Não é neccessário vivermos ao lado de alguém para nos sentirmos ligados a esse alguém mais do que a qualquer outra pessoa...

domingo, 5 de fevereiro de 2017

Princípios contemplativos...

Hoje, em um dos devaneios sem propósito nem dignidade que constituem grande parte da substância espiritual da minha vida, imaginei-me liberto para sempre da Rua dos Douradores, do patrão Vasques, do guarda-livros Moreira, dos empregados todos, do moço, do garoto e do gato. Senti em sonho a minha libertação, como se mares do Sul me houvessem oferecido ilhas maravilhosas por descobrir. Seria então o repouso, a arte conseguida, o cumprimento intelectual do meu ser.
Mas de repente, e no próprio imaginar, que fazia num café no feriado modesto do meio-dia, uma impressão de desagrado me assaltou o sonho: senti que teria pena. Sim, digo-o como se o dissesse, circunstaciadamente: teria pena. O patrão Vasques, o guarda-livros Moreira, o caixa Borges, os bons rapazes todos, o garoto alegre que leva as cartas ao correio, o moço de todos os fretes, o gato meigo — tudo isso se tornou parte da minha vida; não poderia deixar tudo isso sem chorar, sem compreender que, por mau que me parecesse, era parte de mim que ficava com eles todos, que o separar-me deles era uma metade e semelhança da morte.
Aliás, se amanhã me apartasse deles todos, e despisse este trajo da Rua dos Douradores, a que outra coisa me chegaria — porque a outra me haveria de chegar?, de que outro trajo me vestiria — porque de outro me haveria de vestir?
Todos temos o patrão Vasques, para uns visível, para outros invisível. Para mim chama-se realmente Vasques, e é um homem sadio, agradável, de vez em quando brusco mas sem lado de dentro, interesseiro mas no fundo justo, com uma justiça que falta a muitos grandes génios e a muitas maravilhas humanas da civilização, direita e esquerda. Para outros será a vaidade, a ânsia de maior riqueza, a glória, a imortalidade... Prefiro o Vasques homem meu patrão, que é mais tratável, nas horas difíceis, que todos os patrões abstractos do mundo.
E recolho-me, como ao lar que os outros têm, à casa alheia, escritório amplo, da Rua dos Douradores. Achego-me à minha secretária como a um baluarte contra a vida. Tenho ternura, ternura até às lágrimas, pelos meus livros de outros em que escrituro, pelo tinteiro velho de que me sirvo, pelas costas dobradas do Sérgio, que faz guias de remessa um pouco para além de mim. Tenho amor a isto, talvez porque não tenha mais nada que amar — ou talvez, também, porque nada valha o amor de uma alma, e, se temos por sentimento que o dar, tanto vale dá-lo ao pequeno aspecto do meu tinteiro como a grande indiferença das estrelas.


Des -ser: sinto que me des-sou... Desintegrei-me...

Vejo que delirei.
Nem delirando fui feliz; mas fui-o
Apenas para obter esse cansaço
Que não obtive outrora: desejar
A morte enfim. Eis a felicidade
Suprema: recear nem duvidar,
Mas estar de prazer e dor tão lasso
A nada já sentir, longe de mim
Como era antigamente: e também longe
Dos homens do (...) natural
Estranho! com saudade só me lembro
Do meu grão tempo de infelicidade,
Saudade não, e um orgulho (que é só
O que dela me resta hoje) e não quero
Àquele tempo regressar. Já nada quero!
Caí e a queda assim me transformou!
Saudosamente ainda me lembra
D'ultra acordado estar, mas a queda
Tirou já o desejo de voltar
(Se pudesse). Deixou só um sentimento
De desejar eterna quietação
Ânsia cansada de não mais viver;
Ambição vaga de fechar os olhos
E vaga esperança de não mais abri-los.
Meu cérebro esvaído não lamenta
Nem sabe lamentar. Tumultuárias
Ideias mistas do meu ser antigo
E deste, surgem e desaparecem
Sem deixar rastos à compreensão.

E ainda com elas, sonhos que parecem
Memórias dessa infância, dessas vozes
Já deslembradas, vãs, incoerentes,
Amargas, vãs desorganizações
Que nem deixam sofrer. Vem pois, oh Morte!
Sinto-te os passos! Grito-te! O teu seio
Deve ser, suave e escutar o teu coração
Como ouvir melodia estranha e vaga
Que enleva até ao sono, e passa o sono.
Nada, já nada posso, nada, nada...
Vais-te, Vida. Sombras descem. Cego. Oh Fausto!


(A desilusão de Fausto é de três espécies: 1) verifica, no facto de que Maria o ama em parte sem saber porquê e em parte por qualidades que lhe supõe e ele não tem, que o amor é coisa que não se pode querer compreender e entre o qual e ele há um abismo profundíssimo; 2) verifica, na sua incapacidade não só de compreender o amor; como até de o sentir ou, talvez melhor, de se sentir sentindo-o, que esse abismo que existe entre ele e o amor começa por ser um abismo que existe entre ele e ele próprio; 3) verifica (...)) Qual seria a terceira??

A vida consiste no equilíbrio de duas forças, a de integração e a de desintegração, o anabolismo e catabolismo dos fisiologistas. A anulação da força de desintegração (impossível na matéria orgânica) seria a não‑vida (e, é por isso, que é impossível na matéria orgânica); a anulação da força de integração é a morte. Como o espírito é uma coisa viva (e existe ligado a uma outra coisa viva, que é o cérebro e o sistema nervoso, e, enfim, o corpo), no espírito operam, como em toda a vida, estas forças de integração e de desintegração. E, como no corpo, a anulação da desintegração seria a não existência do espírito; e a anulação da integração o que chamamos loucura.
Quanto mais alto um organismo na escala evolutiva, mais complexo é esse organismo; quanto mais complexo mais desintegrável, mais são as forças de desintegração que tem dentro de si. Do mesmo modo, quanto mais alto um espírito, tanto mais complexas as forças de desintegração que em si tem. Só por um agente tóxico, ou um traumatismo violento, podem os animais «endoidecer» — isto é, só por uma desintegração anormal. Aparte isso, não são susceptíveis de loucura; a desintegração do seu espírito é simples, a integração faz‑se sempre sem esforço. (...)Quando num indivíduo se dá um desenvolvimento das faculdades mentais de integração, nem que haja um desenvolvimento paralelo das faculdades mentais de desintegração, esse indivíduo é o que se chama um homem de talento. Não havendo um desenvolvimento mais que normal das qualidades de desintegração, o maior desenvolvimento das de integração não é chamado a operar em plena força; tem plena força, mas opera mais lentamente do que poderia.
Quando, porém, com esse grande desenvolvimento das qualidades de integração coexista um desenvolvimento igualmente grande das de desintegração — isto é, uma psiconervose — , as qualidades de integração passam a funcionar rápida e profundamente, para se não deixarem arrastar pelas outras. Dá‑se, pelo equilíbrio hipersão de um fenómeno mórbido, uma hiperharmonia do espírito. A essa hiperharmonia chamamos génio.
Quer isto dizer que não haja homens de talento com psiconervoses? Não. Mas há duas maneiras de a psiconervose coexistir com um excesso de faculdades de integração. O exame das épocas históricas mostra‑nos que os génios aparecem com mais frequência, nas épocas de desintegração social. Dir‑se‑ia, à primeira vista, que a desordem os gera. Não parece, porém, que assim seja; antes os gera a tendência para resistir à desordem, que não pode ser acentuada senão quando se acentuar a desordem a que resistir.


En la primera frase de este libro dije teer la creencia de o haber confundido todavía nunca - sí,todavía nunca, es deliberada la incorrección - la ficción con la realidad , lo cual no significa que a veces no me cueste, retrospectivamente, lograr evitar tal cofusión. Quiero pensar que la culpa es poco mía, yo no soy resposable de que algunas personas reales empezaran a comportarse en la vida como si fueran personajes de Todas las Almas tras su publicación, ni de que algunos emientes lectores con supesto conocimiento de causa diera por bueno en la realidad lo que se había contado tan sólo en una novela llena de bromas y exageración.

Penso na plenitude de um escritor conseguir que seres reais se reconstruam de acordo com personagens de um romance / novela...O autor/ narrador assume-se, então, como um verdadeiro criador, uma espécie de deus ex machina , que altera existências, não se limitando a construir meros seres de papel, mas sim seres reais que (re)nascem do seu sopro artístico...

Todas las almas cuenta la historia de los dos brumosos y singulares años que el narrador pasó en la Universidad de Oxford, una ciudad fuera del mundo y del tiempo. Y fuera de ambos viven los cautivadores personajes de esta novela: la amante casada del narrador, Clare Bayes, una mujer condicionada por algo a lo que asistió pero que no recuerda; el amigo Cromer-Blake, homosexual irónico que vive fabricando experiencias intensas para una vejez que prevé solitaria; el ya retirado y sagaz profesor Toby Rylands; el merodeador Alan Marriott, con su perro de tres patas y su conocimiento sobre la pareja espantosa que todos tenemos; y muchos otros, algunos extraordinariamente divertidos, hasta llegar al personaje que viene de otro tiempo, el enigmático escritor John Gawsworth.

Desintegrações, indiferenças ...

