Não é neccessário vivermos ao lado de alguém para nos sentirmos ligados a esse alguém mais do que a qualquer outra pessoa...

segunda-feira, 26 de dezembro de 2016

Coisas e dark necessities...

Coisas primeiras...


Há momentos em que somos obrigados a conviver com pessoas de natureza tão distinta da nossa que bastam cinco minutos de contacto para percebermos que, cedo ou tarde, os diques que sustêm a hostilidade latente acabarão por ceder e quanto mais pressão pusermos sobre eles maior será a catástrofe. A questão que nos colocamos é a de saber se o ideal é passar de imediato para a fase de conflito declarado ou aguardar diplomaticamente que, como dizem alguns entendidos nas matérias, as coisas sigam ao seu ritmo, na vã esperança de que uma relação franca e honesta, ainda que difícil, seja possível. A diplomacia, sabe quem já esteve na guerra, é um exercício de grande violência interior.

Há certos momentos das nossas vidas (e eu tinha a sorte de já ter experimentado os extremos do espectro), tão felizes ou tão desgraçados que a ideia de altos & baixos desaparece. Em ocasiões semelhantes, todo o ambiente à nossa volta é tão homogéneo, seja translúcido ou opaco, que nos impede de ter uma percepção correcta do lugar em que nos encontramos. Há momentos em que subimos tanto que não é possível manter-se a noção de altitude. Por outro lado, há momentos em que tudo corre tão mal que a ideia de que existe um mundo lá em cima nos abandona e a tristeza deixa de pesar, como se as leis universais ficassem suspensas, à espera de que a nossa vida se resolva para só então voltarem a impor a sua serena e inquestionável autoridade.

Percorrendo as ruas fui descobrindo coisas espantosas que lá ocorriam desde sempre, disfarçadas sob uma máscara ténue de normalidade: um viúvo que, depois de se reformar, passava as tardes sentado no carro, a porta aberta, a perna esquerda fora, a direita dentro; um sujeito tão magro que se podia tomar por uma figura de cartão, ideia reforçada por andar de bicicleta e, sobretudo, por nela carregar o papelão que recolhia nos contentores do lixo; a mulher que, com uma regularidade cronométrica, vinha à janela, olhava para um lado e para o outro, como se aguardasse há muito a chegada de alguém. Eram três exemplos de situações que - creio ser esta a melhor formulação - aconteciam desde sempre e pela primeira vez. Se olharmos para as coisas com alguma distância, retirando-as do contexto, deixando-nos contaminar pela estranheza, tudo, tudo mesmo, adquire uma aura macabra e repetitiva, singular, reconhecível, que se mistura com a substância dos sonhos, a matéria das mentes perturbadas. Penso sempre, não sei porque, que talvez a resposta esteja naquela revista antiga que não resistiu às traças: nos sobreviventes de Hiroxima, no clarão absoluto que os cegou, no mundo irreal em que foram condenados a viver a partir desse momento, no segundo em que uma luz fenomenal e terrível se acendeu, iluminando-lhes a vida de escuridão. Também nós deveríamos olhar para as coisas sob esse novo ângulo de luz, passando os dedos pelas arestas invisíveis, estabelecendo ligações musicais, sinfónicas entre, por exemplo, a perna esquerda do homem do carro e a frequência cardíaca da senhora que assoma à janela. Haverá em toda esta sequência aparentemente aleatória de acontecimentos não uma ordem metafísica mas, sem dúvida, uma harmonia, um ritmo, uma canção, um segredo que não se ouve, que não se vê e, no entanto, existe.

Que coisa: já estou desiludida e sem vontade de continuar a ler. Qual a necessidade de banalizar, de recorrer a uma linguagem grosseira para caracterizar uma personagem? Percebia-se tão bem o tipo de mulher que é a Ana Mendes, sem ser necessário o epíteto " grande cabra", "dotada de um monumental par de colhões.". Desagrada-me ( Será preconceito?) e a minha empatia relativamente ao narrador- personagem fica, irremediavelmente, comprometida.

Coisas fatais...

Produto de dois séculos de falsa educação fradesca e jesuítica, seguidos de um século de pseudo-educação confusa, somos as vítimas individuais de uma prolongada servidão colectiva. Fomos esmagados [...] por liberais para quem a liberdade era a simples palavra de passe de uma seita reaccionária, por livres-pensadores para quem o cúmulo do livre-pensamento era impedir uma procissão de sair, [...] Produto assim de educações dadas por criaturas cuja vida era uma perpétua traição àquilo que diziam que eram, e às crenças ou ideias que diziam servir, tínhamos que ser sempre dos arredores...

Coisas reles e grandes coisas...

Na coisa reles que é a terra onde vivo, por mero acidente administrativo, aconteceu uma grande coisa: vi e ouvi um homem livre e, imediatamente a seguir, senti a emoção de ter inspirado a personagem de um filme.


Se uma gaivota viesse ...
Que perfeito coração No meu peito bateria Meu amor na tua mão Nessa mão onde cabia Perfeito o meu coração Se ao dizer adeus à vida As aves todas do céu Me dessem a despedida O teu olhar derradeiro Esse olhar que era só teu Amor que foste o primeiro Que perfeito coração Morreria no meu peito Meu amor na tua mão Nessa mão onde perfeito Bateu o meu coração




As gaiolas são o lugar onde as certezas moram.

I'll make my getaway Time on my own Search for a better way To find my way home to your smile...


