Não é neccessário vivermos ao lado de alguém para nos sentirmos ligados a esse alguém mais do que a qualquer outra pessoa...

terça-feira, 23 de maio de 2017

Olhares...

Um olhar sobre um ideal de beleza do século XVII : o cultismo da poesia barroca, a arte de jogar com as palavras...

(...)Mas, como dar, sem tempo, tanta conta,
Eu, que gastei, sem conta, tanto tempo?
Para dar minha conta feita a tempo,
O tempo me foi dado, e não fiz conta.
Não quis, sobrando tempo, fazer conta.
Hoje, quero fazer conta, e não há tempo.
Oh, vós, que tendes tempo sem ter conta,
Não gasteis vosso tempo em passatempo.
Cuidai, enquanto é tempo, em fazer conta!
Pois, aqueles que, sem conta, gastam tempo,
Quando o tempo chegar, de prestar conta,
Chorarão, como eu, o não ter tempo...


O todo sem a parte não é o todo;
A parte sem o todo não é parte;
Mas se a parte o faz todo, sendo parte,
Não se diga que é parte, sendo o todo.


I lost myself on a cool damp night Gave myself in that misty light Was hypnotized by a strange delight Under a lilac tree... It makes me see what I want to see… And be what I want to be When I think more than I want to think I drink much more than I ought to drink Because it brings me back you...



Um derradeiro olhar...


Julguei que isto era o fim e afinal é o princípio. Aquela fogueira há-de incendiar esta terra! (O clarão da fogueira diminui visivelmente) Adeus, meu amor, adeus. Adeus! Adeus! Adeus! Olhem bem! Limpem os olhos no clarão daquela fogueira e abram as almas ao que ela nos ensina! Até a noite foi feita para que a vísseis até ao fim...Felizmente - felizmente há luar!
(Desaparece o clarão da fogueira. Ouve-se ao longe uma fanfarra que vai num crescendo de intensidade até cair o pano.)


Eu jamais iria para a fogueira por uma opinião minha, afinal,não tenho nenhuma certeza.Porém, eu iria para a fogueira pelo direito de ter opinião e de mudar de opinião , quantas vezes eu quiser...

There are no answers here, when you look out you dont see in There was no promise made, the part you've played,
the chance youtook There's no way out of here, when you come in your in for good




Um breve olhar sobre Hilda Hilst, considerada uma escritora dificílima.

(Ao acordar, a minha solidão tornou-se maior do que eu...) Como me sinto? Como se colocassem dois olhos sobre uma mesa e me dissessem , a mim que sou cego: isso é aquilo que vê, essa é a matéria que vê. Toco os dois olhos sobre a mesa, lisos, tépidos ainda, arrancaram -nos há pouco, gelatinosos, mas não vejo o ver. É assim o que sinto tentando materializar na narrativa a convulsão do meu espírito, e desbocado e cruel, manchado de tintas, essas pardas escuras do não saber dizer, tento amputado conhecer o passo, cego conhecer a luz, ausente de braços tento abraçar-te

Eu não te olho com o teu olho que sabe
Que quase tudo em ti é transitório. Meu olho-liquidez
Descobre uma tarde esvaída, tarde-madrugada(...)
Que a cadela do Tempo me roía, ia roer, rosnava me roendo
Cadela-tempo, tu e eu... que contorno de nada, que coisa ida
Nossa dúplice aventura, que... que sim, que sim...


(…) andam estranhando teu jeito de olhar. Que jeito? Você sabe. É que não compreendo. Não compreende o quê? Não compreendo o olho, e tento enxergar perto. Também não compreendo o corpo, essa armadilha, nem a sangrenta lógica dos dias, nem os rostos que me olham nesta vila onde moro, o que é casa, conceitos, o que são as pernas, o que é ir e vir, para onde (…)?