A vida consiste no equilíbrio de duas forças, a de integração e a de desintegração, o anabolismo e catabolismo dos fisiologistas. A anulação da força de desintegração (impossível na matéria orgânica) seria a não‑vida (e, é por isso, que é impossível na matéria orgânica); a anulação da força de integração é a morte. Como o espírito é uma coisa viva (e existe ligado a uma outra coisa viva, que é o cérebro e o sistema nervoso, e, enfim, o corpo), no espírito operam, como em toda a vida, estas forças de integração e de desintegração. E, como no corpo, a anulação da desintegração seria a não existência do espírito; e a anulação da integração o que chamamos loucura. Quanto mais alto um organismo na escala evolutiva, mais complexo é esse organismo; quanto mais complexo mais desintegrável, mais são as forças de desintegração que tem dentro de si. Do mesmo modo, quanto mais alto um espírito, tanto mais complexas as forças de desintegração que em si tem. Só por um agente tóxico, ou um traumatismo violento, podem os animais «endoidecer» — isto é, só por uma desintegração anormal. Aparte isso, não são susceptíveis de loucura; a desintegração do seu espírito é simples, a integração faz‑se sempre sem esforço.(...)
Quando, porém, com esse grande desenvolvimento das qualidades de integração coexista um desenvolvimento igualmente grande das de desintegração — isto é, uma psiconervose — , as qualidades de integração passam a funcionar rápida e profundamente, para se não deixarem arrastar pelas outras. Dá‑se, pelo equilíbrio hipersão de um fenómeno mórbido, uma hiperharmonia do espírito. A essa hiperharmonia chamamos génio. Quer isto dizer que não haja homens de talento com psiconervoses? Não. Mas há duas maneiras de a psiconervose coexistir com um excesso de faculdades de integração.
O exame das épocas históricas mostra‑nos que os génios aparecem com mais frequência, nas épocas de desintegração social. Dir‑se‑ia, à primeira vista, que a desordem os gera. Não parece, porém, que assim seja; antes os gera a tendência para resistir à desordem, que não pode ser acentuada senão quando se acentuar a desordem a que resistir.


Eu sou a desintegração.

Se eu te pudesse dar alguma coisa na vida, dar-te-ia a capacidade de te veres a ti mesmo através dos meus olhos. Só então tu perceberias como és especial para mim.

Amuralhar o próprio sofrimento é arriscar que ele te devore a partir do teu interior.

Pinto- me a mim mesma porque sou sozinha e porque sou o assunto que conheço melhor.

Agora, vivo num planeta dolorido, transparente como o gelo. É como se houvesse aprendido tudo de uma vez, numa questão de segundos. As minhas amigas e colegas tornaram-se mulheres lentamente. Eu envelheci em instantes e agora tudo está embotado e plano. Sei que não há nada escondido; se houvesse, eu veria.

(E o que mais dói) é viver num corpo que é o sepulcro que nos aprisiona (segundo Platão), do mesmo modo como a concha aprisiona a ostra.

Espero que a partida seja feliz e espero nunca mais voltar.

Se existe vida depois da morte, não me esperem, porque eu não vou.

Frida Kahlo, qui n'a jamais appris à peintre, matérialise l'intensité de son existence dans ses tableaux. Elle transcende sa souffrance grâce à l'art et son talent...

Lorsqu'elle se réveilla, à l'hôpital, Frida ne se rappelait pas ce qui s'était passé. Mais le rêve de la poupée lui revint très clairement. Dans sa tête, elle entendit le bruit de la porcelaine brisée. Elle réclama un grand miroir, des crayons et du papier. Puis elle commença à dessi­ner la poupée cassée. Ce jour-là, Frida réalisa son premier autoportrait...

Invejo, furiosamente, a capacidade de , através da arte, transcender o sofrimento. Eu, que não nasci artista, quando me sinto em sofrimento, só consigo ser ridícula...

SOU UM HOMEM ridículo. Agora já quase me têm por louco. O que significaria ter ganho em consideração, se não continuasse a ser um homem ridículo. Mas eu já não me aborreço por causa disso, agora já não guardo rancor a ninguém e gosto de toda a gente, ainda que se riam de mim... sim,senhor, agora, não sei por quê, mas sinto por todos os meus próximos uma ternura especial. Teria muito gosto em acompanhá-los no vosso riso... não precisamente nesse riso à minha custa, mas sim pelo carinho que me inspiram,se não me fizesse tanta pena vê-los. É pena que não saibam a verdade. Oh,meu Deus! quanto custa isso de ser um só a saber a verdade! Mas isto não compreendem eles. Não, nunca compreenderiam isto.

Senti de um momento para outro que para mim tudo era indiferente, que tanto me fazia que o mundo existisse como não. Pouco a pouco ia vendo e sentindo que não havia nada fora de mim. Parecia-me que, de facto, a princípio tinham existido muitas coisas, mas adivinhei igualmente depois que antes também não tinha havido nada, e que se assim me parecera foi por alguma razão. E, pouco a pouco, fui-me convencendo que daí para diante também não haveria nada. A partir dessa altura até agora deixei de me preocupar mais com os mortais e quase não voltei a dar-lhes atenção. O que não tardou a refletir-se sobre as coisas mais insignificantes, pois ocorria-me, por exemplo, quando andava pelas ruas,dar encontrões em toda a gente. E não se julgue que era por ir afundando em meditações, isso não podia ser, porque eu já tinha de pensar em tudo, tudo me era indiferente. Ainda se ao menos me tivesse entregue à resolução de problemas! Mas não, nem um só resolvi na minha vida, e, isso, havendo-os aos pontapés. Mas como tanto me fazia, os problemas afastavam-se de mim sozinhos.

MAS VEJAM: apesar de tudo me ser indiferente, sentia, por exemplo, a dor, sim, a dor, senti-a. Se alguém me tivesse batido, teria sentido a dor. E o mesmo no terreno moral, se tivesse acontecido algo de triste, teria sentido piedade, tal como antes de tudo se me ter tornado indiferente.

Transformo-me num zero, num zero absoluto. E poderia realmente a consciência de que vou deixar de existir dentro em breve, e, por consequência, de que tudo vai também deixar de existir, não ter a menor influência sobre o sentimento de piedade que inspira esse ser, nem sobre o sentimento de vergonha pela brutalidade em que uma pessoa tenha incorrido?Foi só por isto que eu bati com o pé no chão e lancei aquele grito tão furioso,porque queria demonstrar que eu... não só não sentia piedade alguma como também era capaz de cometer a grosseria mais desumana, já que dali a duas horas tudo estaria acabado e que já não existiria absolutamente nada.Acreditar-me-ão se lhes disser que foi só por isso que a afugentei? Estou absolutamente convencido disso.

Como se sabe, os sonhos são uma coisa muito estranha. Percebemos neles, com uma clareza assustadora, com uma artística elaboração, certos pormenores, ao passo que passamos outros completamente por alto, como senão existissem, sucedendo assim, por exemplo, com o tempo e com o espaço.Creio que os sonhos não os sonha a razão, mas o desejo, não a cabeça, mas o coração, e, no entanto, sobre que coisas tão complicadas passa às vezes a minha razão, no sonho!

E, além disso, só há uma verdade... uma verdade antiga, antiquíssima, mas que é preciso repetir uma e mil vezes, e que até agora não se arraigou nos nossos corações. O conhecimento da vida está acima da vida;o conhecimento da lei da felicidade... está acima da própria felicidade... Eis aí aquilo contra que se deve lutar. E eu lutarei contra isso! Se todos quisessem, tudo mudaria sobre a Terra num momento.
Mas ando ainda à procura daquela jovenzinha... E continuo, continuo....


Perante cada coisa o que o sonhador deve procurar sentir é a nítida indiferença que ela, no que coisa, lhe causa. Saber, com um imediato instinto, abstrair de cada objecto ou acontecimento o que ele pode ter de sonhável, deixando morto no Mundo Exterior tudo quanto ele tem de real — eis o que o sábio deve procurar realizar em si próprio. Nunca sentir sinceramente os seus próprios sentimentos, e elevar o seu pálido triunfo ao ponto de olhar indiferentemente para as suas próprias ambições, ânsias e desejos; passar pelas suas alegrias e angústias como quem passa por quem não lhe interessa.O maior domínio de si próprio é a indiferença por si próprio, tendo-se, alma e corpo, por a casa e a quinta onde o Destino quis que passássemos a nossa vida.
Tratar os seus próprios sonhos e íntimos desejos altivamente, en grand seigneur (...), pondo uma íntima delicadeza em não reparar neles. Ter o pudor de si próprio; perceber que na nossa presença não estamos sós, que somos testemunhas de nós mesmos, e que por isso importa agir perante nós mesmos como perante um estranho, com uma estudada e serena linha exterior, indiferente porque fidalga, e fria porque indiferente. Para não descermos aos nossos próprios olhos, basta que nos habituemos a não ter nem ambições, nem paixões, nem desejos, nem esperanças, nem impulsos, nem desassossego. Para conseguir isto lembremo-nos sempre que estamos sempre em presença nossa, que nunca estamos sós, para que possamos estar à vontade. E assim dominaremos o ter paixões e ambições, porque paixões e ambições são desescuidarmo-nos; não teremos desejos nem esperanças, porque desejos e esperanças são gestos baixos e deselegantes; nem teremos impulsos e desassossegos porque a precipitação é uma indelicadeza para com os olhos dos outros, e a impaciência é sempre uma grosseria. O aristocrata é aquele que nunca esquece que nunca está só; por isso as praxes e os protocolos são apanágio das aristocracias.



Give me a kiss to build a dream ................................................................................ Dream a little dream of me...

Perturbações e moléstias...

O que eu toco desfaz-se.