Have you no idea that you're in deep? I've dreamt about you nearly every night this week How many secrets can you keep? 'Cause there's this tune I've found That makes me think of you somehow And I play it on repeat Until I fall asleep Spilling drinks on my settee Crawling back to you Ever though of calling when you've had a few? 'Cause I always do Maybe I'm too Busy being yours to fall for somebody new Now I've thought it through Crawling back to you... (Do I wanna know?)


Pensar, sentir, querer, tornam-se uma só confusa coisa. As crenças, as sensações, as coisas imaginadas e as actuais estão desarrumadas, são como o conteúdo misturado no chão, de várias gavetas subvertidas...
O que penso, o que sinto e o que quero? Não são grandes coisas...Sei o que penso, sei o que devo sentir, sei o que quero, apesar de pensar que não quero sentir o que devo e, portanto, não devo querer o que quero.

Tomara poder desempenhar-me, sem hesitações nem ansiedades, deste mandato subjectivo cuja execução por demorada ou imperfeita me tortura e dormir descansadamente, fosse onde fosse, plátano ou cedro que me cobrisse, levando na alma como uma parcela do mundo, entre uma saudade e uma aspiração, a consciência de um dever cumprido. Mas dia a dia o que vejo em torno meu me aponta novos deveres, novas responsabilidades da minha inteligência para com o meu senso moral. Nem choro. Como chorar? Eu desejaria poder querer (desejar) trabalhar, febrilmente trabalhar para que esta pátria que vós não conheceis fosse grande como o sentimento que eu sinto quando n'ela penso. Nada faço. Nem a mim mesmo ouso dizer: amo a pátria, amo a humanidade. (...) Não falemos mais. As coisas que se amam, os sentimentos que se afagam guardam-se com a chave d'aquilo a que chamamos «pudor» no cofre do coração. A eloquência profana-os. A arte, revelando-os, torna-os pequenos e vis. O próprio olhar não os deve revelar. Sabeis decerto que o maior amor não é aquele que a palavra suave puramente exprime. Nem é aquele que o olhar diz, nem aquele que a mão comunica tocando levemente n'outra mão. É aquele que quando dois seres estão juntos, não se olhando nem tocando os envolve como uma nuvem, que lhes (...) Esse amor não se deve dizer nem revelar. Não se pode falar dele.

Tudo o que é sério pouco nos importe,
O grave pouco pese,
O natural impulsa dos instintos
Que ceda ao inútil gozo
(Sob a sombra tranquila do arvoredo)
De jogar um bom jogo.


A tristeza solene que habita em todas as coisas grandes — nos píncaros como nas grandes vidas, nas noites profundas como nos poemas eternos...

Agora que sinto amor
Tenho interesse no que cheira.
Nunca antes me interessou que uma flor tivesse cheiro.
Agora sinto o perfume das flores como se visse uma coisa nova.
Sei bem que elas cheiravam, como sei que existia.
São coisas que se sabem por fora.
Mas agora sei com a respiração da parte de trás da cabeça.
Hoje as flores sabem-me bem num paladar que se cheira.
Hoje às vezes acordo e cheiro antes de ver.


Era uma tarde de outono, quando o céu tem um calor frio, morto, e há nuvens que abafam a luz em cobertores de lentidão. Duas coisas só me deu o Destino: uns livros(...) e o dom de sonhar.

A espantosa realidade das coisas
É a minha descoberta de todos os dias.
Cada coisa é o que é,
E é difícil explicar a alguém quanto isso me alegra,
E quanto isso me basta.
Basta existir para se ser completo.


Não há nada de mais perigoso para o espírito do que a sua relação com as grandes coisas...o perigo da ligação às grandes coisas tem uma particularidade muito desagradável: mudam as coisas, mas o perigo permanece o mesmo. Será que isto se aplica às pessoas? Talvez...

Tudo o que existe é um facto mental, isto é, concebido ; o inconcebível, se o supomos existente, é que o concebemos como conceptível se bem que não por nós. Visto que há coisas que concebemos como independentes do nosso concebê-las , por ex., os corpos exteriores — tudo quanto não é directamente sensação nossa, dada em nós e como só nossa, (distinguimos entre um objecto e a nossa ideia dele) — temos que conceber essas ideias como concebidas por outrem que não nós .

A ideia de viajar seduz-me por translação, como se fosse a ideia própria para seduzir alguém que eu não fosse. Toda a vasta visibilidade do mundo me percorre, num movimento de tédio colorido, a imaginação acordada; esboço um desejo como quem já não quer fazer gestos, e o cansaço antecipado das paisagens possíveis aflige-me, como um vento torpe, a flor do coração que estagnou. E como as viagens as leituras, e como as leituras tudo... Sonho uma vida erudita, entre o convívio mudo dos antigos e dos modernos, renovando as emoções pelas emoções alheias, enchendo-me de pensamentos contraditórios na contradição dos meditadores e dos que quase pensaram que são a maioria dos que escreveram. Mas só a ideia de ler se me desvanece se tomo de cima da mesa um livro qualquer, o facto físico de ter que ler anula-me a leitura... Do mesmo modo se me estiola a ideia de viajar se acaso me aproximo de onde possa haver embarque. E regresso às duas coisas nulas em que estou certo, de nulo também que sou — a minha vida quotidiana de transeunte incógnito, e aos meus sonhos como insónias de acordado. E como as leituras tudo... Desde que qualquer coisa se possa sonhar como interrompendo deveras o decurso mudo dos meus dias, ergo olhos de protesto pesado para a sílfide que me é própria, aquela coitada que seria talvez sereia se tivesse aprendido a cantar.

Considerar todas as coisas que nos sucedem como acidentes ou episódios de um romance a que assistimos não com a atenção senão com a vida. Só com esta atitude poderemos vencer a malícia dos dias e os caprichos dos sucessos.