À leve embriaguez da febre ligeira, quando um desconforto mole e penetrante e frio pelos ossos doridos fora e quente nos olhos sob têmporas que batem — a esse desconforto quero como um escravo a um tirano amado. Dá-me aquela quebrada passividade trémula em que entrevejo visões, viro esquinas de ideias e entre entrepolamentos de sentimentos me desconcerto.Pensar, sentir, querer, tornam-se uma só confusa coisa. As crenças, as sensações, as coisas imaginadas e as actuais estão desarrumadas, são como o conteúdo misturado no chão, de várias gavetas subvertidas...

Como é por dentro outra pessoa Quem é que o saberá sonhar?A alma de outrem é outro universo Com que não há comunicação possível, Com que não há verdadeiro entendimento.Nada sabemos da alma Senão da nossa; As dos outros são olhares, São gestos, são palavras,Com a suposição de qualquer semelhança No fundo.

A beleza dos olhares do senhor Charlus e de Jupien provinha, pelo contrário, do facto de, ao menos provisoriamente, esses olhares não parecerem ter o objetivo de conduzir a qualquer coisa. Essa beleza , era a primeira vez que eu a via manifestada pelo barão e por Jupien.

Eu já não amava Gilberte. Era para mim como uma morta longamente chorada , até que chegou o olvido; e se ressuscitasse já não podia inserir-se numa vida que já não era feita para ela. Já não sentia vontade de a ver, nem sequer a vontade de lhe mostrar que não estava interessado em vê-la, aquela vontade que todos os dias, quando a amava, havia decidido manifestar-lhe quando deixasse de a amar.

E uma vez , tendo dito à frente da princesa de Guermantes que o senhor de Chalrus nutria então um sentimento bastante vivo por uma determinada pessoa, vi com espanto inserir-se nos olhos da princesa aquela expressão diferente e momentânea que traça nas pupilas como que o sulco de uma fenda e que provém de um pensamento que as nossas palavras agitaram sem querer na pessoa com quem falamos , pensamento secreto que não irá exprimir-se por palavras, mas que subirá das profundidades que revolvemos até à superfície do olhar, por instantes alterada.

Olhou-o uma última vez para descobrir um qualquer vestígio do jovem por quem se apaixonara, transformado, agora, num homem, de uma futilidade construída, com rigor e método, indiferente à escrita e à leitura, o reino que um dia os ligou. É estranho ser adulto com uma profundidade invulgar aos 15 anos e um adolescente banal aos 30.

Why can't you see That nature has its way of warning me Eyes open wide Looking at the heavens with a tear in my eye...


Fausto- Sinto horror À significação que olhos humanos Contêm; À prescrutação que dum ser fazem Revelado de gestos e palavras As almas. Não quero entregar-lhes, pois, Em desmando ou abertura do meu ser O que em mim me faz meu. Sinto preciso Ocultar o meu íntimo aos olhares E aos prescrutamentos que olhares mostram; Não quero que ninguém saiba o que sinto, Além de que o não posso a alguém dizer, Mais há que aquilo que dizer não se pode.Não se pode dizer porque não se pode...

Pequenas frases sem sentido, metidas nas conversas que supomos estar tendo, afirmações absurdas feitas com cinzas de outras que já de si não significam nada. O seu olhar tem qualquer coisa de música tocada a bordo dum barco, no meio misterioso de um rio com florestas na margem oposta...

Por quem foi que me trocaram
Quando estava a olhar pra ti?
Pousa a tua mão na minha
E, sem me olhares, sorri.

Depois aperta-me a mão
E vira os olhos a mim...
Por quem foi que me trocaram
Quando estás a olhar-me assim?


É inútil prolongar a conversa de todo este silêncio... Entre nós não houve... Senão os olhares de uma só vontade de dizer. E continuávamos a conversa silenciosa, Interrompida apenas pelo desejo olhado de falar...Sim, é inútil...Há coisas que são difíceis de dizer...Entreolhámo-nos de novo, como transeuntes cruzados.E o pecado mútuo que não cometemos Assomou ao mesmo tempo ao fundo dos dois olhares...

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