A jarra preciosa está partida E nada valem os fragmentos seus; A imagem do templo está caída; Partiu-se. Era de barro.(...) Junta os fragmentos da jarra divina E a jarra não fazem; Volta ao altar a imagem Já não é o que foi.

Fragmentos verbais de inveja, de luxúria, de trivialidade vão de embate ao meu sentido de ouvir. Sussurrados murmúrios (...) ondulam para a minha consciência. Pouco a pouco vou perdendo a consciência nítida de que existo coextensamente com isto tudo, de que realmente me movo, ouvindo e pouco vendo, entre sombras que representam entes e lugares onde entes o são. Torna-se-me gradualmente, escuramente, indistintamente incompreensível como é que isto tudo pode ser em face do tempo eterno e do espaço infinito. Passo daqui, por passiva associação de ideias, a pensar nos homens que desse espaço e desse tempo tiveram a consciência analisadora e compreendedoramente perdida. Sente-se-me grotesco a ideia de que entre homens como estes, em noites sem dúvida como esta, em cidades de certo não essencialmente diversas da em que penso, os Platões, os Scotus Erigenas, os Kants, os Hegels como que se esqueceram disto tudo, como que se tornaram diversos desta gente (...). E eram da mesma humanidade, (...). Eu mesmo que passeio aqui com estes pensamentos, com que horrorosa nitidez, ao pensá-los, me sinto distante, alheio, confuso e (…).

A melga perturba, perturba muito, e não provoca só uma moléstia epidérmica.
Se tudo fosse tão fácil como matar uma melga.Se houvesse repelentes para perturbações de outro tipo.


Sinto-me perturbado
E a consciência da perturbação
Mais me perturba
.


Entremos na morte com alegria! Caramba
O ter que vestir fato, o ter que lavar o corpo,
O ter que ter razão, semelhanças, maneiras e modos;
O ter rins, fígado, pulmões, brônquios, dentes.
Coisas onde há dor de [...] e moléstias
(Merda para isso tudo!)
Estou morto, de tédio também
Eu bato, a rir, com a cabeça nos astros
Como se desse com ela num arco de brincadeira
Estendido, no carnaval, de um lado ao outro do corredor,
Irei vestido de astros; com o sol por chapéu de coco

A impossibilidade de agir foi sempre em mim uma moléstia com etiologia metafísica. Fazer um gesto foi sempre, para o meu sentimento das coisas, uma perturbação, um desdobramento, no universo exterior; mexer-me deu-me sempre a impressão que não deixaria intactas as estrelas nem os céus sem mudança. Por isso, a importância metafísica do mais pequeno gesto, cedo tomou um relevo atónito dentro de mim. Adquiri perante agir um escrúpulo de honestidade transcendental, que me inibe, desde que o fixei na minha consciência, de ter relações muito acentuadas com o mundo palpável.

Uma das grandes tragédias da minha vida — porém daquelas tragédias que se passam na sombra e no subterfúgio — é a de não poder sentir qualquer coisa naturalmente. Sou capaz de amar e odiar, como todos, de, como todos, recear e entusiasmar-me; mas nem meu amor, nem meu ódio, nem meu receio, nem meu entusiasmo, são exactamente aquelas mesmas coisas que são. Ou lhes falta qualquer elemento ou se lhes acrescenta algum. O certo é que são qualquer outra coisa, e o que sinto não está certo com a vida. Nos espíritos a que chamam calculistas — e a palavra é muito bem delineada —, os sentimentos sofrem a delimitação do cálculo, do escrúpulo egoísta, e parecem outros. Nos espíritos a que chamam propriamente escrupulosos, a mesma deslocação dos instintos naturais se nota. Em mim nota-se igual perturbação da certeza do sentimento, mas nem sou calculista nem sou escrupuloso. Não tenho desculpa para sentir mal. Por instinto desnaturo os instintos. Sem querer, quero erradamente.

«Diálogo no Jardim do Palácio»
Assim, separados, amar-nos-emos sempre. A ponte entre nós será a curva do céu, e assim o nosso amor será eterno. Possuir-te era já o caminho de perder-te. Viver contigo era a maneira de te ir esquecendo. O que concluir de tudo isto? Nada. Dissemos muitas verdades mas elas contradizem-se umas às outras. Os sonhos quando passam na água são repuxos também porque a gente pode senti-los do mesmo modo. Quanto a gente os sente, se depois fechar os olhos, aquilo que se sente transforma-se em repuxos que a gente vê. Eu acho que [há] muito a explorar nas nossas sensações. Há grandes interiores de continentes dentro de nós, com mistérios a desvendar. Quem sabe, amor, se raças diferentes das nossas habitarão esses sítios desconhecidos (inexplorados)? Habituei-me sempre a olhar para as minhas sensações como para uma coisa exterior.
— De que havemos de falar?
— De qualquer cousa. Do mistério das cousas e das formas das flores. São cousas iguais quando a medida é Deus. O mistério das cousas (...) E as formas das flores foram os primeiros contos de fadas.
— Às vezes, quando acordo de noite, sinto parar de repente, para que eu não vá ouvi-lo, o ruído das mãos que estão tecendo o meu destino. Vejo no ar fragmentos do meu futuro, rápidas sombras, e tendo uma vaga intuição da unidade divina do meu ser. Eu sou uma frase divina com um sentido que me escapa.


Abdicação...
Nada me satisfaz, nada me consola, tudo — quer haja sido, quer não — me sacia. Não quero ter alma e não quero abdicar dela. Desejo o que não desejo e abdico do que não tenho. Não posso ser nada nem tudo: sou a ponte de passagem entre o que não tenho e o que não quero.

- Então, que se passa?
- Morri, mas estou bem, muito bem.


A divina inveja
Sempre que tenho uma sensação agradável na companhia de outros, invejo-lhes a parte que tiveram nessa sensação. Parece-me um impudor que eles sentissem o mesmo do que eu, que me devassassem a alma por intermédio da alma, unissonamente sentindo. A grande dificuldade do orgulho que para mim oferece a contemplação das paisagens, é a dolorosa circunstância de já as haver com certeza contemplado alguém com um intuito igual. A horas diferentes, é certo, e em outros dias. Mas fazem-me notar como seria acariciar-me e amansar-me com uma escolástica que sou superior a merecer. Sei que pouco importa a diferença, que com o mesmo espírito em olhar, outros tiveram ante a paisagem um modo de ver, não como, mas parecido com o meu. Esforço-me por isso para alterar sempre o que vejo de modo a tomá-lo irrefragavelmente meu — de alterar, mentindo — o momento belo e na mesma ordem de linha de beleza, a linha do perfil das montanhas; de substituir certas árvores e flores por outras, vastamente as mesmas diferentissimamente; de ver outras cores de efeito idêntico no poente — e assim crio, de educado que estou, e com o próprio gesto de olhar com que espontaneamente vejo, um modo interior do exterior. Isto, porém, é o grau ínfimo de substituição do visível. Nos meus bons e abandonados momentos de sonho arquitecto muito mais. Faço a paisagem ter para mim os efeitos da música, evocar-me imagens visuais — curioso e dificílimo triunfo do êxtase, tão difícil porque o agente evocativo é da mesma ordem de sensações que o que há-de evocar. O meu triunfo máximo no género foi quando, a cena hora ambígua de aspecto e luz olhando para o Cais do Sodré nitidamente o vi um pagode chinês com estranhos guizos nas pontas dos telhados como chapéus absurdos — curioso pagode chinês pintado no espaço, sobre o espaço cetim, não sei como, sobre o espaço que perdura a abominável terceira dimensão. E a hora cheira-me verdadeiramente a um ruído [...] e longínquo e com uma grande inveja de realidade..

(In)Sensatez...
Investiguemos, disse o Dr. Quaresma, qual é a alma do assassino.
Tomemos, para exemplo elucidativo, o caso da comparação da bebedeira com a loucura. A semelhança, postas de parte as diferenças externas, é absoluta: a mesma falta de domínio em si mesmo, a mesma emergência de tendências reprimidas, por essa falta de domínio, a mesma incoordenação de ideias, de emoções e movimentos, ou a falsa coordenação de umas ou de outras. Considere-se por um esforço mental que não é difícil essa bebedeira como permanente: tem-se, por intuição própria, pois todos nós nos embebedamos pelo menos uma vez, o conhecimento íntimo de como funciona a alma de um louco. E temos esse conhecimento nos seus pormenores essenciais — a quebra de inibição, a perturbação emotiva, a falta de relação exacta com o mundo externo. (...)No caso do assassino, temos que considerar, como no do louco em relação ao bêbado, que o impulso, em vez de externo, é interno. O assassino é pois um histérico sugestionado de dentro. Ora este «dentro» pode ser uma de três coisas — um impulso passional e ocasional; ou uma disposição íntima do temperamento; ou (chamo para isto a sua atenção!) uma formação mental-emotiva que cria dentro do indivíduo um ser sugestionador.


Qualquer indivíduo pode ser sensato, desde que não tenha imaginação, disse wilde.A loucura é vizinha da mais cruel sensatez.

Não queiras reacender um lume já apagado ...


Acabei de descobrir que fernando pessoa e a sua gente nunca utilizaram as palavras sensatez/ insensatez. Surgiu-me a ideia de fazer um levantamento de todos os nomes abstratos nunca utilizados por ele(s) . Sempre adorei a inutilidade de fazer listas: de amigos, de inimigos; de amores, de desamores; de interesses, de desinteresses; de gostos, de desgostos; de compras; de afazeres, de tarefas realizadas; de dias nefastos; listas de tudo e listas de nada. Durante vários anos, tive o sonho/ desejo/ projeto de ser diretora de um colégio privado. Nem sei quantas vezes fiz e refiz as listas de professores e funcionários merecedores de integrar o corpo docente e auxiliar. Claro que este devaneio nunca passou da fase das listas, como tudo que arquiteto...Esta lista dos vocábulos que não integram o léxico pessoano tem como objetivo um trabalho que , certamente, nunca publicarei, mas, entretanto, faço aquilo para que tenho algum jeito: a lista...