A literatura que se publica em portugal não é grande coisa. Para variar, concordo com o que antónio lobo antunes disse há quase cinco anos:
Sinto uma consideração quase nula pelo que, em Portugal, se publica. Desgosta-me a infinidade de romances desonestos, entendendo por desonestidade não a falta de valor intrínseco óbvio (isso existe em toda a parte) mas a rede de lucro rápido através da banalização da vida. Livros reles de autores reles.

Embora, por princípio, não goste do adjetivo "reles", neste contexto, ele contribui para uma síntese perfeita: "Livros reles de autores reles." Acrescentaria - publicados por editores reles num país culturalmente reles ( apesar de guterres ser um digno secretário geral de uma organização reles, que, em si, não é grande coisa...)

Com que direito eu, que apresento livros reles de autores reles, me pronuncio sobre tal matéria? Não me reconheço qualquer legitimidade: assumo-me, neste aspeto, como uma reles professora de província...Não sou grande coisa, mas, como não me apetece suicidar-me, vou beber um café...

Coisas de nada, naturais da vida, insignificâncias do usual e do reles, poeira que sublinha com um traço apagado e grotesco a sordidez e a vileza da minha vida humana.

Mas o contraste não me esmaga — liberta-me; e a ironia que há nele é sangue meu. O que devera humilhar-me é a minha bandeira, que desfraldo; e o riso com que deveria rir de mim, é um clarim com que saúdo e gero uma alvorada em que me faço. A glória nocturna de ser grande não sendo nada! A majestade sombria de esplendor desconhecido... E na mesa do meu quarto sou menos reles, empregado e anónimo, escrevo palavras como a salvação da alma e douro-me do poente impossível de montes altos vastos e longínquos...

Sou vil, sou reles, como toda a gente,
Não tenho ideais, mas não os tem ninguém.
Quem diz que os tem é como eu, mas mente.
Quem diz que busca é porque não os tem.


Não são as paredes reles do meu quarto vulgar, nem as secretárias velhas do escritório alheio, nem a pobreza das ruas intermédias da Baixa usual, tantas vezes por mim percorridas que já me parecem ter usurpado a fixidez da irreparabilidade, que formam no meu espírito a náusea, que nele é frequente, da quotidianidade enxovalhante da vida. São as pessoas que habitualmente me cercam, são as almas que, desconhecendo-me, todos os dias me conhecem com o convívio e a fala, que me põem na garganta do espírito o nó salivar do desgosto físico. E a sordidez monótona da sua vida, paralela à exterioridade da minha, é a sua consciência íntima de serem meus semelhantes, que me veste o traje de forçado, me dá a cela de penitenciário, me faz apócrifo e mendigo.
Há momentos em que cada pormenor do vulgar me interessa na sua existência própria, e eu tenho por tudo a afeição de saber ler tudo claramente. Então vejo — como Vieira disse que Sousa descrevia — o comum com singularidade, e sou poeta com aquela alma com que a crítica dos gregos formou idade intelectual da poesia. Mas também há momentos, e um é este que me oprime agora, em que me sinto mais a mim que às coisas externas, e tudo se me converte numa noite de chuva e lama, perdido na solidão de um apeadeiro de desvio, entre dois comboios de terceira classe.
Sim, a minha virtude íntima de ser frequentemente objectivo, e assim me extraviar de pensar-me, sofre, como todas as virtudes, e até como todos os vícios, decréscimos de afirmação. Então pergunto a mim mesmo como é que me sobrevivo, como é que ouso ter a cobardia de estar aqui, entre esta gente, com esta igualdade certeira com eles, com esta conformação verdadeira com a ilusão de lixo de eles todos? Ocorrem-me com um brilho de farol distante todas as soluções com que a imaginação é mulher — o suicídio, a fuga, a renúncia, os grandes gestos da aristocracia da individualidade, o capa e espada das existências sem balcão.


Coisas raras...
Esta é a história de Zorbas, um gato grande, preto e gordo. Um dia, uma formosa gaivota apanhada por uma maré negra de petróleo deixa ao cuidado dele, momentos antes de morrer, o ovo que acabara de pôr.Zorbas, que é um gato de palavra, cumprirá as três promessas que nesse momento dramático lhe é obrigado a fazer: não comerá o ovo e não só criará a pequena gaivota, como também a ensinará a voar. Tudo isto com a ajuda dos seus amigos Secretário, Sabetudo, Barlavento e Colonello, dado que, como se verá, a tarefa não é fácil, sobretudo para um bando de gatos mais habituados a fazer frente à vida dura de um porto como o de Hamburgo do que a fazer de pais de uma cria de gaivota ...

É muito fácil aceitar e gostar dos que são iguais a nós, mas fazê-lo com alguém diferente é muito difícil, e tu ajudaste-nos a consegui-lo. És uma gaivota e tens de seguir o teu destino de gaivota. Tens de voar


Coisas inevitáveis...

Quando nos conhecemos , ela era uma jovem cândida e pura, apesar de uma maturidade rara e de uma capacidade de raciocínio superior. O tempo, inevitavelmente, maculou essa encantadora combinação, de ingenuidade com lucidez, e tudo mudou. Estranha e paradoxalmente, eu é que passei a ser a criança e o meu afastamento afigurou-se-me irreversível. Ela deixou de fazer sentido no meu mundo. Eu fiquei deslocado no mundo dela. Gostei de a ter conhecido. Nunca me arrependi de a ter deixado entrar no meu castelo. Gostei de sentir que exerci sobre ela, na juventude, um certo fascínio. Gostei que o nosso afastamento tivesse sido progressivo, natural, consequência inevitável de ela se ter tornado uma mulher com uma vida para além da literatura. O afastamento foi tão natural que nem foi preciso dizer adeus.

