugestão e de entendimento obscuro, é uma espécie de tradutor invisível, que acompanha pelas eras fora, e torna universal como a música, a arte dada em linguagem, esse produto de Babel, com cuja queda o homem pela segunda vez caiu.
O que há de mais alto neste mundo fala, quer queira quer não, uma linguagem simbólica, entendida por poucos com a verdadeira chave hermética, a inteligência, entendida por mais com o instinto de que há que entender, que é a intuição. São os primeiros, para o caso da obra literária, os que conhecem como naturais a língua em que ela está escrita; são os segundos os que a não conhecem assim, ou de todo a não conhecem, mas que, não conhecendo a língua, conhecem todavia a obra.
Mas há mais, e mais estranho. Podemos, por intuição, ou o que quer que seja, figurar-nos a alma e a vida de uma obra poética de que não conhecemos nada, ou, no melhor, não conhecemos mais que uma tradução em prosa, que é outra forma, mais complicada, do mesmo nada. Muitos de nós, porém, nos figuramos, com razoável exactidão, a alma e a vida de obras que nunca lemos, por vagas reminiscências de referencias, por obscuras e casuais alusões, ou de obras, ainda, em idiomas estranhos, e de que não há, ou pelo menos nunca lemos, tradução em idioma que no-lo não seja. Aqui o tradutor invisível opera invisivelmente. Já não intuicionamos: adivinhamos. E como se houvesse em nós uma parte superior da alma que soubesse por condição todos os idiomas e tivesse lido por natureza todas as obras.
Afinal, que é uma obra literária senão a projecção em linguagem de um estado de espírito, ou de uma alma humana? E essa obra é o símbolo vivo da alma que a escreveu (compôs), ou do momento dessa alma - uma pequena alma ocasional - que a projectou. Porque não haverá de alma para alma uma comunicação oculta, um entendimento sem palavras, pelo qual adivinhemos a sombra visível pelo conhecimento do corpo invisível que a projecta, e entendemos o símbolo, não por o conhecermos visto, mas por sabermos aquilo de que é símbolo?Quem sabe, até, se em qualquer estado antenatal, não vimos frente a frente a obra em seu espírito, que não no corpo verbal que aqui tem; que, ouvindo aqui só falar nela, desde logo sabemos de que se trata, na sua verdadeira essência e vida; e que, pois, lendo mal, ou nem sequer lendo, não é em nós suscitado, não um entendimento, ainda que intuitivo, mas uma funda e subtil recordação?
Quem sabe, ainda, se, nesse estado antenatal, livres ainda do espaço e do tempo, não vimos já tudo, aqui hoje passado ou aqui hoje futuro, sub specie aeternitatis; e assim, se pudermos dispertar em nós essa anamnesis, não estamos hoje, nós mesmos nossos tradutores invisíveis, senhores inconscientes das obras ainda por nascer no decurso futuro do mundo?
Não sorrio por isso - ou, melhor, não sorrio sempre, nem prontamente - dos que me falam de Shakespeare sem que saibam o inglês - e escolho Shakespeare para exemplo porque ele é dos poetas mais fielmente casados com a índole e as possibilidades do idioma em que compôs, e, como bom marido, com as maneiras e formas de enganar esse idioma. Não sorrio. Quem sabe se, em qualquer incamação anterior, o que me fala não conheceu Shakespeare como aqui foi, não falou com ele como aqui falou, e não está sendo, sem que ele ou eu o saiba, o tradutor invisível de um grande amigo ignorado?


(Humanismo. A «realidade» do Natal é subjectiva. Sim, no meu ser. A emoção, como veio, passou. Mas um momento convivi com as esperanças e as emoções de gerações inúmeras, com as imaginações mortas de toda uma linhagem morta de místicos. Natal em mim!)

Natal. . . Na província neva. Nos lares aconchegados,Um sentimento conserva Os sentimentos passados. Coração oposto ao mundo, Como a família é verdade!Meu pensamento é profundo,Estou só e sonho saudade.E como é branca de graça A paisagem que não sei,Vista de trás da vidraça Do lar que nunca terei!

Pois apesar de ser esse O Natal da convenção, Quando o corpo me arrefece Tenho o frio e Natal não. Deixo sentir a quem quadra E o Natal a quem o fez, Pois se escrevo ainda outra quadra Fico gelado dos pés

Natal de quê? De quem? Daqueles que o não têm? Dos que não são cristãos? Ou de quem traz às costas as cinzas de milhões? Natal de paz agora nesta terra de sangue? Natal de liberdade num mundo de oprimidos? Natal de uma justiça roubada sempre a todos? Natal de ser-se igual em ser-se concebido, em de um ventre nascer-se, em por de amor sofrer-se, em de morte morrer-se, e de ser-se esquecido? Natal de caridade, quando a fome ainda mata? Natal de qual esperança num mundo todo bombas? Natal de honesta fé, com gente que é traição, vil ódio, mesquinhez, e até Natal de amor? Natal de quê? De quem? Daqueles que o não têm, ou dos que olhando ao longe sonham de humana vida um mundo que não há? Ou dos que se torturam e torturados são na crença de que os homens devem estender-se a mão?