Escuta: Eu te deixo ser, deixa-me ser então. Sabe o que eu quero de verdade?! Jamais perder a sensibilidade, mesmo que às vezes ela arranhe um pouco a alma. Porque sem ela não poderia sentir a mim mesma...Amanheci em cólera. Não, não, o mundo não me agrada. A maioria das pessoas estão mortas e não sabem, ou estão vivas com charlatanismo. E o amor, em vez de dar, exige. E quem gosta de nós quer que sejamos alguma coisa de que eles precisam. Mentir dá remorso. E não mentir é um dom que o mundo não merece... Fiquei com vontade de chorar mas felizmente não chorei, porque quando choro fico tão consolada... Por enquanto, estou inventando a tua presença. Minha saudade anda assim espalhada, apertada, sufocada em pequenos espaços geográficos onde pedaços do meu coração residem .Pois logo a mim, tão cheia de garras e sonhos, coubera arrancar de seu coração a flecha farpada. De chofre explicava-se para que eu nascera com mão dura, e para que eu nascera sem nojo da dor. Para que te servem essas unhas longas? Para te arranhar de morte e para arrancar os teus espinhos mortais, responde o lobo do homem. Para que te serve essa cruel boca de fome? Para te morder e para soprar a fim de que eu não te doa demais, meu amor, já que tenho que te doer, eu sou o lobo inevitável pois a vida me foi dada. Para que te servem essas mãos que ardem e prendem? Para ficarmos de mãos dadas, pois preciso tanto, tanto, tanto - uivaram os lobos e olharam intimidados as próprias garras antes de se aconchegarem um no outro para amar e dormir. Como se visse alguém beber água e descobrisse que tinha sede. Sede profunda e velha. Talvez fosse apenas falta de vida: estava vivendo menos do que podia e imaginava que sua sede pedisse inundações.

Terá sido falta de sensatez comprar este livro, mas fui levada pela curiosidade de o autor ser filho de freitas do amaral... De qualquer modo, estava em promoção e ainda recebi de brinde uma caneca jeitosa... ~

Desamizade...
With the birds I'll share This lonely view With the birds I'll share This lonely view...E foi tão corpo que foi puro espírito...

I made a mistake in my life today everything I love gets lost in drawers...He knows that you dreaming about being loved by him...

Como um tubarão. O homem atravessara a enorme tenda onde decorria o casamento com a majestade, a força e o silêncio de um tubarão. A curiosa, e feliz, definição pertencera ao professor Bernardino. É certo que existiam diferenças de pormenor: não mordera ninguém, apenas apertara algumas mãos e sorrira uma ou outra vez,um sorriso duro e frio.

Durante alguns minutos, à volta da mesa ninguém piou. O pintor Afonso e o «seu» Raulzito digeriam a afronta, trincando as gambinhas com raiva, e D. Laurentina e D. Natália mastigavam contentes,orgulhosas da sua pequena vitória.

Nesse momento, os empregados, vestidos de smoking (casaco branco), começaram a servir o prato principal. Lombo e batatinhas interromperam o embaraço público de João Pedro, mas não a sua perturbação interior. Porque continuava Mariana sem chegar?

O que se passaria com Mariana? Uma estranha sensação invadia-o. A ausência dela deixava-o desassossegado. Seria amor o que sentia? Estaria ele com tantas saudades que um mero atraso dela o podia deixar assim? Mas o que se passara entre eles era amor? E, nos dias que corriam, o que era amor? Sim, existira intimidade; sim, havia sentimentos; mas era um «namoro»? As pessoas, hoje, já não começavam namoro. Não havia «o Momento Inicial», o Big Bang, o acto fundador. Já ninguém «pedia namoro» a ninguém, como na sua adolescência, quando ia com as raparigas. ao cinema, ao Oxford de Cascais; ou a meio de um slow do Christopher Cross, numa festa em casa dos amigos. Hoje, ia-se começando, devagar, com prudência,
um jantar aqui, um cinema ali, sexo, jantar, sexo, e depois as pessoas descobriam que não havia mais ninguém, começavam a pensar que gostavam da companhia e a coisa podia evoluir. Era a teoria geral dos namoros nestes tempos. Será que Mariana verificava essa teoria? Não fazia ideia. Era cedo. Ainda estavam na fase do «ir andando».


Não vou chegar a saber o que aconteceu à Mariana, a meio do primeiro capítulo, já conclui que foi falta de sensatez. Não tenho paciência. Quem me manda comprar livros numa área de serviço? Valeu pela caneca...

Árvores...
Apeteceu-me ir fotografar árvores...Sonhei com árvores sabe-se lá porquê...Fiquei-me pelas árvores literárias: são a minha realidade possível...Eu estou só. O gato está só. As árvores estão sós. Mas não o só da solidão: o só da solistência...

Fui forte, venci as misérias da alma com a alma toda. Lembro o teu sorriso pequeno,..., e não sorrio para não chorar. Vi-te como eras,..., num sonho da meia-noite De novo te amei, mas de outra maneira. Porém vi-te qual eras. As árvores da floresta onde andámos sãs as mesmas, ou são outras. Nós, ..., nem somos os mesmos nem outros, porque lembramos.

Não basta abrir a janela
Para ver os campos e o rio.
Não é bastante não ser cego
Para ver as árvores e as flores.
É preciso também não ter filosofia nenhuma.
Com filosofia não há árvores: há ideias apenas.
Há só cada um de nós, como uma cave.
Há só uma janela fechada, e todo o mundo lá fora;
E um sonho do que se poderia ver se a janela se abrisse,
Que nunca é o que se vê quando se abre a janela.


Ah, pouco a pouco, entre as árvores antigas, A figura dela emerge e eu deixo de pensar... Pouco a pouco, da angústia de mim vou eu mesmo emergindo... As duas figuras encontram-se na clareira ao pé do lago...As duas figuras sonhadas, Porque isto foi só um raio de luar e uma tristeza minha. E uma suposição de outra coisa, E o resultado de existir... Verdadeiramente, ter-se-iam encontrado as duas figuras Na clareira ao pé do lago? (...Mas se não existem?...) ... Na clareira ao pé do lago?.

A manhã raia. Não: a manhã não raia.
A manhã é uma coisa abstracta, está, não é uma coisa.
Começamos a ver o sol, a esta hora, aqui.
Se o sol matutino dando nas árvores é belo,
É tão belo se chamarmos à manhã «Começarmos a ver o sol»
Como o é se lhe chamarmos a manhã,
Por isso se não há vantagem em por nomes errados às coisas,
Devemos nunca lhes por nomes alguns.


Sempre que tenho uma sensação agradável em companhia de outros, invejo-lhes a parte que tiveram nessa sensação. Parece-me um impudor que eles sentissem o mesmo do que eu, que me devassassem a alma por intermédio da alma, unissonamente sentindo. A grande dificuldade do orgulho que para mim oferece a contemplação das paisagens, é a dolorosa circunstância de já as haver com certeza contemplado alguém com um intuito igual. A horas diferentes, é certo, e em outros dias. Mas fazem-me notar como seria acariciar-me e amansar-me com uma escolástica que sou superior a merecer. Sei que pouco importa a diferença, que com o mesmo espírito em olhar, outros tiveram ante a paisagem um modo de ver, não como, mas parecido com o meu. Esforço-me por isso para alterar sempre o que vejo de modo a tomá-lo irrefragavelmente meu — de alterar, mentindo — o momento belo e na mesma ordem de linha de beleza, a linha do perfil das montanhas; de substituir certas árvores e flores por outras, vastamente as mesmas diferentissimamente; de ver outras cores de efeito idêntico no poente — e assim crio, de educado que estou, e com o próprio gesto de olhar com que espontaneamente vejo, um modo interior do exterior. Isto, porém, é o grau ínfimo de substituição do visível. Nos meus bons e abandonados momentos de sonho arquitecto muito mais. Faço a paisagem ter para mim os efeitos da música, evocar-me imagens visuais — curioso e dificílimo triunfo do êxtase, tão difícil porque o agente evocativo é da mesma ordem de sensações que o que há-de evocar. O meu triunfo máximo no género foi quando, a cena hora ambígua de aspecto e luz olhando para o Cais do Sodré nitidamente o vi um pagode chinês com estranhos guizos nas pontas dos telhados como chapéus absurdos — curioso pagode chinês pintado no espaço, sobre o espaço cetim, não sei como, sobre o espaço que perdura a abominável terceira dimensão. E a hora cheira-me verdadeiramente a um ruído [...] e longínquo e com uma grande inveja de realidade...

Por cima o céu é grande;
Sinto árvores além;
Embora o vento abrande,
Há folhas em vaivém.
Tudo é do outro lado,
No que há e no que penso.
Nem há ramo agitado
Que o céu não seja imenso.


As árvores morrem de pé, comédia em três atos...

Angústias...
A angústia corta-nos a palavra... O facto de nós procurarmos, muitas vezes, na estranheza da angústia, romper o vazio do silêncio, com palavras sem nexo, é apenas o testemunho da presença do nada.