Coisas humilhantes...

Não há coisa mais humilhante do que estar doente... Seja muito ou pouco grave, sempre considerei a doença como uma humilhação: a fragilidade; as manifestações inestéticas, como febre, transpiração, suores, tosse, espilros, fezes líquidas, urina escura, tudo coisas absolutamente inestéticas; a necessidade de contar estes segredos do nosso corpo a um estranho é a máxima humilhação...( O médico é sempre um invasor, um violador da privacidade do doente). Pode ser um absurdo, mas, se for preciso, para salvar a minha dignidade, minto ao médico: quero lá saber...Odeio estar doente, não pelo sofrimento, de que obviamente não gosto, não pelo medo de morrer, mas pela humilhação de ter de recorrer a um salvador.


mumford_sons, muse, natália_correia, red_hot_chili_peppers, régio, sá_carneiro, sophia, the_prodigy, yourcenar,

Dark necessities...

Espero que este livro nunca venha a ser lido. Há entre nós algo melhor do que um amor: há uma cumplicidade.

Deixar de ser amado é ficar invisível...

e tu,
vais-te embora? vais-te embora?...

não,
não te vais embora: fico contigo…

deixas-me nas mãos a tua alma,
como um casaco.



(…) Ausente, a tua figura aumenta a ponto de encher o universo. Passas ao estado fluido que é o dos fantasmas. Presente, ela condensa-se; atinges as concentrações dos metais mais pesados, do irídio, do mercúrio. Morro com esse peso quando ele me cai sobre o coração. O admirável Paul enganou-se. (Falo do grande sofista e não do grande pregador.) Existe, para todos os pensamentos, para todos os amores que, entregues a si próprios, talvez desfalecessem, um cordial singularmente enérgico que é todo o resto do mundo, que está em oposição a ele, e que não o vale. Solidão... Não creio como eles crêem, não vivo como eles vivem, não amo como eles amam... Morrerei como eles morrem. O álcool desembriaga. Depois de alguns golos de conhaque já não penso mais em ti.


Fedra consegue tudo. Abandona a mãe ao touro, a irmã à solidão: estas formas de amor não a interessam. Abandona o seu país como quem renuncia aos seus sonhos; renega a família como quem vende as suas recordações na feira da ladra. Nesse meio em que a inocência é um crime, assiste desgostosa àquilo em que acabará por se tornar. O seu destino, visto do exterior, horroriza-a: ainda não o conhece senão sob a forma de inscrição na muralha do Labirinto: pela fuga arranca-se ao seu horrível destino. Desposa distraidamente Teseu, tal como Santa Maria a Egípcia pagava com o corpo o preço da sua passagem; deixa afundar-se no Ocidente, num nevoeiro de tábula, os matadouros gigantes da sua espécie da América cretense. Desembarca, impregnada com o odor do rancho e dos venenos do Haiti, sem saber que traz em si a lepra contraída sob um tórrido Trópico do coração. A sua estupefacção à vista de Hipólito é a de um viajante que descobre ter retrocedido no seu caminho sem o saber: o perfil daquela criança recorda-lhe Cnossos, e o machado de dois gumes. Odeia-o, educa-o; ele cresce contra ela, repelido pelo seu ódio, desde sempre habituado a desconfiar das mulheres, forçado desde a escola, desde as férias do Ano Novo, a saltar os obstáculos que espalha em seu redor a inimizade de uma madrasta. Ela tem ciúme das suas flechas, quer dizer, das suas vítimas, dos seus companheiros, quer dizer, da sua solidão. Nessa floresta virgem que é o lugar de Hipólito, planta inconscientemente os postes indicativos do palácio de Minos: traça através desses bosquedos o caminho de sentido único da Fatalidade. Em cada instante, recria Hipólito; o seu amor é realmente um incesto; não pode matar aquele rapaz sem cometer uma espécie de infanticídio. Fabrica a sua beleza, a sua castidade, as suas fraquezas; arranca-as do fundo de si própria; isola dele essa pureza detestável, para a poder odiar na figura de uma virgem insípida: forja com todas as peças a inexistência de Arícia. Embebeda-se do gosto do impossível, único álcool que serve sempre de base a todas as misturas da infelicidade. No leito de Teseu, tem o amargo prazer de na realidade enganar aquele que ama, e em imaginação aquele que não ama. É mãe: tem filhos como teria remorsos. Entre os lençóis húmidos de febril, consola-se com a ajuda de sussurros de confissão que chegam até às da infância, balbuciadas no pescoço da ama; suga a sua infelicidade; transforma-se por fim na miserável criada de Fedra. Perante a frieza de Hipólito, imita o sol quando incide num cristal: transforma-se em espectro; já não habita o seu corpo senão como o seu próprio inferno. Reconstrói no fundo de si própria um Labirinto onde não pode senão reencontrar-se: o fio de Ariana já não lhe permite sair de lá pois que o enrolou em redor do coração. Enviúva; pode finalmente chorar sem que lhe perguntem porquê; mas o negro não fica bem a essa figura sombria: ela odeia o seu luto por dar troco à dor. Desembaraçada de Teseu, transporta a sua esperança como uma vergonhosa gravidez póstuma. Faz política para se distrair de si própria: aceita a Regência tal como começaria a tricotar um xaile. O regresso de Teseu dá-se demasiado tarde para a fazer regressar ao mundo das fórmulas onde se acantona esse homem de Estado; não consegue lá entrar senão por meio de um subterfúgio; inventa, de alegria em alegria, a violação de que acusa Hipólito, de tal forma que a sua mentira é para ela uma saciedade. Diz a verdade: suportou os maiores ultrajes; a sua impostura é uma tradução. Toma veneno, porque está mitridatada contra si própria; o desaparecimento de Hipólito cria o vazio em seu redor; aspirada por esse vazio, mergulha na morte.