Nasce um Deus. Outros morrem. A verdade
Nem veio nem se foi: o Erro mudou.
Temos agora uma outra Eternidade,
E era sempre melhor o que passou.
Cega, a Ciência a inútil gleba lavra.
Louca, a Fé vive o sonho do seu culto.
Um novo Deus é só uma palavra.
Não procures nem creias: tudo é oculto
.

Quando um ramo de doze badaladas...se espalhava nos móveis e tu vinhas solstício de mel pelas escadas de um sentimento com nozes e com pinhas, menino eras de lenha e crepitavas porque do fogo o nome antigo tinhas e em sua eternidade colocavas o que a infância pedia às andorinhas. Depois nas folhas secas te envolvias de trezentos e muitos lerdos dias e eras um sol na sombra flagelado. O fel que por nós bebes te liberta e no manso natal que te conserta só tu ficaste a ti acostumado...

Ó noite de Natal, que travo a maresia! Depois fui não sei quem que se perdeu na terra. E quanto mais na terra a terra me envolvia E quanto mais na terra fazia o norte de quem erra. Vem tu, Poesia, vem, agora conduzir-me À beira desse cais onde Jesus nascia... Serei dos que afinal, errando em terra firme, Precisam de Jesus, de Mar, ou de Poesia?


Natal- época de encontros: diferentes e indiferentes; perfeitos e imperfeitos...

Acabou o amor, porque nada se busca, estando tudo encontrado. O que era amado por ser pequeno continua a ser amado por ser pequeno, mas é grande. O que era amado por ser humano continua a ser amado por ser humano, mas é divino. O que era amado por ser imperfeito continua a ser amado por ser imperfeito, mas é perfeito. Tudo tem o que tinha de belo e Deus a mais. Tudo está liberto. Nada era em vão.

Transeuntes eternos por nós mesmos, não há paisagem senão o que somos. Nada possuímos, porque nem a nós possuímos. Nada temos porque nada somos. Que mãos estenderei para que universo? O universo não é meu: sou eu.

Conselho de turma para reavivar memórias; jantar com os alunos para nada, só porque eles gostam de vir a minha casa e eu gosto que eles venham... Um reencontro de pessoas que têm prazer em estar juntas, não um jantarinho com espírito natalício. Preciso de um onda de afeto, de ouvir rir...

Cantos, risos e flores alumiem
Nosso mortal destino,
Para o ermo ocultar fundo, nocturno
De nosso pensamento,
Curvado, já em vida, sob a ideia
Do plutónico gozo,
Cônscio já da lívida esperança
Do caos redivivo.



Nunca deixo saber aos meus sentimentos o que lhes vou fazer sentir... Brinco com as minhas sensações como uma princesa cheia de tédio com os seus grandes gatos prontos e cruéis...Fecho subitamente portas dentro de mim, por onde certas sensações iam passar para se realizarem. Retiro bruscamente do seu caminho os objectos espirituais que lhes vão vincar certos gestos. Pequenas frases sem sentido, metidas nas conversas que supomos estar tendo, afirmações absurdas feitas com cinzas de outras que já de si não significam nada.

Sua inconsciência alegre é uma ofensa Para mim. O seu rir esbofeteia-me! Sua alegria cospe-me na cara! Oh, com que ódio carnal e espiritual Me escarro sobre o que na alma humana Cria festas e danças e cantigas E veste ao horror e íntima dor de ser Esta capa de risos naturais. Com que alegria minha cairia Um raio entre eles! Com que pronto Criaria torturas para eles Só por rirem a vida em minha cara E atirarem à minha face pálida O seu gozo em viver, a poeira que arde Em meus olhos, dos seus momentos ocos De infância adulta e toda na alegria!

A miséria da minha condição não é estorvada por estas palavras conjugadas, com que formo, pouco a pouco, o meu livro casual e meditado. Sobrevivo nulo no fundo de toda a expressão, como um pó indissolúvel no fundo do copo de onde se bebeu só água. Escrevo ... com cuidado e indiferença. Ante o vasto céu estrelado e o enigma de muitas almas, a noite do abismo incógnito e o choro de nada se compreender —Tudo isto é sonho e fantasmagoria, e pouco vale que o sonho seja lançamentos como prosa de bom porte. Que serve sonhar com princesas mais que sonhar com a porta da entrada do escritório? Tudo o que sabemos é uma impressão nossa, e tudo o que somos e uma impressão alheia, melodrama de nós, que, sentindo-nos, nos constituímos nossos próprios espectadores activos, nossos deuses por licença da Câmara.

O pior que nos pode acontecer é ficarem sem eco as nossas palavras, e os nossos nomes reverterem ao esquecimento, do qual, nesse caso, mal teriam alguma vez saído. O mal é pouco que é nada acontecer. A derrota será não ter havido vitória.