O teu silêncio é uma nau com todas as velas pandas...Brandas, as brisas brincam nas flâmulas, teu sorriso...E o teu sorriso no teu silêncio é as escadas e as andas Com que me finjo mais alto e ao pé de qualquer paraíso... Meu coração é uma ânfora que cai e que se parte... O teu silêncio recolhe-o e guarda-o, partido, a um canto...Minha ideia de ti é um cadáver que o mar traz à praia..., e entanto Tu és a tela irreal em que erro em cor a minha arte... Secou em teu olhar a ideia de te julgares calma, E eu ver isso em ti é um porto sem navios... Ergueram-se a um tempo todos os remos... Pelo ouro das searas Passou uma saudade de não serem o mar.. Em frente Ao meu trono de alheamento há gestos com pedras raras...Minha alma é uma lâmpada que se apagou e ainda está quente... Ah, e o teu silêncio é um perfil de píncaro ao sol! (...) E eu deliro... De repente pauso no que penso... Fito-te E o teu silêncio é uma cegueira minha... Fito-te e sonho... Há coisas rubras e cobras no modo como te medito, E a tua ideia sabe à lembrança de um sabor de medonho... Para que não ter por ti desprezo? Porque não perdê-lo?... Ah, deixa que eu te ignore... O teu silêncio é um leque — Um leque fechado, um leque que aberto seria tão belo, tão belo, Mas mais belo é não o abrir, para que a Hora não peque...
Gelaram todas as mãos cruzadas sobre todos os peitos... Murcharam mais flores do que as que havia no jardim... O meu amar-te é uma catedral de silêncios eleitos, E os meus sonhos uma escada sem princípio mas com fim...(...) A minha consciência de ter consciência de ti é uma prece, E o meu saber-te a sorrir uma flor murcha a meu peito... Ah, se fôssemos duas figuras num longínquo vitral!... Ah, se fôssemos as duas cores de uma bandeira de glória!... O que é que me tortura?... Se até a tua face calma Só me enche de tédios e de ópios de ócios medonhos... Não sei... Eu sou um doido que estranha a sua própria alma...Eu fui amado em efígie num país para além dos sonhos...


A "Hora absurda" talvez seja o melhor poema de fernando pessoa...um bom refúgio nestas horas absurdas repletas de silêncio..



Alfabetos é uma viagem pela literatura, através dos livros - ou melhor, uma entre milhares de viagens possíveis à descoberta dos livros, dos seus autores, e de nós próprios. Os livros que nos formam, os que nos ferem, os que nos curam, os que permitem que conheçamos o mundo e organizemos a visão que temos dele. Alfabetos é também uma reflexão sobre as contradições trágicas da literatura e dos seus autores, capazes de fazer chegar a todos princípios de humanidade, mas também de os violar. Daí também a reflexão final - apaixonada e lúcida - sobre a relação da literatura com a ética e a política, reflexão essa que destaca a necessidade que a contemporaneidade tem do empenho e, por outro lado, a necessidade da irresponsabilidade da poesia.

Talvez escrever signifique colmatar espaços brancos da existência, esse nada que imprevistamente se abre nas horas e nos dias, entre os objectos do quarto, sorvendo-os numa desolação e numa insignificância infinita. O medo, escreveu Canetti, inventa nomes para se distrair; o viajante lê e anota nomes nas estações que deixa para trás com o seu comboio, nas voltas dos caminhos por onde o levam os seus passos, e continua um tanto aliviado, satisfeito com essa ordem e esse escandir do nada.Sigmund von Birken procurava os nomes verdadeiros das coisas e pusera-se a viajar, como dizia, para observar directamente a fonte do Danúbio, sobre o qual tantos haviam escrito mas que poucos se tinham dado ao trabalho de ir ver. Não o convencia plenamente a Cosmografia de Sebastien Münster, que referia a origem do Danúbio ao dilúvio universal (XI, 11) e queria verificar se o nome do rio podia ser realmente remetido para o rumor, para o fragor das suas nascentes, conforme algumas etimologistas sustentavam. O seu gosto barroco pelos gracejos e extravagâncias não podia em todo o caso induzi-lo a comprazer-se no imaginar o grande rio tornado seco pelo fechar de uma torneira.

O italiano claudio magris talvez seja o próximo prémio nobel da literatura...Sou eu que o digo.

Trila na noite uma flauta. É de algum Pastor? Que importa? Perdida Série de notas vaga e sem sentido nenhum. Como a vida. Sem nexo ou princípio ou fim ondeia A ária alada. Pobre ária fora de música e de voz, tão cheia De não ser nada!

As insónias tornam a noite sem princípio nem fim...

Entre o luar e a folhagem,
Entre o sossego e o arvoredo,
Entre o ser noite e haver aragem
Passa um segredo.
Segue-o minha alma na passagem
Ténue lembrança ou saudade,
Princípio ou fim do que não foi,
Não tem lugar, não tem verdade,
Atrai e dói.
Segue-o meu ser em liberdade.
Vazio encanto ébrio de si!
Tristeza ou alegria o traz?
O que sou dele a quem sorri?
Não é nem faz.
Só de segui-lo me perdi.


Criei-me eco e abismo, pensando. Multipliquei-me aprofundando-me. O mais pequeno episódio — uma alteração saindo da luz, a queda enrolada de uma folha seca, a pétala que se despega amarelecida, a voz do outro lado do muro ou os passos de quem a diz junta aos de quem a deve escutar, o portão entreaberto da quinta velha, o pátio abrindo com um arco das casas aglomeradas ao luar — todas estas coisas, que me não pertencem, prendem-me a meditação sensível com laços de ressonância e de saudade. Em cada uma dessas sensações sou outro, renovo-me dolorosamente em cada impressão indefinida. Vivo de impressões que me não pertencem, perdulário de renúncias, outro no modo como sou eu.
Penso às vezes com agrado (em bissecção) na possibilidade futura de uma geografia da nossa consciência de nós próprios. A meu ver, o historiador futuro das nossas próprias sensações poderá talvez reduzir a uma ciência precisa a sua atitude para com a sua consciência da sua própria alma. Por enquanto vamos em princípio nesta arte difícil — arte ainda, química de sensações no seu estado alquímico por ora. Esse cientista de depois de amanhã terá um escrúpulo especial pela sua própria vida interior. Criará de si mesmo o instrumento de precisão para a reduzir a analisada. Não vejo dificuldade essencial em construir um instrumento de precisão, para uso auto-analítico, com aços e bronzes só do pensamento. Refiro-me a aços e bronzes realmente aços e bronzes, mas do espírito. E talvez mesmo assim que ele deva ser construído. Será talvez preciso arranjar a ideia de um instrumento de precisão, materialmente vendo essa ideia, para poder proceder a uma rigorosa análise íntima. E naturalmente será necessário reduzir também o espírito a uma espécie de matéria real com uma espécie de espaço em que existe. Depende tudo isso do aguçamento extremo das nossas sensações interiores, que, levadas até onde podem ser, sem dúvida revelarão, ou criarão, em nós um espaço real como o espaço que há onde as coisas da matéria estão, e que, aliás, é irreal como coisa.
Não sei mesmo se este espaço interior não será apenas uma nova dimensão do outro. Talvez a investigação científica do futuro venha a descobrir que tudo são dimensões do mesmo espaço, nem material nem espiritual por isso. Numa dimensão viveremos corpo; na outra viveremos alma. E há talvez outras dimensões onde vivemos outras coisas igualmente reais de nós. Apraz-me às vezes deixar-me possuir pela meditação inútil do ponto até onde esta investigação pode levar.(...)
Faço às vezes metafísica destas, com a atenção escrupulosa e respeitosa de quem trabalha deveras e faz ciência. Já disse que chega a ser possível que a esteja realmente fazendo. O essencial é eu não me orgulhar muito com isto, dado que o orgulho é prejudicial à exacta imparcialidade da precisão científica.


Passo, na noite da rua suburbana, Regresso da conferência com peritos como eu. Regresso só, e poeta agora, sem perícia nem engenharia, Humano até ao som dos meus sapatos solitários no princípio da noite Onde ao longe a porta da tenda tardia se encobre com o último taipal. Ah, o som do jantar nas casas felizes! Passo, e os meus ouvidos vêem para dentro das casas.(...) Minha sensibilidade da exclusão! Minha mágoa extrema de ser eu! Quem me vendeu ao Destino? Quem me trocou por mim? Venho de falar precisamente em circunstâncias positivas. Pus pontos concretos, como um numerador automático. Tive razão como uma balança. Disse como sabia.(...) Apanharei o eléctrico. Ai de mim; apesar de tudo sempre apanhei o eléctrico — Sempre, sempre, sempre... Voltei sempre à cidade, Voltei sempre à cidade, depois de especulações e desvios, Voltei sempre com vontade de jantar. Mas nunca jantei o jantar que soa atrás de persianas Das casas felizes dos arredores por onde se volta ao eléctrico, Das casas conjugais da normalidade da vida! Pago o bilhete através dos interstícios, E o condutor passa por mim como se eu fosse a Crítica da Razão Pura...
Paguei o bilhete. Cumpri o dever. Sou vulgar. E tudo isto são coisas que nem o suicídio cura.


Como quando A fadiga, em princípio de dormirmos, Se torna um prazer vago e um começo Do sono em que a percamos, assim pouco A pouco um múrmuro cessar da mente Me inebria de sombras e me esquece De mim, e me anoitece lentamente

A luta por ser uma minoria é essência de toda a aspiração das maiorias com ambições. Mas uma maioria não pode ser minoria senão não tendo razão, isto é, erigindo em princípio forte, maioritário por si,a razão a que falta. A contemplação não é o refúgio dos inferiores; é o refúgio inferior dos superiores.