Edições fac simile do primeiro romande de régio, de uma peça de teatro de natália correia, da primeira edição do crime do padre amaro e da confissão de lúcio, incluindo os textos dos censores que os proibiram, são a minha última descoberta...Ter estes livros era uma dark necessitie.

É um livro de abandono e excesso, em que o escritor estava ainda muito adolescente. Não pense que o desestimo, gosto muito de o ter escrito com aquela coragem quase inconsciente....

Régio assume a influência que dostoievski exerceu sobre a sua escrita, À parte o ele ser um génio de primeira grandeza, com ele reconhecia profundas afinidades: sobretudo no seu turvo e fascinante misticismo, e no seu sublime debate entre o Bem e o Mal na alma do homem.
um romance com uma intensidade quase frenética e quase desarrumada. É o que me convém nesta quadra natalícia...

Uma opinião: Tratando-se de um romance de ficção, será que, mesmo assim, é um livro autobiográfico? Há quem defenda que sim, dizendo que a ficção nunca mente: revela o escritor na sua totalidade. Em o Jogo da Cabra Cega encontramos um Eu que procura identificar-se com outro Eu. Aqui encontramos semelhanças óbvias com a Confissão de Lúcio, de Mário de Sá-Carneiro, de quem Régio era admirador confesso. Lá, como Ricardo e Lúcio eram o espelho um do outro, aqui, o autor conduz-nos, igualmente, para essa relação de amor/ódio (confusão/fragmentação) entre as duas personagens principais da narrativa: Pedro Serra e Jaime Franco. Estamos, assim, perante uma perfeita fragmentação do sujeito, um sujeito, no fundo, estilhaçado...

as aracnídeas arquiteturas da [...] imaginação, a verdadeira ironia brota da visão compreensiva de um conflito perpétuo, da apreensão simultânea de aspetos adversos em atividade... É pelo sentimento, pela paixão que se afirma ou se nega. É pela razão que se nem nega nem afirma. É pela inteligência, a verdadeira, que se aceita sem afirmar nem negar... [...] Ele [o ironista] não só diz o contrário do que pensa! Pensa também o contrário do que pensa, e põe-se à margem da vida para a julgar de fora, compreendendo ao mesmo tempo que não pode sair da vida.

Jogo da Cabra Cega foi o primeiro romance de Régio, editado pela Presença, Ed. Atlântida, em boa parte ainda escrito em Coimbra. Foi posto à venda por volta de Outubro de 1934 e cerca de três meses depois seria proibido, precisamente em 24 de Dezembro desse ano, sendo apreendidos todos os exemplares existentes nas livrarias e na editora.


Crítica a um povo crente, iludido, que não quer ver a realidade, e uma falsa nobreza, interesseira, desejosa de dinheiro.
Segundo o relatório da censor, de 1970, “trata-se do desenvolvimento em estilo ‘paródia’ de assunto histórico, com não poucas pinceladas pornográficas, à maneira de ‘Natália Correia’, com alusões ao povo português ou a figuras históricas com expressões de chacota e uma clara intenção de ridicularizar(...) Conclusão: julgo ser de poibir, por inconveniência política e pornográfica"

Em 1977, a peça é representada, sendo distribuída a segunie folha de sala, de autoria de natália correia: O Encoberto tem a condicionante de um tempo mas dele se descondicionana intemporalidade do próprio tema. O seu enquadramento é histórico. Situa-nos no período paradigmático da monarquia filipina. Paradigmático porque em “ocupação estrangeira” se traduz o poder sempre que exercido despoticamente. Na altura em que a peça foi escrita, essa conotação com o regime que então vigorava em Portugal foi-me recurso para focar uma situação presente que o rigor censório não permitia abordar às claras. Mesmo assim não conseguiu a peça passar às malhas da severíssima censura que nela só descortinou um manifesto contra o fascismo exótico à vontade dos portugueses e por isso identificável com o reinado filipino. Dentro da moldura histórica adensavam-se contudo os valores mais importantes de O Encoberto. No negativo da alienação dos povos e dos indivíduos germina o sonho que liberta. A irracionalidade do poder que escraviza só pode ser destruída, no sentir dos que impotentemente a sofrem, por outra irracionalidade: a do libertador impossível, o Monarca da Bruma. O Encoberto é a confrontação surda destas duas irracionalidades. A insolução é, consequentemente, a poética e o humor lírico que se dão lide na peça.

Desejos...

Depois dos primeiros desesperos, desabafos em patadas no soalho e blasfémias de que pedia logo perdão a Nosso Senhor Jesus Cristo, quis serenar, estabelecer a razão das coisas. Aonde o levava aquela paixão? Ao escândalo. E assim, casada ela, cada um entrava no seu destino legítimo e sensato - ela na sua família, ele na sua paróquia. Depois, quando se encontrassem, um cumprimento amável; e ele poderia passear a cidade com a sua cabeça bem direita, sem medo dos apartes da Arcada, das insinuações da gazeta, das severidades de sua excelência e das picadinhas da consciência! E a sua vida seria feliz. - Não, por Deus! a sua vida não poderia ser feliz sem ela! Tirado à sua existência aquele interesse das visitas à Rua da Misericórdia, os apertozinhos de mão, a esperança de delícias melhores - que lhe restava a ele? Vegetar, como um dos tortulhos nos cantos húmidos da Sé! E ela, ela que o entontecera com os seus olhinhos e as suas maneirinhas, voltava-lhe as costas mal lhe aparecia outro, bom para marido, com 25$000 por mês! Todos aqueles suspiros, aquelas mudanças de cor - chalaça! Mangara com o senhor pároco!