Toda a minha vida tem sido uma batalha perdida no mapa; a cobardia nem sequer foi no campo, onde talvez a não houvesse, mas no gabinete do chefe do Estado Maior, e de ele a sós com a sua convicção da derrota. Não se ousou o plano porque haveria de ser imperfeito; não se ousou torná-lo perfeito, ainda que não pudesse realmente sê-lo, porque a convicção de que não seria perfeito quebrou a vontade com que ele, ainda que imperfeito, sempre se poderia tentar. Nem me ocorreu nunca que o plano, embora imperfeito, poderia ser mais perfeito que o do inimigo. É que o meu vero inimigo... era aquela mesma ideia de perfeição, que me saía à frente antes que todas as hostes do mundo, na vanguarda trágica de todos os comandos do mundo.

Para mim a humanidade é um vasto motivo de decoração, que vive pelos olhos e pelos ouvidos, e, ainda, pela emoção psicológica. Nada mais quero da vida senão o assistir a ela. Nada mais quero de mim senão o assistir à vida. Sou como um ser de outra existência que passa indefinidamente interessado através desta. Em tudo sou alheio a ela. Há entre mim e ela como um vidro. Quero esse vidro sempre muito claro, para a poder examinar sem falha de meio intermédio; mas quero sempre o vidro.

O sono que desce sobre mim,
O sono mental que desce fisicamente sobre mim,
O sono universal que desce individualmente sobre mim —
Esse sono
Parecerá aos outros o sono de dormir,
O sono da vontade de dormir,
O sono de ser sono.
Mas é mais, mais de dentro, mais de cima:
É o sono da soma de todas as desilusões,
É o sono da síntese de todas as desesperanças,
É o sono de haver mundo comigo lá dentro
Sem que eu houvesse contribuído em nada para isso.


A indiferença à dor, o aceitamento orgulhoso, posto que passivo, do destino, não hasta para formar um estóico: falta o estoicismo. A busca, embora moderada, dos prazeres, céptica para com outra espécie de beneficios a esperar do mundo, não é suficiente para que o seu culto mereça o nome de epicurista: falta o epicurismo.

Percorro o dia, que esmorece
Nas ruas cheias de rumor;
Minha alma vã desaparece
Na muita pressa e pouco amor.
Hoje é Natal. Comprei um anjo,
Dos que anunciam no jornal;
Mas houve um etéreo desarranjo
E o efeito em casa saiu mal.
Valeu-me um príncipe esfarrapado
A quem dão coroas no meio disto,
Um moço doente, desanimado…
Só esse pobre me pareceu Cristo.


Ars moriendi
Um homem vai no seu corpo e subitamente cai. Ouço desmoronar-se a sílica do coração. E ouço também a terra e o ar acolherem os ossos do filho pródigo. Em si este acontecimento não é nada original mas dói. O vento do Outono morde-me os ossos e dói.

Todo da sombra hasta lo invisible.
Tu, que és o presente, lês o passado; eu , que sou o passado, leio o presente... Distanciámo-nos inevitavelmente: a leitura deixou de ser o nosso ponto de encontro...Apesar de invisível, sinto a tua sombra.

Quando a luz da tarde se inclina sobre as pequenas coisas que fiz ou não fiz e começo a lembrá-las como se tivessem alguma importância o que vejo é a sombra das palavras, os elementos que participam na composição do silêncio.

Escrevo em palavras de sombra que ninguém vai ler.Não é grave. Palavras mudas como essas que foram desenhadas pelo vento...Algo se perde,mas quem sabe se é muito ou pouco? Talvez alguém possa alguma vez traduzir a sombra perdida, o rumor de quem partiu numa garrafa lançada ao mar...

As palavras devoram a vida, parasitas sobreviventes na garganta que lateja. Lépidos esquilos que se concentram na língua,na ponta dos dedos e falam do tempo...E falam do sopro e ouvem o riso - O teu riso azul de ave amarrotada pelas unhas do amor...

O acaso é mãe de todas as coisas e multiplica-se em dez mil quedas como se houvesse uma espécie de luz na cascata escura.

Sentado e anónimo na minha casa branca sou uma folha sem memória onde alguém escreve alguma coisa.Que seja breve e pouco.Tenho a alma pequena e sei,depois de tanto esforço. que nada vale a pena.

Será possível um conhecimento independente da experiência e das impressões dos sentidos? Tais conhecimentos são denominados “a priori”, e distintos dos empíricos, cuja origem e a posteriori”, isto é, da experiência.(...) A universalidade empírica nada mais é do que uma extensão arbitrária de validade, pois se passa de uma validade que corresponde à maior parte dos casos, ao que corresponde a todos eles, como p. ex. nesta proposição: “Todos os corpos são pesados."
Blá,blá,blá,blá,blá,blá...
Blá,blá,blá,blá,blá,blá...
Blá,blá,blá,blá,blá,blá...
Blá,blá,blá,blá,blá,blá...
Blá,blá,blá,blá,blá,blá...

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