Tenho um lenço que esqueceu
A que se esquece de mim.
Não é dela, não é meu,
Não é princípio nem fim
.

A arte livra-nos ilusoriamente da sordidez de sermos. Enquanto sentimos os males e as injúrias de Hamlet, príncipe da Dinamarca, não sentimos os nossos — vis porque são nossos e vis porque são vis. O amor, o sono, as drogas e intoxicantes, são formas elementares da arte, ou, antes, de produzir o mesmo efeito que ela. Mas amor, sono, e drogas tem cada um a sua desilusão. O amor farta ou desilude. Do sono desperta-se, e, quando se dormiu, não se viveu. As drogas pagam-se com a ruína de aquele mesmo físico que serviram de estimular. Mas na arte não há desilusão porque a ilusão foi admitida desde o princípio. Da arte não há despertar, porque nela não dormimos, embora sonhássemos. Na arte não há tributo ou multa que paguemos por ter gozado dela. O prazer que ela nos oferece, como em certo modo não é nosso, não temos nós que pagá-lo ou que arrepender-nos dele. Por arte entende-se tudo que nos delicia sem que seja nosso — o rasto da passagem, o sorriso dado a outrem, o poente, o poema, o universo objectivo.Possuir é perder. Sentir sem possuir é guardar, porque é extrair de uma coisa a sua essência.

Sempre viveu, de modo particularmente intenso, o que há de trágico, de irremediável, numa " primeira vez". A segunda será sempre a segunda, não há como torná-la primeira, pode ser mais inefável, pode ser mais absorvente e plena, mas terá sempre a mácula de ser a segunda. Desde sempre esta ideia a obsecou: recordar qualquer emoção que tenha sentido pela primeira vez torna-a particularmente feliz, por isso quer que esse momento permaneça intocado dento de si...Quando chega o fim, que se preserve imaculado o princípio.

Estou cansado de confiar em mim próprio, de me lamentar a mim mesmo, de me apiedar com lágrimas... Na vertigem física há um rodopiar do mundo externo em relação a nós: na vertigem moral, um rodopiar do mundo interior. Parece-me perder por momentos, o sentido da verdadeira relação das coisas, perder a compreensão, cair num abismo de suspensão mental. É uma pavorosa sensação esta de uma pessoa se sentir abalada por um medo desordenado. Estes sentimentos vão-se tornando comuns, parecem abrir-me o caminho para uma nova vida mental, que acabará na loucura. Na minha família não há compreensão do meu estado mental - não, nenhuma. Riem-se de mim, escarnecem-me, não me acreditam. Dizem que o que eu pretendo é mostrar-me uma pessoa extraordinária. Nada fazem para analisar o desejo que leva uma pessoa a querer ser extraordinária. Não podem compreender que entre ser-se e desejar-se ser extraordinário não há senão a diferença da consciência que é acrescentada ao facto de se querer ser extraordinário. É o mesmo caso que se dava comigo brincando com soldados de chumbo aos sete e aos catorze anos, no primeiro caso os soldados eram para mim coisas e no segundo coisas e coisas-brinquedos ao mesmo tempo: no entanto o impulso para brincar com eles subsistia e esse é que era o real e fundamental estado psíquico...Não tenho ninguém em quem confiar. A minha família não entende nada. Não posso incomodar os amigos com estas coisas. Não tenho realmente verdadeiros amigos íntimos, e mesmo aqueles a quem posso dar esse nome no sentido em que geralmente se emprega essa palavra, não são íntimos no sentido em que eu entendo a intimidade. Sou tímido, e tenho repugnância em dar a conhecer as minhas angústias. Um amigo íntimo é um dos meus ideais, um dos meus sonhos quotidianos, embora esteja certo de que nunca chegarei a ter um verdadeiro amigo íntimo. Nenhum temperamento se adapta ao meu. Não há um único carácter neste mundo que porventura dê mostras de se aproximar daquilo que eu suponho que deve ser um amigo íntimo. Acabemos com isto... Oh Shelley, como eu te compreendo! ...Sinto-me abandonado como um náufrago no meio do mar. E que sou eu senão um náufrago, afinal? Por isso só em mim próprio posso confiar. Confiar em mim próprio? Que confiança poderei eu ter nestas linhas? Nenhuma. Quando volto a lê-las, o meu espírito sofre percebendo quão pretensiosas, quão a armar a um diário literário elas se apresentam!
No princípio era o Verbo, e o Verbo estava com Deus, e o Verbo era Deus. Ele estava no princípio com Deus. Tudo foi feito por ele; e nada do que tem sido feito, foi feito sem ele. Nele estava a vida, e a vida era a luz dos homens. (João 1:1-4)

Nalgumas até mesmo cheguei a fazer estilo. A verdade, porém, é que sofro. Um homem tanto pode sofrer com um fato de seda como metido num saco ou dentro de uma manta de trapos. Nada mais.


Abdico com discrição, é com serenidade que me converto numa sombra e assiste a qualquer fim. Sempre tive o condão de partir, em recatado silêncio, antes que me mandem embora, mas sinto uma agitação angustiante só por colocar a hipótese de que a emoção vivida, no dia da maravilhosa aparição, possa ser banalizada... Podem, impunemente, roubar-me o presente, mas não tolero e sinto uma profunda aversão por quem me macula o passado, derrubando, entre risadas provocadoras, tudo o que venerei. Será esta obsessão uma faceta do meu saudosismo?

Entre o luar e a folhagem, Entre o sossego e o arvoredo, Entre o ser noite e haver aragem Passa um segredo. Segue-o minha alma na passagem Ténue lembrança ou saudade, Princípio ou fim do que não foi, Não tem lugar, não tem verdade, Atrai e dói.

Amigos, nenhum. Só uns conhecidos que julgam que simpatizam comigo e teriam talvez pena se um comboio me passasse por cima e o enterro fosse em dia de chuva. O prémio natural do meu afastamento da vida foi a incapacidade, que criei nos outros, de sentirem comigo. Em torno a mim há uma auréola de frieza, um halo de gelo que repele os outros. Ainda não consegui não sofrer com a minha solidão. Tão difícil é obter aquela distinção de espírito que permita ao isolamento ser um repouso sem angústia.
Nunca dei crédito à amizade que me mostraram, como o não teria dado ao amor, se mo houvessem mostrado, o que, aliás, seria impossível. Embora nunca tivesse ilusões a respeito daqueles que se diziam meus amigos, consegui sempre sofrer desilusões com eles — tão complexo e subtil é o meu destino de sofrer. Nunca duvidei que todos me traíssem; e pasmei sempre quando me traíram. Quando chegava o que eu esperava, era sempre inesperado para mim.
Como nunca descobri em mim qualidades que atraíssem alguém, nunca pude acreditar que alguém se sentisse atraído por mim. A opinião seria de uma modéstia estulta, se factos sobre factos — aqueles inesperados factos que eu esperava — a não viessem confirmar sempre. Nem posso conceber que me estimem por compaixão, porque, embora fisicamente desajeitado e inaceitável, não tenho aquele grau de amarfanhamento orgânico com que entre na órbita da compaixão alheia, nem mesmo aquela simpatia que a atrai quando ela não seja patentemente merecida; e para o que em mim merece piedade, não a pode haver, porque nunca há piedade para os aleijados do espírito. De modo que caí naquele centro de gravidade do desdém alheio, em que não me inclino para a simpatia de ninguém.
Toda a minha vida tem sido querer adaptar-me a isto sem lhe sentir demasiadamente a crueza e a abjecção. É preciso certa coragem intelectual para um indivíduo reconhecer destemidamente que não passa de um farrapo humano, abono sobre-vivente, louco ainda fora das fronteiras da internabilidade; mas é preciso ainda mais coragem de espírito para, reconhecido isso, criar uma adaptação perfeita ao seu destino, aceitar sem revolta, sem resignação, sem gesto algum, ou esboço de gesto, a maldição orgânica que a Natureza lhe impôs. Querer que não sofra com isso, é querer de mais, porque não cabe no humano o aceitar o mal, vendo-o bem, e chamar-lhe bem; e, aceitando-o como mal, não é possível não sofrer com ele.


Primeiro dia...

O amor é uma espécie de preconceito. Ama-se o que se precisa, ama-se o que faz sentir bem, ama-se o que é conveniente. Como se pode dizer que se ama uma pessoa quando há dez mil outras no mundo que se amariam mais se as conhecesse? Mas nunca conhece.

A princípio é simples, anda-se sozinho, passa-se nas ruas bem devagarinho está-se bem no silêncio e no borborinho bebe-se as certezas num copo de vinho e vem-nos à memória uma frase batida: hoje é o primeiro dia do resto da tua vida! Pouco a pouco o passo faz-se vagabundo dá-se a volta ao medo e dá-se a volta ao mundo diz-se do passado que está moribundo bebe-se o alento num copo sem fundo e vem-nos à memória uma frase batida: hoje é o primeiro dia do resto da tua vida! Depois vêm cansaços e o corpo frequeja olha-se para dentro e já pouco sobeja pede-se o descanso por curto que seja, apagam-se dúvidas num mar de cerveja e vem-nos à memória uma frase batida: hoje é o primeiro dia do resto da tua vida! E enfim duma escolha faz-se um desafio enfrenta-se a vida de fio a pavio navega-se sem mar sem vela ou navio bebe-se a coragem até dum copo vazio e vem-nos à memória uma frase batida: hoje é o primeiro dia do resto da tua vida! Entretanto o tempo fez cinza da brasa outra maré cheia virá da maré vaza nasce um novo dia e no braço outra asa, brinda-se aos amores com o vinho da casa e vem-nos à memória uma frase batida: hoje é o primeiro dia do resto da tua vida!
Será hoje o primeiro dia do resto da sua vida? Porquê? Sentiu-o e esta canção ocorreu,espontaneamente. Nem é especialmente apreciadora do sérgio godinho...