Lamentava não poder acender as fogueiras da Inquisição! - Assim aquele inofensivo moço tinha durante horas, sob a excitação colérica de uma paixão contrariada, ambições grandiosas de tirania católica: - porque todo o padre, o mais boçal, tem um momento em que é penetrado pelo espírito da Igreja ou nos seus lances de renunciamento místico ou nas suas ambições de dominação universal: todo o subdiácono se julga uma hora capaz de ser santo ou de ser papa: não há seminarista que não tenha, durante um instante, aspirado com ternura à caverna no deserto em que S. Jerônimo, olhando o céu estrelado, sentia descer-lhe sobre o peito a Graça, como um abundante rio de leite: e o abade pançudo que à tardinha, à varanda, palita o dente furado saboreando o seu café com um ar paterno, traz dentro em si os indistintos restos dum Torquemada.

assim éramos nós obscuramente dois, nenhum de nós sabendo bem se o outro não era ele próprio, se o incerto outro viveria…

Um desejo realizado...
Cumpridos dez anos de prisão por um crime que não pratiquei e do qual, entanto, nunca me defendi, morto para a vida e para os sonhos… nada podendo já esperar e coisa alguma desejando — eu venho fazer enfim a minha confissão: isto é, demonstrar a minha inocência. Talvez não me acreditem. Decerto que não me acreditam. Mas pouco importa. O meu interesse hoje em gritar que não assassinei Ricardo de Loureiro é nulo. Não tenho família; não preciso que me reabilitem. Mesmo, quem esteve dez anos preso, nunca se reabilita. A verdade simples é esta.

Porém, a verdade é que em redor da sua figura havia uma auréola. Gervásio Vila-Nova era aquele que nós olhamos na rua, dizendo: ali, deve ir alguém. Todo ele encantava as mulheres. Tanta rapariguinha que o seguia de olhos fascinados quando o artista, sobranceiro e esguio, investigava os cafés… Mas esse olhar, no fundo, era mais o que as mulheres lançam a uma criatura do seu sexo, formosíssima e luxuosa, cheia de pedrarias…
— Sabe, meu caro Lúcio — dissera-me o escultor, muita vez —, não sou eu nunca que possuo as minhas amantes; elas é que me possuem
~

Aquele corpo esplêndido, triunfal, dava-se a três homens – três machos se estiraçavam sobre ele, a poluí-lo, a sugá-lo!… Três? Quem sabia se uma multidão? … e ao mesmo tempo que esta ideia me despedaçava, vinha-me um desejo perverso de que assim fosse…

Braços cruzados, sem pensar nem crer,
Fiquemos pois sem mágoas nem desejos.
Deixemos beijos, pois o que são beijos ?
A vida é só o esperar morrer.


Desejava ser como os outros, mas os outros não desejam ser como eu.

Vou em mim como entre bosques,
Vou-me fazendo paisagem
Para me desconhecer.
Nos meus sonhos sinto aragem,
Nos meus desejos descer.



Sim, todos os meus desejos
São de estar sentir pensando...
A Lua (dizem os Ingleses)
É azul de quando em quando.


A tua carne calma
Presente não tem ser,
Os meus desejos são cansaços.
Quem querem ter nos braços
É a ideia de te ter.




Às vezes, em sonhos distraídos, que me surgem das esquinas do pensamento e da emoção, visiono amores. Uma vez me encontro desenrolando um enredo de uma paixão correspondida por uma tuberculosa génio, que havia escrito o seu livro imortal na esperança de não sei quê, sempre, coitada, à janela da casa caiada. Outras vezes é a marquesa, que mora na quinta alta, que, quando me conheceu residente perto de ali onde eu nunca estaria, me atrai a si sem querer; o nosso amor desenvolve-se sem história, e há uma grande conclusão. Outras vezes ainda o romantismo deixa as tuberculosas e a aristocracia, e há uma grande simplicidade nos desejos sonhados: ela foi encontrada entre a vida como uma flor entre ervas altas, colhi-a para o meu lar limpo e lindo, e a minha vida, pelo menos até onde vai o sonho, dorme quietudes entre sinceridades, e tudo é afago. (...)
Mas, de repente, e com um regresso de pesadelo estatelado, desperto do meu romantismo sexual, e coro a sós comigo de fazer com a mente de dentro a mesma coisa que fazem todos os homens. E tenho, como timbre de fidalguia fraseada, a vantagem ridícula de contra. Sim, às vezes, sonho deste modo. Às vezes sou costureira masculina, e tenho príncipes, que são princesas, e muitas vezes são outra coisa, na imaginação inevitável.E então acordado de todo, rio, quase alto, de me ver assim, como se me visse nu por baixo da nudez, como se me conhecesse esqueleto da alma, e uma alegria ponteaguda valsa nos meus devaneios. Que tristeza!


Teias...

Meu amor perdido, não te choro mais, que eu não te perdi! Porque posso perder-te na rua, mas não posso perder-te no ser, Que o ser é o mesmo em ti e em mim.

Por vezes fêmea. Por vezes monja. Conforme a noite. Conforme o dia. Molusco. Esponja embebida num filtro de magia. Aranha de ouro presa na teia dos seus ardis. E aos pés um coração de louça quebrado em jogos infantis...

...estar no alto da escada de mão e vir uma teia de aranha lamber-lhe a cara. Esta surpresa, para mim, implicaria uma queda inevitável e de consequências imprevisíveis.( Mesmo a falar de teias , eis uma queda...)

Não sentis tudo isto como uma aranha enorme que nos tece de alma a alma uma teia negra que nos prende?

A aranha do meu destino
Faz teias de eu não pensar.
Não soube o que era em menino,
Sou adulto sem o achar.
É que a teia, de espalhada
Apanhou-me o querer ir...
Sou uma vida baloiçada
Na consciência de existir
A aranha da minha sorte
Faz teia de muro a muro...
Sou presa do meu suporte.



Eu não saberia nunca como ajeitar a minha alma a levar o meu corpo a possuir o seu. Dentro de mim, mesmo ao pensar nisso, tropeço em obstáculos que não vejo, enredo-me em teias que não sei o que são. Que muito mais me não aconteceria se eu quisesse possuí-la realmente? Que eu — repito-lho — era incapaz de o tentar fazer. Nem sequer me ajeito a sonhar-me fazendo-o.(...) É neste livro que, primeiro, lerá esta carta para si. Se não souber que é para si, resignar-me-ei a que assim seja. Escrevo mais para me entreter do que para lhe dizer qualquer coisa... Só as cartas comerciais são dirigidas. Todas as outras devem, pelo menos para o homem superior, ser apenas dele para si próprio.Nada mais tenho a dizer-lhe. Creia que a admiro tanto quanto posso. Ser-me-ia agradável que pensasse em mim às vezes.

A tua carne calma
Presente não tem ser,
Os meus desejos são cansaços.
Quem querem ter nos braços
É a ideia de te ter


Insânias...

Nunca se viu mais tranquilidade no encontro de duas criaturas que uma à outra se andavam seduzindo.Durante muito dias se espreitaram,e pareceu que a mudez de Natalina era o apuramento da palavra.Pois horas e mais horas se escoavam,trazendo para baixo o seu crespúculo,sem que a um ou a outro entediasse essa tão grande soma de silêncios.

Para a professora,ele personificava a raça dos políticos de esquerda,da populaça que ela sempre odiara e que temia como uma infecção.Naquele momento olhava para Talívio com um ressentimento acumulado ao longo de anos de democracia.
Pelo meio deles ia vivendo Chico Amor com o seu riso que,esse,não era novidade,sendo conhecimento geral que tresloucava.

Era uma memória que pouco lhe ocorria, porque lhe dava sempre a impressão de não lhe pertencer inteiramente,de que a tinha usurpado à vida de outro alguém...

O mais arrepiante era ele nada dizer,nem com a fala,nem sequer com o olhar. Vinha por dentro delas,como um enorme insecto transparente do qual não se sentisse o latejar,e ali ficava,com visível indiferença,nessas horas de sonho que os relógios ainda não aprenderam a medir...



Spinning Knot that is on my heart is like a Bit of light in a touch of dark you got Sneak attack from the zodiac But I see your fire spark Eat the breeze and go Blow by blow and go away What do you say Yeah, You don't know my mind You don't know my kind Dark necessities are part of my design and Tell the world that I'm Falling from the sky Dark necessities are part of my design...

Olho para a gata e sorrio. Penso na tua imagem e, apesar de tudo, ainda sorrio...Insânia?

Tem razão erasmo: A pior das insânias é, sem dúvida, pretender ser sensato num mundo de doidos.

Loucuras...
O amoroso apaixonado já não vive em si, mas no que ama; quanto mais se afasta de si para se fundir no seu amor, mais feliz se sente. Assim, quando a alma sonha em fugir do corpo e renuncia a servir-se normalmente dos seus orgãos, podeis dizer com razão que ele enlouquece. As expressões correntes não querem dizer outra coisa: «Não está em si... Volta a ti... Ele voltou a si.» E quanto mais perfeito é o amor, maior a loucura e mais feliz(...) Aqueles que tiveram o privilégio tão raro de tais sentimentos, experimentam uma espécie de demência: falam sem coerência, pronunciam palavras sem sentido e a cada instante mudam a expressão do rosto. Ora tristes, ora alegres, riem, choram, suspiram. Em resumo, estão fora de si. Quando voltam a si, não sabem dizer onde estiveram, se estavam ou não no seu corpo, despertos ou adormecidos, que ouviram, disseram ou fizeram. Só se recordam como que através de um sonho ou de uma nuvem. Sabem somente que foram felizes durante tal loucura. Lamentam ter regressado à razão e sonham poder viver eternamente nesta insânia. E apenas saboreiam um ligeiro gosto da felicidade futura!

Segundo a definição dos estoicos, a sabedoria consiste em ter a razão por guia; a loucura, pelo contrário, consiste em obedecer às paixões; mas para que a vida dos homens não seja triste e aborrecida Júpiter deu-lhes mais paixão do que razão...

Sou a insânia da dor e do pensar Sobre o livro de horror do mundo. Por que fui eu, amaldiçoado horror Que me fizeste ser e que eu nem posso Pensar para te amaldiçoar, ou crer Em ti, tão cheio do consciente e mensurante Que o ódio me não cegue para ver Que não sei que tu és para saber Se sequer poderei pensar odiar-te.

How fickle my heart and how woozy my eyes... That you made in your own head...


Come play my game I'll test ya Psychosomatic addict, insane... I'm the pain you tasted Fell intoxicated (Hey, hey, hey)...



Loucura? - Mas afinal o que é a loucura?...