There's two kind of people I just can't stand Evil-hearted woman And a lyin' man Don't you lie to me Now, don't you lie to me Because it makes me mad Evil as a man can be...

Têm sido dias demasiado intensos...Vou ficar à espera de ideias / temas que me queiram procurar. Preciso de descansar...
Nunca mais me lembrei da palermice( será que o é?) de escrever à artaud...Fui buscar...

Artaud recorre a fonemas não-semantizados,procurando uma linguagem, anterior a todas as linguagens,que restabeleça a unidade do espírito. Embora intraduzível para qualquer significação, essa linguagem não carece de sentido: aquilo que enuncia não está antes, mas depois da significação. Não é um balbuciar pré-significativo: é uma realidade ao mesmo tempo física e espiritual, audível e mental, que transpôs o domínio do significado.As palavras são tratadas primariamente como material, assumindo um valor mágico. A atenção ao som e forma das palavras, como algo distinto do seu significado, é um elemento do ensinamento cabalístico do Zohar, que Artaud estudou na década de trinta. Isso é evidente em textos como Para acabar com o julgamento de Deus, onde afirma que toda verdadeira linguagem é ininteligível, exemplificando com glossolálias: potam am cram/ katanam anankreta/ karaban kreta/ tanamam anangteta/ konaman kreta/ e pustulam orentam/ taumer dauldi faldisti.


Se pudesse trincar a terra toda E sentir-lhe um paladar, Seria mais feliz um momento ... Mas eu nem sempre quero ser feliz. É preciso ser de vez em quando infeliz Para se poder ser natural... Nem tudo é dias de sol, E a chuva, quando falta muito, pede-se. Por isso tomo a infelicidade com a felicidade Naturalmente, como quem não estranha Que haja montanhas e planícies E que haja rochedos e erva ... O que é preciso é ser-se natural e calmo Na felicidade ou na infelicidade, Sentir como quem olha, Pensar como quem anda, E quando se vai morrer, lembrar-se de que o dia morre, E que o poente é belo e é bela a noite que fica... Assim é e assim seja ...

Foi estranho este primeiro dia: rua, pessoas, realidade, sol, calor, carros .Parece que passou muito tempo ou então muito pouco...Apesar de não ser necessário, já colocou duas vezes o termómetro. Confessa que o ritual do termómetro e do repouso foi imensamente dulcificado por se sentir personagem da montanha mágica..

Outro autor controverso para este primeiro dia...
Um misantropo cínico e arrogante que utilizou o poder soberano do dinheiro pode fazer pouco do público??

Um dandy fascinante a quem o poeta francês Louis Aragon chamou "o Presidente da República dos Sonhos"??

Um excêntrico que acreditava ter na testa a estrela que identifica os génios,não aceitando que o público não gostasse dele.??

Um homem que não imaginava que, no futuro, tantos haveriam de dizer, como Paul Éluard: "Que Raymond Roussel nos mostre tudo o que não existiu. A alguns de nós só interessa essa realidade". Depois de Roussel, surge toda a literatura dita moderna.
Enquanto a assistência vaiava e assobiava as representações de ... Impressões de África, sentados na plateia, maravilhados, estavam Guillaume Apollinaire, Francis Picabia e Marcel Duchamp. Os três artistas entendiam o que estavam a ver. E mais: o universo delirante que se apresentava aos seus olhos haveria de marcar profundamente a forma de encarar a arte daqueles que foram nomes maiores do Surrealismo.

Considerado pela crítica oficial um louco à solta, arruinado pelo financiamento das suas peças e pela edição de autor dos seus livros, roussel morreu de um excesso de barbitúricos, com 56 anos.

Ser sem existir...

Não quero ter a terrível limitação de quem vive apenas do que é passível de fazer sentido. Eu não: quero é uma verdade inventada. O que te direi? te direi os instantes. Exorbito-me e só então é que existo e de um modo febril. Que febre: conseguirei um dia parar de viver? ai de mim, que tanto morro. Sigo o tortuoso caminho das raízes rebentando a terra, tenho por dom a paixão, na queimada de tronco seco contorço-me às labaredas. A duração de minha existência dou uma significação oculta que me ultrapassa. Sou um ser concomitante: reúno em mim o tempo passado, o presente e o futuro, o tempo que lateja no tique-taque dos relógios.
Para me interpretar e formular-me preciso de novos sinais e articulações novas em formas que se localizem aquém e além de minha história humana. Transfiguro a realidade e então outra realidade, sonhadora e sonâmbula, me cria. E eu inteira rolo e à medida que rolo no chão vou me acrescentando em folhas, eu, obra anónima de uma realidade anónima só justificável enquanto dura a minha vida. E depois? depois tudo o que vivi será de um pobre supérfluo.


Durante muito tempo, interessei-me pela alma humana, a leitura enriquecia o meu conhecimento do mundo, dos outros, coisa que deixou totalmente de me preocupar. Só redescobrir-me e reanalisar-me assume alguma importância. Se o enredo, uma personagem ou o autor possibilitam que me autodescubra,revelando-me facetas que até desconhecia, leio com ansiedade e entusiasmo. Tudo o resto é obrigação...
Não me apetece conhecer outra gente, não tenho paciência para compreender o motivo que os leva a ser desta ou daquela maneira, isso é problema deles. Só me interessam os que, em certa medida, possa considerar "eus".
Quem não me aceitar como sou , quem não gosta do que sou, do que eu gosto, deixou de existir. Não quero nada do mundo dos outros, é deles e não meu...
Um louco inventou-me e um insensato aperfeiçoou essa invenção; o que o louco construiu o insensato não consegue destruir; a loucura manda ficar; a insensatez impede de partir. No meio destes impulsos contraditórios, será que sou / existo? Será que sou uma realidade inventada pela minha loucura ou uma ficção produto da insensatez? Será que sou sem existir? Será que existo sem ser?


Tenho as opiniões desmentidas, as crenças mais diversas - É que nunca penso nem falo nem ajo... Pensa, fala, age por mim sempre um sonho qualquer meu em que me encarno no momento. Vem a fala e falo-eu-outro. De meu, só sinto uma incapacidade enorme, um vácuo imenso, uma incompetência ante tudo o que é a vida. Não sei os gestos a acto nenhum real. Nunca aprendi a existir.


Um dos poucos divertimentos intelectuais que ainda restam ao que ainda resta de intelectual na humanidade é a leitura de romances policiais. Entre o número áureo e reduzido das horas felizes que a Vida deixa que eu passe, conto por do melhor ano aquelas em que a leitura de Conan Doyle ou de Arthur Morrison me pega na consciência ao colo.
Um volume de um destes autores, um cigarro de 45 ao pacote, a ideia de uma chávena de café — trindade cujo ser-uma é o conjugar a felicidade para mim — resume-se nisto a minha felicidade. Seria pouco para muitos, a verdade é que não pode aspirar a muito mais uma criatura com sentimentos intelectuais e estéticos no meio europeu actual.



Não faço visitas, nem ando em sociedade alguma - nem de salas, nem de cafés. Fazê-lo seria sacrificar a minha unidade interior, entregar-me a conversas inúteis, furtar tempo senão aos meus raciocínios e aos meus projectos, pelo menos aos meus sonhos, que sempre são mais belos que a conversa alheia.

Não gosto da realidade...Nunca gostei.Tudo aquilo de que preciso existe num plano demasiado etéreo, indefinido e indefinível...Sempre sobrevivi, atingindo uma relativa felicidade, à custa de me refugiar num mundo construído por mim e para mim. Até há uns anos atrás, a realidade não me afetava , ela estava lá e eu cá, porque eu, se quisesse, conseguiria encará-la. Agora , a realidade assusta-me, lembra-me que entrei numa espécie de loucura, tão insensata que ninguém pode compreender, que ninguém pode aceitar, tal com nem eu consigue. Às vezes, parece que sou duas pessoas diferentes: uma que sabe, que tem consciência, que o inevitável e o inultrapassável existem; outra que, teimosamente, se esquece e finge ignorar que o absurdo é absurdo ...Finjo tão bem que me consigo enganar ...mas , logo de seguida, o eu lúcido indigna-se, revolta-se, perante tanta insensatez...Esse não quer nada, não deseja nada, não espera nada. De repente, ergue-se o eu irracional,sonhador, que não se conforma com o nada e que, momentaneamente, quer tudo, espera tudo e deseja tudo...
É com esta oscilação, tão esgotante como revitalizadora, que me debato... Alcanço um mínimo de razoabilidade e, logo a seguir, tenho uma vontade incontrolável de uma desrazão que não consigo compreender...