- Um enigma...A vida é uma convenção: isto é vermelho, aquilo é branco, unicamente porque se determinou chamar à cor disto vermelho e à cor daquilo branco. A maior parte dos homens adoptou um sistema determinado de convenções: É a gente de juízo... Pelo contrário, um número reduzido de indivíduos vê os objectos com outros olhos, chama-lhes outros nomes, pensa de maneira diferente, encara a vida de modo diverso. Como estão em minoria... são doidos...O meu amigo não pensava como toda a gente... Eu não o compreendia: chamava-lhe doido...Experimentei uma vaga desilussão quando o vi o meu amigo descer do pedestal de bizarria para a banalidade. Nessa banalidade ele ia ser feliz.Eu alegrava-me por consequência..

O meu destino é outro - é alto e é raro. unicamente custa muito caro: A tristeza de nunca sermos dois...
A esculura faz corpos ,a literatura faz almas...se pudéssemos conjugar as nossas duas artes faríamos vidas.

Saber quem uma pessoa é; é conhecer a sua alma, penetrar nos seus pensamentos; saber como pensa, como executa.
Recordar é morrer...Não hei de morrer assim!...A minha alma é diferente de todas as outras almas...

Ah...mas ninguém ama um corpo sem fogo,um corpo de carne mole e repugnante,ninguém beija um rosto sem nariz...Mas o que eu amo é a tua alma e essa, seja feio o teu corpo, será sempre bela...amá-la-ei sempre.

Os homens deviam procurar «entreter» o tempo, e não entreterem-se a si... Eu é isso que faço... Penso no passado, revivo os dias que passaram... Assim, levanto uma barreira entre o passado e o futuro. O futuro é porém um ótimo saltador... salta todas as barreiras, vai-se tornando no presente e eu pouco resultado alcanço... Escreves para não te aborreceres... Ah! como seria feliz se me conseguisse aborrecer!...

Onde existo que não existo em mim?

É só de mim que eu ando delirante - Manhã tão forte que me anoiteceu.
Nada me expira já, nada me vive - Nem a tristeza nem as horas belas. De as não ter e de nunca vir a tê-las, Fartam-me até as coisas que não tive.E só me resta hoje uma alegria: É que, de tão iguais e tão vazios, Os instantes me esvoam dia a dia Cada vez mais velozes, mais esguios..

Que sortilégio a mim próprio lancei?

Só de ouro falso os meus olhos se douram; Sou esfinge sem mistério no poente. A tristeza das coisas que não foram Na minha'alma desceu veladamente. Na minha dor quebram-se espadas de ânsia, Gomos de luz em treva se misturam. As sombras que eu dimano não perduram, Como Ontem, para mim, Hoje é distância.
As companheiras que não tive, Sinto-as chorar por mim, veladas, Ao pôr do sol, pelos jardins... Na sua mágoa azul revive A minha dor de mãos finadas Sobre cetins...
Ai, como eu te queria toda de violetas E flébil de cetim... Teus dedos longos, de marfim, Que os sombreassem joias pretas... E tão febril e delicada Que não pudesses dar um passo - Sonhando estrelas, transtornada, Com estampas de cor no regaço... Queria-te nua e friorenta, Aconchegando-te em zibelinas - Sonolenta, Ruiva de éteres e morfinas... Ah! que as tuas nostalgias fossem guizos de prata - Teus frenesis, lantejoulas; E os ócios em que estiolas, Luar que se desbarata... Teus beijos, queria-os de tule, Transparecendo carmim - Os teus espasmos, de seda... Água fria e clara numa noite azul, Água, devia ser o teu amor por mim...
Tapetes doutras Pérsias mais Oriente... Cortinados de Chinas mais marfim... Áureos Templos de ritos de setim... Fontes correndo sombra, mansamente...Lembranças fluídas... cinza de brocado... Irrealidade anil que em mim ondeia... Ao meu redor eu sou Rei exilado, Vagabundo dum sonho de sereia...
Há vácuos, há bolhas de ar, Perfumes de longes ilhas, Amarras, lemes e quilhas - Tantas, tantas maravilhas Que se não podem sonhar!..

Sufoco em pensamento ao existir.(...) Sufoco em alma! Suma-se-me a vida E a consciência e eu deixe de pensar De fitar o mistério e sem querer Compreender-lhe o horror! Abra-me o sonho Ou a loucura a tenebrosa porta Que a treva é menos negra que esta luz.

Nada me comove que se diga de um homem que tenho por louco ou néscio, que supera a um homem vulgar em muitos casos e conseguimentos da vida. Os epilépticos são, na crise, fortíssimos; os paranóicos raciocinam como poucos homens normais conseguem discorrer; os delirantes com mania religiosa agregam multidões de crentes como poucos demagogos as agregam, e com uma força íntima que estes não logram dar aos seus sequazes.


E isto tudo não prova senão que a loucura é loucura. Prefiro a derrota com o conhecimento da beleza das flores do que a vitória no meio dos desertos, cheia de cegueira da alma a sós com a sua nulidade separada.

Dei-te a solidão do dia inteiro./ Na praia deserta, brincando com a areia, / No silêncio que apenas quebrava a maré cheia / A gritar o seu eterno insulto, / Longamente esperei que o teu vulto / Rompesse o nevoeiro.

Dou-te a solidão dos meus dias vazios de ti e de mim. Insânia, loucura ou cetim?


I can't get these memories out of my mind And some kind of madness Is starting to evolve, And I I tried so hard to let you go But some kind of madness Is swallowing me whole Yeah I have finally seen the light And I have finally realised What you mean Now I need to know is this real love Or is it just madness Keeping us afloat...

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