Para quem faz do sonho a vida, e da cultura em estufa das suas sensações uma religião e uma política, para esse primeiro passo, o que acusa na alma que ele deu o primeiro passo, é o sentir as coisas mínimas extraordinária — e desmedidamente. Este é o primeiro passo, e o passo simplesmente primeiro não é mais do que isto. Saber pôr no saborear duma chávena de chá a volúpia extrema que o homem normal só pode encontrar nas grandes alegrias que vêm da ambição subitamente satisfeita toda ou das saudades de repente desaparecidas, ou então nos atos finais e carnais do amor; poder encontrar na visão dum poente ou na contemplação dum detalhe decorativo aquela exasperação de senti-los que geralmente só pode dar, não o que se vê ou o que se ouve, mas o que se cheira ou se gosta — essa proximidade do objecto da sensação que só as sensações carnais — o tacto, o gosto, o olfacto - esculpem de encontro à consciência; poder tornar a visão interior, o ouvido do sonho — todos os sentidos supostos e do suposto — recebedores e tangíveis como sentidos virados para o externo: escolho estas, e as análogas suponham-se, dentre as sensações que o cultor de sentir-se logra, educado já, espasmar, para que dêem uma noção concreta e próxima do que busco dizer.(...)

O sonho é a pior das cocaínas, porque é a mais natural de todas. Assim se insinua nos hábitos com a facilidade que uma das outras não tem, se prova sem se querer, como um veneno dado. Não dói, não descora, não abate – mas a alma que dele usa fica incurável, porque não há maneira de se separar do seu veneno, que é ela mesma.

Não sei quem sou, que alma tenho. Quando falo com sinceridade não sei com que sinceridade falo. Sou variamente outro do que um eu que não sei se existe (se é esses outros). Sinto crenças que não tenho. Enlevam-me ânsias que repudio. A minha perpétua atenção sobre mim perpetuamente me aponta traições de alma a um caráter que talvez eu não tenha, nem ela julga que eu tenho.
Sinto-me múltiplo. Sou como um quarto com inúmeros espelhos fantásticos que torcem para reflexões falsas uma única anterior realidade que não está em nenhuma e está em todas. (...) Sinto-me viver vidas alheias, em mim, incompletamente, como se o meu ser participasse de todos os homens, incompletamente... por uma suma de não-eus sintetizados num eu postiço.


Adoro a beleza inexpressiva de uma escultura ... o belo em estado puro de seres que não existem. É esse o encanto de uma estátua: a alma está em nós, no nosso olhar, na nossa imaginação... Gosta de me sentir escultora de almas: quando absorve essa beleza, é e existe. Uma estátua nunca será tocada pelo tempo, a sua eternidade nunca desaparece. Só a pedra vive sempre, não envelhece e mantém a sua formosura.


Eu era um Dr. Joaquim na boca de toda a gente. Precisava de honrar o título. Entre o poeta natural e o bacharel à força, ia começar um duelo que durou dez anos, tanto como o cerco de Tróia e a formatura de João de Deus. Vivi dez anos, num escritório, a lidar com almas deste mundo, o mais deste mundo que é possível — eu que nascera para outras convivências.

Nunca foi um dos ",meus" poetas, mas foi, sem dúvida, um dos meus amores literários mais intensos...Apaixonei-me pela sua biografia, moldou-me o ser ...A maior parte dos poemas não me emociona, mas identifico-me com a alma que os concebeu e que a esculpiu ...Foi ele que me ensinou que não nascera para o mundo do direito, para a promiscuidade corrupta das alminhas deste mundo..


Meu amigo verdadeiro, quem me vos levou tão longe? Como vos fostes, tudo se tornou tristeza; nem parece ainda senão que estava espreitando já que vos fosses.

É assim o início da primeira novela sentimental da literatura portuguesa... a construção apassivante, que reduz a protagonista a um imobilismo fatalista, a repetição obsediante do verbo parecer, reveladora de que a existência é mera ilusão, são duas das marcas desta novela rara, enigmática, em que , pela primeira vez, um autor abdica do mundo masculino das novelas de cavalaria, fazendo irromper o feminino como valor literário...
Apeteceu-me refugiar neste mágico universo assexuado, de inigualável delicadeza espiritual, em que até os cavaleiros são, afinal, sensíveis como donzelas. Apeteceu-me sentir-me "menina e moça", neste mundo em que as meninas já não são meninas e as moças desapareceram... Outro dia, ocasionalmente, fui parar ao programa bad girls e tive tanta vergonha que me ocorreu uma ideia certamente infundada cientificamente: um homem sensível e inteligente não desenvolverá, inevitavelmente, uma repulsa por mulheres, potenciadora de tendências misóginas?? Não faço ideia, foi algo que me ocorreu, ao ver aquelas fêmeas gritantes, indecorosas, grosseiras, ansiosas de prazeres primários...Por outro lado, os objetos musculados que as rodeiam não são propriamente o arquétipo de binmarder ou de avalor...

Nous nous croyons purs tant que nous méprisons ce que nous ne désirons pas.

Como se pode ser e existir neste mundo? Sinto-me "psiquicamente cercada" e tenho medo, medo do medo, muito medo do medo do medo, medo de mim mesma...

O que me aconteceu? O não-ser é a essência de tudo o que existe. O absoluto é o nada. Sem ciúmes, sem saudades, Sem amor, sem anseios, sem carinhos, Livre de angústias e felicidades, Deixando pelo chão rosas e espinhos; O que me aconteceu? O silêncio ouve-se e ecoa dentro de mim, mas ...não sinto nada. Velas , flores, frases de despedida, saudades eternas não me provocam qualquer emoção, absolutamente nenhuma...O que me aconteceu? Estou lúcido como se não existisse. O meu pensamento é em claro como um esqueleto, sem os trapos carnais da ilusão de exprimir. O que lhe aconteceu? Repercutem-se no meu íntimo as gargalhadas dos outros. Sorrio, rio, mas ...não sinto nada. Copos, brindes, juras de amizade, declarações de amor não me provocam qualquer emoção, absolutamente nenhuma...O que me aconteceu? Falhei em tudo. Como não fiz propósito nenhum, talvez tudo fosse nada. A aprendizagem que me deram, Desci dela pela janela das traseiras da casa. Fui até ao campo com grandes propósitos. Mas lá encontrei só ervas e árvores, E quando havia gente era igual à outra.(...) Nada desejar e nada recear...Não se abandonar a uma esperança - nem a um desapontamento. Tudo aceitar, o que vem e o que foge, com a tranquilidade com que se acolhem as naturais mudanças de dias agrestes e de dias suaves. E, nesta placidez, deixar esse pedaço de matéria organizada, que se chama o Eu, ir-se deteriorando e decompondo até reentrar e se perder no infinito Universo. Apague a luz, feche a porta e deixe de ter barulhos de chinelos no corredor. Fique eu no quarto só com o grande sossego de mim mesmo. É um universo barato. O que me aconteceu? O teu silêncio ecoa dentro de mim e sinto-o como meu. Palavras não ditas atropelam-se, rodopiam ensurdecedoras, provocando-me emoções desencontradas, que absorvem todas as outras ...O que me aconteceu?

I can't see the end of me My whole expanse I cannot see I formulate infinity And store it deep inside me I formulate infinity And store it deep inside me...


Para além do Universo luminoso, Cheio de formas, de rumor, de lida, De forças, de desejos e de vida, Abre-se como um vácuo tenebroso. A onda desse mar tumultuoso Vem ali expirar, esmaecida… Numa imobilidade indefinida Termina ali o ser, inerte, ocioso... E quando o pensamento, assim absorto, Emerge a custo desse mundo morto E torna a olhar as coisas naturais, À bela luz da vida, ampla, infinita, Só vê com tédio, em tudo quanto fita, A ilusão e o vazio universais.

- Para onde há-de ir, Mariana, indo eu degredado? Fica no Porto?
– Não, vou para o degredo, se vossa senhoria me quiser na sua companhia.(...)
- E se eu morrer?
– Se o senhor Simão morrer, eu saberei morrer também.
– Ninguém morre quando quer, Mariana…
– Oh! se morre!… e vive também quando quer…


Qual a relação entre este excerto de Amor de Perdição e os textos anteriores?

Aprende a ser como os outros. Não precisamos de ler, estudar ou conhecer ninguém, quando produzimos nós próprios.... Que nos pode dar o espírito alheio, quando sobre o próprio nosso desceu em línguas de fogo a sabedoria de tudo? Melhor: A verdade é que nem precisamos nós próprios de produzir (toda a produção é uma limitação), ou mal precisamos de produzir, para usufruirmos as vantagens do criador e produtor. (...)
Aprende a contar uma anedota; duas anedotas; três anedotas; quatro anedotas... uma anedota diverte muita gente; quatro anedotas divertem muito mais... Aprende a polvilhar de blague todas essas ideias sérias, pesadas, profundas, obscuras, - simplesmente maçadoras...
Aprende a cultivar aquele subtil espírito de futilidade que ligeiramente embriaga como um champanhe, e a toda a gente agrada, lisonjeia todos, por a todos nos dar a reconfortante impressão de pertencermos ao mesmo meio... estarmos ao mesmo nível; não queiras ser, nem sobretudo sejas, mais inteligente ou mais sensível, mais honesto ou mais sincero, mais trabalhador ou mais culto, mais profundo ou mais agudo... numa palavra: superior.
Sim, homem! Aprende a ser como os outros, dizendo bem ou mal de tudo e todos - conforme - sem os excederes nem te comprometeres demasiado; e deixa-me lá esses Proustes e esses Gides e esses Dostoievskis e esses Tolstois (vem aí o tempo em que todos esses jarrões serão levados para o sótão!), deixa-me essa estética e essa mística e essa metafísica e essa ética (já chegou o tempo de se ver a inutilidade e o ridículo dessa pretensiosa decoração), deixa-me lá esses estrangeiros, e essas estrangeirices.


Tenho de aprender a ser como os outros...
Tous nous serions transformés si nous avions le courage d'être ce que nous sommes...

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